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Processo n.º 1008/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. e Outro, inconformados com o Acórdão n.º 67/2009, proferido neste Tribunal
a 10 de Fevereiro de 2009, vieram pedir a reforma do mesmo, nos seguintes
termos:
“1. Muito embora aqui já não estejam em discussão questões de mérito, os
arguidos porque são pessoas de bem, não podem deixar de referir aqui o quanto
ficaram estupefactos com a prolação do Acórdão e com o montante da respectiva
condenação em custas.
2. Pretendem que fique bem claro que sempre estiveram de boa fé.
3. Quando foram notificados do parecer do Ministério Público, e convidados a
pronunciar-se deram conta do seu lapso na indicação da norma ao abrigo da qual
haviam requerido o recurso para o Tribunal Constitucional.
4. E, como lhes foi dada a oportunidade de se pronunciarem, os arguidos como
qualquer pessoa normal no seu lugar, tendo dado conta do seu lapso deram toda a
explicação do seu requerimento para justificarem o seu lapso.
5. Mas foi para justificar o seu lapso é que os arguidos se justificaram, e não
para modificarem o fundamento do recurso, ao contrário daquilo que parece ter
sido a opinião deste Venerando Tribunal.
6. Ou seja, os arguidos estiveram sempre de boa fé, e o seu comportamento não
justifica a condenação insuportável para eles no montante de vinte UCs.
7. Aliás, tanto assim que os arguidos ficaram surpreendidos com a prolação
imediata do Acórdão. Supunham que dado o incidente do lapso na indicação da
norma, e em virtude da justificação que apresentaram, o Ministério Público se
pronunciasse novamente, mesmo porque na lei nada existe em contrário desse
procedimento.
8. Nunca, mas nunca mesmo, os arguidos pensaram sequer em colocar em causa o
princípio do contraditório, neste caso exercido pelo Ministério Público.
9. Precisamente por isso, por saberem e reconhecerem o contraditório, estavam à
espera de receber novo parecer do Ministério Público, antes de qualquer Acórdão.
10. Acórdão este que é inequívoco quanto à interpretação que fez do requerimento
dos arguidos, como se estes tenham querido aproveitar-se da notificação para
alterarem a fundamentação do recurso, quando na realidade não foi isso, mas sim
e apenas o explicar um lapso que cometeram. Aliás, até das próprias alegações de
recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra resulta evidente que a motivação
dos arguidos sempre foi a que consta do seu requerimento que deu entrada no
Tribunal Constitucional em 29 de Janeiro, pelo que só por lapso manifesto
indicaram a alínea i) em vez da alínea b) do art° 70.º
11. Os arguidos responderam à notificação de onde continha o parecer do
Ministério Público, pelas seguintes razões: porque o Exm° Senhor Conselheiro
disse: ‘notifique-se o reclamante do teor do parecer do Exm° Procurador-Geral
Adjunto, que antecede, para querendo se pronunciar sobre o mesmo, em 10 dias’; -
: porque o próprio artigo 75°-A, n° 5, da Lei do Tribunal Constitucional prevê a
possibilidade de o juiz convidar o recorrente a suprir omissões e inexactidões e
deficiências do requerimento de interposição de recurso. No caso concreto, o
Tribunal da Relação de Coimbra que era quem deveria ter-se pronunciado sobre o
fundamento do recurso não o fez porque fez incorrecta interpretação da lei
quanto ao prazo, e apenas se pronunciou no sentido da intempestividade do
recurso, e não se pronunciou sobre o fundamento do mesmo.
12. Quando acontece como no presente caso, (em que o Tribunal recorrido não se
pronuncia sobre a admissibilidade do recurso no que respeita à respectiva
fundamentação, e, consequentemente não convida a suprir omissões ou
deficiências, porque nem sequer faz esse tipo de apreciação), o Juiz Relator no
Tribunal Constitucional pode convidar o recorrente a suprir omissões e
deficiências, conforme preceitua o n° 6 do art° 75° da Lei do Tribunal
Constitucional.
13. No presente caso não se tratou de omissão na indicação da alínea do artigo
70°, mas sim de uma errónea indicação por lapso dos recorrentes. E, estes, na
sua boa fé julgaram que pudessem corrigir o lapso, justificando-o como fizeram,
(atendendo a que existe uma norma - a do n° 5 do art° 75°-A que permite a
correcção de lapsos), e que se a lei permite a indicação da alínea ou de
elementos a posteriori, quando o recorrente não os indicou na devida altura (no
requerimento de interposição de recurso), porque não haverá de permitir a
correcção de um lapso na indicação da norma? Qual é a diferença entre não ter
indicado a norma ou ter indicado a norma errada? Em ambos os casos o resultado
prático é a indicação à posteriori de uma norma que não foi indicada previamente
na devida altura, mas que a lei permite que seja indicada a posteriori. Para
efeitos de contraditório, certamente que o resultado será sempre o de o
Ministério Público se pronunciar antes e depois da correcção do lapso por parte
do recorrente.
14. Ora, foi com base nesta abertura legal que os arguidos acusaram o seu lapso
inicial e se justificaram.
15. Se eles não tivessem indicado nenhuma norma ao início, certamente que o
Ministério Público também se teria pronunciado no sentido da improcedência do
recurso. E depois de o juiz relator os convidar a suprir essa omissão, os
recorrentes indicariam então uma norma que antes não tinham indicado - porque é
isto que está previsto no artigo 75°-A n° 5. E, se este fosse o caso, também os
recorrentes indicariam a norma depois de o Ministério Público se ter
pronunciado, ou depois de se ter pronunciado a primeira vez. Então neste caso,
não haveria desrespeito do contraditório? Ora, na perspectiva dos arguidos a
situação para efeitos de contraditório é exactamente igual. E a única maneira de
garantir o contraditório, é a de o Ministério Público se pronunciar novamente
depois de o recorrente ter corrigido o lapso, seja ele a falta de indicação da
norma, ou a indicação errada como o foi no caso concreto. Por isso é que os
arguidos estavam à espera que o Ministério Público se pronunciasse agora depois
de terem acusado e justificado o seu lapso na indicação da norma.
16. Mas para grande surpresa dos arguidos e com todo o devido respeito por esse
Venerando Tribunal, não foi isso que aconteceu e os arguidos foram sancionados
com custas insuportáveis, e desajustadas à sua condição humilde, desajustadas à
condição económica dos arguidos que consta dos autos, concretamente da sentença
proferida na primeira instância. E é precisamente porque existem elementos nos
autos que inequivocamente apontam no sentido de uma tributação em custas
muitíssimo inferior à que lhes foi aplicada, que vêm pedir a reforma do Acórdão
quanto às custas devendo estas ser fixadas de acordo com a baixa condição
económica do arguidos, que foi reconhecida pelo 3° Juízo Criminal de Coimbra
abaixo do nível do salário mínimo nacional.
17. A condição económica dos arguidos consta dos autos. A data do julgamento, o
arguido A. era porteiro de bar e o arguido B. era feirante (dados que constam da
sentença). Auferiam rendimentos baixos e incertos. Com o agravar da situação
económica do país, foram tendo cada vez menos trabalho até que ficaram
desempregados, vivendo neste momento a expensas dos respectivos pais, que por
seu turno são pensionistas, idosos e vivem em casa de renda, situação que já os
obrigou a pedirem protecção jurídica, que não sabem se lhes será concedida,
porque não têm a mais pequena hipótese de pagar as custas judiciais inerentes ao
presente processo. Ou seja, neste momento já deram entrada com o pedido do apoio
judiciário, mas aguardam resposta.
18. No entanto, e independentemente da eventual concessão de protecção jurídica,
está em causa a desadequação do montante das custas à situação económica dos
arguidos que consta dos autos.
19. Mesmo na hipótese de o Venerando Tribunal Constitucional ter razão ao
entender que o recurso não deve ser admitido, e na consequente condenação dos
reclamantes em custas, esta deve contemplar a situação económica dos arguidos
que consta do processo. Ou seja, mesmo em caso de decaimento, atendendo à
situação económica dos arguidos, estes nunca deveriam ser condenados em 20 Ucs,
que são € 2.000,00 (dois mil euros) quantia completamente desajustada a um
porteiro de bar e a um feirante. Para que não se diga que não indicaram um
valor, os arguidos indicam o valor que entendem ajustado à sua condição
económica, e em caso de indeferimento da reclamação como foi o caso. Acham que
seria indicado o correspondente a 3 UCs para cada um, já atendendo obviamente a
que se trata do Tribunal Constitucional.
20. Aliás, toda a justificação que antecede, e que é a expressão fiel das
motivações dos arguidos, foi aqui referida para que este Venerando Tribunal ao
Tributar o indeferimento não tenha dúvidas de que os arguidos estiveram e estão
de boa fé, e nunca em ocasião alguma tiveram a intenção de desrespeitar o
princípio do contraditório ou de alterar a fundamentação do recurso.
Simplesmente verificou-se um lapso cuja correcção deveria ser permitida ao
abrigo do artigo 75°-A, n° 5 da Lei do Tribunal Constitucional, e este é o
entendimento dos arguidos reclamantes.
Os arguidos gostariam de ver o Acórdão reformado também neste aspecto, por forma
a que lhes fosse permitido corrigir o lapso na indicação da norma de fundamento
do recurso, porque estavam e estão convencidos que o artigo 75°-A n° 5 permite a
correcção de lapsos na indicação da norma, obviamente sendo o Ministério Público
chamado a pronunciar-se após a correcção do lapso, apelando neste aspecto ao
alto sentido de Justiça de V.ªs Exas.
Relativamente às custas, e no caso de improceder o pedido que antecede, requerem
a V.ªs Exas que seja o Acórdão Reformado no sentido de alterar as custas de 20
para 6 (seis) UCs, por ser este o montante que consideram justo e adequado face
aos elementos que constam do processo, termos em que requerem.”
2. Juntaram igualmente requerimento (de fls. 150) com o seguinte teor:
“A. e B. vêm juntar o original do pedido de reforma do Acórdão, sendo este
requerimento para justificar a tempestividade do mesmo.
No dia 26 de Fevereiro de 2009, cerca das 23:55h quando a Mandatária dos
arguidos se preparava para enviar via fax, o aparelho de fax do Tribunal
Constitucional não dava sinal de fax. Minutos depois após nova tentativa, e eram
23:59h, o aparelho de fax da Mandatária dos arguidos emitiu o relatório segundo
o qual o aparelho de fax do Tribunal estava ocupado ou sem resposta fax. Por
esta razão não foi enviado no dia 26/02/2009. Além desta razão, ocorre que a
Mandatária só foi notificada no dia 20 de Fevereiro de 2009, data em que lhe foi
possível levantar a carta nos CTT. Trabalha sozinha, o carteiro passa à hora do
almoço, pelo que quase sempre tem de se deslocar à Estação dos CTT para levantar
os registos, e na semana passada teve um assunto da sua vida privada que lhe
ocupou a semana quase toda, razão pela qual só na 6.ª feira pode levantar a
carta, data em que foi efectivamente notificada.
Face ao exposto deve ser considerada tempestiva a apresentação do requerimento
de reforma do Acórdão, termos em que requer a V.ª Ex’ se digne considerá-lo.”
3. Sobre este requerimento, o Exmo. Representante do Ministério Público, junto
deste Tribunal, pronunciou-se da seguinte forma:
“As razões invocadas não integram manifestamente a figura do ‘justo
impedimento’, já que:
- não pode constituir obstáculo relevante à prática atempada do acto, no
respectivo prazo peremptório, a circunstância de, dispondo-se a parte a enviar
certo requerimento, no último dia do prazo, pelas 23.55 horas, o “fax” do
Tribunal estar, nesse momento ocupado, levando a que o acto só viesse a ser
praticado no dia seguinte, mediante envio por via postal;
- a argumentação dirigida contra a data em que se consumou a notificação postal
é obviamente irrelevante, não traduzindo afastamento da presunção legal de
adequada notificação do mandatário no seu escritório.
Deste modo a tempestividade do acto dependerá do pagamento da respectiva multa
pelo interessado.”
Este Magistrado pronunciou-se igualmente no sentido da improcedência do pedido
de reforma.
Paga que foi a multa pelos Reclamantes,
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. O pedido de reforma apresentado padece de manifesta falta de fundamento.
4.1. Com efeito, o valor da condenação em custas está em plena conformidade e
corresponde aos critérios habitualmente utilizados por este Tribunal. Nos termos
do artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro (alterado pelo
Decreto-Lei n.º 91/2008, de 2 de Junho), a taxa de justiça nas reclamações,
incluindo as de decisões sumárias, «é fixada entre 5 UC e 50 UC». E, nos termos
do n.º 1 do artigo 9.º do mesmo diploma, «a taxa de justiça é fixada tendo em
atenção a complexidade e a natureza do processo, a relevância dos interesses em
causa e a actividade contumaz do vencido.» Não relevam, para estes efeitos, as
considerações aduzidas pelos Reclamantes a propósito da sua condição económica
(não sendo o sistema de justiça obviamente indiferente à condição económica dos
sujeitos processuais, a mesma relevará, no entanto, em sede diversa – a do apoio
judiciário).
Por outro lado, e como já foi dito, a fixação da taxa de justiça corresponde ao
critério jurisprudencial largamente utilizado, pressupondo uma ponderação das
circunstâncias que podem ter influência na determinação do montante da mesma. No
caso em apreço, a condenação em 20 UCs situa-se dentro dos limites previstos no
diploma acima citado, aproximando-se mais do limite mínimo do que do limite
máximo fixado. Não se vislumbram, por isso, motivos para alterar a decisão de
condenação em custas.
Importa ainda salientar que a fixação das custas não teve em consideração
qualquer comportamento menos correcto por parte dos Reclamantes. Não só não foi
detectada qualquer conduta processualmente inadequada, como tal não foi sequer
referido na decisão reclamada.
4.2. De igual modo, também improcede o pretendido pelos Reclamantes
relativamente à possibilidade de “rectificação” da alínea do artigo 70.º, n.º 1,
da Lei do Tribunal Constitucional, em que reside o fundamento do recurso de
constitucionalidade tentado interpor. O artigo 75.º-A, n.º 5, daquele diploma
prevê a possibilidade de o Relator proferir despacho-convite sempre que o
requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade não indicar algum
dos elementos previstos no presente artigo. Defendem os Reclamantes que tal
despacho deveria ter sido proferido de modo a lhes ser possibilitada a correcção
de tal lapso manifesto. No entanto, não só não se tratou a errónea indicação da
alínea i) de um mero lapso manifesto (a ser assim, isto é, uma mera troca da
letra b pela letra i não se compreenderia a referência feita no requerimento de
interposição à segunda parte de tal preceito na medida em que a norma da alínea
b) não se cinde em duas proposições distintas como sucede com a da alínea i)),
como, nesta sede processual – relembre-se que nos presentes autos se discutiu o
acerto do despacho de não admissão de recurso de constitucionalidade proferido
pelo tribunal a quo – nunca haveria lugar ao mesmo.
Nestes termos se julga improcedente, na totalidade, o pedido de reforma
deduzido.
III – Decisão
5. Face ao exposto acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, negar provimento ao pedido de reforma do Acórdão n.º 67/2009.
Custas pelos Reclamantes fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) UCs, sem
prejuízo do eventual apoio judiciário de que possam beneficiar.
Lisboa, 29 de Abril de 2009
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos