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Processo n.º 853/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é
recorrente A. e recorridos o Ministério Público, B., Banco C., S.A. e Banco D.,
S.A., a Relatora proferiu a seguinte decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorridos o Ministério Público
e outros, foi interposto recurso, ao abrigo do artigo 280º, n.º 1, alínea b) da
CRP e do artigo 70º, n.º 1, alínea b) da LTC, do acórdão do Tribunal da Relação
de Coimbra, proferido em 30 de Janeiro de 2008 (fls. 10934 a 10946), elegendo
como objecto do recurso “interpretação que o Acórdão recorrido fez das normas
constantes do n.º 3 do Art. 177.º do CPP, conjugando o princípio da legalidade
previsto no Art. 2.º do CPP, bem como das normas constantes do n.º 1 do Art.
18.º e dos n.ºs 1 e 2 do Art. 32.º - 2ª parte, ambos da CRP, e do n.º 3 do Art.
412.º do CPP” (fls. 10986).
Por não ser possível identificar quais as concretas interpretações normativas
reputadas de inconstitucionais, a Relatora proferiu despacho nos termos do qual
convidou o recorrente a aperfeiçoar o respectivo requerimento de recurso, nos
termos do n.º 6 do artigo 75º-A da LTC.
Através de extenso e pouco inteligível requerimento, o recorrente procurou
determinar quais as interpretações que reputa de inconstitucionais. Para além
daquelas que consistem o objecto do presente recurso, o recorrente ainda apontou
como inconstitucionais outra norma jurídica [v.g. a que decorre do artigo 2º do
CPP, então vigente]. Apenas relevam para os autos, as considerações tecidas pelo
recorrente quanto à alegada inconstitucionalidade das normas constantes do n.º 2
do artigo 177º e das alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 412º, do CPP então
vigente, pois, como veremos, é o requerimento de recurso que fixa o seu objecto.
Segundo o recorrente, a decisão recorrida teria interpretado aquelas normas nos
seguintes termos:
i) “(…) pelo que a situação configura uma situação
de mera irregularidade e não uma nulidade é violadora do disposto no n.º 8 dos
art. 32.º da C.R.P., na medida em que se verificou uma violação do domicílio
profissional do recorrente, sendo toda a prova obtida através da identificada
busca nula nos termos da citação disposição constitucional, visto que nos termos
do n.º 2 do art. 18.º da C.R.P. a lei só pode restringir os direitos, liberdades
e garantais nos casos expressamente previstos na Constituição e não estando
previsto no texto fundamental que o julgador em processo penal pode adoptar uma
interpretação que vise a restrição dos referidos direitos, liberdades e
garantias” (fls. 11141).
ii) “a interpretação feita pelo acórdão recorrido do
disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 3 do art. 412.º do C.P.P. no sentido de
que o recorrente apesar de não ter tido acesso às gravações e às transcrições da
matéria de facto por culpa exclusiva do Tribunal, mesmo assim se encontrava
obrigado a proceder às especificações por referência aos suportes técnicos –
(aos quais lhe foi facultado o acesso sete meses depois de decorrido o prazo
para a apresentação da sua motivação de recurso) bem como a fazer a
especificação das transcrições, dando cumprimento ao citado disposto nas alíneas
a), b) e c) do n.º 3 do art. 412.º do C.P.P. é materialmente inconstitucional
(…)” (fls. 11145).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Em primeiro lugar, importa esclarecer que o objecto dos recursos de
constitucionalidade deve ser definido, por exclusiva iniciativa processual dos
recorrentes, em sede de requerimento de interposição de recurso. Nessa sede
(fls. 10985 e 10986), o recorrente apenas elegeu como objecto do presente
recurso “interpretação que o Acórdão recorrido fez das normas constantes do n.º
3 do Art. 177.º do CPP, conjugando o princípio da legalidade previsto no Art.
2.º do CPP, bem como das normas constantes do n.º 1 do Art. 18.º e dos n.ºs 1 e
2 do Art. 32.º - 2ª parte, ambos da CRP, e do n.º 3 do Art. 412.º do CPP”. Como
tal, tendo o recorrente fixado o objecto do recurso nas referidas normas, este
Tribunal não pode conhecer de qualquer outra questão de inconstitucionalidade,
designadamente, da relativa ao artigo 2º do CPP, então vigente, que vem
referenciada no requerimento de aperfeiçoamento posteriormente apresentado pelo
recorrente (fls. 11146).
4. Em segundo lugar, deve notar-se que mal se compreende a referência do
recorrente à inconstitucionalidade “das normas constantes do do n.º 1 do Art.
18.º e dos n.ºs 1 e 2 do Art. 32.º - 2ª parte, ambos da CRP”, na medida em que
aquelas constituem parâmetro de validade das demais normas ordinárias, não
podendo ser alvo de fiscalização da constitucionalidade por parte deste
Tribunal, sob pena de inexistência de critério paramétrico de decisão. Assim,
por não serem sindicáveis por este Tribunal, não se conhece igualmente do
recurso quanto às “normas constantes do do n.º 1 do Art. 18.º e dos n.ºs 1 e 2
do Art. 32.º - 2ª parte, ambos da CRP”.
5. Independentemente da questão de saber se o recorrente suscitou questões de
inconstitucionalidade normativa, em relação à alegada inconstitucionalidade da
norma extraída do n.º 3 do artigo 177º, da versão então vigente do CPP [aquela
redacção corresponde integralmente à actualmente constante do n.º 5 do artigo
177º, do CPP], desde logo se vislumbra um notório obstáculo ao conhecimento do
pedido. Isto porque a decisão recorrida não adopta a interpretação reputada de
inconstitucional pelo recorrente como único ou sequer principal fundamento de
decisão. Senão, veja-se:
“Isto é, os elementos processuais denotam inquestionavelmente que não estava em
causa escritório de advogado do arguido, mas antes o mero domicílio do buscado
E., logo, sem necessidade de acatamento do regime decorrente do invocado artigo
177º, n.º 3.
Mas, uma segunda ordem de razões faz ruir a pretensão formulada.”
Da leitura deste excerto decorre que a decisão recorrida nem sequer deu por
provado que o local alvo de busca constituía escritório utilizado pelo
recorrente no exercício da sua função de Advogado. E, nem sequer importa invocar
prova em sentido contrário – como pretendeu fazer o recorrente –, visto que este
Tribunal não tem poderes para sindicar a apreciação de matéria de facto ou
sequer para colocar em causa as decisões que os tribunais comuns tomam a tal
respeito. O Tribunal Constitucional limita-se a sindicar a constitucionalidade
das interpretações normativas efectivamente aplicadas pelos tribunais
recorridos, dando por assente as suas decisões quanto à matéria de facto e à
matéria de Direito que apenas resulta da mera aplicação de regimes jurídicos
infra-constitucionais.
Assim, torna-se evidente que, ainda que este Tribunal pudesse vir a julgar
inconstitucional a referida norma, tal decisão não se revestiria de qualquer
efeito útil, na medida em que sempre subsistiria outro fundamento para rejeição
do recurso interposto, ou seja, a circunstância – dada como provada e
inquestionável nesta instância – de o local alvo de busca não ser um escritório
de Advogado e, como tal, não estar sujeito ao regime então previsto no n.º 3 do
artigo 177º, do CPP. Deve notar-se, contudo, que, mesmo que não se registasse
este obstáculo ao conhecimento do recurso, sempre outro restaria; a saber, a
divergência entre a interpretação normativa aplicada e aquela reputada de
inconstitucional pelo recorrente. Assim é porque o recorrente entende que a
norma do n.º 3 do artigo 177º, do então vigente CPP, foi interpretada no sentido
que a sua falta de observância “configura uma situação de mera irregularidade e
não uma nulidade”. Ora, ao analisar a decisão recorrida, constata-se que aquela
nunca chega a reputar aquela preterição de irregularidade, limitando-se a
referir que “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é
irregular” (fls. 10944). Porém, logo de seguida, a decisão recorrida reflecte
sobre a aplicação do regime da nulidade ao caso em apreço, concluindo que a
nulidade em causa nunca poderia ser qualificada como insanável, por ausência de
previsão no artigo 119º do CPP, pelo que deveria ter sido invocada “até ao
encerramento do debate instrutório ou, não havendo lugar a instrução, até cinco
dias após a notificação do despacho que tiver encerrado o inquérito” (fls. 10944
e 10945).
Consequentemente, independentemente de a interpretação normativa também não ter
sido efectivamente aplicada pela decisão recorrida, não se conhece do recurso
quanto à questão relativa ao n.º 3 do artigo 177º do então vigente CPP, por
aquele ser processualmente inútil.
6. Por fim, quanto à alegada inconstitucionalidade das normas extraídas das
alíneas a), b) e c) do n.º 3 do artigo 412º, do então vigente CPP, também não se
afigura possível conhecer do objecto do presente recurso quanto a esta parte.
Assim é porque nem o recorrente invocou a sua inconstitucionalidade em sede de
motivação e respectivas conclusões de recurso para o Tribunal da Relação de
Coimbra (fls. 10878 a 10889) – conforme lhe competiria, por força do n.º 2 do
artigo 72º da LTC –, nem muito menos a decisão recorrida aplicou qualquer norma
potencialmente extraída daqueles preceitos legais (fls. 10934 a 10946).
Aliás, deve notar-se que o recorrente já interpôs, em tempos, no âmbito do Proc.
n.º 714/06, que correu termos junto da 1ª Secção deste Tribunal, um recurso
relativamente à questão que pretende ver agora reapreciada, tendo a mesma sido
alvo de decisão sumária, proferida, em 8 de Janeiro de 2007 (cfr. fls. 10578 e
10579), do Acórdão n.º 139/2007, proferido pela 1ª Secção, em conferência (fls.
10642 a 10659). Só posteriormente à prolação deste acórdão pelo Tribunal
Constitucional é que o recorrente viria a requerer a baixa dos autos à 1ª
instância, para apreciação da alegada nulidade da busca e apreensão realizada,
em 4 de Novembro de 1993, na morada indicada como domicílio do recorrente (cfr.
requerimento de fls. 10668 a 10707). Acresce ainda que o recorrente viria
posteriormente a recorrer para o plenário do Tribunal Constitucional (fls. 10797
a 1083), tendo sido então proferido o Acórdão n.º 303/2007, que concluiu pela
manifesta improcedência do recurso (fls. 10821 a 10826). Assim, a questão
relativa à constitucionalidade da interpretação normativa extraída das alíneas
a), b) e c) do n.º 3 do artigo 412º, do então vigente CPP, já foi alvo de
decisão transitada em julgado por este Tribunal pelo que mal se compreende que o
recorrente persista nesta conduta processual. Ainda para mais quando é
flagrantemente notório que a decisão ora recorrida não aplica aquelas normas.
Como tal, sem necessidade de mais considerandos, torna-se igualmente
inadmissível conhecer do objecto do recurso, quanto a esta parte, na medida em
que a interpretação normativa reputada de inconstitucional pelo recorrente não
foi aplicada – de modo algum – pela decisão recorrida, pelo que o Tribunal
Constitucional não pode dela conhecer, nos termos do artigo 79º-C da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, e pelos fundamentos supra expostos, decide-se não conhecer do objecto
do presente recurso.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformado com esta decisão, veio o recorrente reclamar, para a
conferência, contra a não admissão do recurso, resumindo-se nos seguintes
termos:
«(…)
- Como se pode alcançar da decisão sumária sob reclamação ao
recorrente faltou “engenho e arte’ para suscitar adequadamente nos termos
dogmático constitucionais as questões que pretendia ver submetidas à apreciação
deste Tribunal.
- Certo que nem o recorrente que é Advogado, nem o seu mandatário, são
especialistas em direito constitucional, razão pela qual o seu requerimento de
interposição de recurso e o seu posterior aperfeiçoamento de tal requerimento,
padecerão do rigor cientifico necessário a uma elaboração adequada, por forma a
que se tornasse admissível a apreciação por este mais alto Tribunal das questões
de inconstitucionalidade que pretendiam ver apreciadas.
- Não duvida o recorrente que se o seu requerimento de interposição de
recurso tivesse sido elaborado ou suportado por um dos nossos eminentes
constitucionalistas que seria admissível o conhecimento do recurso, visto que
estes saberiam proceder à sua elaboração através de método cientifico adequado a
tal conhecimento.
- Contudo o recorrente e o seu mandatário não passam de Advogados
medianos sem formação específica no âmbito do Direito Constitucional daí que,
inevitavelmente o seu requerimento de interposição de recurso para este mais
alto Tribunal, bem como o requerimento de aperfeiçoamento não passam de
requerimentos de mediano rigor ou até de reduzido rigor, atendendo à
especificidade da matéria constitucional.
- O recorrente reconhece que em Portugal não há lugar ao “recurso de
amparo” o qual de “jure constituendo”, se afigura essencial para que se possa
atingir a expressão mais consequente e mais exigente do Estado de Direito
Democrático.
(…)
- No caso dos Presentes Autos o ora reclamante admite que as questões
de constitucionalidade por si colocadas no seu requerimento de interposição de
recurso, bem como todas as outras questões de constitucionalidade colocadas ao
longo dos autos não sejam apreciadas por duas ordens de razões distintas:
- A primeira, porque o ora reclamante e o seu mandatário que não sendo
especialistas em Direito Constitucional não terão colocado “adequadamente” e
“tempestivamente” as questões relativas às interpretações que reputavam de
inconstitucionais e que pretendiam ver sindicadas por este Tribunal.
- Em segundo lugar, porque não existindo entre nós “recurso de amparo”
se torna impossível uma reapreciação por este Tribunal das questões suscitadas
ao longo do processo.
- Acontece porém que do requerimento de interposição de recurso do ora
reclamante, resulta manifesto, salvo melhor e mais sábia opinião, qual é a
pretensão do recorrente quanto à matéria de inconstitucionalidade em apreço.
- Com efeito da análise de tal requerimento parece resultar o
seguinte:
о Primeiro: Que o recorrente pretende que este Tribunal aprecie a
interpretação materialmente inconstitucional que o Tribunal da Relação de
Coimbra fez do n.º 3 do art. 177. ° do C.P.P. conjugado com o princípio da
legalidade previsto no art. 2.° do C.P.P.
o Segundo: Que o Tribunal Constitucional aprecie a interpretação
materialmente inconstitucional que o Tribunal da Relação de Coimbra fez da norma
constante do n.º 1 do art. 18. ° e do) nº s 1 e 2 do art. 32.° - 2ª parte ambos
da C.R.P. e do nº 3 do art. 412.° do C.P.P.
- Parece resultar manifesto que quanto ao 2. ° ponto existe um
manifesto lapso do recorrente quando refere o art. 32 – 2ª parte, sendo contudo
perceptível que o recorrente pretendia referir-se à “2ª parte do n.º 2 do art.
32.° da C.R.P.”, pelo que se requer tal rectificação.
- Assim sendo e operada a referida rectificação, resulta que o
recorrente pretendia que este Tribunal apreciasse as identificadas
interpretações inconstitucionais feitas pelo acórdão recorrido.
- Resultando da decisão sumária sob reclamação que não assistirá razão
ao reclamante quanto à questão da interpretação inconstitucional do n.º 3 do
art. 177. ° do C.P.P., subsistem ainda, excluindo-se a já apreciada questão do
n.º 3 do art. 412.° do C.P.P., a interpretação das normas constantes dos n.º 1
do art. 18.° e dos n.º s 1 e 2 do art. 32.° da C.R.P.
- O recorrente entende que, apesar da sua manifesta limitação na
articulação do seu requerimento, que o Tribunal Constitucional, face a todo o
conteúdo do processo apuraria com segurança quais as questões de
inconstitucionalidade que o recorrente pretendia ver apreciadas à luz de tais
preceitos constitucionais, podendo a partir daí delimitar o objecto do recurso.
- Será que é legítimo impedir a apreciação das suscitadas questões de
inconstitucionalidade que o recorrente pretende ver apreciadas por este
Tribunal, só porque o seu requerimento padece de deficiência de formulação face
à falta de especialização do recorrente para o efeito?
- Poderá este mais alto Tribunal “oficiosamente” proceder à correcção
das eventuais deficiências do requerimento de interposição de recurso?
- Será que tal como já foi decidido pelo STJ e pelo Relações de Lisboa
e Évora, embora noutras questões - por ex. relativamente à necessidade de
requerimento expresso de cancelamento do registo de actos na sequência de acção
declaração de nulidade - Ac. STJ de 22.01.98 - Col. Jur. STJ, ano VI, t. I, p.
26; Rel. Évora 19.5.98 CJ XIII, t.3, p. 285; Rel. Lisboa 12.9.2006, Proc.
1741/2006-7 e 5.6.2007, Proc. 2109/2007-1 ambos na Internet dgsi-itij - que
embora não requerido expressamente, mas resultando a pretensão implícita no
requerimento e resultando ainda a pretensão em termos de lógica e até de senso
comum, se deverá considerar implícita a pretensão do recorrente.
- Ora aplicando ao caso dos presentes autos o percurso lógico do
julgador nos termos expostos supra, parece legitimo poder concluir-se que a
sábia experiência deste mais alto Tribunal poderá concluir quer do requerimento
de interposição de recurso, quer do seu aperfeiçoamento, quer dos diversos
requerimentos feitos ao longo dos autos para apreciação das suscitadas questões
de inconstitucionalidade, quer implicitamente ainda, quais as pretensões do
recorrente quanto às suscitadas questões de interpretação materialmente
inconstitucional operadas pelo julgador dos presentes autos.
- O recorrente entende que só assim será feita justiça constitucional,
expoente máximo do Estado de Direito Democrático consagrado no art. 2. ° da
C.R.P.
٭٭٭
- Como se referiu supra o ora reclamante pretende que este Tribunal
aprecie a interpretação que o acórdão recorrido fez das normas constantes do n.º
1 do art. 18. ° e dos nºs 1 e 2 (in fine) do art. 32.° da C.R.P.
- O que o recorrente pretendia era que este mais alto Tribunal
sindicasse a conformação da interpretação feita pelo acórdão recorrido com tais
normas, na medida em que decidiu não existir qualquer violação da norma
constante da 2ª parte do n.º 2 do art. 32. ° do C.R.P.
- Ora sendo tal norma de aplicação imediata nos termos do disposto no
art. 18. ° e parecendo resultar manifesto dos autos que o decidido no citado
acórdão quanto ao decurso do prazo a que se refere a parte final do nº 2 do art.
32.° da C.R.P., consubstancia uma interpretação manifestamente violadora da
citada disposição, parece impor-se que se aprecie tal interpretação
materialmente inconstitucional, visto que tal norma é de aplicação imediata nos
termos do disposto no n.º 1 do art. 18.° da C.R.P.
- Contrariamente ao decidido no ponto 4 da fundamentação da decisão
sumária o que o recorrente pretende não é a sindicância das normas dos referidos
n.º 1 do art. 18. ° e dos nºs 1 e 2 do art. 32.° da CR.P., mas sim a sindicância
da interpretação que o acórdão recorrido fez de tais normas, ao não aplicar
directamente a norma constante do citado n.º 2 “in fine’ do art. 32.° da C.R.P.,
quando tinha obrigação de a aplicar face ao disposto no nº 1 do citado art.
18.°.
- Por outro lado, não tendo procedido a tal aplicação quando o deveria
fazer, visto que efectivamente o julgamento não teve lugar no mais curto espaço
de tempo, o acórdão fez uma interpretação materialmente inconstitucional do
citado n.º 1 do art. 18. ° e do citado nº 2 do art. 32.°, interpretação essa por
sua vez desconforme e violadora do “efectivo direito ao recurso do arguido”
previsto no n.º 1 do art. 32.° da CR.P., sendo assim também tal interpretação
violadora da citada norma, visto que “impediu o efectivo direito ao recurso” por
parte do arguido.
- Finalmente quanto à interpretação materialmente inconstitucional do
n.º 3 do art. 177. ° refere-se que a violação do domicílio profissional do
recorrente determinou a utilização de prova proibida, visto que foi obtida por
violação do domicílio profissional, configurando tal situação contrariamente ao
decidido, não uma irregularidade, mas sim uma NULIDADE INSANÁVEL que determina a
nulidade da decisão, visto que a sua fundamentação assenta em prova proibida e
não admitida.» (fls. 11202 a 11208).
3. Notificado da reclamação, para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º da
LTC, o Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal veio pronunciar-se
no seguinte sentido:
«1°
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2°
Na verdade, a argumentação do recorrente em nada abala os fundamentos da decisão
reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do recurso.»
(fls. 11223)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Em primeiro lugar, há que assinalar o facto de o reclamante vir expressamente
admitir que não suscitou adequadamente qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, o que – por si só – já constituiria fundamento de não conhecimento do
objecto do recurso. Porém, ao contrário do que dela extraiu o reclamante, a
decisão sumária nem sequer fundamenta o não conhecimento do objecto do recurso
na falta de suscitação processualmente adequada das questões de
constitucionalidade que o recorrente pretendia que fossem apreciadas.
Quanto às normas extraídas do n.º 1 do artigo 18º e dos n.ºs 1 e 2 do artigo
32º, ambos da CRP – cuja inconstitucionalidade é mantida pelo recorrente na
reclamação que ora se aprecia –, já se afirmou na decisão sumária que as normas
inseridas no texto constitucional são parâmetro de validade das normas
ordinárias, não sendo susceptíveis de constituir objecto de fiscalização da
constitucionalidade, salvo em circunstâncias excepcionais de preterição dos
limites materiais de revisão previstos no artigo 288º da CRP.
Assim, afiguram-se manifestamente improcedentes os argumentos do reclamante com
vista a apreciação da constitucionalidade daquelas normas constitucionais, pelo
que não procede a reclamação quanto a esta parte.
Quanto aos artigos 177º, n.º 3, e 412º, n.º 3, do CPP, ao contrário do que
pretende o reclamante, não é legalmente possível o suprimento oficioso do modo
como foram configuradas as interpretações normativas em causa. O artigo 75º, n.º
1, da LTC é claro quando determina que cabe aos recorrentes fixarem o objecto do
recurso a interpor, designadamente, identificando a norma (ou interpretação
normativa) que foi alvo de aplicação pela decisão recorrida.
Além disso, a decisão sumária ora reclamada limitou-se a constatar que a decisão
recorrida não aplicou efectivamente as interpretações normativas reputadas de
inconstitucionais por parte do reclamante, pelo que, por força do artigo 79º-C,
da LTC, não podia tomar-se conhecimento do objecto do presente recurso. Ora, em
momento algum da reclamação é aduzido qualquer argumento suplementar que
evidencie terem sido aplicadas as interpretações normativas reputadas de
inconstitucionais pelo ora reclamante.
Como tal, impõe-se concluir pela inexistência de qualquer motivo para alterar o
sentido da decisão sumária proferida, pelo que se mantém integralmente.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 20 de Abril de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão