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Processo n.º 254/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO
1. A. recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), visando impugnar os
acórdãos proferidos no Supremo Tribunal de Justiça em 21 de Outubro de 2008, em
2 de Dezembro de 2008 e em 3 de Fevereiro de 2009, por neles haver sido feita
aplicação de normas antes arguidas de inconstitucionalidade.
O recurso foi admitido no Supremo Tribunal de Justiça mas, no Tribunal
Constitucional, o relator convidou o recorrente, ao abrigo do disposto no n.º 5
do artigo 75º-A da LTC, a enunciar o sentido das normas cuja conformidade
constitucional pretendia questionar.
O recorrente respondeu a esse convite nos seguintes termos:
1. Segundo o supra referido oficio, os autos de recurso nº 254/09 provêm do
processo nº 1864/08-A, do Supremo Tribunal de Justiça (STJ). Acontece, porém,
que o Recorrente não apresentou no STJ, qualquer requerimento de interposição de
recurso no dito Proc. 1864/08-A: apresentou requerimento de interposição de
recurso no Proc. nº 1864/08, como se pode verificar pelo requerimento de
19.2.2009 (data do registo postal).
2. O processo que terá sido remetido ao Tribunal Constitucional (TC) não é,
pois, o processo que contém as peças em que o Recorrente arguiu a
inconstitucionalidade das normas aplicadas nas decisões recorridas, nem estas
foram proferidas no processo que terá sido remetido ao TC. Com efeito, como se
pode ver no requerimento de 19.2.2009, as alegações de recurso para o STJ,
apresentadas na Relação do Porto, em 25.2.2008 (data do registo postal), são
indicadas em cumprimento do disposto no artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro (LTC). E o requerimento de interposição do recurso para o STJ,
apresentado na Relação do Porto em 24.1.2008 (data do registo postal), a fls 541
do processo em que foram proferidas as decisões recorridas, também releva para
verificação do sentido das normas aplicadas nas decisões recorridas, arguidas de
inconstitucionalidade.
3. Verifica-se, pois, violação do princípio constitucional da legalidade
processual consignado no artigo 203º da Lei Fundamental, no STJ, ao remeter para
o TC, processo que não é aquele em que pode ser verificada a existência dos
pressupostos do recurso de constitucionalidade.
4. A violação daquele princípio resulta da aplicação do disposto no artigo 720º,
nº 1, do Código de Processo Civil (CPC), com sentido que infringe o disposto na
Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos
20º, nº 4, no segmento relativo ao processo equitativo, e 203º. Com efeito,
tendo o Recorrente sido notificado por ofício de 5.12.2008, de um acórdão de
2.12.2008, em que se diz: “após, remete os autos à 1ª instância, em observância
do preceituado no artigo 720º do Código de Processo Civil” – apresentou, no dito
processo nº 1864/08-1, em 19.12.2008, requerimento que impedia a execução
imediata de tal decisão. E assim
aconteceu, porquanto foi, depois, proferido um novo acórdão, em 3.2.2009, no
âmbito do mesmo processo. E, dos acórdãos proferidos no STJ, foi,
tempestivamente, interposto recurso para o TC por requerimento de 19.2.2009.
Assim, não tendo transitado em julgado a decisão que manda remeter os autos à 1a
instância, e encontrando-se neles arguida a inconstitucionalidade das normas
aplicadas nesses acórdãos, a execução daquela decisão é ilegal e viola direitos
fundamentais do Recorrente.
5. O Relator no STJ praticou facto consciente contra direito, quando, em
23.3.2009, proferiu despacho de admissão do recurso para o TC, fora do processo
em que se encontram as peças indispensáveis à apreciação do recurso de
constitucionalidade.
6. O Relator no STJ praticou facto consciente contra direito, quando, em
23.3.2009, proferiu despacho de admissão do recurso para o TC sem decidir qual o
seu regime de subida e efeito, em violação do disposto no artigo 741º do CPC,
que determina: No despacho que admita o recurso deve declarar-se se sobe ou não
imediatamente e, no primeiro caso, se sobe nos próprios autos ou sem separado;
deve declarar-se ainda o efeito do recurso.
7. O Recorrente foi notificado desse despacho mas, atento o disposto no artigo
687º, nº 4, do CPC, só pode impugná-lo nas suas alegações. Pelo que, estava
impedido, por lei, de antecipar tal impugnação.
8. O Recorrente invoca, agora, a ilicitude do despacho do Relator no STJ, de
23.3.2009, para mostrar a sua conduta consciente contra direito ao impedir, de
facto, o Recorrente de exercer o direito ao recurso para o TC, privando-o do
processo em que tal direito pode ser exercido – que é de agravos continuados
sujeitos ao regime do artigo 756º do CPC.
9. Para evitar maiores prejuízos ao Recorrente, este requer seja ordenada a
devolução ao STJ, do processo que impede o exercício do direito ao recurso,
consignando-se que seja o mesmo substituído pelo que contém as peças
indispensáveis à sua apreciação, e que seja proferido despacho de admissão do
recurso nos termos da lei.
II
10. No pressuposto de que o requerimento supra será deferido, o Recorrente, só
agora tendo possibilidade material de arguir a inconstitucionalidade do disposto
no artigo 720º, nº 1, do CPC, com o sentido com que foi aplicado no STJ, isto é,
com o sentido de que a medida nele prevista pede ser executada de imediato,
estando pendente arguição de inconstitucionalidade de normas aplicadas na
respectiva decisão, em recurso de agravo continuado do artigo 756º do CPC, e que
o recurso a interpor para o TC, não obriga à recuperação oficiosa do processo a
que ela foi aplicada, REQUER seja admitida ampliação do requerimento de
interposição do recurso dos acórdãos de 2.12.2008 e 3.2.2009, em que tal norma
foi aplicada, com a inclusão do respectivo pedido de apreciação pelo TC.
III
11. O ofício do TC de 28.4.2009, identifica como Recorrido: “SONAE – Indústria
de Revestimentos, Lda”. Ora, o único Recorrido no recurso é o Ministério
Público. E não há no processo que terá sido remetido à 1ª instância, a
intervenção, a título algum, de uma sociedade com tal denominação social. Pelo
que, o Recorrente requer seja ordenado à Secretaria que tome nota destes factos,
para os devidos efeitos legais.
IV
12. Dispõe-se no artigo 75º-A, nº 1, da LTC, que o recurso para o Tribunal
Constitucional interpõe-se por meio de requerimento, no qual se indique a norma
cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie. O sentido deste
preceito legal não pode deixar de ser interpretado em obediência ao disposto no
artigo 9° do Código Civil, tendo também em conta a jurisprudência do TC sobre o
conceito de norma para efeito de fiscalização concreta de constitucionalidade.
Assim, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a
partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade
do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições
específicas do tempo em que é aplicada. Ora, o pensamento legislativo,
considerando sobretudo a unidade do sistema jurídico, e o facto de a criação
normativa estar cometida ao legislador, não permite que os termos indicar a
norma possam ser interpretados como enunciar a norma. Esta tarefa está cometida
ao legislador e aos tribunais. A jurisprudência do TC considera-se integrante
das condições específicas do tempo em que a norma do artigo 75º-A, nº 1, da LTC,
é aplicada. Ora,
13. Segundo a jurisprudência do TC,
13.1. O conceito de “norma” para efeito de fiscalização da constitucionalidade,
não abrange apenas os preceitos gerais e abstractos, mas inclui todo e qualquer
preceito contido num diploma legal ainda que se trate de um preceito de carácter
individual e concreto, e ainda que, neste caso, ele se revista de eficácia
consumptiva – isto é, ainda que incorpore materialmente um acto administrativo
(cf. acórdão n° 26/85, DR II S, de 26.4.85);
13.2. A questão de constitucionalidade pode respeitar, não apenas à norma ou a
uma sua dimensão parcelar, considerada “em si “, mas também, e mais
restritamente, a interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso
concreto e aplicada na decisão recorrida (cf. “A Jurisprudência Constitucional
em Portugal” de J.M. Cardoso da Costa, 1992, p. 50, citada no Acórdão nº 238/94,
de 22.3.94, DR II S, nº 173, de 28.7.94, no qual se diz, também, que a
jurisprudência deste Tribunal, fortemente sedimentada, distingue entre directa
estatuição de certa norma e uma determinada interpretação de que a mesma seja
susceptível, da impugnação da decisão propriamente dita);
13.3. Pode ainda aplicar-se uma norma não a identificando: supondo que um certo
efeito ou consequência jurídica só pode imputar-se a uma norma, será então
possível concluir-se que tal norma foi aplicada (cf. acórdão nº 19/99, DR II 5,
de 11.3.99);
13.4. E, em citação feita no acórdão nº 405/2003, do Plenário, publicado no DR,
I Série-A, de 15.10, diz-se:
a) “É a lei tal como é aplicada que controlamos, não as questões abstractas e
académicas que ela pode suscitar nalguns casos mais duvidosos”;
b) “O essencial é tão-só saber se a eventual inconstitucionalidade ainda se
inscreve no enunciado linguístico do texto normativo ou se decorre apenas num
momento posterior, aquando da sua aplicação a determinadas situações da vida ou
casos particulares”.
13.5. Segundo a Ilustre Juíza Conselheira Maria dos Prazeres Beleza in acórdão
nº 196/2003 (DR II Série, de 16.10):
a) “O objecto do recurso é a “norma, interpretativamente mediatizada pela
decisão recorrida, porque a norma deve ser apreciada no recurso segundo a
interpretação que lhe foi dada dessa decisão” – citando Gomes Canotilho;
b) “É a norma aplicada, interpretativamente extraída da respectiva fonte legal –
e não a fonte em si mesma considerada, como acto legislativo ou como disposição
legal – que constitui objecto do recurso de constitucionalidade previsto na
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional”;
c) “objecto de controlo de constitucionalidade são as normas jurídicas e não os
preceitos normativos que os contêm” – citando Armindo Ribeiro Mendes;
d) “O Tribunal Constitucional vem entendendo, numa jurisprudência longamente
firmada, que invocar a inconstitucionalidade de uma dada interpretação de certa
norma jurídica é invocar a inconstitucionalidade da própria norma, nessa
interpretação”;
e) “quando um tribunal extrai, a partir de uma fonte, um critério normativo
válido para uma série de casos, utilizando um processo hermenêutico também
considerado válido para esses casos, não é o singular acto de julgamento que
está em causa nem a concreta decisão do tribunal em que esse acto se
consubstancia. Pelo contrário, nessas hipóteses, a questão é manifestamente de
constitucionalidade normativa”.
13.6. Segundo o Ilustre Conselheiro Paulo Mota Pinto, no mesmo acórdão 196/2003:
a) “Constitui, na verdade, jurisprudência constante deste Tribunal (vejam-se,
por exemplo, os Acórdãos nºs 238/94 e 336/94, o primeiro publicado no Diário da
República, 28 Série, de 28 de Julho de 1994) que a questão de
inconstitucionalidade a apreciar no julgamento de recursos de
constitucionalidade tanto pode referir-se a uma norma ou a um seu segmento
normativo, considerados “em si mesmos” como apenas a uma sua determinada
interpretação”;
b) “Esta dimensão normativa, correspondente a um sentido interpretativo, é
susceptível de impugnação autónoma e de controlo pelo Tribunal Constitucional,
enquanto norma aplicada pelo tribunal recorrido, devendo distinguir-se entre a
fonte ou preceito (legal ou não) e a norma cuja apreciação é objecto de recurso
de constitucionalidade”;
c) É, aliás, evidente que tem de ser assim, não só por as normas não existirem
na prática enquanto aplicadas em decisões dos tribunais” (...) “a não ser na
interpretação com que foram aplicadas, como porque a solução contrária
conduziria, por conseguinte, ao esvaziamento da competência deste Tribunal para
julgar recursos de constitucionalidade: a interpretação de uma norma é uma
actividade sempre necessária, antes da sua aplicação, e o seu confronto com a
Constituição também pressupõe sempre essa interpretação”;
d) “A intervenção dos órgãos jurisdicionais na determinação da norma que o
Tribunal Constitucional aprecia, é pois, iniludível em todos os recursos de
constitucionalidade, não só nos casos em que está em causa essa norma “em si
mesma” – rectius na sua interpretação declarativa, ou em todas as suas
interpretações possíveis – mas também e sobretudo, quando apenas é impugnada uma
sua especifica dimensão interpretativa”;
e) “Este Tribunal tem, na verdade, considerado que lhe compete apreciar também a
conformidade constitucional de normas criadas pelo julgador como critério para
integração de lacunas, nos termos do artigo 10º, nº 3, do Código Civil” (...)
“deixando claro que a “autoria” da norma pelo tribunal recorrido ou pelo
legislador não é decisiva para o objecto do recurso de constitucionalidade”;
f) “pode mesmo dizer-se que o controlo da conformidade constitucional de normas,
tal como aplicadas pelos tribunais, é o correlato necessário do controlo da
actividade de produção normativa do legislador, pois apenas os órgãos
jurisdicionais podem conferir às normas pleno conteúdo determinando o seu
conteúdo e criando, portanto law in action, em contraposição à law in the books”
(negrito nosso).
14. Assim, tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a doutrina e
jurisprudência constitucionais, integrantes das condições específicas do tempo
em que é aplicado o artigo 75º-A, nº 1, da LTC, afigura-se não caber nele o
“enunciar” exigido pelo despacho de 27.4.2009: é que, atento o disposto no nº 3
do artigo 9º do Código Civil, tem de presumir-se que o legislador consagrou no
dito nº 1, a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos
adequados. Com efeito, se o legislador tivesse tido intenção de exigir que o
requerimento de interposição de recurso para o TC tivesse de conter a enunciação
da norma aplicada não teria usado o verbo “indicar” e teria usado o verbo
“enunciar” – actividade que compete ao legislador e aos tribunais, estes
enquanto intérpretes e aplicadores das normas ou critérios decisórios genéricos
extraídos da lei.
15. No requerimento de interposição do recurso, o Recorrente já cumpriu o
disposto no artigo 75º-A, nº 1, da LTC, indicando as normas cuja
constitucionalidade pretende seja apreciada, mediante a reprodução dos textos em
que elas se revelam, e a referenciação dos preceitos legais (fonte) donde elas
foram extraídas, estribando-se na jurisprudência do TC acima citada e textos
reproduzidos, designadamente, no acórdão 19/99 quando diz: supondo que um certo
efeito ou consequência jurídica só pode imputar-se a uma norma, será então
possível concluir-se que tal norma foi aplicada; e, também, no acórdão nº
238/94, estribando-se no Ilustre Presidente (então) do TC, quando diz: a questão
de constitucionalidade pode respeitar ... à interpretação ou sentido com que ela
foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida.
16. Sem dúvida que em alegações de recurso, o Recorrente tem o ónus de mostrar
que as normas indicadas no requerimento de interposição do recurso foram
enunciadas pelo tribunal com sentido que infringe o disposto na Constituição e
os princípios nela consignados. Mas, para tanto, a lei dá-lhe um prazo de 30
dias - não os 10 consignados no despacho de 27.4.2009. Assim, este despacho,
além de exigir um acto que a lei não prevê, priva o Recorrente do prazo que a
lei prevê para tal efeito.
17. O Recorrente, no requerimento de interposição do recurso indicou as normas
aplicadas nas decisões recorridas, cuja conformidade constitucional questionou,
não nos abstractos termos dos preceitos legais indicados, mas nos concretos
termos com que foram aplicados nas decisões recorridas, isto é, como
sugestivamente disse o Ilustre Conselheiro Mota Pinto, como law in action. Ora,
não se encontrando nesse Tribunal as peças que o comprovam, a enunciação desses
termos no consignado prazo de 10 dias, seria também acto inútil (cf. artigo 137º
do CPC) por impossibilidade de aproveitamento do correspondente labor: é que os
termos dessa enunciação resultam do concreto sentido com que elas foram
aplicadas nas decisões recorridas.
18. Assim, a norma geral e abstracta do artigo 75º-A, nº 5, da LTC, no concreto
sentido do despacho de 27.4.2009, é inconstitucional por infringir o disposto na
Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos
2º, na medida em que tutela a confiança dos cidadãos nas leis e nos tribunais, e
no previsível sentido dos respectivos textos, 20º, n°4, no segmento relativo ao
processo equitativo, e 202º, nº 2, no segmento relativo à defesa dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos em sede constitucional.
19. A indispensabilidade de o recurso ser apreciado no âmbito do processo em que
se encontram as peças correspondentes, decorre, também, da circunstância de nele
se encontrarem documentados factos que integram a denúncia crime do artigo 369º,
nºs 1 e 2, do Código Penal, apresentada contra os magistrados que privaram o
Recorrente do direito à pronúncia do Juiz da 1ª instância sobre requerimento
constante das alegações de recurso para a Relação, favoreceram a intervenção no
processo, contra expressa e reiterada oposição do Recorrente, de quem nele não é
parte, e dos que lhe aplicaram sanções não previstas na lei, cientes de que as
diligências processuais que se viu obrigado a desencadear visam minimizar os
efeitos de violações dos direitos que gozam da tutela do artigo 208° da
Constituição.
20. Os vícios de que enferma o processo pendente no TC são subsumíveis ao
disposto no artigo 201º, nº 1, do CPC. Pelo que, ao abrigo do disposto no nº 2,
do mesmo artigo, e nos artigos 78º-B, nº 1, da LTC, e 700º, nº 1, do CPC, o
Recorrente, ora Arguente, pede, também, sejam anulados os termos subsequentes à
sua entrada no TC.
Na parte que interessa aqui reproduzir, o requerimento foi assim decidido:
[...] O recorrente respondeu nos termos que constam a fls. 65 e ss. Sustenta que
o processo enferma de vícios subsumíveis ao disposto no artigo 201º nº 1 do
Código de Processo Civil, devendo ser anulados os termos subsequentes à sua
entrada no Tribunal Constitucional.
Não tem razão. Não ocorre qualquer nulidade e nada justifica tal pedido.
[...] Invoca, ainda, que a norma contida no n.º 5 do citado artigo 75º-A da LTC
infringe o disposto na Constituição e os princípios nela consignados. A alegação
é manifestamente improcedente, pois, ao contrário do que sustenta, a norma não
interfere com a confiança dos cidadãos nas leis e nos tribunais e no previsível
sentido dos respectivos textos, nem perturba o princípio do processo equitativo
ou a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos em sede
constitucional.
[...] O recorrente recusou, no entanto, dar execução ao que lhe foi pedido
quanto a enunciar o sentido das normas cuja conformidade constitucional pretende
questionar.
A atitude processual do recorrente integra-se na conduta omissiva prevista no
n.º 7 do aludido artigo 75º-A da LTC, pelo que, mostrando-se prejudicado o que
mais requer, cabe julgar deserto o recurso. Sem custas.
2. Contra este despacho reage o recorrente nos seguintes termos:
1. Por força do disposto no artigo 69º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente
aplicáveis as normas do Código de Processo Civil. O artigo 78º-B, nº 1, da LTC,
é omisso quanto à competência do Relator para ordenar a realização das
diligências que considere necessárias à tramitação do recurso, previstas no
artigo 700º, nº 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC). Assim,
verificada a omissão normativa na LTC, impõe-se fazer aplicação do disposto na
referida alínea a).
2. Foi ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 700º do CPC, e
atento o disposto no artigo 201º, nºs 1 e 2, do mesmo código, que o Recorrente
apresentou o seu requerimento de 14.5.2009, ora a fls 65-71.
3. Tal requerimento foi o primeiro acto praticado no processo, pelo Recorrente,
após notificação do despacho de admissão do recurso, de 23.3.2009. Tal despacho
é manifestamente ilegal. Mas, não pode ser impugnado senão em alegações de
recurso. Isto mesmo foi dito no requerimento apresentado em 14.5.2009 (cf. nº
7).
4. Com a prolação do despacho de 23.3.2009, e a remessa ao Tribunal
Constitucional de um processo que não é aquele em que se encontram as peças em
que foi arguida a inconstitucionalidade das normas aplicadas nas decisões
recorridas, nem as que as contêm, foi cometido acto consciente contra direito
visando impedir o exercício efectivo do direito ao recurso de
constitucionalidade. Com efeito, o recurso tem de ser instruído com todas as
peças do processo a partir do requerimento de interposição do recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, apresentado na Relação de Coimbra, em 24.1.2008
(data do registo postal), nela entrado em 28.1.2008, ora a fls 541 do “processo
recorrido”. Mas, ao Tribunal Constitucional apenas foi remetido o processado a
partir do requerimento de 19.12.2008. Faltam, pois, todas as peças relevantes
para o recurso, inclusive os próprios acórdãos recorridos, de 21.10.2008 e
2.12.2008. Sem essas peças, o Tribunal Constitucional não pode verificar,
sequer, se as sindicadas normas dos artigos 26º, 678º, nº 2, 704º, nº 1, 744º,
nº 5 e 754º, nº 2, do CPC, foram, efectivamente, impugnadas, e se as decisões
recorridas nelas se fundamentaram. Mas, a verificação da inconstitucionalidade
do concreto sentido daquelas normas e dos termos da sua arguição, exige a
presença de todo o processo no Tribunal Constitucional.
5. O requerimento de 14.5.2009 é, pois, antes de mais, de arguição de nulidade
processual do artigo 201º, nº 1, do CPC, cometida no STJ e no Tribunal
Constitucional, antes de ser legalmente possível fazer aplicação do disposto no
artigo 75º-A, nº 6, da LTC. E, por força do disposto no nº 2 do dito artigo
201º, têm de ser anulados os termos subsequentes ao cometimento da infracção
ocorrida em 23.3.2009, no STJ, e verificada no Tribunal Constitucional ao ser
proferido o despacho de 27 de Abril de 2009, em virtude de a apreciação da
regularidade do requerimento de 19.2.2009 – o de interposição do recurso –
depender da presença, no STJ e no Tribunal Constitucional, do processo em que
foram produzidas as peças que integram o recurso.
6. O pedido de suprimento da nulidade processual arguida por requerimento de
14.5.2009, encontra-se feito nas partes I e V do mesmo nos termos dos seus nºs.
1 a 9 e 19 e 20, cujo teor o Recorrente aqui dá por reproduzido.
7. No pedido de anulação dos termos subsequentes, feito ao abrigo do disposto no
artigo 201º, nºs 1 e 2, do CPC, compreende-se, agora, também, o despacho de
15.5.2009 (dia seguinte ao de arguição da nulidade processual em causa, e sem
que o Ministério Público, parte no recurso, houvesse sido notificado e podido
responder ao requerimento de 14.5.2009).
8. A declaração constante do nº 2 do despacho de 15.5.2009, segundo a qual “Não
ocorre qualquer nulidade e nada justifica tal pedido”, enferma, ela própria de
nulidade intrínseca, por haver deixado de pronunciar-se, em termos
fundamentados, impostos pela Constituição e pela lei, sobre a factualidade
invocada relativa aos vícios da instrução do “processo” que subiu ao Tribunal
Constitucional. Esta nulidade é cominada no artigo 668º, nº 1, alíneas b) e d),
do CPC, por referência ao disposto nos artigos 158º, nº 1, e 660º, nº 2, do
mesmo código, e sua violação.
9. O despacho de 15.5.2009, integrando-se em processado nulo e padecendo de
nulidade intrínseca, sempre teria que ser anulado também por enfermar de erro de
julgamento ostensivo ao dizer que o Recorrente recusou dar execução ao que lhe
foi pedido quanto a enunciar o sentido das normas cuja conformidade
constitucional pretende impugnar. Com efeito, o Recorrente cumpriu, nos termos
da lei – quer da processual aplicável quer da reguladora do seu estatuto
profissional – o convite que lhe foi dirigido ao abrigo do disposto no artigo
75º-A, nº 6, da LTC. Tal cumprimento teve em conta e observou, rigorosamente, o
disposto nos artigos 137º, 266º, nº 1, e 266º-A do CPC, 85º, nº 1, da Lei nº
15/2005, de 26 de Janeiro, 7º e 144º da Lei nº 52/2008, de 28 de Agosto, e 20º,
nº 4, e 208º da Constituição da República Portuguesa. Não houve, pois, “conduta
omissiva” alguma, por parte do Recorrente, nem, muito menos, a falta da resposta
prevista no artigo 75º-A, nº 7, da LTC. A efectividade da resposta encontra-se
documentalmente provada nos “autos”.
10. A interpretação do disposto no artigo 75º-A, nº 7, da LTC, com o sentido de
que o Recorrente só pode responder “enunciando normas” cuja documentação não se
encontra assegurada no processo, quer nos concretos termos da sua impugnação
quer nos concretos termos da sua aplicação, viola o disposto nos artigos 20º, nº
4, e 280º, nºs 1, alínea b), e 4, da Constituição, na regulamentação consagrada
nos artigos 72º, nº 2, e 75º-A nºs 1 e 2, da LTC. Com efeito, as normas dos
artigos 72º, nº 2, 75º-A, n.ºs 1, 2, 5, 6 e 7, têm de ser conjugadamente
interpretadas, e só são conformes à Constituição quando respeitem a garantia
constitucional do processo equitativo consignada no seu artigo 20º, nº 4, em que
se inclui o de o exercício do direito de recorrer para o Tribunal Constitucional
implicar a documentação do respectivo processo de recurso com as pertinentes
peças do “processo recorrido”.
11. No seu requerimento de 14.5.2009, o Recorrente suscitou a questão de o
Ministério Público ser o único Recorrido no processo. E arguiu os factos
ocorridos no STJ, impeditivos da concretização do recurso de
constitucionalidade, como factos conscientes contra direito – o que
consubstancia denúncia criminal. Assim, o representante do Ministério Público no
Tribunal Constitucional, não pode deixar de ser notificado do requerimento de
14.5.2009 e de ter prazo para lhe responder.
12. Para efeito de notificação do requerimento de 14.5.2009, ao Ministério
Público, o Recorrente juntou cópia do mesmo. Não se vê, porém, pelo despacho de
15.5.2009, que o Ministério Público haja respondido. E, com efeito, a prolação,
em 15.5.2009, de despacho sobre requerimento de 14.5.2009, impediu que o
Ministério Público se pronunciasse. Assim, também estes factos integram nulidade
processual do artigo 201º, nºs 1 e 2, do CPC, determinante de anulação dos
termos subsequentes ao seu cometimento – sendo que o Recorrente tem interesse em
que o Ministério Público tome conhecimento dos factos arguidos como denegação de
justiça do artigo 369º, nºs 1 e 2, do Código Penal. Pelo que, requer o
suprimento das correspondentes nulidade processual e de sentença.
13. O presente requerimento é dirigido ao Relator ao abrigo do disposto nos
artigos 78º‑B, nº 1, da LTC, 201º, nºs 1 e 2, e 700º, nº 1, do CPC, em virtude
de ter por objecto, em primeiro lugar, a arguição de nulidade processual
determinante da anulação dos termos subsequentes, e, subsidiariamente, a
arguição da nulidade do despacho de 15.5.2009, cominada nos termos das
disposições conjugadas dos artigos 158º, nº 1, 660º, nº 2, e 668º, nº 1, alíneas
b) e d) do CPC.
14. Apesar de serem evidentes e de conhecimento oficioso os fundamentos legais e
constitucionais do presente recurso, o Recorrente explicita-os aqui para que
fique claro que o seu fundamento não é o disposto no nº 2 do artigo 78º-B da
LTC, e que não renuncia ao respectivo direito.
15. Também do presente requerimento é junta cópia para notificação ao Ministério
Público, para os devidos efeitos legais, designadamente para efeito do disposto
no artigo 245º do CPP.
3. Pretende o interessado reclamar contra o despacho do relator acima transcrito
pelo qual foi decidido indeferir a arguição de nulidades, inclusive quanto à
aplicação alegadamente inconstitucional do n.º 5 do artigo 75-A da LTC, e que
decidiu julgar deserto o recurso ao abrigo do n.º 7 do mesmo preceito da LTC. O
requerimento deve, portanto, ser apreciado em conferência, conforme prevê o n.º
2 do artigo 78º-B da referida LTC.
Insiste o reclamante em arguir a nulidade processual que afectaria
os termos do processo desde a sua remessa ao Tribunal Constitucional. Mas, como
se disse, não ocorre tal nulidade. A verdade é que os factos invocados não têm
manifestamente virtualidade para a determinar: é ao Tribunal que incumbe
verificar da insuficiência ou incompletude dos termos processuais e nada indica
que ocorram tais eventualidades, assim como nada sugere que tenha ocorrido falta
de notificação, imposta por lei, de actos processuais.
Sustenta, depois, o reclamante que cumpriu, nos termos da lei – quer
da processual aplicável quer da reguladora do seu estatuto profissional – o
convite que lhe foi dirigido ao abrigo do disposto no artigo 75º-A, nº 6, da
LTC. Mas tal não é certo, conforme patentemente resulta do que então afirmou:
[...] 15. No requerimento de interposição do recurso, o Recorrente já cumpriu o
disposto no artigo 75º-A, nº 1, da LTC, indicando as normas cuja
constitucionalidade pretende seja apreciada, mediante a reprodução dos textos em
que elas se revelam, e a referenciação dos preceitos legais (fonte) donde elas
foram extraídas, estribando-se na jurisprudência do TC acima citada e textos
reproduzidos, designadamente, no acórdão 19/99 quando diz: supondo que um certo
efeito ou consequência jurídica só pode imputar-se a uma norma, será então
possível concluir-se que tal norma foi aplicada; e, também, no acórdão nº
238/94, estribando-se no Ilustre Presidente (então) do TC, quando diz: a questão
de constitucionalidade pode respeitar ... à interpretação ou sentido com que ela
foi tomada no caso concreto e aplicada na decisão recorrida.
16. Sem dúvida que em alegações de recurso, o Recorrente tem o ónus de mostrar
que as normas indicadas no requerimento de interposição do recurso foram
enunciadas pelo tribunal com sentido que infringe o disposto na Constituição e
os princípios nela consignados. Mas, para tanto, a lei dá-lhe um prazo de 30
dias - não os 10 consignados no despacho de 27.4.2009. Assim, este despacho,
além de exigir um acto que a lei não prevê, priva o Recorrente do prazo que a
lei prevê para tal efeito.
17. O Recorrente, no requerimento de interposição do recurso indicou as normas
aplicadas nas decisões recorridas, cuja conformidade constitucional questionou,
não nos abstractos termos dos preceitos legais indicados, mas nos concretos
termos com que foram aplicados nas decisões recorridas, isto é, como
sugestivamente disse o Ilustre Conselheiro Mota Pinto, como law in action. Ora,
não se encontrando nesse Tribunal as peças que o comprovam, a enunciação desses
termos no consignado prazo de 10 dias, seria também acto inútil (cf. artigo 137º
do CPC) por impossibilidade de aproveitamento do correspondente labor: é que os
termos dessa enunciação resultam do concreto sentido com que elas foram
aplicadas nas decisões recorridas.
18. Assim, a norma geral e abstracta do artigo 75º-A, nº 5, da LTC, no concreto
sentido do despacho de 27.4.2009, é inconstitucional por infringir o disposto na
Constituição e os princípios nela consignados, designadamente nos seus artigos
2º, na medida em que tutela a confiança dos cidadãos nas leis e nos tribunais, e
no previsível sentido dos respectivos textos, 20º, n°4, no segmento relativo ao
processo equitativo, e 202º, nº 2, no segmento relativo à defesa dos direitos e
interesses legalmente protegidos dos cidadãos em sede constitucional. [...]
Acontece que o aludido preceito legal, tal como foi aplicado, não
enferma que qualquer inconstitucionalidade, designadamente por não afectar a
garantia de processo equitativo invocada pelo reclamante.
Por isso, a recusa do reclamante em dar cumprimento ao convite que
lhe foi dirigido integra a conduta omissiva referida no n.º 7 do artigo 75º-A da
LTC para efeito de se julgar deserto o recurso.
4. Termos em que, mostrando-se prejudicado o conhecimento de outras questões, se
decide confirmar integralmente o despacho reclamado, indeferindo a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 UC.
Lisboa, 24 de Junho de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos