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Processo n.º 94/09
1ª Secção
Relator: Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A., SA recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), do acórdão proferido
em 11 de Dezembro de 2008 no Supremo Tribunal de Justiça, pretendendo «ver
apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3 [...] do artigo
10.º, da Lei 23/96 de 26 de Julho, quando interpretada no sentido de excluir do
seu âmbito a energia eléctrica fornecida em média tensão, por violação do artigo
13.º da Constituição da República Portuguesa, e do princípio constitucional da
igualdade nele consagrado...»
O recurso foi admitido no tribunal recorrido, mas, no Tribunal Constitucional,
foi proferida decisão sumária de não conhecimento do seu objecto com o seguinte
teor:
[...] O presente recurso tem uma configuração própria, pois através dele apenas
é lícito ao Tribunal Constitucional conhecer da conformidade constitucional de
norma jurídica aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi. Quer isto
dizer que através do recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC,
como o presente, o recorrente não pode impugnar a solução jurídica adoptada na
decisão jurisdicional recorrida, ou as ponderações de natureza jurisdicional que
integram tal decisão, mas apenas as normas que, na óptica da decisão recorrida,
são mobilizadas como a razão de decidir.
3. Conforme claramente resulta do seu requerimento, a recorrente pretende
impugnar a conformidade constitucional da norma contida no n.º 3 do artigo 10.º
da Lei 23/96 de 26 de Julho, «quando interpretada no sentido de excluir do seu
âmbito a energia eléctrica fornecida em média tensão».
O referido preceito tem a seguinte redacção:
Artigo 10.º
Prescrição e caducidade
1 – O direito de exigir o pagamento do preço do serviço prestado prescreve no
prazo de seis meses após a sua prestação.
2 – Se, por erro do prestador do serviço, foi paga importância inferior à que
corresponde ao consumo efectuado, o direito ao recebimento da diferença de preço
caduca dentro de seis meses após aquele pagamento.
3 – O disposto no presente artigo não se aplica ao fornecimento de energia
eléctrica em alta tensão.
Diz-se na decisão recorrida:
«[...] Importa, assim, determinar o conceito de Alta Tensão constante do nº 3
desse artigo e se for de concluir que a energia eléctrica fornecida pela
recorrente à recorrida é de qualificar de Alta Tensão, então o pedido deduzido
não estará sujeito ao prazo de caducidade de seis meses referido no nº 2.
Resulta da matéria de facto provada ter sido celebrado um contrato para
fornecimento de energia eléctrica em Média Tensão, sendo que a energia fornecida
pela autora ré, desde o início do contrato e, concretamente, no período de
Outubro de 1991 a Novembro de 1997, o era sob a forma de corrente alternada
trifásica, à tensão nominal de 30.000V.
A recorrente, diversamente do que se deduz do contrato por si outorgado,
pretende reconduzir o respectivo objecto a um fornecimento de energia eléctrica
em Alta Tensão com o argumento de que, no conceito comum, é Alta Tensão toda a
tensão que não é baixa, ou que é superior a 1 Kv, pelo que, no seu entender, a
norma do nº 3 do artº 10º abrange não só a alta e muito alta, mas também a média
tensão.[...]»
E mais à frente:
«[...] 8º. Sufragamos o entendimento expresso no acórdão acabado de citar e no
qual as instâncias também se fundaram para julgar verificada a caducidade do
direito da autora.
Com efeito, está provado que esta recorrente forneceu à ré, recorrida, no
período de Outubro de 1991 a Novembro de 1997, energia eléctrica em Média
Tensão, que por avaria no sistema de transformação para contagem, imputável
àquela, não foi medida nem facturada.
Na presente acção, proposta em Outubro de 2002, pretende a recorrente o
recebimento do preço (€ 60.448,32) dessa energia fornecida e não paga.
Sendo aplicável ao caso a norma do art. 10, nº 2 da Lei nº 23/96, é de concluir
no sentido de que se verifica a caducidade do direito da recorrente, não
merecendo reparo, pois, a interpretação atribuída ao conceito de Alta Tensão,
constante do nº 3 desse artigo, por parte das instâncias, porque se mostra
conforme ao critério estabelecido no artigo 9º do Código Civil.
9º. Consequentemente, torna-se desnecessário e inútil o conhecimento da questão
da impugnação da matéria de facto, não se justificando a pretendida anulação do
acórdão e a baixa do processo à Relação para esse efeito.[...]»
4. As partes transcritas do acórdão recorrido revelam o seguinte:
Em primeiro lugar, a norma que o tribunal recorrido efectivamente aplicou para
decidir o caso foi retirada do n.º 2 do artigo 10.º da Lei 23/96 de 26 de Julho,
('Sendo aplicável ao caso a norma do art. 10, nº 2 da Lei nº 23/96, é de
concluir no sentido de que se verifica a caducidade do direito da recorrente').
Não pode, pois, o recurso ancorar-se numa norma inscrita num preceito (o n.º 3
do mencionado artigo) que o tribunal recorrido declaradamente decidiu não
aplicar como ratio decidendi da sua decisão.
Em segundo lugar, as ponderações que conduziram o Supremo Tribunal de Justiça a
afastar a aplicação ao caso concreto do n.º 3 do aludido preceito, no sentido
«de excluir do seu âmbito a energia eléctrica fornecida em média tensão»
resultaram da aquisição processual de determinados factos e da sua qualificação
como elementos constitutivos do direito invocado, constituindo proposições
insindicáveis pelo Tribunal Constitucional, pois não têm a natureza de norma
jurídica para efeito do disposto no artigo 70º n.º 1 da LTC.
Radica aqui, por isso, um segundo motivo de não conhecimento do recurso
interposto.
5. Termos em que se decide, com fundamento no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, não
conhecer do recurso. [...]
2. Inconformada, a recorrente reclama desta decisão mediante a seguinte
alegação:
[...]
I – Fundamento do Recurso
O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo
70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89,
de 7 de Setembro e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 3,
actual n.º 5, dadas as alterações introduzidas pela Lei 12/2008, de 26 de
Fevereiro, do artigo 10.º, da Lei 23/96 de 26 de Julho, quando interpretada no
sentido de excluir do seu âmbito a energia eléctrica fornecida em média tensão,
por violação do artigo 13.º, da Constituição da Republica Portuguesa e do
princípio constitucional da igualdade, nele consagrado.
II – Decisão sumária
Por decisão sumária, decidiu o Senhor Conselheiro Relator não conhecer do
objecto do recurso, com os seguintes fundamentos:
– 1 – O recurso não pode ancorar-se numa norma inscrita num preceito (o n.º 3 do
artigo 10.º da Lei 23/96 de 26 de Julho) que o tribunal requerido declaradamente
decidiu não aplicar como ratio decidendi da sua decisão.
– 2 – As ponderações que levaram o Supremo Tribunal de Justiça a afastar a
aplicação ao caso concreto do n°3 do aludido preceito, no sentido “de excluir do
seu âmbito a energia eléctrica fornecida em média tensão” resultaram da
aquisição processual de determinados factos e da sua qualificação como elementos
constitutivos do direito invocado, constituindo proposições insindicáveis pelo
Tribunal Constitucional, pois não têm a natureza de norma jurídica para efeito
do disposto no artigo 70.º, n.º 1 da LTC.
III — Fundamento da reclamação
A recorrente não pode concordar com esta decisão.
III. 1 - Quanto ao segundo fundamento de rejeição do recurso:
- A A., ora recorrente, peticionou o pagamento de quantia determinada,
correspondente ao valor de energia eléctrica consumida pela R., que, por erro da
A., não foi facturada nos meses a que dizia respeito. No artigo 4.º da P.I.
remeteu a caracterização dessa energia para o respectivo contrato.
Na réplica, esclareceu que a energia foi fornecida à tensão nominal de 30 000
volts, remetendo para os termos do contrato e mencionando os diplomas então em
vigor que classificavam esse nível de tensão como alta tensão.
Sobre este assunto, foi elaborado um único artigo da base instrutória (nada
constando da matéria assente, além da confirmação da celebração do contrato de
fornecimento e do seu teor) com a seguinte redacção:
A tensão nominal da energia eléctrica que a Autora forneceu à Ré, desde o inicio
do contrato, e muito concretamente no período entre Outubro de 1991 e Novembro
de 1997 e de que portanto a Ré dispõe nas suas instalações, sitas na Rua …,
Montalvo, 2250 constância, é de 30.000 V, çfr. doc. nº 1 da p.i..
Este artigo foi dado como provado, como resulta da resposta à base instrutória e
do ponto ffff) da sentença.
Ora, salvo o devido respeito, que é muito elevado, foi este o facto adquirido
processualmente.
A qualificação desta tensão como alta ou média tensão é já uma questão de
direito.
Esta qualificação pode ser entre média e alta tensão, para efeitos de aplicação
dos diplomas sobre electricidade, amplamente citados no processo, ou no sentido
de saber se pode, ou não, incluir-se a energia fornecida à tensão nominal de 30
000 volts como foi o caso dos autos, no âmbito da excepção estabelecida no n.º
3, do artigo 10.º do diploma atrás referido.
O objectivo que a recorrente pretendia alcançar – que se decidisse pela não
caducidade do seu direito – depende só e apenas da interpretação do n.º 3 do
artigo 10.º da Lei 23/96 de 26 de Julho que se reputa de inconstitucional,
quando interpretado no sentido de excluir do seu âmbito a energia eléctrica
fornecida em média tensão, por violação do artigo 13.º da Constituição da
Republica Portuguesa e do princípio constitucional da igualdade nele consagrado.
III. 2 – Quanto ao primeiro fundamento de rejeição do recurso:
Nos termos da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei do Tribunal
Constitucional, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos
tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo.
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo desta alínea, foi contudo,
rejeitado por se ter entendido que o tribunal requerido declaradamente decidiu
não aplicar, como ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade se
suscita.
Contudo, nos presentes autos não pode, de forma alguma, considerar-se que o
tratamento que foi dado à norma cuja inconstitucionalidade se suscita não passou
de um obiter dictum.
Segundo o Breve Glossário de Latim para Juristas obiter dictum significa “dito
de passagem; diz-se de uma afirmação que é feita num texto, v.g. numa sentença,
de passagem, isto é, sem respeitar ao essencial”.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que apreciou a questão de
inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 10º da Lei 23/96 de 26 de Julho,
dedicou à interpretação desta norma e à questão da inconstitucionalidade da sua
interpretação normativa, 10 das suas 17 páginas, sendo que as restantes 7 se
ocupam do Relatório e de uma questão relativa à matéria de facto.
Ou seja, toda a Fundamentação, exceptuando a que respeita à questão suscitada
quanto à matéria de facto (e que não releva para a aplicação do referido artigo
10º), passa pela análise e interpretação do n.º 3 do artigo 10.º da Lei 23/96 de
26 de Julho.
Como se retira da jurisprudência do Tribunal Constitucional a exigência de que a
norma aplicada constitua o fundamento da decisão recorrida, resulta do facto de
só nesse caso a decisão da questão de constitucionalidade poder reflectir-se
utilmente no processo.
E ainda Sendo o recurso que o reclamante pretende ver admitido interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, é
necessário, para que o mesmo possa ser admitido (e para além da verificação dos
demais pressupostos processuais,), que as normas impugnadas tenham sido
aplicadas pela decisão recorrida, consubstanciando a sua ratio decidendi. Caso
assim não aconteça, qualquer juízo que o Tribunal Constitucional venha a
formular não terá a virtualidade de alterar a decisão recorrida, sendo desse
modo inútil.
Ou, noutro acórdão Esta exigência, de que a norma aplicada constitua o
fundamento da decisão recorrida, resulta do facto de só nesse caso a decisão da
questão de constitucionalidade poder reflectir-se utilmente no processo. Sendo a
referência à norma questionada mero obiter dictum, ou existindo na decisão
recorrida outro fundamento, por si só, bastante para essa decisão, a intervenção
do Tribunal Constitucional na apreciação da conformidade constitucional da norma
impugnada não se reflectirá utilmente no processo, uma vez que sempre a decisão
recorrida seria a mesma, ainda que a norma questionada seja declarada
inconstitucional.
No caso dos autos, a interpretação do n.º 3 do artigo 10.º da Lei 23/96 de 26 de
Julho integra indiscutivelmente a ratio decidendi do acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça.
Na 4ª linha da página 9 do acórdão, após enquadrar a situação na previsão do
artigo 10.º da Lei 23/96, o colectivo do Supremo Tribunal de Justiça, formula a
seguinte questão:
- Importa assim, determinar o conceito de Alta Tensão constante do n.º 3 desse
artigo e se for de concluir que a energia eléctrica fornecida pela recorrente à
recorrida é de qualificar de Alta Tensão, então o pedido deduzido não estará
sujeito ao prazo de caducidade referido no n.º 2.
E, quanto à questão da inconstitucionalidade invocada, refere:
–… no caso dos autos não se vislumbra que a interpretação operada do n.º 3 do
art. 10.º da Lei n.º 23/96, de que os consumos em média tensão não se integram
na excepção prevista nesse normativo, ofenda o principio constitucional da
igualdade.
Com efeito, não se justifica, pelas razões acima indicadas, que se adopte uma
interpretação ampla do conceito de Alia Tensão, nele se incluindo a Média
Tensão.
Daqui se pode concluir que a declaração da inconstitucionalidade da norma
constante do n.º 3, actual n.º 5, dadas as alterações introduzidas pela Lei
12/2008, de 26 de Fevereiro, do artigo 10.º, da Lei 23/96, de 26 de Julho,
quando interpretada no sentido de excluir do seu âmbito a energia eléctrica
fornecida em média tensão, por violação do artigo 13.º da Constituição da
Republica Portuguesa e do principio constitucional da igualdade nele consagrado,
poderia reflectir-se utilmente no processo, como exige a citada jurisprudência
do Tribunal Constitucional.
Por último, a interpretação literal e mesmo restritiva da expressão aplicada,
constante da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, como a que fez o Senhor Conselheiro Relator na decisão sob reclamação,
não é admitida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Como resulta do Acórdão N.º 153/00 O fundamento essencial da reclamação deduzida
assenta na circunstância de que, se o Tribunal Constitucional não pudesse
conhecer do objecto do recurso quando uma norma não tivesse sido aplicada ao
caso concreto em virtude da sua interpretação restritiva, furtar-se-ia à
apreciação desse Tribunal a inconstitucionalidade de todas as normas nas
interpretações que os Tribunais concretamente delas fizessem, “quando dessas
interpretações resultasse a não aplicação por esses Tribunais dessas mesmas
normas”. Isto é: uma interpretação restritiva de uma norma da qual resulte a sua
inaplicabilidade ao caso concreto deve ainda considerar-se aplicação dessa
norma, para efeitos de fiscalização concreta de constitucionalidade, sob pena de
tal norma, nessa interpretação, nunca poder ser sindicada à luz da Constituição.
5. A argumentação da reclamante convenceu a conferência. Deve considerar-se que
a norma constante do artigo 512º-A do Código de Processo Civil, na interpretação
que, para utilizar as palavras da reclamante, redunda na “impossibilidade de
apresentação de um rol de testemunhas, ou seja, de novas provas testemunhais,
quando não exista qualquer rol prévio” foi ainda aplicada na decisão recorrida.
A questão da inconstitucionalidade do n.º 3, actual n,º 5, dadas as alterações
introduzidas pela Lei 12/2008, de 26 de Fevereiro, do artigo 10.º da Lei 23/96
de 26 de Julho foi já tratada pelo Senhores Professor Rui de Alarcão, Joaquim de
Sousa Ribeiro e Manuel Henriques Mesquita, em Pareceres já juntos aos autos.
Mais recentemente, em vista deste recurso, a recorrente solicitou Parecer ao
Senhor Professor Jorge Miranda, cuja junção desde já se requer.
Manter a decisão sob reclamação significa que a questão da inconstitucionalidade
desta norma nunca poderá ser apreciada pelo Tribunal Constitucional.
Ou pior, só poderá ser apreciada a pedido de um consumidor réu, caso venha a ser
aplicada na interpretação defendida pela aqui autora.
Do que aqui fica exposto se conclui pela necessidade de ser revogada a decisão
sumária proferida e determinado o prosseguimento dos autos.
3. Não houve resposta, importando decidir.
Na decisão sumária em reclamação decidiu-se não conhecer do objecto do presente
recurso, disciplinado na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro (LTC), por duas razões, qualquer uma delas com virtualidade de
conduzir ao mesmo resultado: (i) não foi aplicado na decisão recorrida o
preceito legal em que se inscreveria a norma que a recorrente pretende sindicar;
(ii) a recorrente visa sindicar a própria decisão recorrida e não uma qualquer
norma retirada do preceito.
A recorrente, ora reclamante, contesta ambos os fundamentos.
4. Quanto ao primeiro – não ter sido aplicado na decisão recorrida o preceito
legal identificado como objecto do recurso – sustenta, essencialmente, o
seguinte:
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que apreciou a questão de
inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 10º da Lei 23/96 de 26 de Julho,
dedicou à interpretação desta norma e à questão da inconstitucionalidade da sua
interpretação normativa, 10 das suas 17 páginas, sendo que as restantes 7 se
ocupam do Relatório e de uma questão relativa à matéria de facto.
Ou seja, toda a Fundamentação, exceptuando a que respeita à questão suscitada
quanto à matéria de facto (e que não releva para a aplicação do referido artigo
10º), passa pela análise e interpretação do n.º 3 do artigo 10.º da Lei 23/96 de
26 de Julho.
Em seu entender,
Daqui se pode concluir que a declaração da inconstitucionalidade da norma
constante do n.º 3, [...] quando interpretada no sentido de excluir do seu
âmbito a energia eléctrica fornecida em média tensão, por violação do artigo
13.º da Constituição da Republica Portuguesa e do principio constitucional da
igualdade nele consagrado, poderia reflectir-se utilmente no processo, como
exige a citada jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Mas não tem razão; com efeito, a afirmação retirada da jurisprudência constante
deste Tribunal de que a norma objecto do recurso previsto na alínea b) do n.º 1
do artigo 70º da LTC deve ser aquela que foi aplicada como ratio decidendi na
decisão recorrida tem um significado preciso: quer significar que no aludido
recurso apenas é sindicável a norma mobilizada como razão de decidir e não
qualquer outra, designadamente as que são objecto de ponderação no raciocínio
lógico que naturalmente conduz à escolha do direito aplicável ao caso; é, aliás,
a esta realidade que o Tribunal alude ao frisar que lhe não cabe sindicar os
juízos assertivos dos tribunais, nem as opções contidas nas suas decisões quanto
à escolha do direito aplicável. É, portanto, a norma de cuja aplicação efectiva
resulta a decisão recorrida que deve constituir o objecto do recurso.
No presente caso, é manifesto que o preceito submetido ao juízo de conformidade
constitucional não foi efectivamente aplicado na decisão, por ter sido
expressamente arredado o seu pressuposto de aplicação; o Tribunal recorrido
aplicou de forma disjuntiva o n.º 2 do artigo 10º da Lei 23/96 de 26 de Julho,
face ao n.º 3 do mesmo preceito, e vinculou-se numa alternativa lógica em que
apenas uma destas normas era aplicável ao caso. Ora, nestes casos, o recurso
deve inevitavelmente ancorar-se na norma retirada do preceito efectivamente
aplicado, embora com um conteúdo preceptivo excludente da norma afastada.
O que seguramente não pode é radicar-se na norma cuja aplicação foi afastada,
tal como fez a recorrente.
5. O que acaba de se decidir é suficiente para determinar o insucesso da
reclamação. Mas ainda que assim se não entenda, a verdade é que deve,
decisivamente, reafirmar-se o segundo fundamento de não conhecimento do recurso.
Com efeito, a recorrente veio, na essência, propor ao Tribunal Constitucional
que corrija a qualificação operada no Supremo Tribunal de Justiça quanto à
tensão da energia eléctrica que foi fornecida ao recorrido. Isto é: adquirido
que «a tensão nominal da energia eléctrica que a Autora forneceu à Ré, desde o
inicio do contrato, e muito concretamente no período entre Outubro de 1991 e
Novembro de 1997 e de que portanto a Ré dispõe nas suas instalações [...] é de
30.000 V», a questão da sua qualificação como alta tensão, constitui, sem
dúvida, o julgamento da causa, pois representa o objectivo da lide: a subsunção
do facto ao direito aplicável.
Não se trata, portanto, de uma questão normativa. Aliás, a reclamante ao afirmar
que «esta qualificação pode ser entre média e alta tensão, para efeitos de
aplicação dos diplomas sobre electricidade, amplamente citados no processo, ou
no sentido de saber se pode, ou não, incluir-se a energia fornecida à tensão
nominal de 30 000 volts como foi o caso dos autos, no âmbito da excepção
estabelecida no n.º 3, do artigo 10.º do diploma atrás referido», está na
verdade a reconhecer que pretende ver alterado o juízo adoptado no Supremo
Tribunal de Justiça, em vez de questionar a conformidade constitucional da norma
por ele aplicada.
6. Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se decide indeferir
a reclamação, confirmando a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se em 25 UC a taxa de justiça.
Lisboa, 24 de Junho de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão