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Processo n.º 1021/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A. e B. propuseram uma acção cível contra C. e outros, no essencial, visando
obter o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre uma fracção de um
prédio, com fundamento em usucapião. A acção foi julgada procedente no tribunal
de 1ª instância e na Relação e veio a improceder no Supremo Tribunal de Justiça.
Notificados do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de
Setembro de 2009, que julgou a acção improcedente e absolveu os réus do pedido,
os autores (aí recorridos e ora recorrentes) pediram o “julgamento ampliado da
revista”, nos termos do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil (na redacção
resultante da reforma de 1995/1996), com fundamento em que se encontra em
contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, com outros acórdãos
do mesmo Supremo Tribunal.
O pedido foi indeferido, com fundamento em que o requerimento era
extemporâneo, uma vez que o recurso de revista já fora julgado.
Os requerentes reclamaram para a conferência, tendo o Supremo
Tribunal de Justiça, por acórdão de 25 de Novembro de 2008, decidido:
“[ …]
Ora, no caso concreto, o requerimento é extemporâneo, por o julgamento da
revista já ter sido efectuado e não ter sido requerido nem determinado o seu
julgamento ampliado, antes da prolação do Acórdão que julgou o mesmo recurso.
Já no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 261/02, de 18-6-02 (cuja fotocópia
foi junta a fls. 1053 e segs), se decidiu não julgar inconstitucional, por
violação do art. 20, nº 1, da Constituição, o disposto no art. 732-A do C.P.C.,
quando interpretado em termos do requerimento das partes a que se refere o seu
nº 2 apenas poder ser apresentado até à prolação do Acórdão que julgue a
revista.
Como a Constituição prevês expressamente os tribunais de recurso, pode
concluir-se que o legislador ordinário está impedido de eliminar, pura e
simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso.
Mas não existe na Lei Fundamental um preceito ou princípio que imponha, dentro
do processo civil, a existência de um recurso para uniformização de
jurisprudência.
Como se observa no citado Acórdão do Tribunal Constitucional, a exigência de que
o requerimento a que se refere o nº 2, do art. 732-A, do C.P.C., seja
apresentado até à prolação do Acórdão final pelo Supremo Tribunal de Justiça,
como condição de admissibilidade do julgamento ampliado de revista para efeitos
de uniformização de jurisprudência, situa-se claramente dentro da margem de
liberdade de conformação dos recursos que, como vimos, a Constituição confere ao
legislador ordinário.
Mas dai não resulta que se possa afirmar que o mencionado art. 732-A veda o
acesso aos tribunais.
Pelo contrário, até o permite com mais amplitude do que nas hipóteses normais,
admitindo o requerimento de julgamento ampliado para efeitos de uniformização de
jurisprudência.
Só que estipula as condições em que esse requerimento pode ser apresentado e
deferido, coisa que a Constituição não proíbe que seja feito pelo legislador
ordinário.
Assim, não foram infringidos os arts 2º, 3º, nºs 2 e 3, 9, al. b), 12º, n.º 1,
13º, 18º, 20º, nº 1 e 22º da Constituição, cuja violação os requerentes invocam,
sem contudo dizerem porquê.
Termos em que, mantendo o despacho do Relator, indeferem o extemporâneo
requerimento para julgamento ampliado da revista.”
2. Os requerentes interpuseram, então, recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Neste Tribunal, após apresentação de alegações, o relator proferiu o
seguinte despacho:
“1. Não parecem reunidos os pressupostos para que possa conhecer-se do objecto
do presente recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, pelas
seguintes razões sobre as quais se passa a ouvir as partes, a fim de facultar
oportuna decisão da formação de julgamento:
A)
Os recorrentes não suscitaram qualquer questão de constitucionalidade normativa,
de modo processualmente adequado, perante o Supremo Tribunal de Justiça, em
termos de esse tribunal estar obrigado a dela conhecer, como é exigido pelas
disposições conjugadas da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo
72.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC) para que possa aceder-se ao
Tribunal Constitucional ao abrigo daquela primeira disposição legal.
Com efeito, na reclamação do despacho do relator que não admitiu o julgamento
ampliado de revista para a conferência os recorrentes sustentaram que “no espaço
de tempo decorrido entre a eliminação do “Assento” e o decurso da vigência do
artigo 732.º‑A, o julgamento ampliado de revista compreenda, pelo menos, aquele
alargamento em que não tenha havido intervenção do Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, sob pena de haver uma omissão do legislador ou errada
redacção daquele artigo e ele dever ser considerado inconstitucional por ser
contrário ao Estado de Direito Democrático” e que “de qualquer modo, o despacho
do Senhor Juiz-Conselheiro Relator está ferido de inconstitucionalidade por
violação dos artigos 2º, 3º, nºs. 2 e 3, 9º, alínea b), 12º nº 1, 13º, 18º, 20º,
n.º 1 e 22º da Constituição da República Portuguesa, devendo, por isso, ser
revogado”.
O mais que destes dizeres se retira em matéria de constitucionalidade é que se
imputa directamente ao despacho do relator, que não admitiu o “julgamento
ampliado de revista” por ter sido requerido depois de proferido o acórdão que
julgara o recurso, a violação de regras e princípios constitucionais. Mas não se
coloca a “conferência” perante uma questão inteligível e minimamente
substanciada de violação da Constituição por qualquer norma de que esse despacho
tivesse feito aplicação. Daí que no acórdão recorrido se tenha simplesmente
concluído que “não foram infringidos os artigos 2.º, 3.º, n.ºs 2 e 3, 9, alínea
b), 12.º, n.º 1, 13.º 18.º 20.º, n.º1 e 22.º da Constituição, cuja violação os
requerentes invocam, sem contudo dizerem porquê”.
Assim sendo, não poderá conhecer-se do presente recurso por não cumprimento do
ónus de suscitar a questão de modo adequado perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida.
B)
Mesmo que assim se não entenda, o requerimento de interposição do recurso não
parece satisfazer os requisitos de definição do objecto do recurso exigidos pelo
artigo 75.º -A da LTC.
Com efeito, no requerimento de interposição, depois de longa exposição sobre o
que entendem ser a correcta interpretação da lei, com interesse para a definição
do objecto do recurso colhe-se, apenas, a afirmação de que “[o] acórdão que
negou o alargamento da revista, o artigo 732.º-A do Código de Processo Civil com
a interpretação com que foi aplicado na decisão recorrida e o artigo 11º do
Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto são inconstitucionais, porquanto
violaram os seguintes Princípios e artigos da Constituição da República
Portuguesa”.
E, quando convidados (despacho de fls. 1105) a indicar o sentido preciso da
norma ou normas cuja constitucionalidade querem ver apreciada (artigo 75.º-A,
n.º 6. da LTC), vieram dizer que “as normas que, de modo preciso, se
consideraram aplicadas pela decisão recorrida cuja inconstitucionalidade se
pretende ver apreciada no presente recurso são os artigos 13.º (Princípio da
Igualdade) e 20.º, n.º 1 (Acesso ao Direito), da Constituição da República
Portuguesa”.
Ora, o recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC versa sobre a conformidade à
Constituição das normas infraconstitucionais aplicadas como ratio decidendi pela
decisão recorrida e não sobre as decisões judiciais em si mesmo consideradas. E
os preceitos da Constituição, as regras e princípios neles inscritos, constituem
parâmetro do controlo que cabe ao Tribunal em recurso de fiscalização concreta,
não objecto deste.
C)
De todo o modo, na hipótese de se vierem a considerar minimamente reunidos os
pressupostos para conhecimento do recurso em alguma parte, tal só seria
conjecturável relativamente à norma do n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC, na
redacção anterior às alterações resultantes do Decreto-Lei 303/2007, de 24 de
Agosto, quando interpretado no sentido de que o requerimento das partes aí
referido tem de ser apresentado ate à prolação do acórdão que julga a revista,
que foi a aplicada pelo acórdão recorrido.
Tudo o mais que o recorrente refere nas alegações apresentadas extravaza do
objecto possível do recurso, quer por não respeitar a questões suscitadas
perante o Supremo Tribunal de Justiça, quer por não incidir sobre normas
aplicadas pelo acórdão recorrido, quer por constituir uma ampliação inadmissível
do objecto do recurso.
2. Assim, afigurando-se-me razoavelmente sustentável que venha a proferir-se
decisão de não conhecimento do objecto do recurso, notifique as partes para
dizerem o que tiverem por conveniente.
Os recorrentes responderam nos seguintes termos:
“(…)
No seu requerimento de fls. 1011, face à contradição do Acórdão daquele Supremo
Tribunal, de fls. 990, que concedeu à revista, com outros acórdãos dele sobre a
mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, invocando a
necessidade de uniformização de jurisprudência e dado que o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça, até à prolação daquele acórdão, nada tinha
determinado para assegurar aquela uniformidade de jurisprudência, não obstante
julgarem inconstitucional o nº 1 do artigo 732-A do Código de Processo Civil, na
interpretação que tiveram que fazer de que, na ausência daquela determinação, o
julgamento ampliado teria, então, que ser feito nos termos do nº 2 daquele
artigo, uma vez que neste, sem mais, destacadamente do nº 1, sem indicação de
prazo, se determina que o julgamento pode ser requerido por qualquer das partes
ou pelo Ministério Público, os Recorrentes requereram o julgamento ampliado da
revista, no prazo geral de 10 dias do artigo 153º do Código de Processo Civil.
+Sucedeu que o Despacho do Relator de fls. 1038 e 1039 indeferiu aquele
requerimento, com o fundamento de que ele era extemporâneo por ter sido
apresentado depois da prolação do acórdão que concedeu a revista.
Porém, ao fazê-lo, aquele Despacho agarrou-se ao nº 1 do artigo 732º-A do Código
de Processo Civil e subordinou inteiramente o nº 2 daquele artigo ao seu nº 1,
quando, com o alargamento do recurso de revista, se visa assegurar a
uniformidade de jurisprudência através da intervenção do Plenário dos Juízes das
Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, que aquele nº 2 consagra e,
lógica e naturalmente se impõe, quando o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça nada determina quanto à uniformidade, sob pena de inconstitucionalidade
do nº 1 daquele artigo ou de todo ele.
Por isso, os ora Recorrentes, a fls, 1043, vieram reclamar daquele Despacho para
a Conferência e, nessa reclamação, levantaram expressamente a questão da
inconstitucionalidade daquele artigo ao, basicamente, referirem que a
uniformização da jurisprudência é constitucionalmente imposta por todas as
situações jurídicas em que surja ou haja possibilidade de vencimento de solução
jurídica que esteja em contradição com jurisprudência anteriormente formada,
suceda isso antes ou depois da decisão de um concreto pleito, julgado ou a
julgar e, consequentemente, referirem que o alargamento do recurso de revista
para uniformização de jurisprudência ficar subordinado, tão só, a decisão do
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ser inconstitucional por ser contrária
ao Estado de Direito Democrático.
Daí que, fundado que foi aquele Despacho naquele artigo 732-A, os Recorrentes
tenham declarado na sua reclamação que, por omissão do legislador ou errada
redacção daquele artigo, ele era inconstitucional por violação dos artigos 2º e
9º, 3º nº 2, 12º, nº 1, 13º, 18º, 20º, nº 1, e 22º da Constituição da República
Portuguesa.
Indeferindo aquela reclamação, o acórdão de fls. 1078 a 1080 manteve,
inteiramente, o Despacho de fls. 1038 e 1039, cingindo-se ao artigo 732-A, sem
abordar a questão da sua constitucionalidade.
Foi assim que os Recorrentes, a fls. 1083 e seguintes, interpuseram o presente
recurso daquele acórdão para esse Tribunal e o fundamentaram em termos de ele
ser entendido como recurso de decisão que aplicou norma cuja
inconstitucionalidade foi suscitada, o artigo 732-A- do Código de Processo
Civil, como inequivocamente resulta da leitura da petição daquele recurso e do
esclarecimento dela, feito quanto ao seu objecto como recurso de fiscalização
concreta da constitucionalidade daquele artigo 732-A - do Código de Processo
Civil.
Tanto assim, que foi dentro do entendimento de que o artigo 732-A - do Código de
Processo Civil é inconstitucional, que nas alegações, designadamente na
conclusão 15ª, foi pedido que fosse tirado acórdão declarando inconstitucionais
os nºs 1 e 4 daquele artigo 732-A e, consequentemente, o acórdão de fls. 990 e
seguintes, que concedeu a revista, o Despacho de fls. 1038 a 1039 e o acórdão da
Conferência de fls. 1078.
Segundo o nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, as DECISÕES de
que se pode recorrer para esse Tribunal são as que aplicam normas cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo e, segundo o nº 2,
do artigo 72º da mesma Lei, os recursos a que aquela alínea se refere só podem
ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade
ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida –, em termos de ela estar obrigada a dele conhecer.
Ora, estamos na presença de um processo de fiscalização concreta da
constitucionalidade e tudo quanto atrás se expôs e se vê dos autos, mostra clara
e concretamente os termos especiais e fundamentados como foi desencadeada a
questão da constitucionalidade do artigo 732-A – do Código de Processo Civil
pelos Recorrentes, embora em economia processual se tentasse aproveitar o nº 2
daquele artigo.
Por outro lado, a Lei nº 28/82 fala em Recurso de DECISÕES JUDICIAIS QUE
APLIQUEM NORMA INCONSTITUCIONAIS, donde se tem de concluir que são essas
decisões em si mesmas consideradas que são objecto do recurso, sob pena de,
assim não ser entendido, se restringirem os poderes do Tribunal Constitucional,
mas mesmo que se entenda que são objecto dele as normas infraconstitucionais
aplicadas como. “ratio decidendi”, dada a estreita ligação entre o invocado
pelos Recorrentes quanto á prova da inconstitucionalidade do artigo 732-A ,com
base nos princípios e normas constitucionais em confronto com as decisões
judiciais havidas integram as normas infraconstitucionais aplicadas como “ratio
decidendi”.
De resto, é de ponderar que o presente recurso foi admitido no Supremo Tribunal
de Justiça e nesse Tribunal.
Desta maneira, salvo o devido respeito, não sem registar o excessivo formalismo
ou ritualismo com que é sustentado o proferir-se decisão do não conhecimento do
objecto do recurso, em contrário, entende-se que se verificam todos os
pressupostos e requisitos que, em termos não tão rigorosos, a Lei fixa quanto à
interposição do recurso e que os Recorrentes, de forma bem fundamentada e
claramente indicadora e justificativa do objecto do recurso plenamente
preenchem, firmados no valor Justiça, que é o que sobreleva a tudo no seu
processamento e julgamento.”
Os recorridos sustentaram que não deve conhecer-se do objecto do recurso por
falta dos necessários pressupostos.
3. Impõe-se, antes de mais, saber se pode conhecer-se do objecto do
recurso.
Desde logo, a resposta tem de ser negativa pelas razões que constam do despacho
do relator acima transcrito (fls. 1144 e segs.) que, no essencial, se reiteram.
O Tribunal recorda alguns aspectos do regime do recurso de fiscalização concreta
de constitucionalidade, limitando-se àqueles pressupostos e requisitos com
alguma pertinência para o caso e fazendo-o de modo esquemático porque
correspondem a evidências do texto constitucional (artigo 280.º da Constituição)
e legal (maxime artigos 70.º e 72.º da LTC) e a jurisprudência constante.
Assim:
(i) No nosso sistema jurídico, o recurso de fiscalização concreta de
constitucionalidade só pode ter por objecto a verificação da conformidade à
Constituição de normas jurídicas e não de decisões judiciais, em si mesmo
consideradas. É certo que o objecto do recurso em sentido processual (o objecto
imediato) é uma decisão judicial. Mas, o objecto de pronúncia do Tribunal, em
sentido material, é a norma aplicada (ou, se for o caso, a que tenha sido
recusada aplicação) pela decisão recorrida. O vício de inconstitucionalidade, a
violação de regras ou princípios constitucionais, tem sempre de ser referida a
uma norma jurídica, não ao acto judicial que dela faz aplicação.
(ii) O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC só pode
versar sobre normas aplicadas pela decisão recorrida, isto é, que integrem a sua
ratio decidendi.
(iii) Normas essas cuja inconstitucionalidade o recorrente tenha suscitado, de
modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. O que, quanto ao
modo, exige um mínimo de argumentação destinada a convencer que a norma infringe
regras ou princípios constitucionais, não bastando a mera afirmação de que um
dado preceito legal é inconstitucional. E que, quanto ao tempo, torna
irrelevante, em regra, a arguição mediante incidentes posteriores à decisão, que
não são idóneos para colocar questões de constitucionalidade relativamente a
normas que na decisão foram ou deveriam ser consideradas.
(iv) Só assim não será, num entendimento funcional do referido ónus, naqueles
casos, excepcionais ou anómalos, em que o recorrente não tenha disposto de
oportunidade para suscitar a questão de constitucionalidade, agindo com a devida
diligência, ou em que o poder judicial quanto a determinada questão se não
esgote com a prolação da decisão.
(v) No requerimento de interposição do recurso o recorrente tem o ónus, além do
mais, de identificar a decisão recorrida e indicar de modo preciso a norma cuja
inconstitucionalidade quer ver apreciada. O que implica, quando se impugna a
constitucionalidade de um determinado sentido normativo, enunciar esse sentido
mediante uma proposição clara que o Tribunal, na hipótese de provimento do
recurso, possa adoptar no seu julgamento em ordem a habilitar o tribunal da
causa a reformar a decisão em conformidade.
4. No caso, a decisão recorrida só pode ser o acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça de 25 de Novembro de 2008, porque foi este acórdão que,
confirmando o despacho do relator, decidiu definitivamente a pretensão que os
recorrentes formularam no requerimento de 25 de Setembro de 2008, “nos termos e
ao abrigo do n.º 2 do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, com a redacção
anterior ao Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto”, de julgamento ampliado
da revista.
Só pode estar em apreciação, porque só isso se decidiu, uma questão
relativa à oportunidade do requerimento das partes. O acórdão de 9 de Setembro
de 2008, que julgou a revista em sentido desfavorável aos recorrentes, a
necessidade de uniformização de jurisprudência e o sentido que deve prevalecer
quanto à questão de fundo, a que os recorrentes fazem referência, são matéria
estranha ao presente recurso de constitucionalidade.
A norma que essa decisão aplicou para decidir que aquela pretensão era
extemporânea foi a do n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC interpretada no sentido de
que o requerimento das partes aí referido tem de ser apresentado ate à prolação
do acórdão que julga a revista. Assim, só essa norma poderia, cumpridos os mais
requisitos do recurso, ser objecto de pedido de apreciação de
constitucionalidade no recurso interposto pelo recorrente.
Mas, para tanto, tinham os recorrentes o ónus de colocar previamente a questão
na reclamação do despacho do relator para a conferência, confrontando esta
solução normativa com regras ou princípios constitucionais, de modo claro,
perceptível e com um mínimo de substanciação, em termos de esse órgão dever
saber que se pretendia que lhe recusasse aplicação com fundamento em
inconstitucionalidade.
Ora, esta exigência não se mostra satisfeita na reclamação para a conferência,
onde o que se diz ferido de inconstitucionalidade é o despacho do relator de que
então se reclamava. Efectivamente, para que se considere suscitada uma questão
de constitucionalidade normativa não basta a afirmação de que o artigo 732.º-A
do Código de Processo Civil tem de ser interpretado em determinado sentido “sob
pena de haver uma omissão do legislador ou errada redacção daquele artigo e ele
dever ser considerado inconstitucional por ser contrário ao Estado de Direito
Democrático”.
Não pode, pois, considerar-se que os recorrentes tenham suscitado a
questão de constitucionalidade em termos que determinassem o respectivo
conhecimento pelo Supremo Tribunal de Justiça, o que explica a afirmação contida
no acórdão recorrido de que “não foram infringidos os artigos 2.º, 3.º, nºs 2 e
3, 9, alínea b), 12.º, n.º 1, 13.º, 18.º, 20.º, n.º 1 e 22.º da Constituição,
cuja violação os requerentes invocam, sem contudo dizerem porquê”.
5. Aliás, mesmo que assim se não entendesse e se considerassem
preenchidos os pressupostos do recurso de constitucionalidade e cumpridos os
requisitos de interposição quanto à única questão disso susceptível –
relembra-se, a norma do n.º 2 do artigo 732.º-A do CPC, na redacção do
Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, interpretada no sentido de que o
requerimento das partes aí referido tem de ser apresentado ate à prolação do
acórdão que julga a revista –, nunca poderia conhecer-se do recurso, face aos
termos das alegações.
Efectivamente, nas alegações os recorrentes abandonaram esta
questão, relativa à oportunidade do requerimento da parte, para passarem a
ocupar-se de aspectos do regime do recurso ampliado de revista que são matéria
de outras normas e que não foram objecto de apreciação no acórdão recorrido.
Designadamente, os recorrentes passaram a ocupar-se da atribuição ao presidente
do Supremo Tribunal de Justiça do poder de determinar (ou não) o julgamento
ampliado da revista nos termos do n.º 1 do artigo 732.º-A, em vez de se ocuparem
da única questão que poderia estar em discussão que é a sujeição do requerimento
da parte para julgamento ampliado à preclusão resultante de já ter ocorrido o
julgamento (normal) da revista.
5. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso
e condenar os recorrentes nas custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte)
UCs.
Lisboa, 12/05/2009
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão