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Processo nº 338/09
1ª Secção
Relatora: Conselheiro Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e são recorridos B., Lda. e outro, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do
acórdão daquele Tribunal de 31 de Março de 2009.
2. Em 26 de Maio de 2009 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no
nº 1 do artigo 78º-A da LTC, pela qual se entendeu não tomar conhecimento do
objecto do recurso, com o seguinte fundamento:
«Decorre do requerimento de interposição de recurso que este não satisfaz os
requisitos do artigo 75º-A da LTC. Não é indicada a norma (ou normas) cuja
apreciação é pretendida, uma vez que apenas são referidos determinados preceitos
legais tal como foram interpretados e aplicados pelas instâncias (parte final do
nº 1 do citado artigo).
Não se justifica, porém, a formulação do convite a que se refere o nº 6 do
artigo 75º-A da LTC, já que subsistiriam sempre razões para não conhecer do
objecto do recurso interposto.
A alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC estabelece que cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
No requerimento de interposição de recurso, em cumprimento do disposto na parte
final do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, o recorrente afirma que a questão foi
suscitada na conclusão final das alegações de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça. Consultada esta peça processual (fl. 894 e segs.), designadamente a
passagem expressamente indicada, verifica-se que, afinal, não foi suscitada
previamente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa reportada
àquelas disposições legais. Na conclusão final das alegações de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça lê-se que:
«A nosso ver e com o devido respeito, violou o, douto, acórdão recorrido e,
antes dele a, douta, sentença de 1ª Instância, entre outras, as normas dos art.s
9º; 240º; 350º, nº2; 351º; 359, nº2; 371º;372º, nº1; 392º; 393º, nº1; 394º, nºs
1,2 e 3; do C. Civil e art.s 2º nº2; 3º A; 28º; 265ª, n°3; 320º, alínea a);
515°; 660°, n°2; 664°; 666º, nºs 1 e 3 e 712° nº1, alínea a) n° 2 e nº 4 do
C.P.Civil e art.s 18°, n°2; 20° nºs 4 e 5 e 266° n°2 da C. R. Portuguesa».
Uma vez que o recorrente não suscitou, durante o processo, a
inconstitucionalidade de qualquer norma, não poderia dar-se como verificado o
requisito da suscitação prévia da questão de constitucionalidade. Com efeito,
“se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de
constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o
Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir
reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex
novo” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 569/94, Diário da República, II
Série, de 10 de Janeiro de 1995)».
3. Notificado desta decisão, o recorrente vem agora reclamar para a conferência,
ao abrigo do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«I
Refere a, douta, decisão em reclamação que, para além do demais, como o
recorrente não suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade de qualquer
norma, não poderia dar-se como verificado o requisito da suscitação prévia da
questão de constitucionalidade. Com efeito, “se o Tribunal recorrido não for
confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir.
E, não decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso,
em vez de ir reapreciar uma questão que o Tribunal recorrido julgara, iria
conhecer dela “ex-novo” (Acórdão do Tribunal Constitucional n° 564/94, Diário da
República, II Série, de 10 de Janeiro de 1995).
Justifica-se pois a prolação da presente decisão.
II
Ora, com a devida vénia, cremos que tal omissão não se verifica e que, sempre
seria estranho o recorrente ter alegado a existência da suscitação prévia de tal
questão e ela não se verificar. Pelo menos em consciência não o poderia, nunca,
ter feito.
Não obstante, a fundamentação da, douta, decisão recorrida, até cita, na sua
pág. 3, ao cimo, a conclusão final a que o recorrente chegou, na última página
das suas alegações para o Supremo Tribunal de Justiça.
Mas diz, que apesar disso, não existe a suscitação da questão prévia da
inconstitucionalidade.
III
Ora, com o devido respeito, e quanto a nós, a questão da inconstitucionalidade,
não só é suscitada nas conclusões das alegações n°s 39,40,41 e 42,
Mas, também, na “conclusão” da fundamentação ao cima da página 28 das alegações
de recurso para o Supremo.
IV
É certo que nesta fundamentação não se citaram as normas que se consideravam
inconstitucionais,
Mas foram citadas a fls. 35 das alegações de recurso e, aliás, citadas na,
douta, decisão em impugnação.
V
Aliás, já o mesmo tinha acontecido nas alegações para o Tribunal da Relação de
Évora.
A final concluiu-se pelas normas que se consideraram violadas,
E na conclusão n° 29 disse-se, mesmo, que a posição assumida pelo Meritíssimo
Senhor “Juiz a quo” era inconstitucional,
Razão pela qual, com o devido respeito, esse Venerando Tribunal não foi colocado
perante uma questão nova, mas sim já antes levantada,
E a que aquele Venerando Tribunal faz referência a fls. 30 do seu, douto,
Acórdão.
A nosso ver e com o devido respeito, a, douta, decisão em reclamação violou as
normas dos n°s 2 do art. 75-A e 1 e 2 do art. 78-A, da Lei n° 2 8/82 de 15 de
Novembro».
Notificados da reclamação, os recorridos não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se não tomar conhecimento do objecto do recurso com
fundamento na não suscitação, durante o processo, de qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa reportada às disposições legais referidas no
requerimento de interposição de recurso.
Para contrariar o decidido, o reclamante sustenta que a questão de
inconstitucionalidade foi suscitada nas alegações para o Tribunal da Relação de
Évora e nas conclusões das alegações para o Supremo Tribunal de Justiça.
No que respeita às alegações para o Tribunal da Relação de Évora, não cabe aqui
sequer apreciar o teor desta peça processual. Tendo sido interposto recurso para
o Tribunal Constitucional de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, era perante
este tribunal – o tribunal que proferiu a decisão recorrida – que deveria ter
sido suscitada a questão de inconstitucionalidade (artigo 72º, nº 2, da LTC).
No que se refere às conclusões das alegações para o Supremo Tribunal de Justiça,
importa dizer, desde logo, que a decisão reclamada considerou, na sua
totalidade, a peça processual onde tais conclusões se inserem. Porém, face ao
teor da reclamação, importa reiterar que não foi questionada a
constitucionalidade de qualquer norma nas passagens agora expressamente
indicadas, transcritas de seguida:
«(…) A decisão final foi alvo de impugnação, porque resultou defeituosa, pelo
facto do Meritíssimo Senhor Juiz “a quo” não ter conhecido de questões que, a
nosso ver e com o devido respeito, deveria apreciar e conhecer,
E tais questões são aquelas contidas nos art.s lº a 15° da B.I., aos quais não
foi admitida qualquer prova,
E daí, também, a sua alegada nulidade.
O facto de não conhecer da matéria daqueles artigos, naturalmente, que denega o
direito de defesa do autor; beneficia a parte contrária, embora com a ressalva
das suas isenção e imparcialidade, em que acreditamos, e não procede a um
julgamento justo, pois que este só resulta da procura da verdade material e esta
só resulta da apreciação e decisão daquela matéria.
D’outro entender, a simples exibição da escritura pública de compra e venda
ditará, sempre, a sorte da acção!
E isto, com a devida vénia, é que se não pode aceitar.
Há vícios da vontade que não foram apreciados, nem decididos, como o engano ou
logro em que o autor caiu;
O abuso por parte dos réus da posição de total dependência e fraqueza do autor;
A falsidade da escritura pública de compra e venda, para a apreciação, da qual é
permitida a prova testemunhal e outras que decorrem dos autos.
Facto que nos diz que, com a devida vénia, o, douto, acórdão recorrido, também,
não se ocupou da apreciação de todas as questões que pelos recursos para ele
dirigidos lhe foram colocadas (…)
CONCLUSÕES:
(…)
39- Ao excluir a prova testemunhal e documental à matéria dos quesitos lº a
15° da B.I. inviabilizou a procedência da acção, na perspectiva da tese carreada
para os autos pelo autor;
40- Somente com a prova produzida a tal matéria seria alcançada tal desiderato;
41- Com tal, douta, decisão, com o devido respeito, denegou o Meritíssimo Juiz
“a quo” o direito de defesa do autor; denegou o princípio da igualdade das
partes e frustrou o julgamento justo que o autor pretendia alcançar;
42- Com tal atitude violou tais princípios consagrados na C.R.Portuguesa».
Estas passagens revelam, isso sim, que o recurso interposto para o Tribunal
Constitucional não foi configurado como um recurso de inconstitucionalidade
normativa, quando apenas as normas e não já as decisões judiciais podem
constituir objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da LTC (cf., entre muitos outros, Acórdão nº 361/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt).
Resta, por isso, confirmar a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Lisboa, 9 de Julho de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão