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Processo n.º 318/09
Plenário
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Por carta n.º 0055/GVSF/2009, datada de 17 de Abril de 2009 e enviada, por
telefax, às 19h19 do referido dia (fls. 11 a 32), e, entregue em mão, na sede da
Comissão Nacional de Eleições, em 20 de Abril de 2009 (fls. 33 a 54), o Vereador
José Sá Fernandes, em representação da Câmara Municipal de Lisboa, apresentou um
requerimento à recorrida Comissão Nacional de Eleições, sob a epígrafe
“Estruturas de Outdoors de Propaganda Política colocadas na Praça Marquês de
Pombal – Exposição e pedido de parecer”, nos termos do qual formulou o seguinte
pedido:
“Requer-se a Exa. se digne emitir, com a maior brevidade, Parecer sobre as
seguintes questões:
1) Se a CML, enquanto gestora do espaço público da cidade, pode proceder à
remoção das estruturas de outdoor já colocadas, em violação dos critérios
consagrados na lei para o efeito, após notificação específica e fundamentada
(Parecer da DRCLVT e IGESPAR), dos Partidos e Movimentos Políticos no sentido da
obtenção de acordo para o efeito e caso este não seja alcançado;
2) Em caso negativo, qual o procedimento urgente e as entidades ou tribunais
competentes que a CML deve accionar no sentido de obter o cumprimento da lei.”
(fls. 6)
2. Após deliberação sobre o pedido de parecer, tomada na sua reunião de 21 de
Abril de 2009, a Comissão Nacional de Eleições enviou o ofício identificado pela
referência n.º 1.15 (fls. 138), nos termos do qual anexava o parecer elaborado
pelo respectivo Gabinete Jurídico, que havia sido alvo de aprovação (fls. 139 a
144). Do referido parecer podem extrair-se as seguintes conclusões:
“1) O exercício da propaganda é livre, encontrando-se apenas restringida pelas
normas legais que indicam quais os locais em que a mesma é proibida (nº 3 do
artigo 4° da Lei 97/88 e nº 4 do artigo 66° da LEAR).
2) As várias alíneas do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 97/88 correspondem aos
objectivos que devem nortear os sujeitos privados na sua actividade de
propaganda, isto é, os promotores da mesma.
3) Não podem os órgãos autárquicos impor qualquer proibição invocando razões que
correspondem a alguma das alíneas do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 97/88.
4) No âmbito da propaganda afixada em locais que não constam dos locais
expressamente proibidos por lei, as câmaras municipais apenas podem remover
meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no nº 1 do artigo 4º
da Lei nº 97/88, quando tal for determinado por tribunal competente ou os
interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de
remoção, o não façam naqueles prazos e condições.
Pelo exposto e respondendo às questões concretamente colocadas:
No caso dos partidos políticos não aceitarem as razões invocadas pela Câmara
Municipal de Lisboa e recusarem proceder à remoção dos meios de propaganda em
causa, não pode aquela entidade removê-los.
A remoção da propaganda em causa só pode ter lugar por determinação dos
tribunais, a quem a câmara municipal pode recorrer, se assim o entender.” (fls.
143 e 144)
Notificado de tal parecer elaborado pelo Gabinete Jurídico, o Vereador José Sá
Fernandes, em representação da Câmara Municipal de Lisboa, perante a omissão de
junção de comprovativo da deliberação, solicitou à Comissão Nacional de
Eleições, por telefax enviado em 23 de Abril de 2009, o envio de cópia da acta
da reunião ocorrida em 21 de Abril de 2009 (fls. 169 e 170). Mediante o ofício
identificado pela referência n.º CNE/SAÍDA/01894, enviado por telefax em 24 de
Fevereiro de 2009 (fls. 172 a 174) a Comissão Nacional de Eleições notificou o
Vereador José Sá Fernandes, em representação da Câmara Municipal de Lisboa do
conteúdo da deliberação tomada sobre o pedido formulado, mediante certidão de
excerto da acta relativo ao ponto 2.4. da ordem de trabalhos da reunião ocorrida
em 21 de Abril de 2009. O referido excerto da acta comprova que foi deliberado o
seguinte:
“2. PERÍODO DA ORDEM DO DIA
(...)
2.4 Estruturas de outdoor de Propaganda política colocadas na Praça Marquês de
Pombal – Exposição e pedido de parecer da Câmara Municipal de Lisboa
O plenário aprovou, com o voto de abstenção do Senhor Dr. Jorge Miguéis, o
parecer que constitui anexo à presente acta, nos termos do qual se conclui que:
– O exercício da propaganda é livre, encontrando-se apenas restringida pelas
normas legais que indicam quais os locais em que a mesma é proibida (nº 3 do
artigo 4º da Lei 97/88 e nº 4 do artigo 66º da LEAR).
- As várias alíneas do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 97/88 correspondem aos
objectivos que devem nortear os sujeitos privados na sua actividade de
propaganda, isto é, os promotores da mesma.
- Não podem os órgãos autárquicos impor qualquer proibição invocando razões que
correspondem a alguma das alíneas do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 97/88.
- No âmbito da propaganda afixada em locais que não constam dos locais
expressamente proibidos por lei, as câmaras municipais apenas podem remover
meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no nº 1 do artigo 4º
da Lei nº 97/88, quando tal for determinado por tribunal competente ou os
interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de
remoção, o não façam naqueles prazos e condições.
- No caso dos partidos políticos não aceitarem as razões invocadas pela Câmara
Municipal de Lisboa e recusarem proceder à remoção dos meios de propaganda em
causa, não pode aquela entidade removê-los.
- A remoção da propaganda em causa só pode ter lugar por determinação dos
tribunais, a quem a câmara municipal pode recorrer, se assim o entender.”
3. Devidamente notificado desta deliberação, na pessoa do Vereador
José Sá Fernandes, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa interpôs recurso
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 102º-B, da LTC, por meio de
requerimento entregue em mão, via protocolo, na sede da Comissão Nacional de
Eleições, em 27 de Abril de 2009 (2ª feira), nos termos do qual se invoca o
seguinte:
“I - Introdução
1. A Câmara Municipal de Lisboa (CML), ao detectar a colocação de
painéis de grandes dimensões (estruturas de outdoor) por parte do Partido
Comunista Português (PCP) e do Bloco de Esquerda (BE), na Praça Marquês de
Pombal, em Lisboa, verificou não só que os mesmos se situavam numa Zona
Classificada de Imóveis em Vias de Classificação como de Protecção a Imóveis em
Vias de Classificação, como os mesmos afectavam a estética do local e o
enquadramento do sítio em causa.
2. Posteriormente, a mesma análise foi feita em relação aos painéis
colocados pelo Movimento Esperança Portugal (MEP) e o Partido Social Democrata
(PSD), posteriormente e, mais tarde o Movimento Mérito e Sociedade (MMS) e
Partido Socialista (PS), verificando-se, em relação aos do PSD e MMS que os
mesmos se localizavam ainda numa Zona Especial de Protecção ao Parque Eduardo
VII.
3. Não obstante, face aos critérios estabelecidos na Lei n.º 97/88 de 17
de Agosto — “Afixação e inscrição de mensagens de publicidade e propaganda” -
nomeadamente no art. 4°, n.º 1. al. a) e b), e especificamente para cada um dos
cartazes atrás referidos, a CML solicitou à Direcção Regional de Cultura de
Lisboa e Vale do Tejo (DRCLVT) / IGESPAR informação sobre se cada um daqueles
cartazes afectava a estética do lugar e/ou prejudicava o enquadramento das Zonas
de Protecção em apreço.
4. O IGESPAR / DRCLVT referiu especificamente e para cada um deles:
“No presente caso, trata-se de um conjunto de interesse arquitectónico, em vias
de classificação, cuja imagem importa preservar. A colocação neste tipo de
painéis interfere com as características da envolvente patrimonial em que este
se insere, comprometendo a envolvente arquitectónica e a imagem do conjunto.”
5. Resulta ainda de cada um dos pareceres que os suportes utilizados
pelos partidos e movimentos políticos não são adequados à área protegida em
causa, dado o forte impacto e a obstrução visual que originam e que a
proliferação de várias cartazes na zona contribuirá para uma forte poluição
visual e descaracterização da área protegida.
6. Face ao exposto, e para os devidos efeitos a CML notificou cada um
dos partidos / movimentos políticos atrás referidas do entendimento, corroborado
pela DRCLVT / IGESPAR, de que estavam a ser violados as als. a) e b) do n.º 1 do
art. 4º da Lei 97/88, de 17 de Agosto, e notificou todos os partidos /
movimentos políticos no sentido de que com os mesmos fosse fixado um prazo para
a remoção de cada um dos cartazes.
7. Seguidamente, o PSD e PS retiraram os cartazes do local e o MEP
informou que iria proceder do mesmo modo num curto espaço de tempo.
8. O PCP, por escrito, o MMS, oralmente numa reunião havida para o
efeito, e o BE, pelo silêncio, recusam a fixação de qualquer prazo para a
retirada dos cartazes.
9. Face ao exposto, a CML solicitou à Comissão Nacional de Eleições
(CNE) que se pronunciasse sobre a matéria controvertida com estes três últimos
partidos / movimentos políticos, nomeadamente:
“1) Se a CML, enquanto gestora do espaço público da cidade, pode proceder á
remoção das estruturas de outdoor já colocadas, em violação dos critérios
consagrados na lei para o efeito, após notificação específica e fundamentada
(Parecer da DRCL VT e 1GESPAR), dos Partidos e Movimentos Políticos no sentido
da obtenção de acordo para o efeito e caso este não seja alcançado;
2) Em caso negativo, qual o procedimento urgente e as entidades ou tribunais
competentes que a CML deve accionar no sentido de obter o cumprimento da lei.”
10. Em resposta, a Deliberação recorrida, estabeleceu o seguinte:
“No âmbito da propaganda afixada em locais que não constam dos locais
expressamente proibidos por lei, as câmaras municipais apenas podem remover
meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no n°1 do artigo 4°
da Lei n°97/88, quando tal for determinado por tribunal competente ou os
interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de
remoção, o não façam naqueles prazos e condições.”
“No caso dos partidos políticos não aceitarem as razões invocadas pela Câmara
Municipal de Lisboa e recusarem proceder à remoção dos meios de propaganda em
causa, não pode aquela entidade removê-los.
A remoção da propaganda em causa só pode ter lugar por determinação dos
Tribunais, a quem a câmara municipal pode recorrer, se assim o entender.”
II - A questão de fundo
11. A tese da CNE é a de que as Câmaras Municipais apenas podem remover
meios amovíveis de propaganda que não respeitem o disposto no nº 1 do art. 4° da
Lei nº 97/88 quando isso seja determinado por um tribunal ou os interessados não
o façam nos prazos e condições em que eles próprios acordaram.
12. A CNE estriba-se no acórdão do Tribunal Constitucional nº 636/95, bem
como na sua própria jurisprudência.
13. Porém, nem o referido acórdão do Tribunal Constitucional perfilha tal
entendimento, nem a sua pretérita jurisprudência seguiu esse caminho.
14. Quanto ao acórdão nº 636/95, o que o aresto em apreço estabelece é que
a Lei nº 97/88 já regulou ela própria e definitivamente o exercício cívico da
liberdade de propaganda, articulando-a com os valores do direito a um ambiente
de vida sadio e equilibrado, do direito de propriedade, do ordenamento do
território, da segurança do tráfego, do património cultural, histórico e
artístico.
Tal proposição merece o acordo da CML.
O problema em apreço é que os cartazes em causa — pela sua dimensão e
configuração — atingem o valor da protecção de um conjunto arquitectónico em
vias de classificação, como reconhecido pelo IGESPAR/DRCLVT, o que é exactamente
aquilo que a Lei nº 97/88 visa acautelar.
15. Por outro lado, não tem sido essa a jurisprudência da própria CNE.
Dois exemplos.
No acórdão do Tribunal Constitucional nº 312/2008, pode ler-se que está em causa
a apreciação de uma deliberação da CNE de 20/05/2008 do seguinte teor:
“Sendo a propaganda uma forma de liberdade de expressão, só a Assembleia da
República pode proceder à sua regulação considerando-se que qualquer introdução
normativa nesta matéria aprovada por outro Órgão viola o disposto nos artigos
18° e 37º da Constituição.
Uma vez que a afixação dos cartazes de propaganda pelo PCP contra o que dispõe o
regulamento municipal, não fere os princípios estabelecidos no nº 1 do artigo 4°
da Lei 97/88, de 17 de Agosto, nem se enquadra em nenhuma das proibições
previstas nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo, deve a Câmara Municipal do Porto repor
os referidos cartazes”.
No mesmo sentido, cita-se ainda uma outra deliberação da CNE, que vem transcrita
na obra de Maria de Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, sob o título “Lei
Eleitoral da Assembleia da República” (2ª reedição. 1999, pág. 89), do seguinte
teor
“Os executivos autárquicos podem não consentir e, por isso, limitar a afixação
de propaganda apenas, mediante fundamentação concreta, nos casos expressamente
previstos na lei e porventura esmiuçados em regulamentos ou posturas municipais,
mas nunca fora desses casos, impedir, proibir, rasgar, destruir, inutilizar ou
remover propaganda político-eleitoral afixada ou colocada em locais públicos ou
particulares. É necessário justificar e indicar concretamente as razões pelas
quais o exercício da actividade de propaganda não obedece, em determinado local
ou edifício, aos requisitos previstos na lei. E mesmo neste caso não podem os
órgãos executivos autárquicos mandar remover material de propaganda gráfica
colocado em locais classificados ou proibidos por lei sem primeiro notificar e
ouvir as forças partidárias envolvidas (arts. 5° n°2 e 6° n°2, da referida Lei
nº 97/88).”
Isto é, a própria CNE já entendeu que aquilo que estava vedado as Câmaras era
retirar a propaganda noutras situações que não aquelas situações de ilegalidade
previstas na Lei nº 97/88 e sem que previamente ouvisse as forças partidárias
visadas.
16. A CNE interpreta de forma errónea os arts. 5° nº 2 e 6° n°2 da Lei nº
97/88.
O que a Lei estabelece para que as Câmaras Municipais possam remover a
propaganda são dois requisitos:
• Um de natureza substantiva, que tem a ver com a violação dos comandos
constantes nos nºs 1, 2 e 3 do art. 4° da Lei nº 97/88;
• Outro de natureza adjectiva, que a tem a ver com a obrigatoriedade de audição
dos interessados para definir prazos e condições de remoção desses meios de
propaganda.
17. Tais requisitos estão preenchidos no caso em apreço.
Os cartazes em causa estão implantados em conjunto arquitectónico em vias de
classificação, afectando a sua imagem, como já foi apreciado peia entidade com
competência para verificar da necessidade de protecção do valor arquitectónico
em presença.
Por outro lado, as forças partidárias em causa foram notificadas para os efeitos
de definir prazos e condições de remoção, o que por uma foi acatado e por outras
não.
18. A tese da CNE conduziria a resultados absurdos.
A CML estaria impedida de remover um cartaz de grandes dimensões que afectasse a
imagem da Torre de Belém. Ou, noutro âmbito, estaria igualmente impedida de
remover um cartaz que afectasse a percepção de sinais de trânsito
identificadores de perigo!...
19. Compreende-se o embaraço da CNE.
Todas as forças eleitorais — incluindo aquelas a que estão associados os
elementos da vereação da Câmara Municipal de Lisboa que patrocinam esta
iniciativa — já contribuíram para a poluição visual da Praça do Marquês de
Pombal.
Mas isso não é motivo para que se continue a trilhar um caminho que estava
errado.
Lisboa tem que se defender da poluição visual que degrada a sua imagem.
Isso tem que se articular com a liberdade de expressão e a liberdade de
propaganda política.
Defender a imagem dos imóveis em vias de classificação deve ser uma prioridade
quando se esteja perante acções que violem os critérios de protecção
estabelecidos pelo art. 4° nº1 da Lei nº 97/88, como é o caso.
20. A deliberação da CNE interpreta de forma errónea a Lei nº 97/88, nos
termos acima expostos, uma vez que não admite, violando o disposto no art. 4º nº
1, no art. 5º nº 2 e no art. 6º nºs 1 e 2 da Lei nº 97/88, a remoção de
propaganda ilegal, quando preenchidos os critérios da lei.” (fls. 203 a 209)
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A) Questão Prévia: a Natureza da Deliberação
4. O presente recurso foi interposto ao abrigo do artigo 102º-B da LTC (“Recurso
de actos de administração eleitoral”), pelo que importa averiguar se a
deliberação da Comissão Nacional de Eleições sub judicio pode ser qualificada
como “acto de administração eleitoral”, susceptível de causar lesão de direitos
ou interesses legalmente protegidos (assim deve lida hoje em dia a expressão
“definitivos e executórios” do artigo 8º, alínea f), da LTC).
Tal questão prévia implica a necessidade de fixação da própria natureza
jurídico-administrativa da deliberação em causa.
Resulta evidente dos autos que o recorrente não pretendeu que a deliberação da
recorrida viesse a “produzir efeitos jurídicos numa situação individual e
concreta” (artigo 120º do CPA), tendo-se limitado a indagar qual a posição /
opinião da Comissão Nacional de Eleições acerca da questão de saber se a Câmara
Municipal de Lisboa dispunha de competência legal para proceder à remoção de
estruturas de propaganda política afixada na Praça Marquês de Pombal.
Vejamos então se a deliberação da Comissão Nacional de Eleições se deve
qualificar como um verdadeiro “parecer administrativo” (artigo 98º, do Código de
Procedimento Administrativo; de ora em diante, designado por CPA), adoptado a
pedido do próprio recorrente – ou, em melhor rigor, a pedido do respectivo
Vereador com competência delegada.
Antes de mais, deve notar-se que a Comissão Nacional de Eleições dispõe de
competência para formular pareceres relativamente a Direito Eleitoral, a qual se
retira do conjunto de poderes que a lei lhe atribui na Lei n.º 71/78, de 27 de
Dezembro. Por outro lado, sendo uma entidade administrativa independente (neste
sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Estrutura
Constitucional da Democracia, Tomo VII, Coimbra, 2007, p. 289), a Comissão
Nacional de Eleições encontra-se subordinada aos princípios da legalidade
(artigo 3º, n.º 1, do CPA), da prossecução do interesse público (artigo 4º do
CPA) e da eficiência administrativa (artigo 10º do CPA) (neste sentido, Jorge
Miranda, “Direito Constitucional III – Direito Eleitoral / Direito Parlamentar”,
Lisboa, 2003, p. 152), pelo que sobre si recai o dever de colaboração com as
demais entidades administrativas (“cooperação inter-administrativa”) – incluindo
a Câmara Municipal de Lisboa –, no sentido de habilitar aquela das informações
jurídicas tendentes à eventual adopção de acto administrativo.
Ora, os “pareceres”encontram-se inseridos sistematicamente na Subsecção III da
Secção III do Capítulo V do CPA, respeitante à fase da instrução administrativa
(Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado de Matos, “Direito Administrativo Geral
– Actividade Administrativa”, Tomo III, 2007, Lisboa, p. 126), constituindo
actos preparatórios do “acto administrativo” a adoptar. Dito de outro modo, os
“pareceres” não corporizam (ainda) um “acto administrativo”, na medida em que
não são susceptíveis de produzir efeitos jurídicos na esfera de um destinatário
individualizado e concreto, limitando-se antes a preparar a decisão
administrativa e a habilitar o titular do órgão com competência decisória para
uma tomada de decisão que respeite a Constituição e a lei.
A deliberação alvo de recurso nos presentes autos, não sendo susceptível de
alterar a realidade jurídica sobre a qual incide a sua pronúncia, deve ser
qualificada como mero “acto opinativo”, através do qual foi expressa “a opinião
de um órgão da administração acerca de questões de facto, nomeadamente de índole
técnica, ou de direito”, sendo que o “parecer consiste numa opinião de um órgão
consultivo, emitida com o objectivo de habilitar o órgão competente a decidir
(arts. 98.º-99.º CPA)” (neste sentido, Marcelo Rebelo de Sousa / André Salgado
de Matos, “Direito Administrativo Geral – Actividade Administrativa”, Tomo III,
p. 376).
No caso em apreço, pretendia o recorrente questionar a recorrida sobre se, de
acordo com o entendimento desta, a Câmara Municipal de Lisboa detinha poderes
para remover propaganda política afixada sem respeito pelos requisitos fixados
no n.º 1 do artigo 4º do Regime de Afixação e Inscrição de Mensagens de
Publicidade e Propaganda (aprovada pela Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, e
alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto). Ora, nem o supra referido
diploma legal, nem tão pouco a Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro, determinam a
necessidade de prévio “parecer” da Comissão Nacional de Eleições para o
exercício da competência prevista no artigo 6º, nº 2 da Lei nº 97/88, de 17 de
Agosto. Impõe-se assim concluir que o “parecer” solicitado é qualificável como
meramente facultativo (cfr. n.º 2 do artigo 98º, do CPA) e como não vinculativo.
B) Não Recorribilidade para o Tribunal Constitucional das
Deliberações da Comissão Nacional de Eleições que Aprovem Pareceres
5. Caracterizada a deliberação objecto do presente recurso, importa
agora verificar se a mesma é passível de recurso para o Tribunal Constitucional,
nos termos e para os efeitos previstos no artigo 102º-B, da LTC, tendo em conta
que este apenas detém poderes para “julgar os recursos contenciosos interpostos
de actos administrativos definitivos e executórios [leia-se: acto susceptível de
causar lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos] praticados pela
Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos da administração eleitoral”
[alínea f) do artigo 8º, da LTC].
Na medida em que não constitui uma decisão que vise produzir efeitos
jurídicos na esfera jurídica de um sujeito individualizado e concreto que, como
tal, seja susceptível de causar lesão de direitos ou interesses legalmente
protegidos, a deliberação alvo do presente recurso não pode ser considerada como
“acto de administração eleitoral”, para os efeitos previstos no artigo 8º,
alínea f) e no artigo 102º-B, ambos da LTC. Tratando-se de “parecer” – meramente
facultativo e não vinculativo –, destinado a instruir um procedimento
administrativo que poderá vir a correr seus termos junto da Câmara Municipal de
Lisboa, não cabe ao Tribunal Constitucional julgar da sua legalidade nem da sua
oportunidade.
Neste mesmo sentido já se pronunciou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º
667/97 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt), em que se apreciou,
precisamente, uma deliberação da Comissão Nacional de Eleições que se revestia
da natureza de “acto opinativo”:
“4. No caso sub iudicio, é manifesto que não pode tomar‑se
conhecimento do presente recurso, desde logo, por uma dupla ordem de razões:
- em primeiro lugar, a deliberação em causa não tem a natureza de acto
administrativo contenciosamente recorrível, ou acto susceptível de causar lesão
de direitos ou interesses legalmente protegidos (cfr. Acórdão nºs 200/85, in
Acórdãos, 6º vol.,pp.743 e segs.). Trata-se antes de um acto opinativo que
contém o ponto de vista da C.N.E. sobre certo comportamento de promoção de uma
candidatura, a qual recomenda a cessação de tal comportamento, anunciando a
eventual apresentação de queixa-crime, no caso da não cessação do comportamento.
Acresce que a eventual apresentação de queixa-crime ao Ministério Público não se
poderia configurar como deliberação contenciosamente recorrível, dada a própria
natureza desse acto; (…)”
Em conclusão, a deliberação da Comissão Nacional de Eleições em
apreciação nos presentes autos não constitui um acto de administração eleitoral
recorrível para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do artigo 102º-B, da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, ao abrigo do disposto na alínea f) do artigo 8º e do n.º 1 do
artigo 102-B, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos supra expostos,
decide-se não conhecer do objecto do presente recurso.
Lisboa, 30 de Abril de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Mário José de Araújo Torres
Gil Galvão
Joaquim de Sousa Ribeiro
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro
João Cura Mariano
Vítor Gomes
Maria João Antunes
Benjamim Rodrigues
Carlos Fernandes Cadilha
Carlos Pamplona de Oliveira – com a declaração de que não acompanho a exigência
da lesividade quanto aos actos recorríveis nos termos previstos na alínea f) do
artigo 8.º da Lei do Tribunal Constitucional.
Rui Manuel Moura Ramos