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Processo n.º 204/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Lisboa, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o
Ministério Público, o relator proferiu decisão sumária nos termos seguintes:
«2. Os recorrentes pretendem ver apreciadas duas questões.
A primeira refere-se à «inconstitucionalidade interpretativa da norma contida no
artigo 254.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, em conjugação e concomitância
com as normas dos artigo 24.°, n.° 5, alínea a), artigo 26.°, n.° 1, artigo
31.°, n.°s 1 e 2, todos estes da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, na redacção
anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.° 47/2007, de
28 de Agosto, aplicável in casu, com a interpretação emanente da decisão sumária
proferida pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, confirmando a anterior
da 1.ª Instância, ainda que ambas imperfeitamente expressas, de que se basta a
norma da presunção de notificação com a informação dada aos autos de que ela foi
efectuada por correio simples em dia determinado, sem necessidade de aferição da
data do registo postal.».
Os recorrentes afirmam que suscitaram esta questão, perante o Tribunal da
Relação de Lisboa, na reclamação que apresentaram da decisão sumária do relator
naquele Tribunal, proferida em 26.08.2008. Mas nessa reclamação limitam-se a
referir o seguinte:
«(…) numa interpretação normativa que os recorrentes subscrevem e que têm por
correcta [a posição do Ministério Público que aí transcrevem], o entendimento
diferente daquelas normas plasmado na decisão sumária ora submetida à
conferência é, de todo, inconstitucional, por violação dos artigos 3.º, n.º 2,
13.º, 18.º, n.ºs 1 e 2, 20.º, n.ºs 1, 4 e 5, 202.º, n.º 2, 203.º, 266.º, e
268.º, n.º 3, todos da Constituição da República Portuguesa, o que aqui se deixa
arguido para todos os efeitos legais» (cfr. fls. 179 dos autos).
Do exposto resulta que os recorrentes não suscitaram de forma adequada, perante
o tribunal recorrido, uma questão de constitucionalidade.
Desde logo porque não foram capazes de enunciar a interpretação normativa,
alegadamente adoptada na decisão sumária. Somente dizem que está em causa “o
entendimento diferente daquelas normas plasmado na decisão sumária”.
Como este Tribunal tem reiteradamente afirmado, quando um recorrente pretende
questionar a conformidade constitucional de uma determinada interpretação
normativa, deve identificar expressamente o sentido ou dimensão normativa
atribuído à norma em causa que considera inconstitucional. Só assim o recorrente
cumpre o ónus de delimitação do objecto do recurso e, além disso, só dessa forma
se garante que, caso o Tribunal Constitucional venha a julgar inconstitucional
essa mesma norma − entendida nesse preciso sentido − possa enunciar, na decisão
que proferir, de modo a que o tribunal recorrido e todos os operadores jurídicos
disso fiquem cientes, qual a interpretação que não pode ser adoptada, por ser
incompatível com a Constituição (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos n.º
450/2004 e 405/2006).
Acresce que ainda que se entenda dispensável esta indicação explícita − nos
casos em que é possível retirá-la, de forma absolutamente segura e inequívoca,
da leitura cruzada das peças processuais − esse entendimento não pode ser
aplicado neste caso. Pois a questão aparentemente visada pelos recorrentes
respeita a um problema de registo da notificação postal e da prova desse mesmo
registo, feita no caso concreto, questão que, manifestamente, carece de natureza
normativa, como também o comprova o teor do próprio requerimento de interposição
do recurso, que se centra na defesa da interpretação que in casu os recorrentes
consideram correcta.
Conclui-se, assim, que a falta de indicação − perante o tribunal recorrido, bem
como no próprio requerimento de interposição do presente recurso − da dimensão
normativa cuja constitucionalidade se pretende questionar é, só por si,
fundamento para o não conhecimento do objecto do recurso (artigos 70.º, n.º 1,
alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
3. A segunda questão que os recorrentes pretendem ver apreciada é a da
«inconstitucionalidade interpretativa da norma contida no artigo 145.°, n.° 7,
do Código de Processo Civil, na sua conjugação com as normas dos seus artigos
514.° e 515.°, aplicáveis ex vi artigo 4.° do Código de Processo Penal, com a
interpretação expressa nas decisões ora sindicadas constitucionalmente de que
não sendo a regra sancionatória pelos atrasos processuais um encargo normal do
processo não pode o beneficiário de apoio judiciário estar abrangido pela regra
da dispensa do pagamento dessa sanção.»
Ainda que imperfeitamente expressa, a questão ora colocada pelos recorrentes (e
por eles suscitada na conclusão 9.ª do recurso de fls. 142 dos autos, ainda que
em termos igualmente pouco rigorosos) é a da conformidade constitucional da
norma do artigo 145.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, quando interpretada
no sentido, explanado no acórdão recorrido, de que «o apoio judiciário não cobre
“actuação negligente ou dolosa tendente à dilatação indevida dos prazos legais,
em detrimento do tratamento de igualdade em que os restantes utentes processuais
não isentos estariam colocados (…)”».
O Tribunal Constitucional já apreciou esta dimensão normativa, pronunciando-se
sempre no sentido da sua não inconstitucionalidade.
Assim, no Acórdão 723/98, seguindo jurisprudência anterior deste tribunal, aí
citada, escreveu-se o seguinte:
«Cumprindo o imperativo constitucional de assegurar o acesso ao direito (artigo
20º da Constituição da República Portuguesa), a lei ordinária, através do
instituto do apoio judiciário confere a possibilidade de aceder aos tribunais,
de qualquer grau hierárquico, mesmo às pessoas que não disponham de meios
económicos necessários para recorrer aos serviços de um mandatário judicial ou
para satisfazer os custos da subida de um recurso.
O instituto do apoio judiciário não abrange – nem, para cumprir a respectiva
função, teria de abranger – o pagamento de multas. Na verdade, as multas não
integram o 'preço' do serviço de justiça, não constituem a contrapartida da
prestação de qualquer serviço público. As multas têm antes carácter
sancionatório, são sanções processuais, de natureza pecuniária, impostas à parte
que, no decurso do processo, não cumpre adequada e tempestivamente os seus
deveres.»
No mesmo sentido, mas com maior desenvolvimento, refere-se o seguinte no Acórdão
n.º 197/2006:
«O facto de o interessado beneficiar de apoio judiciário não o dispensa do
pagamento das multas processuais que sejam condição de validade dos actos
praticados com inobservância dos prazos peremptórios, a que se refere o artigo
145.º do CPC. Efectivamente, como se afirma no acórdão n.º 17/91, publicado no
Boletim do Ministério da Justiça, n.º 404 (cfr. também, além do acórdão citado
no despacho reclamado, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março
de 1994, Colectânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça,
Ano II, tomo I, pág. 167), essa multa não cabe no conceito legal de custas
(artigo 1.º e artigo 74.º do Código das Custas Judiciais), nem está abrangida no
elenco de benefícios do apoio judiciário (artigo 15.º da Lei n.º 30-E/2000, de
20 de Dezembro).
Contra este entendimento não milita o elemento teleológico de interpretação da
lei, nem o princípio da interpretação conforme à Constituição, designadamente o
direito de acesso aos tribunais e o direito a um processo equitativo (artigo
20.º, n.ºs 1 e 4 da Constituição). Uma vez obtida a concessão do apoio
judiciário, traduzido na dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o
processo, a parte com insuficiência económica não pode considerar-se impedida,
por causa dessa insuficiência, de defender judicialmente os seus direitos e
interesses legalmente protegidos. E fica colocada no mesmo plano de igualdade
que o interessado que possa suportar esses pagamentos. Ambas têm de se submeter
às regras processuais, nomeadamente quanto a prazos, só podendo praticar o acto
fora de prazo em caso de justo impedimento ou com multa. É certo que, no plano
fáctico, a multa pesa diferentemente em função da situação económica de quem a
suporta. Mas a multa é consequência da inobservância do prazo, pelo que, suposta
a razoabilidade deste, a parte se queixará de si própria. Resquício de objecções
que possam subsistir – e só poderão emanar de considerações relativas ao direito
a um processo equitativo, na vertente do princípio da igualdade – são corrigidas
pelo n.º 7 do artigo 145.º do CPC.
3.2. A faculdade de redução ou dispensa da multa ao abrigo do n.º 7 do artigo
145.º do CPC constitui uma providência excepcional. Permite a adequação da
sanção processual para a prática tardia do acto, quer relativamente à situação
económica do responsável (manifesta carência económica), quer na relação entre o
montante da multa e a repercussão do atraso no bom andamento da lide e, até, a
relevância processual do acto (princípio da proporcionalidade). Porém, enquanto
a redução fundada no carácter desproporcionado da sanção se obtém com base em
factos que, geralmente, serão revelados pela marcha processual e pelo regime
legal de cálculo da multa, já cabe sempre ao interessado, quando pedida a
redução ou dispensa com fundamento em manifesta insuficiência económica, o ónus
da alegação e prova dos factos integradores dessa situação juridicamente
relevante, que são constitutivos do direito que se arroga (artigo 342.º, n.º 1
do Código Civil), que tem de ser actuais e que são externos ao processo. A
circunstância de a parte beneficiar de apoio judiciário – que já vimos não
abranger a multa – não dispensa do ónus de alegação precisa dos factos
pertinentes ao deferimento dessa outra pretensão. Basta ver – além do aspecto
posto em destaque no despacho reclamado, de que a apreciação tem de ser referida
à situação económica actual do interessado e que esta pode ter melhorado – que o
conceito de insuficiência económica é sempre um conceito relativo (de
determinada capacidade ou disponibilidade, para determinados encargos) e que a
concessão de um e outro benefício depende do preenchimento de conceitos
jurídicos com diferente recorte. Para obter apoio judiciário basta a
“insuficiência de meios económicos” (n.º 1 do artigo 1.º), a prova da
“insuficiência económica” provada ou presumida (artigos 19.º e 20.º da Lei n.º
30 E/2000). Para que o pagamento da multa seja dispensado ou esta seja reduzida
é necessário que o interessado esteja em situação de “manifesta carência
económica” para suportá-la. Há aqui a exigência de uma situação de mais
acentuada incapacidade económica O que bem se compreende porque no primeiro caso
se trata de viabilizar o acesso aos tribunais e no segundo de corrigir a
desproporção de um obstáculo às condições desse acesso que tem a sua causa
imediata no incumprimento do prazo, (processualmente) imputável ao requerente.»
A fundamentação destes arestos − com a qual concordamos − é inteiramente
transponível para o caso em apreço, em que estava em causa o pagamento, pelos
recorrentes, beneficiários de apoio judiciário, de multa processual devida por
“entrega de requerimento no segundo dia útil ao do termo do prazo”.
Pelo que, reiterando o juízo de não inconstitucionalidade constante da
jurisprudência citada, julga-se o recurso improcedente quanto a esta questão.
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se:
a) Não conhecer do objecto do recurso quanto à questão referente à norma do
artigo da “norma contida no artigo 254.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, em
conjugação com as normas dos artigo 24.°, n.° 5, alínea a), artigo 26.°, n.° 1,
artigo 31.°, n.°s 1 e 2, todos estes da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, na
redacção anterior à entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.°
47/2007, de 28 de Agosto”;
b) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 145.º, n.º 7, do CPC, na
interpretação segundo a qual o apoio judiciário não cobre actuação negligente ou
dolosa tendente à dilatação indevida dos prazos legais, em detrimento do
tratamento de igualdade em que os restantes utentes processuais não isentos
estariam colocados, pelos fundamentos constantes, nomeadamente, do Acórdão n.º
197/2006; e, consequentemente,
c) Julgar o recurso improcedente, em conformidade com o juízo de não
inconstitucionalidade referido em b).»
2. Notificados da decisão, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«[…] Em síntese, serve de sustentação à primeira das questões de
inconstitucionalidade interpretativa apreciadas sucintamente na doutíssima
decisão sumária em causa a invocada falta de suscitação de forma adequada
perante o tribunal recorrido da questão de constitucionalidade, por indefinição
da dimensão normativa a apreciar.
Olvida, no entanto, esta decisão sumária que foi invocada pelos Recorrentes uma
primária imperfeição na fundamentação que pudesse exprimir a interpretação da
norma em ambas as decisões que antecediam o presente recurso, como se alcança do
texto: “(...)com a interpretação imanente da decisão sumária proferida pelo
Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, confirmando a anterior da 1.ª
Instância, ainda que ambas imperfeitamente expressas(...)” — sublinhado de agora
para facilidade de entendimento.
De facto, existe uma deficiência grave na fundamentação dessas decisões que
impede uma clara percepção da tese doutrinal que as sustenta, mesmo após a
reclamação para a conferência do tribunal a quo, facto inquestionável que jamais
poderá prejudicar os Recorrentes no seu direito à justiça constitucional.
A isto acresce o inesperado, imprevisto e inusitado da tese que -
imperfeitamente expressa, repete-se - se logra alcançar do confuso conjunto de
raciocínios que pretendem sustentar a(s) decisão(oes) e que os Recorrentes
resumiram como puderam no requerimento recursivo apresentado ante este subido
tribunal: “(...)de que se basta a norma da presunção de notificação com a
informação dada aos autos de que ela foi efectuada por correio simples em dia
determinado, sem necessidade de aferição da data do registo postal”.
O inusitado de uma tal interpretação normativa foi expressa, de modo prévio e
perfeito, no mesmo requerimento, em sede de invocação de inconstitucionalidade,
como se afere pelo seu texto: “(...)matéria que foi suscitada expressamente em
sede de Reclamação dos Recorrentes apresentada após a decisão sumária do
Venerando Tribunal da Relação a quo e só então em vista do inusitado e
inesperado dessa tese de tão invulgar teor e alcance.” — sublinhado de agora,
pelas mesmas razões do antecedente.
É assim que, sem perder de horizonte a exigência legal de suscitação oportuna
ante as instâncias primitivas, se apresentaram, desde logo, no requerimento
decidendo as razões do imprevisto, inesperado e inusitado entendimento
normativo, verdadeiramente invulgar na jurisprudência conhecida, não se podendo
também escamotear que a jurisprudência deste Tribunal Constitucional tem vindo a
assegurar o direito ao recurso sempre que ao interessado não se pudesse ter
exigido que antevisse a possibilidade de aplicação de uma interpretação da norma
tão insólita quanto a do caso em apreço, de modo a impor-se-lhe o ónus de
suscitar a questão mesmo antes da decisão.
De resto, se na conclusão 9.ª do recurso interposto para o TRL os recorrentes
limitaram a suscitação de inconstitucionalidade interpretativa à questão da
segunda das normas — que infra se apreciará também - é exactamente porque não
antolhou qualquer probabilidade de a fundamentação de 1.ª Instância, a que o
tribunal superior aderiu depois, não ser mais que um grosseiro erro na
interpretação da prova, como se alcança da conclusão 3.ª desse mesmo recurso que
ora se transcreve para mais fácil apreciação:
“Só o erro grosseiro manifesto na apreciação dos documentos de fls. 106 a 108
dos presentes autos e sua indevida valoração pode fazer concluir pela
extemporaneidade da prática do acto e correlativa aplicação de multa processual
para sua validação, documentos esses que impõem decisão diversa.”
Não seria razoável prever, nada na decisão primária o faria acautelar, que esse
erro grosseiro fosse afinal uma sui generis interpretação da regra processual do
n.° 2 do art.° 254.° no sentido de fazer presumir a recepção das notificações
sem prova mínima da sua efectiva existência e data de remessa através de via
postal registada, cuja exigência tem assento na letra da lei e não cabe
interpretação diversa quanto ao seu espírito por submissão ao dispositivo do
art.° 9.°, n.° 1, do Código Civil.
O conjunto de normativos subsidiários à norma legal cuja inconstitucionalidade
se invocou expressa e formalmente apontavam apenas e só para um erro grosseiro
na apreciação da prova existente nos autos, jamais para tão inusitada
interpretação legislativa.
Mas, expresso esse entendimento pelo tribunal a quo, mesmo que
sucinto e meramente indiciário, logo os recorrentes se apressaram a invocar a
violação da lei fundamental de uma tão invulgar tese interpretativa em sede de
reclamação para a conferência do TRL, como segue:
“Também no que tange ao quarto dos problemas em equação na presente reclamação
não alcançam os recorrentes em momento algum, tampouco em local algum do
processo, prova suficiente para se deixar tão taxativamente assente a data da
notificação da Ordem dos Advogados à recorrente A. nomeando-lhe patrona
oficiosa.
Pese embora o muito respeito que esta prestimosa instituição lhes merece, porque
errare humanum est, não pode merecer acolhimento, de forma alguma, a simples
declaração dos seus serviços administrativos de que a data aposta no oficio
corresponde com rigor ao dia da entrega nos serviços postais para entrega no
domicilio da recorrente.
E qualquer presunção de que essas datas correspondem não é legalmente
admissível, como bem referiu o Digno Procurador-Adjunto nas suas
contra-motivações.
Para além de que mesmo que fosse admissível como prova tal declaração da Ordem
dos Advogados - sem conceder - a sua força probatória e a presunção dela
retirada é elidida pelos documentos que os recorrentes fizeram juntar à sua
posição aquando da oportunidade processual do n.° 2 do art.° 417. ° CPP.
Nesses documentos se constata que as datas dos ofícios não correspondem às datas
de carimbo dos serviços postais apostas nos respectivos envelopes, quiçá porque
tais ofícios serão datados automaticamente pelo sistema informático o que,
especialmente se ocorrer afinal do dia, poderá não corresponder à efectiva
entrega para expedição.
Matéria extraída sem dificuldade das regras da experiência comum ao alcance do
bónus paterfamilias e que, de pública e notória, carece sequer de prova, ao
invés é à remessa postal da notificação, necessariamente registada, que é
exigida prova bastante, sendo lapidar a posição da Procuradoria da República na
1.ª Instância que, data venia, os recorrentes se atrevem a transcrever, com
sublinhado de sua autoria, pela sua relevância in casu:
Assim, o art.° 254.º, n.° 2, do C.P. C., passou a estatuir que «a notificação
postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro
dia seguinte a esse, quando o não seja». (...)
Deste modo, para considerar-se presumida a notificação, estabelecendo a lei unia
dilação de três dias sobre a data do registo da carta, terá de, previamente,
provar-se o facto essencial da expedição da carta sob registo ao notificando.
(...) é óbvio que inexiste qualquer registo das mencionadas notificações.
Assim sendo, não bastando a afirmação do Conselho Distrital da Ordem dos
Advogados desacompanhada de comprovativo, e porque é necessário saber, com
rigor, em que data, designadamente, se considera notificada a patrona nomeada à
requerente, atento, também, o disposto nos art.°s 24.°, da Lei n.° 34/2004, de
29.07, e 254.° do C.P.C., ter-se-á que concluir pela procedência do recurso.
Como daqui resulta, numa interpretação normativa que os recorrentes subscrevem e
têm por correcta, o entendimento diferente daquelas normas plasmado na decisão
sumária ora submetida à conferência é, de todo, inconstitucional por violação
dos art.°s 3.°, n.° 2, 13.º, 18.º, n.°s 1 e 2, 20.°, n.°s 1, 4 e 5, 202.°, n.°2,
203.º, 266.°, e 268.°, n.°3, todos da Constituição da República Portuguesa, o
que aqui se deixa arguido para todos os efeitos legais.”
Por tudo isto a especialidade desta situação abre o precedente à regra geral da
suscitação atempada durante o processado segundo o conceito doutrinário que se
passa a transcrever com a devida vénia:
“A orientação geral de que, após a prolação da decisão já não é possível
suscitar a questão da inconstitucionalidade, também não é de aplicar naqueles
casos «anómalos» ou «excepcionais» em que o recorrente é confrontado com uma
situação de aplicação ou interpretação normativa de todo imprevista e
inesperada, feita pela decisão. Aqui o interessado não dispõe de «oportunidade
processual» para suscitar a questão antes de esgotado o poder jurisdicional do
tribunal a quo, por não poder antever a possibilidade dessa aplicação (acs.
61/92, 188/93, 181/96, 569/95, 596/96).”
E é esta jurisprudência que, em nome da mais elementar justiça em questão tão
capital quanto o cerceamento do acesso ao direito e aos tribunais por violação
de preceitos legais pacíficos até ao momento da decisão recorrida, que os
recorrentes invocam para sustentar a possibilidade efectiva de aceder à
fiscalização deste Tribunal Constitucional no que tange ao entendimento das
instâncias ordinárias sobre a vexata quaestio do presente recurso e que se lhes
perfila como suscitada de forma e em tempo adequados logo que percepcionada
minimamente, merecendo, por isso, conhecimento perfeito e integral após a
tramitação necessária, o que se requer.
* * *
Já no que diz respeito à segunda das normas arguida de inconstitucionalidade
interpretativa contém ela também um erro de apreciação que inquina fatalmente
todo o raciocínio que preside e sustenta o recurso interposto.
De facto, a raiz desta parte da decisão sumária sob reclamação é a existência de
decisões anteriores deste subido tribunal quanto à mesma questão, tomada esta
como sendo a de que, em súmula, o benefício de apoio judiciário dispensa o seu
titular do pagamento de multas processuais por se considerarem elas objecto da
abrangência desse instituto, o que até é diferente do elencado em sede de
interposição de recurso.
Ora, atentos aos fundamentos do pedido de dispensa de pagamento de multa
processual nos termos do n.° 7 do art.° 145.° do Código de Processo Civil
inicialmente requerido pela Recorrente mulher terá sempre que se verificar que
este assenta na sua grave situação de insuficiência económica, sendo o instituto
de protecção jurídica trazido à colação como mero meio indiciador disso mesmo,
como a leitura correcta do requerimento final alternativo que a recorrente
formulou em 1.ª instância:
“Alternativamente, caso assim se não entenda - ainda que sem conceder - se
requer expressamente, ao abrigo da disposto no n.° 7 do mesmo art.° 145.º do
Código de Processo Civil que seja dispensada a arguente atentos a sua grave
situação económica, desde logo patenteada em sede de protecção jurídica e aqui
reitera, protestando melhor e actualizada prova, se tida por necessário, a
notificar nesse caso.” — com sublinhado actual para melhor e mais fácil
percepção.
Como é claro e evidente, a Recorrente apenas se limitou a invocar ali como
elemento de prova da insuficiência económica para pagamento da multa a inerente
ao instituto de protecção jurídica de que beneficiava, protestando actualizar
esses elementos probatórios se o tribunal lhos exigisse expressamente, o que não
aconteceu.
Patentemente isto é bem diverso daquilo que vem julgado nos arestos deste Subido
Tribunal invocados na decisão ora reclamada onde se vislumbram situações em que
a dispensa de pagamento se estribou na essência do próprio instituto, por causa
dele, como elemento componente do benefício.
E sendo o fundamento tão distinto não pode ser aplicada essa jurisprudência com
a qual, de resto, se concorda plenamente mas que não constitui essência do
recurso ora apresentado onde o apoio judiciário é mero elemento de prova
indiciária e somente isso, antes os valores pecuniários da sanção processual
fazem aplicar-se ao caso o acórdão invocado no texto recursivo, o n.° 420/2006.
Destarte, esta substancial e relevante diversidade de matéria, ainda que análoga
à vertida nos acórdãos referidos na decisão sumária em causa, não é aplicável ao
caso dos autos, pelo que carece ela da devida reapreciação nesta sede
subsequente após o cumprimento da tramitação alegatória onde, com a
indispensável limpidez, os recorrentes detalhem a tese jurídica em que fundam
esta parte do recurso decidendo, o que aqui se requer expressa e formalmente.»
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
apresentou resposta nos termos seguintes:
«1º
A presente reclamação é improcedente.
2°
Na verdade, a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada, quer na parte em que não conheceu do recurso, por inverificação dos
pressupostos de admissibilidade, quer na parte em que - com base na
jurisprudência anterior deste Tribunal — não julgou inconstitucional a norma do
artigo 145.°, n.° 7, do Código de Processo Civil, quando interpretada no sentido
de que “o apoio judiciário não cobre” a actuação negligente ou dolosa tendente à
dilatação dos prazos legais, em detrimento do tratamento de igualdade em que os
restantes utentes processuais não isentos estariam colocados (...)”».
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do
objecto do recurso relativamente à questão referente à “norma contida no artigo
254.°, n.° 2, do Código de Processo Civil, em conjugação com as normas dos
artigo 24.°, n.° 5, alínea a), artigo 26.°, n.° 1, artigo 31.°, n.°s 1 e 2,
todos estes da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, na redacção anterior à entrada
em vigor das alterações introduzidas pela Lei n.° 47/2007, de 28 de Agosto”, com
fundamento na não suscitação adequada da questão de constitucionalidade por
falta de indicação, perante o tribunal recorrido − também omissa no requerimento
de interposição do recurso – do sentido ou dimensão normativa cuja
constitucionalidade se pretendia questionar.
E julgou o recurso manifestamente improcedente pelos fundamentos constantes,
nomeadamente, do Acórdão n.º 197/2006, no que respeita à invocada
inconstitucionalidade do artigo 145.º, n.º 7, do CPC, na interpretação segundo a
qual “o apoio judiciário não cobre actuação negligente ou dolosa tendente à
dilatação indevida dos prazos legais, em detrimento do tratamento de igualdade
em que os restantes utentes processuais não isentos estariam colocados”.
A extensa reclamação apresentada em nada abala os fundamentos da decisão sumária
reclamada.
No que respeita à decisão de não conhecimento da primeira “questão” de
constitucionalidade, vêm os reclamantes contrapor, invocando jurisprudência do
Tribunal Constitucional, que se trata de um caso “anómalo” ou “excepcional”, por
terem sido surpreendidos com uma interpretação normativa imprevista e que, por
isso, suscitaram a questão «de forma e em tempo adequados logo que percepcionada
minimamente».
Sem qualquer razão, porém.
Como se refere na decisão sumária reclamada, os reclamantes não indicaram, no
decurso do processo, a dimensão ou interpretação normativa cuja
inconstitucionalidade pretendiam suscitar. Aliás, mesmo no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade e na reclamação agora apresentada
continuam a não lograr enunciar, de forma minimamente rigorosa e perceptível,
qual a dimensão normativa que pretendiam submeter a julgamento – sem prejuízo de
estes já não serem os momentos adequados para o fazer atempadamente.
Improcede também a arguição dos reclamantes de que não seria aplicável ao caso
em apreço a jurisprudência do Tribunal Constitucional, invocada na decisão
reclamada para fundamentar a manifesta improcedência da segunda questão de
constitucionalidade, acima referida.
Na verdade, tanto nos arestos citados como no caso vertente, estava em causa o
pagamento de multa processual por parte de beneficiários de apoio judiciário,
sendo de reiterar – por não haver qualquer razão para dela divergir – a
orientação fixada em jurisprudência anterior, aplicando-a ao caso em apreço, o
que determina a manifesta improcedência da questão de constitucionalidade aqui
colocada, pelas razões desenvolvidas na decisão sumária reclamada.
É, por isso, de manter a decisão sumária reclamada.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 2 de Junho de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos