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Processo n.º 834/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
I. Relatório
1. A. intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto acção
administrativa especial contra o Ministério das Actividades Económicas e do
Trabalho e contra os contra-interessados B. e outros, pedindo, em síntese, a
anulação do despacho n.º 249/SEICS/2004, de 4 de Março de 2004, da Secretária de
Estado da Indústria, Comércio e Serviços e a consequente revogação da lista de
transição do pessoal do quadro da Inspecção-Geral das Actividades Económicas, na
parte que dizia respeito à carreira de inspector técnico, e a integração do
autor na carreira de inspecção na categoria de inspector técnico especialista
principal ou, caso assim se não entendesse, o reposicionamento dos funcionários
de forma a que pelos mecanismos das regras de transição se tenha em conta a
antiguidade na carreira e se valorize de igual modo o Curso Elementar e o Curso
de Aperfeiçoamento e Especialização.
Em 13 de Junho de 2005, foi proferido acórdão que julgou a acção parcialmente
procedente e, em consequência, julgou “materialmente inconstitucionais as normas
do artigo 8.º, n.º 3 em conjugação com o artigo 10.º, n.º 2, ambas do Decreto
Regulamentar n.º 48/2002, de 26/11, e do artigo 9.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º
112/01, de 06/04, por violação dos princípios constitucionais constantes dos
artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa, condenando-se a
entidade demandada a proceder ao reposicionamento dos funcionários de forma a
que tenha em consideração a apontada inconstitucionalidade, tudo se processando
como se aquelas normas não existissem no ordenamento jurídico, atendendo à sua
inconstitucionalidade”.
Pode ler-se no texto do acórdão, para o que agora releva, o seguinte:
“ [...]
O Decreto-Lei n.º 112/01, de 06/04, procedeu à reestruturação das carreiras dos
funcionários ligados ao exercício de funções de inspecção ou fiscalização, tendo
criado três carreiras com diferentes requisitos habilitacionais e definindo
regras, designadamente, de intercomunicabilidade de carreiras e de transição
para as novas carreiras.
Decorre do disposto nos artigos 9.º, n.º 3 e 16.º do D.L. 112/01, de 06/04, em
conjugação com o disposto nos artigos 8.º, n.º 3 do Decreto Regulamentar n.º
48/2002, de 26/11, que os subinspectores passaram a integrar, com efeitos
reportados a 01 de Julho de 2000, a carreira de Inspecção Técnica, com a
categoria de Inspector Técnico Principal, passando à frente dos então
inspectores de 2.ª classe, cuja transição ao abrigo do disposto nos artigos 10.º
e 12.º do D.R. n.º 48/2002, de 26/11 os posicionou, em 01 de Julho de 2000, na
categoria de Inspectores Técnicos, não existindo prevista na lei, quanto a estes
funcionários, qualquer regra especial de transição.
Decorre dos referidos preceitos legais que, da sua aplicação resulta, de facto,
uma situação de inversão hierárquica.
Importa, agora, porém, apurar se tal situação assenta numa justificação que
torne aceitável o resultado verificado ou não, isto é, se a inversão das
posições relativas detidas pelos funcionários à data da publicação de tais
diplomas legais violam o princípio da coerência e da equidade que presidem ao
sistema de carreiras da função pública.
Conforme é entendimento doutrinal e jurisprudencial pacífico a não inversão das
posições relativas de funcionários ou agentes por mero efeito da reestruturação
de carreiras constitui um princípio geral que é corolário do princípio da
igualdade dos cidadãos perante a lei, consagrado, em geral, no artigo 13.º da
CRP, e, no domínio das relações laborais, no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da
CRP. Este princípio, como limite à discricionariedade legislativa, não exige o
tratamento igual de todas as situações, mas, antes, implica que sejam tratados
igualmente os que se encontram em situações iguais e tratados desigualmente os
que se encontram em situações desiguais, de maneira a não serem criadas
discriminações arbitrárias e irrazoáveis, porque carecidas de fundamento
material bastante. O princípio da igualdade não proíbe que se estabeleçam
distinções, mas sim, distinções desprovidas de justificação objectiva e
racional.
[…]
À luz do aludido princípio da não inversão das posições relativas de
funcionários ou agentes por mero efeito da reestruturação de carreiras, não
poderá admitir-se que funcionários de categoria inferior passem a integrar
categoria superior da mesma carreira onde funcionários de categoria superior
sejam colocados em categoria inferior à daqueles outros, apenas por se ter
previsto, quanto a estes, uma regra especial de transição que permite a
intercomunicabilidade de carreiras, sem que tal transição tenha qualquer
justificação, sequer ao nível dos requisitos habilitacionais exigidos.
Na situação dos autos, entendemos que se está perante uma situação em que aquele
princípio da inversão das posições relativas foi violado, pois como resulta da
matéria de facto apurada, o autor, que detinha a categoria de inspector de 2.ª
classe foi ultrapassado, com referência a 01 de Julho de 2000, por um conjunto
de funcionários que eram apenas subinspectores, isto é, situados dois níveis
abaixo na carreira e que, por força das normas legais supra referidas, lhe
passaram à frente, tendo sido colocados na categoria de Inspectores Técnicos
Principais ao passo que o autor foi colocado como Inspector Técnico, isto é, um
nível abaixo daqueles, ficando assim a auferir salário inferior aos referidos
funcionários que se encontravam situados dois níveis abaixo na carreira, dado
passarem a ser remunerados pelo escalão 2 – índice 480, enquanto o autor é
remunerado pelo escalão 1 – índice 440.
[…]
O artigo 204º da CRP impõe que os tribunais, nas suas decisões, não apliquem
normas que infrinjam o disposto na Constituição da República Portuguesa ou os
princípios nela consignados.
O disposto nos artigos 9.º, n.º 3 do D.L. n.º 112/01, de 06/04 e 8.º n.º 3 do
D.R. n.º 48/2002, pelas razões supra referidas, viola os artigos 13.º e 59.º da
CRP, o que inquina tais normas de inconstitucionalidade material, afectando,
consequentemente, a validade do despacho impugnado, que, por isso, nesta parte,
deve ser anulado por carecer de base legal.
[...].”.
2. Deste acórdão foi interposto pelo Ministério Público recurso obrigatório,
nos termos e ao abrigo dos artigos 70º nº 1 alínea a) e 72º nº 3 da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei n.º 28/82
de 15 de Novembro), por “na decisão recorrida se ter recusado a aplicação, por
inconstitucionalidade, das normas constantes dos artºs 8º n.º 3 em conjugação
com o artº 10º n.º 2, ambos do Decreto Regulamentar n.º 48/2002, de 26-11, e do
artº 9º n.º 3 do DL 112/01 de 06-04”, o qual foi admitido, por despacho de fls.
252.
Também o Ministério da Economia e da Inovação recorreu, ao abrigo do disposto na
alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, para o Tribunal Constitucional “da
decisão que recusou a aplicação do artigo 8º nº 3 em conjugação com o artigo
10º, n.º 2, ambos do Decreto Regulamentar n.º 48/2002, de 26/11 e do artigo 9º,
nº 3 do Decreto-Lei n.º 112/01 de 06/04”, recurso este que foi admitido por
despacho de fls. 257.
O Ministério Público apresentou alegação, nela concluindo:
“1 - O regime normativo desaplicado na decisão recorrida – decorrente da
conjugação dos artigos 8º, nº 3, e 10º, nº 2, do Decreto Regulamentar nº 48/02,
de 26 de Novembro, e do artigo 9º, nº 3, do Decreto-Lei n.º 112/01, de 6 de
Abril – ao conduzir a uma situação de inversão das posições hierárquicas no
âmbito da reestruturação e intercomunicabilidade das carreiras da inspecção –
consubstanciada na ultrapassagem dos inspectores técnicos por parte de
funcionários que, até então, detinham a categoria de sub-inspectores, com os
consequentes reflexos a nível remuneratório, sem que tal situação tenha
fundamento material, nomeadamente ao nível dos requisitos habilitacionais
exigidos, afronta os princípios constitucionais consagrados nos artigos 13º e
59º da Constituição da República Portuguesa.
2 - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante
da decisão recorrida.”.
Também o recorrente Ministério da Economia e da Inovação apresentou alegação,
que concluiu:
“ A – A recorrida declaração de inconstitucionalidade não atendeu à unidade do
sistema jurídico, cingindo-se na interpretação à letra dos normativos em causa;
B – A decisão recorrida ignorou as circunstâncias específicas do tempo em que a
lei houve de aplicar-se;
C – A decisão recorrida ignora ou não atende ao que dela decorrerá – novas e
mais complexas situações de desigualdade.”
Também o aqui recorrido A. apresentou a sua alegação.
II. Fundamentação
3. O presente recurso, interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º
da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, tem
por objecto a apreciação da conformidade constitucional das normas constantes do
artigo 8.º, n.º 3, em conjugação com o artigo 10.º, n.º 2, ambas do Decreto
Regulamentar n.º 48/2002, de 26 de Novembro, e do artigo 9.º, n.º 3, do
Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril, que o Tribunal Administrativo e Fiscal
do Porto considerou inconstitucionais, por violação dos princípios
constitucionais constantes dos artigos 13.º e 59.º da Constituição.
Em questões semelhantes à do presente processo, analisadas nos Acórdãos n.ºs
642/2005 e 51/2006 (o primeiro, publicado no Diário da República, II Série, de
18 de Janeiro de 2006 e, o segundo, disponível para consulta em
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional decidiu julgar
inconstitucional – por violação do artigo 59º, n.º 1, alínea a), da
Constituição, enquanto corolário do princípio da igualdade consagrado no seu
artigo 13º –, a norma resultante da conjugação das normas ínsitas no n.º 3 do
artigo 8.º e no n.º 2 do artigo 10º, um e outro do Decreto Regulamentar n.º
48/2002, de 26 de Novembro, e da alínea b) do n.º 3, do artigo 9.º do
Decreto-Lei n.º 112/2001, de 6 de Abril, na medida em que implica que, na
transição para a estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública,
definida neste último diploma, um inspector técnico de 2ª classe da
Inspecção-Geral das Actividades Económicas, que possua igual ou superior
antiguidade e não detenha inferiores requisitos habilitacionais, possa ser
posicionado em categoria inferior e com menor remuneração do que aquela em que
foi posicionado um sub-inspector da mesma Inspecção-Geral.
Ora, no presente caso, o juízo de desconformidade constitucional visou as mesmas
normas por determinarem que os subinspectores passem a integrar, com efeitos
reportados a 1 de Julho de 2000, a carreira de inspecção técnica, com a
categoria de inspector técnico principal, passando à frente dos então
inspectores de 2.ª classe, cuja transição os posicionou, em 1 de Julho de 2000,
na categoria de inspectores técnicos, sem que tal transição tenha qualquer
justificação, sequer ao nível dos requisitos habilitacionais.
Assim, dada a evidente similitude das questões, e não havendo razões para
divergir da solução adoptada pelo Tribunal nos citados arestos, é de considerar
que deve aqui aplicar-se o mesmo julgamento.
Pode ler-se no primeiro dos citados arestos o seguinte:
“ [...]
Da matéria fáctica dada por assente na decisão impugnada – e que este Tribunal
não pode censurar – resulta que o ora recorrente, ao tempo da produção de
efeitos dos Decreto-Lei nº 112/2001 e Decreto Regulamentar nº 48/2002, detinha a
categoria de inspector técnico de 2ª classe, tendo sido nomeado como inspector
técnico de 1ª classe em 22 de Dezembro de 2001.
Assim, de acordo com as disposições legais acima transcritas, um funcionário na
situação do impugnante transitou, por força do mapa anexo II ao Decreto
Regulamentar nº 48/2002, para a categoria de inspector técnico da carreira de
inspecção e, a partir de 22 de Dezembro de 2001, para a categoria de inspector
técnico principal, sendo que, um sub-inspector transitaria para a categoria de
inspector-adjunto especialista da mesma carreira.
Simplesmente, em face da possibilidade conferida pelo artº 9º do Decreto-Lei nº
112/2001, tornou-se possível aos inspectores-adjuntos especialistas com três
anos de serviço na categoria, de harmonia com o disposto no seu nº 3,
candidatarem-se à categoria de inspectores técnicos principais, desde que, em
alternativa, fossem possuidores dos requisitos habilitacionais exigíveis,
tivessem frequentado, com aproveitamento, a formação prevista no artº 14º desse
diploma, ou tivessem obtido qualificações reconhecidas no âmbito dos sistemas
educativos ou da formação profissional, em domínios relevantes para a missão dos
serviços, sendo que, para efeitos da frequência da referida formação, o nº 3 do
artº 8º do Decreto Regulamentar nº 48/2002 entendeu como válido e suficiente o
concurso com prova de conhecimentos e avaliação curricular de sub-inspectores
que já detivessem curso de formação para inspector técnico de 2ª classe com,
pelo menos, três anos d serviços na respectiva categoria classificados de Muito
bom ou cinco anos com classificação mínima de Bom.
No que concerne aos então inspectores de 2ª classe da Inspecção-Geral das
Actividades Económicas (isto é, aos funcionários que detivessem tal categoria da
carreira de inspecção delineada no Decreto-Lei nº 269-A/95), nenhuma regra
especial, à excepção das gerais contidas nos artigos 10º e 12º do Decreto
Regulamentar nº 48/2002, foi prevista, não se podendo olvidar que, de acordo com
o mencionado Decreto-Lei nº 269-A/95, naquela carreira, a categoria de
sub-inspector era posicionada em nível hierárquico e remuneratório (cfr., quanto
a este último, o Mapa II Anexo a esse diploma) inferior à categoria de inspector
técnico de 2ª classe.
Poderão, por isso, surgir situações em que, por virtude da transição,
sub-inspectores com menor antiguidade na carreira de inspecção do que a possuída
pelos inspectores técnicos de 2ª classe e não apresentando, relativamente a
estes, mais elevados requisitos habilitacionais, sejam posicionados, no domínio
das carreiras de inspecção da Administração Pública, em categorias mais elevadas
(e com remuneração superior) do que aquelas em que, também pela transição, foram
posicionados aqueles inspectores técnicos.
[…]”
Entendeu então Tribunal que a apreciação da compatibilidade constitucional do
comando extraível da conjugação das normas ínsitas no nº 3 do artº 8º e do n.º 2
do artigo 10º, um e outro do Decreto Regulamentar nº 48/2002, e da alínea b) do
nº 3 do artº 9º do Decreto-Lei nº 112/2001, deveria ser feita neste contexto e
“na medida – e tão só nessa medida – em que implique que, na reestruturação das
carreiras dos funcionários das carreiras de inspecção da Inspecção-Geral das
Actividades Económicas para efeitos daquele decreto-lei, possam os então
sub-inspectores, com menor antiguidade na carreira e que não detenham mais
elevados requisitos habilitacionais do que os então inspectores técnicos de 2ª
classe, ser posicionados em categorias mais elevadas do que aquela em que foram
posicionados os inspectores técnicos de 2ª classe.”
E considerou que a doutrina do Acórdão n.º 323/2005 (também disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), tirado em plenário, era, “com as devidas
adaptações, aplicável ao caso sub iudicio, no qual dos normativos em apreço pode
resultar, sem que se lobrigue uma razão justificativa para tanto, que na
transição para a estrutura das carreiras de inspecção da Administração Pública
estabelecida pelo Decreto-Lei nº 112/2001, um inspector técnico de 2ª classe da
Inspecção-Geral das Actividades Económicas, com maior antiguidade na carreira e
que não detenha menos requisitos habilitacionais, possa ser posicionado em
categoria hierarquicamente inferior e a que corresponda inferior remuneração
relativamente àquela em que foi posicionado um sub-inspector daquela
Inspecção-Geral.”
É a esta jurisprudência que se adere, porquanto também neste caso se verifica
que por força dos normativos em apreço, na reestruturação das carreiras dos
funcionários das carreiras de inspecção da Inspecção-Geral das Actividades
Económicas, podem os então sub-inspectores, com menor antiguidade na carreira e
que não detenham mais elevados requisitos habilitacionais do que os então
inspectores técnicos de 2ª classe, ser posicionados em categorias mais elevadas
do que aquela em que foram posicionados os inspectores técnicos de 2ª classe, o
que ofende o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição,
corolário do princípio da igualdade consagrado no seu artigo13.º.
III. Decisão
4. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se negar provimento ao
recurso. Custas pelo recorrente Ministério da Economia e da Inovação, fixando-se
a taxa de justiça em 25 UC.
Lisboa, 29 de Abril de 2009
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Maria João Antunes
Rui Manuel Moura Ramos