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Processo n.º 162/09
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A. apresentou reclamação para a conferência, ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 26 de Março de 2009, que
decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não
conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto.
1.1. A referida decisão sumária tem a seguinte
fundamentação:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da [LTC], contra o acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Dezembro de 2008, que, concedendo
parcial provimento ao recurso por ele interposto do acórdão da 7.ª Vara Criminal
de Lisboa, de 20 de Maio de 2008 (que o havia condenado, pela prática de um
crime de tráfico de droga, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do
Decreto‑Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I‑B, I‑C e
II‑A anexas ao mesmo diploma, na pena de 6 anos de prisão, e pela prática de um
crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, n.º 1,
alínea d), e 2.º, n.º 1, alínea aj), e n.º 3, alíneas e) e l), todos da Lei n.º
5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 1 ano de prisão, e, em cúmulo, na pena
única de 6 anos e 6 meses de prisão), alterou a pena pelo crime de detenção de
arma proibida para 120 dias de multa à razão diária de € 10, e a pena única para
6 anos de prisão e 120 dias de multa à mesma razão.
No requerimento de interposição de recurso referiu o recorrente
pretender «a apreciação da constitucionalidade das normas seguintes»:
«a) Artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP (Questão suscitada na
motivação e conclusões do recurso).
Na interpretação do recorrente, deverá sempre o juiz ouvir as
escutas pessoalmente, mesmo as sugeridas pelos OPC, ou ler as passagens ou
resumos das sessões feitas pelos mesmos, por forma a fazer depender a aquisição
processual da prova assim obtida [de] um ‘crivo’ judicial quanto ao seu
carácter não proibido e à sua relevância.
O que não deve é autorizar a transcrição das sessões sugeridas pelos
OPC, sem as ouvir, pessoalmente, ou de outra forma, espelhada nos autos, tenha
tido conhecimento do conteúdo das sessões que mandou transcrever e destruir.
Na interpretação normativa do Venerando Tribunal da Relação, em sede
de douto acórdão e no que diz respeito à matéria suscitada sobre – Escutas
Telefónicas – é entendido que ‘Em face da mencionada tramitação, e embora não
conste dos despachos proferidos que foram ouvidas as gravações ou que, por outra
forma, a Sr.ª Juíza tomou conhecimento do seu conteúdo, não se pode deixar de
concluir que tal sucedeu efectivamente e que a selecção efectuada materializa
um critério judicial que atende à relevância da prova “à charge et à décharge”
e não apenas ao ponto de vista da investigação’ (sublinhado nosso).
Ora, tal factualização foi a demonstrada pelo arguido em sede de
recurso, quando mencionou que ‘Importante é que exista despacho judicial no
sentido de que, previamente à ordem de transcrição e destruição das escutas
telefónicas, conste dos autos que o juiz procedeu à sua audição, ou leu os
resumos dos excertos de eventuais transcrições, ou mesmo o resumo do conteúdo
das sessões que mandou transcrever ou destruir, isto na esteira e com os
argumentos da melhor interpretação do citado artigo 188.º, n.º 1, do CPP, feita
pelo nosso Tribunal Constitucional, sob pena de ser interpretado
inconstitucionalmente, por violação do n.º 8 do artigo 32.º e [do artigo] 34.º,
n.ºs 1 e 4, da CRP (cf., por todos, o mui douto Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 426/2005, de 26 de Agosto de 2005, processo n.º 487/05, da
2.ª Secção, relatado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Mário Torres, especialmente
no que concerne à necessidade de o juiz ouvir previamente as sessões (pelo
menos as indicadas pelos OPC), ou, por alguma forma, consignar em despacho,
inequivocamente, que tomou conhecimento do conteúdo das mesmas antes de
ordenar a transcrição e destruição das comunicações telefónicas efectuadas’.
Muito embora neste mesmo acórdão constar que ‘Uma vez que não se
interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da redacção então vigente do Código de
Processo Penal da forma tida por inconstitucional pelo recorrente, não há que
apreciar a conformidade dessa interpretação com a lei fundamental’.
Em suma, a interpretação que o Venerando Tribunal ad quem extracta
do artigo 188.º, n.º 1, 3 e 4, da versão então vigente do CPP, é
inconstitucional, por violação dos artigos 32.º, n.º 8, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da
CRP, quando extrai de um facto negativo (a não existência de despacho) um facto
positivo, qual seja ‘… não se pode deixar de concluir que tal sucedeu
efectivamente ...’, quando deveria ter interpretado tal norma de acordo com o
sentido preconizado pelo recorrente em sede de recurso, e na esteira da melhor
interpretação já feita pelo douto Acórdão do Tribunal Constitucional acima
enunciado.
b) Artigo 363.º do CPP (Questão suscitada na motivação e conclusões
do recurso).
Na interpretação do recorrente, a prova produzida em audiência de
discussão e julgamento deverá sempre ser documentada, sob pena de ver coarctado
o seu direito fundamental de recorrer de decisões da matéria de facto e,
consequentemente, a possibilidade de um duplo grau de jurisdição.
No depoimento da testemunha B., que decorreu na audiência de
julgamento do dia 27 de Março de 2008, faltam 32 minutos de gravação de
depoimento.
Na interpretação normativa do Venerando Tribunal da Relação, tal
vício apenas poderia ter sido suscitado ainda na 1.ª Instância e não em sede de
recurso, como o foi, sendo, em nosso entender, tal interpretação
inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
c) Artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto (Questão
suscitada na motivação e conclusões do recurso e no requerimento de pedido de
esclarecimento e arguição de nulidade).
Na interpretação do recorrente, a prova obtida contra o disposto no
artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, é uma prova proibida por
lei, sendo por isso inconstitucional, por violação dos princípios,
constitucionalmente consagrados, da segurança jurídica e da igualdade previstos
nos artigos 13.º e 32.º, n.ºs 1 e 8, da CRP.
No douto acórdão, o Venerando Tribunal da Relação refere ‘Tal
proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de facto e a
impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente como
factor relevante para a determinação da pena concreta (...).’ – o sublinhado é
nosso.
No entanto, da interpretação normativa que faz, admite que se está
perante uma prova proibida por lei, mas não extrai a consequência necessária na
medida concreta da pena, ao que acresce o facto de consignar em sede de acórdão
esclarecido que ‘Pelo facto de este Tribunal ter procedido àquela alteração da
matéria de facto não estava obrigado a alterar a pena imposta’, o que constitui
violação dos princípios, constitucionalmente consagrados, da segurança jurídica
e da igualdade previstos nos artigos 13.º e 32.º, n.º 1, da CRP.
d) Artigo 379.º, n.º 1, alínea c), e artigo 412.º, n.º 3, alínea a),
do CPP (Questão suscitada na motivação e conclusões do recurso e no
requerimento de pedido de esclarecimento e arguição de nulidade).
Na interpretação do recorrente, o Venerando Tribunal da Relação, ao
não conhecer do recurso de matéria de facto interposto pelo arguido recorrente,
omitindo‑lhe qualquer análise ou referência, o Venerando Tribunal da Relação de
Lisboa incorreu na nulidade de omissão de pronúncia prevista no artigo 379.º,
n.º 1, alínea c), do CPP.
O recorrente, na sua motivação de recurso, indicou, nos termos do
artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP, os pontos de facto que considerou
incorrectamente julgados, tendo inclusivamente indicado, nos termos da
respectiva alínea b), as provas que impunham decisão diversa da recorrida.
Tal omissão de conhecimento do recurso de matéria de facto
configura uma clara inconstitucionalidade por violação do direito ao recurso e
ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Uma vez que o tribunal interpretou não reapreciar a valoração da
prova feita pela 1.ª instância, alicerçando a sua fundamentação na legalidade
dos meios de prova, tal interpretação leva a que não seja feito qualquer juízo
valorativo sobre a matéria de facto impugnada, o que não se compadece com os
direitos do arguido/recorrente constitucionalmente consagrados (artigo 32.º,
n.º 1, da CRP), e que se revela no duplo grau de jurisdição sobre a matéria de
facto.»
O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TRL, decisão
que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional (artigo 76.º, n.º 3,
da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é inadmissível, o que
possibilita a prolação de decisão sumária de não conhecimento, ao abrigo do
disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade, a
competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas, ou a condutas ou omissões processuais. A distinção entre
os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa
daqueles em que é imputada directamente a decisão judicial radica em que na
primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adopção de um critério
normativo (ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço), com carácter
de generalidade, e, por isso, susceptível de aplicação a outras situações,
enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios
normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.
Por outro lado, tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua
admissibilidade depende da verificação cumulativa dos requisitos de a questão
de inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo
72.º da LTC), e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio
decidendi, das dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo
recorrente. Aquele primeiro requisito (suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferida a
decisão impugnada) só se considera dispensável nas situações especiais em que,
por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota
com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo
excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade
processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a
decisão recorrida ou em que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que
suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional
que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de
constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter
proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em
princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido
que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua
aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar
a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma
inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão
judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve «lapso manifesto» do juiz
quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos
factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem
necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por
maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de
constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Acresce que, quando o recorrente questiona a conformidade
constitucional de uma interpretação normativa, deve identificar essa
interpretação com o mínimo de precisão, não sendo idóneo, para esse efeito, o
uso de fórmulas como «na interpretação dada pela decisão recorrida» ou
similares. Com efeito, constitui orientação pacífica deste Tribunal a de que
(utilizando a formulação do Acórdão n.º 367/94) «ao suscitar‑se a questão de
inconstitucionalidade, pode questionar‑se todo um preceito legal, apenas parte
dele ou tão‑só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) [E]sse sentido
(essa dimensão normativa) do preceito há‑de ser enunciado de forma que, no caso
de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua
decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os
operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido
com que o preceito em causa não deve ser aplicado, por, deste modo, violar a
Constituição.»
3. Recordados estes critérios de admissibilidade do recurso, há que
apreciar se eles se verificam relativamente a cada uma das quatro questões de
constitucionalidade identificadas no respectivo requerimento de interposição.
3.1. Primeira questão de inconstitucionalidade (reportada ao artigo
188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP), que teria sido suscitada na motivação e
conclusões do recurso penal.
3.1.1. O aduzido pelo recorrente relativamente a esta questão, no
recurso para o Tribunal da Relação, foi sintetizado nas seguintes conclusões:
«I. O tribunal ora recorrido serviu‑se da prova resultante das
escutas telefónicas para a motivação da decisão de facto e consequentemente
para a sua condenação (cf. fls. 54 do douto acórdão recorrido).
II. Entendeu o douto acórdão recorrido que relativamente às escutas
telefónicas nenhuma nulidade existiu, sendo certo que não se pronunciou quanto
às alegadas inconstitucionalidades.
III. Na verdade, na esteira da mais recente jurisprudência do
Tribunal Constitucional, como pilar, temos que o pretendido pelo legislador,
além do mais, é que o juiz faça um controlo efectivo, real e próximo das escutas
telefónicas.
IV. Para tanto, deverá sempre o juiz ouvir as escutas pessoalmente,
mesmo as sugeridas pelos OPC, ou ler as passagens ou resumos das sessões feitas
pelos mesmos, por forma a fazer depender a aquisição processual da prova assim
obtida a um ‘crivo’ judicial quanto ao seu carácter não proibido e à sua
relevância.
V. O que não deve é autorizar a transcrição das sessões sugeridas
pelos OPC, sem as ouvir, pessoalmente, ou que de outra forma, espelhada nos
autos, tenha tido conhecimento prévio do conteúdo das sessões que mandou
transcrever e destruir.
VI. E, na verdade, a interpretação que o tribunal recorrido deu à
norma do artigo 188.º, n.º 1, do CPP é que a expressão ‘imediatamente não queria
dizer no dia seguinte, mas apenas e tão‑só num prazo razoável, que nada impede
ser superior a 30 dias, o que, aliás, diga‑se, nunca prejudicaria os interesses
do qualquer visado’.
VII. Ora, esta interpretação dada à expressão ‘imediatamente’
(constante na redacção que foi dada pelo Decreto‑Lei n.º 320‑C/2000, de 15 de
Dezembro, aplicável ao presente processo), já mereceu juízos de
inconstitucionalidade por parte do Tribunal Constitucional, mormente quando
abrange escutas telefónicas que, autorizadas pelo juiz, só delas teve
conhecimento 38 dias depois de elas terem início (Acórdãos do TC n.ºs 528/2003 e
379/2004).
VIII. Mas mesmo na situação acima indicada, não basta os OPC
levarem ao conhecimento do juiz a intercepção das escutas telefónicas, quer
através dos suportes técnicos, quer através da transcrição dos excertos do
conteúdo das sessões interceptadas.
IX. Importante é que exista despacho judicial no sentido de que,
previamente à ordem de transcrição e destruição das escutas telefónicas, conste
dos autos que o juiz procedeu à sua audição ou leu os resumos dos excertos de
eventuais transcrições, ou mesmo o resumo do conteúdo das sessões que mandou
transcrever ou destruir, isto na esteira e com os argumentos da melhor
interpretação do citado artigo 188.º, n.º 1, do CPP, feita pelo nosso Tribunal
Constitucional, sob pena de ser interpretado inconstitucionalmente, por
violação do n.º 8 do artigo 32.° e [do artigo] 34.°, n.ºs 1 e 4, da CRP (cf.,
por todos, mui douto acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2005, de 26 de
Agosto de 2005, processo n.º 487/05 da 2.ª Secção, relatado pelo Exmo. Senhor
Conselheiro Mário Torres, especialmente no que concerne à necessidade de o juiz
ouvir previamente as sessões (pelo menos as indicadas pelos OPC) ou, por alguma
forma, consignar em despacho, inequivocamente, que tomou conhecimento do
conteúdo das mesmas antes de ordenar a transcrição e destruição das
comunicações telefónicas efectuadas.
X. Da análise destas sessões constata‑se desde logo que o prazo
entre a realização das intercepções telefónicas e o conhecimento efectivo do
conteúdo das sessões validadas e mandadas transcrever, por parte da autoridade
judicial, são, respectivamente, de 62, 60, 59, 46, 44, 38 e 36 dias,
respectivamente.
XI. Assim sendo o prazo mais curto de 36 dias sempre se pode
considerar excessivo perante a circunstância da expressão ‘imediatamente’ ser
considerada pela jurisprudência constitucional como um prazo que não permite o
acompanhamento próximo pelo juiz das intercepções telefónicas.
XII. Em 5 de Maio, 21 de Maio, 23 de Junho, 31 de Julho e 17 de
Agosto do ano de 2006 foram elaborados relatórios policiais em que eram
sugeridas várias sessões como sendo relevantes, requerendo‑se que as mesmas
fossem validadas.
XIII. A 8 de Maio, 23 de Maio, 27 de Junho, 1 de Agosto e 17 de
Agosto de 2006, o Digno Magistrado do Ministério Público promoveu no sentido
da validação e transcrição das intercepções telefónicas constantes dos
relatórios policiais anteriormente mencionados.
XIV. Por despacho nos dias 10 de Maio, 26 de Maio, 4 de Julho, 2 de
Agosto e 17 de Agosto de 2006, o JIC validou as intercepções propostas por cada
um dos relatórios respectivamente, sem que tivesse procedido à audição das
mesmas, não tendo em momento algum essas mesmas transcrições sido objecto de
despacho no sentido de ser admitidas.
XV. Assim sendo e atendendo a que o controlo jurisdicional não foi
efectuado através da audição das referidas intercepções, nem tão‑pouco pela
leitura das transcrições das mesmas, somos obrigados a concluir que sobre estas
o circunstancialismo ‘imediatamente’ nem sequer se coloca em causa, pelo que
devem ser declaradas nulas desde logo as intercepções e respectivas transcrições
referentes às sessões 1744, 1817, 1845, 1876, 2004, 2041, 2047, 2162, 2506,
2550, 2861, 2905, 2943, 2984, 3009, 3031, 3102, 3156, 3185, 3223, 3463, 3464,
3594, 3802, 3805, 4454 do Alvo 1H074M e sessões 980, 985, 997, 998, 1010, 1044,
1350, 1499, 1587, 1741, 1780, 2285, 2821, 3202, 3240, 3243, 3534, 3650, 3917,
3986, 3987, 4076, 4593, 5128 e 5134 do Alvo 29860M.
XVI. A este propósito transcrevemos os ensinamentos do aliás mui
douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que diz:
XVII. ‘O que importa, pois, é saber se os Srs. Juízes de instrução
que ordenaram a transcrição das conversações que constam dos autos ouviram
efectivamente, mesmo que coadjuvados pelo OPC (artigo 188.º, n.º 4), as
gravações efectuadas e se foram eles que seleccionaram essas sessões.
XVIII. Ora, nesta sede, não podemos deixar de reconhecer que os
elementos disponíveis nos autos nos convencem plenamente que nenhum dos
senhores juízes, (...) ouviu essas gravações ou ouviu sequer as sessões que
mandou transcrever.
XIX. Limitaram‑se, todos eles, (...) a seguir as sugestões da
Polícia Judiciária e os resumos das sessões feitos por este OPC, ou seja,
apenas daquelas que o sr. Inspector responsável pela investigação achou
pertinentes (...).’ – o sublinhado é nosso – (cf. acórdão do TRL n.º 5607/05 da
3.ª Secção, fls. 62).
XX. Em consequência, decidiu o douto acórdão acima indicado que as
provas assim obtidas estavam feridas de nulidade, de acordo com o artigo 122.º,
n.º 1, do CPP, pelo que o despacho de pronúncia proferido (irrecorrível face à
nova redacção do CPP), bem como os actos subsequentes do processo, nos quais
tenham sido atendidas as escutas declaradas nulas, como é o caso da audiência de
julgamento e respectivo acórdão proferido, não se poderiam manter, o que neste
caso também se requer.
XXI. A validação da transcrição das escutas telefónicas não foi
precedida da assinatura do juiz e da certificação da conformidade da
transcrição, nos termos do n.º 4 do artigo 188.º do CPP e [do artigo] 101.º, n.º
2, do CPP.
XXII. Ora, se considerarmos e se vier a ser interpretado que o auto
de validação das transcrições telefónicas não tem de estar assinados pelo juiz,
nem sequer tem de certificar a conformidade da transcrição, e que do mesmo modo
não tem que proceder à prévia audição das escutas telefónicas cuja transcrição e
destruição ordenou, nos termos do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, é a mesma
inconstitucional, por violação dos artigos 18.º, n.º 2, 32.º, n.ºs 1 e 8, e
34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP.»
3.1.2. O acórdão recorrido, relativamente à questão ora em causa,
desenvolveu a seguinte fundamentação, para concluir pela improcedência do vício
alegado, na parte concernente a pretensa não audição judicial prévia das
intercepções mandadas transcrever:
«A proibição de valoração das escutas telefónicas.
12 – O recorrente termina as conclusões da motivação apresentada
pedindo que sejam declaradas nulas as escutas telefónicas e, em consequência, se
ordene a remessa dos autos para o Tribunal de Instrução.
Independentemente da apreciação que se vier a fazer sobre a forma
como foram cumpridas as formalidades estabelecidas pela lei quanto às escutas
telefónicas, importa dizer que, em face da nova redacção do Código de Processo
Penal, nomeadamente dos n.ºs 1 e 2 do seu artigo 310.º, nunca a conclusão, em
fase de julgamento, de que a prova obtida por esse meio não pode ser valorada,
por constituir uma prova proibida, poderá implicar o retorno do processo à fase
de instrução.
Esse era o resultado que podia decorrer do facto de a anterior
redacção do Código de Processo Penal admitir a interposição de recurso da
decisão proferida a tal respeito pelo juiz de instrução e, simultaneamente, de
se ter, numa determinada fase, entendido que a subida desse recurso só ocorria
com o que viesse a ser interposto da decisão final. Nesse caso, a nulidade das
escutas, porque implicava a proibição da sua valoração já na decisão
instrutória, implicava ou podia implicar o retrocesso à fase de instrução.
Ora, a nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 310.º do Código de
Processo Penal considera uma tal decisão irrecorrível, o que impede que uma
eventual divergência quanto ao sentido da decisão proferida sobre a matéria se
repercuta na decisão instrutória.
A particularidade da situação deriva do enfraquecimento da força do
caso julgado, que não se impõe ao tribunal de julgamento, não impedindo que este
exclua essa prova por a considerar proibida, não a valorando nos termos e para
os efeitos da formação da convicção do tribunal (artigo 355.º do Código de
Processo Penal).
Tal opção legislativa vai, a nosso ver, no sentido correcto, o do
reforço e valorização da fase de julgamento, em detrimento das fases
preliminares, que apenas visam possibilitar que este se realize.
13 – Dito isto, analisemos então a questão da validade do
procedimento adoptado quanto às escutas telefónicas. Mais precisamente, quanto
às intercepções realizadas aos cartões n.ºs …. (Alvo 1G316 – Apenso I), ….
(Alvo 1G317 – Apenso II), ….(Alvo 1H074M – Apenso III) e …. (Alvo 29860M –
Apenso VII) até ao período a que se reporta o despacho judicial proferido em 18
de Setembro de 2006 (fls. 831), ao qual se refere o relatório policial datado de
13 de Setembro do mesmo ano (fls. 775 a 777), matéria que foi abordada nas pp. 4
a 72 da motivação.
Para tanto, e uma vez que a descrição feita pelo recorrente da
tramitação processual não é inteiramente completa e rigorosa, importa dar
conta do que efectivamente resulta dos autos.
A – O presente processo teve início com um ofício (fls. 2), a que
foi junto um relatório policial (fls. 3 e 4), uma informação de serviço (fls. 5)
e diverso expediente (fls. 6 a 9), através do qual a PSP comunicou ao
Ministério Público as suspeitas que existiam de que duas pessoas, uma C. e um
D., se dedicavam ao tráfico de ecstasy, utilizando nessa actividade dois
telemóveis cujos números aí indicaram. Nesse expediente sugeria‑se que fosse
requerida a intercepção das comunicações efectuadas através daqueles cartões e
dos aparelhos em que eles eram utilizados, uma vez que, pelos motivos que aí se
referiram, e para além das que já tinham sido feitas, se tornava impossível
efectuar outro tipo de diligências sem que tal inviabilizasse a própria
investigação.
Apreciando o requerimento então apresentado pelo Ministério Público
(fls. 11 e 12), a Sr.ª juíza proferiu, no dia 25 de Outubro de 2005, o despacho
de fls. 15 e 15 verso, em que, pelos fundamentos constantes do mencionado
relatório policial e demais elementos juntos, autorizou, nomeadamente, a
intercepção, pelo prazo de 60 dias, das comunicações efectuadas através dos
cartões n.ºs …. e ….. e dos aparelhos em que eles eram utilizados.
Essas intercepções tiveram início, como se pode ver de fls. 26 e 24,
no dia 27 de Outubro de 2005.
B – No dia 9 de Novembro de 2005, a PSP elaborou um primeiro
relatório (fls. 32 a 34) em que dava conta dos resultados das intercepções
efectuadas nesse período, sugeria a transcrição de diversas sessões, relatando o
conteúdo de algumas delas, pedindo a nomeação de um tradutor para as
conversações em crioulo e juntando os 3 CD em que se encontravam gravadas as
comunicações.
Na sequência de promoção do Ministério Público e de o respectivo
magistrado ter nomeado o intérprete sugerido (fls. 37), a Sr.ª juíza,
certamente no dia 14 de Novembro de 2005, validou as intercepções realizadas
nesse período, ordenou as transcrições indicadas relativas às comunicações em
português e designou o dia 25 de Novembro para a audição das sessões em
crioulo, mandando convocar o intérprete nomeado (fls. 39).
No dia aprazado realizou‑se essa diligência, tendo a Sr.ª juíza
determinado que se transcrevesse a sessão sugerida pela PSP (ver ‘Auto de
audição de sessões em crioulo’, a fls. 52).
Em face da mencionada tramitação, e embora não conste dos despachos
proferidos que foram ouvidas as gravações ou que, por outra forma, a Sr.ª juíza
tomou conhecimento do seu conteúdo, não se pode deixar de concluir que tal
sucedeu efectivamente e que a selecção efectuada materializa um critério
judicial que atende à relevância da prova ‘à charge et à décharge’ e não apenas
ao ponto de vista da investigação.
C – No dia 5 de Dezembro de 2005, a PSP elaborou um segundo
relatório (fls. 59 e 60), a que juntou 4 CD contendo as gravações das
conversações efectuadas e interceptadas nesse período, sugerindo as sessões que,
na opinião desse OPC, deviam ser transcritas.
Apresentado o processo ao Ministério Público no dia 12 de Dezembro
(fls. 71), veio o respectivo magistrado a requerer que se validassem as
intercepções efectuadas e se determinasse a transcrição das sessões indicadas
pelo OPC, requerimento esse que foi deferido pelo despacho de fls. 74, proferido
no dia 14 de Dezembro.
Tendo em conta o teor do relatório policial, que com ele foram
enviados os CD à Sr.ª juíza e o procedimento por ela adoptado anteriormente não
pode este tribunal duvidar que, também neste caso, a selecção foi por ela
efectuada mediante prévio conhecimento do que tinha sido interceptado e se
encontrava gravado.
D – Em data anterior a 21 de Dezembro de 2005, a PSP elaborou novo
relatório (fls. 81 e 82) em que, para além de indicar as sessões que considerava
relevantes e de juntar os 3 CD em que as gravações se continham, propunha a
prorrogação, por prazo não inferior a 90 dias, das escutas aos dois mencionados
cartões, e dava conta de que tinha apurado, certamente através da audição de uma
conversa interceptada, que o fornecedor da C.era um indivíduo que ela tratava
por ‘A.’, que utilizava o cartão com o n.º…..
No dia 27 de Dezembro, em férias judiciais, e na sequência de
requerimento do Ministério Público (fls. 86), a Sr.ª juíza de turno proferiu o
despacho de fls. 89 e 90, começando por consignar que tinha tomado conhecimento
das intercepções realizadas e que constavam dos 3 CD, tendo‑as validado.
Determinou a transcrição de diversas comunicações e, em face do teor das
escutas já efectuadas, prorrogou, mas apenas por 60 dias, a intercepção das
comunicações efectuadas através daqueles dois cartões.
Não temos, por isso, qualquer fundamento para afirmar que a Sr.ª
juíza não procedeu à audição das gravações ou que seguiu acriticamente a
sugestão policial.
E – Em data anterior a 10 de Janeiro de 2006, a PSP elaborou um
outro relatório (fls. 99 a 101) em que solicitou nova intercepção dos dois
cartões anteriormente mencionados (uma vez que a inicialmente autorizada, por
atraso da concessão da prorrogação e por erro na indicação de um dos números,
tinha caducado no dia 26 de Dezembro) e a intercepção do cartão n.º …., tudo por
um prazo não inferior a 90 dias, e enviou, para validação, as transcrições já
efectuadas e, para validação e autorização de transcrição, dois CD relativos ao
período de 22 a 26 de Dezembro.
Também neste caso, na sequência de requerimento do Ministério
Público, a Sr.ª juíza proferiu, no dia 16 de Janeiro de 2006 (fls. 111 e 112),
um despacho em que, invocando o disposto na redacção então vigente dos n.ºs 1, 3
e 4 do artigo 188.º do Código de Processo Penal, validou as intercepções
realizadas e determinou a transcrição das sessões indicadas pelo OPC. Nesse
mesmo despacho autorizou, mas apenas pelo prazo de 60 dias, novas intercepções
aos cartões n.ºs ….. e …. e validou as transcrições efectuadas, não se tendo
pronunciado sobre a outra intercepção solicitada.
Detectada a omissão, foi elaborado, em 18 de Janeiro, um relatório
complementar (fls. 122) em que sugeria novamente a intercepção do cartão n.º
914 004 378 por prazo não inferior a 90 dias.
Tal autorização foi concedida pelo despacho de fls. 127 e 127 verso,
proferido nesse mesmo dia 18, fixando‑se, no entanto, um prazo de 60 dias.
F – No dia 10 de Fevereiro de 2006, foi elaborado um novo relatório
(fls. 156 a 159) em que, para além do mais, se solicitava a autorização para
transcrever determinadas sessões das intercepções realizadas nesse período às
comunicações feitas através dos cartões n.ºs …… , ….. e …..
A requerimento do Ministério Público (fls. 163), veio a ser
proferido, no dia 15 de Fevereiro, o despacho de fls. 167, que, para além do
mais, autorizou a transcrição das sessões indicadas.
G – No dia 10 de Março foi elaborado um novo relatório (fls. 196 a
199) em que, para além de se dar conta do desenvolvimento das investigações e de
algumas das diligências realizadas e informações obtidas, se solicitava a
validação das escutas efectuadas, se pedia a transcrição de determinadas
sessões, se solicitava a prorrogação da intercepção das comunicações efectuadas
através de dois cartões e se sugeria que fosse determinada a intercepção de
comunicações efectuadas através de um outro cartão utilizado pelo então
suspeito A..
Também neste caso, a requerimento do Ministério Público (fls. 202),
veio a ser proferido, no dia 13 de Março, despacho (fls. 206) que validou as
intercepções efectuadas, tendo ordenado a transcrição das sessões indicadas,
delas excepcionando expressamente a sessão 782 e as mensagens n.ºs 165 e 276,
que tinham sido indicadas pelo OPC.
H – No dia 7 de Abril de 2006 foi elaborado novo relatório policial
(fls. 229 a 233) em que, para além de se dar conta da prossecução das
investigações quanto a cada um dos suspeitos e de se sugerirem diversas
diligências, se pedia a validação das intercepções entretanto efectuadas e a
permissão para transcrever determinadas sessões que tinham sido objecto de
gravação. Dizia que se juntavam 12 CD com as sessões gravadas e um outro CD com
suporte Excel das sessões interceptadas.
Formulado pelo Ministério Público requerimento à Sr.ª juíza de
instrução (fls. 236), foi, no dia 11 de Abril, proferido despacho que não
apreciou o pedido feito por os CD com as gravações não terem acompanhado os
autos, tendo a Sr.ª juíza determinado a devolução do processo ao Ministério
Público (fls. 243).
No dia seguinte, o Ministério Público renovou o seu requerimento,
apresentando juntamente com o processo os CD gravados (fls. 247), tendo, no dia
13 de Abril, sido proferido despacho judicial a validar as intercepções e a
ordenar a transcrição das sessões indicadas pelo OPC (fls. 250).
I – No dia 5 de Maio de 2006, a PSP elaborou outro relatório (fls.
274 a 277) em que, para além de relatar o desenvolvimento das investigações
quanto a cada um dos suspeitos e de sugerir a realização de diligências de
prova, solicitou a validação das intercepções entretanto efectuadas, a
transcrição das sessões que considerava relevantes e a validação das
transcrições já efectuadas. Dizia que se juntavam 12 CD com as sessões
interceptadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 282 e 283), a Sr.ª juíza
de instrução, tendo recebido os CD remetidos em anexo, proferiu, no dia 10 de
Maio, despacho (fls. 287 e 288) em que, para além do mais, validou as
intercepções e as transcrições até esse momento efectuadas e ordenou a
realização de outras transcrições.
J – No dia 21 de Maio de 2006 foi elaborado pela PSP novo relatório
em que, para além do mais, se solicitava a validação das intercepções
efectuadas e autorização para realizar outras transcrições (fls. 311 a 313).
Juntavam‑se os CD com as gravações efectuadas e um outro CD com suporte Excel
das sessões interceptadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 323), veio a ser
proferido, no dia 26 de Maio, despacho que validou as intercepções e ordenou a
transcrição das sessões indicadas pelo OPC (fls. 326).
Depois de, por erro da investigação, terem caducado as autorizações
concedidas para a intercepção dos cartões utilizados pelo suspeito A. (n.ºs ….
e …..) foi solicitada a permissão para a realização de novas intercepções a
esses números, a qual, na sequência dos relatórios de fls. 354/355 e 458, e de
requerimento do Ministério Público (fls. 461), foi concedida, pelo prazo de 90
dias, pelo despacho judicial proferido no dia 23 de Junho (fls. 465).
K – Nesse mesmo dia 23 foi elaborado novo relatório policial (fls.
475 a 478) em que, para além do pedido de cessação de uma intercepção, se
solicitava a validação das intercepções entretanto realizadas e a transcrição
de determinadas sessões que nele se indicavam. Juntavam‑se os CD com as
gravações efectuadas e um outro CD com suporte Excel das sessões interceptadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 481), veio a ser
proferido, no dia 4 de Julho de 2006, novo despacho que validou as transcrições
e as intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas (fls.
485).
L – Depois de, na sequência do relatório policial de fls. 497/8 e de
requerimento do Ministério Público (fls. 527), ter sido ordenada, pelo despacho
de fls. 530, nova intercepção do cartão n.º …., utilizado pela suspeita C., foi
elaborado, no dia 31 de Julho de 2006, novo relatório policial (fls. 551 a 554)
em que se solicitava a validação das intercepções entretanto realizadas e a
transcrição de determinadas sessões que nele se indicavam. Juntavam‑se os CD
com as gravações efectuadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 557), veio a ser
proferido, no dia 2 de Agosto de 2006, novo despacho que validou as
intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas (fls. 560).
M – No dia 17 de Agosto de 2006, foi elaborado novo relatório
policial (fls. 591 a 593) em que se solicitava a validação das intercepções
entretanto realizadas e a transcrição de determinadas sessões que nele se
indicavam. Juntavam‑se os CD com as gravações efectuadas e um outro CD com
suporte Excel das sessões interceptadas.
A requerimento do Ministério Público (fls. 620), veio a ser
proferido, no dia 17 de Agosto de 2006, novo despacho que, para além do mais,
validou as intercepções e determinou a realização das transcrições sugeridas
(fls. 624).
14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaborados os
relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com eles juntos, o facto de
com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e,
na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido
validadas as gravações e determinadas as transcrições depois da sua
apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram
os prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram
o pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou
de validar intercepções de conversações em crioulo, ter sido realizada
diligência adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada,
não se pode, no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram
esses actos não ouviram ou, por outro modo, não tiveram prévio conhecimento do
conteúdo das gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da
verdade, razão pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da
prova documental através deste meio obtida, nomeadamente das sessões indicadas
pelo recorrente.
Uma vez que não se interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da
redacção então vigente do Código de Processo Penal da forma tida por
inconstitucional pelo recorrente, não há que apreciar a conformidade dessa
interpretação com a lei fundamental.»
3.1.3. Esta primeira questão de inconstitucionalidade não pode ser
conhecida, por duas ordens de razões: primeiro, porque a questão, tal como foi
suscitada pelo recorrente (supra, 3.1.1), carece de natureza normativa, uma vez
que não vem identificada, com precisão, uma interpretação normativa dotada de
generalidade e abstracção que se considere desconforme com princípios ou
normas constitucionais, limitando‑se o recorrente a questionar, atentas as
irrepetíveis particularidades do caso concreto, a correcção do comportamento
processual dos intervenientes processuais, designadamente dos juízes de
instrução, no âmbito da intercepção de conversações telefónicas; e depois,
porque o critério normativo indicado no requerimento de interposição de recurso
como integrando o objecto desta primeira questão não coincide com o critério
normativo efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido.
Na verdade, naquele requerimento, o recorrente indicou como
pretendendo ver apreciada a constitucionalidade de um «critério normativo», que
supostamente teria sido seguido pelo acórdão recorrido, e que extrairia «de um
facto negativo (a não existência de despacho) um facto positivo, qual seja ‘…
não se poder deixar de concluir que tal [isto é, a audição das gravações ou a
tomada de conhecimento, por outra forma, do seu conteúdo] sucedeu
efectivamente …’». Ora, não foi esse o critério adoptado no acórdão recorrido,
como inequivocamente resulta das seguintes passagens, já reproduzidas em 3.1.2:
«14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaborados os
relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com eles juntos, o facto de
com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e,
na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido
validadas as gravações e determinadas as transcrições depois da sua
apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram
os prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram
o pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou
de validar intercepções de conversações em crioulo, ter sido realizada
diligência adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada,
não se pode, no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram
esses actos não ouviram ou, por outro modo, não tiveram prévio conhecimento do
conteúdo das gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da
verdade, razão pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da
prova documental através deste meio obtida, nomeadamente das sessões indicadas
pelo recorrente.
Uma vez que não se interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da
redacção então vigente do Código de Processo Penal da forma tida por
inconstitucional pelo recorrente, não há que apreciar a conformidade dessa
interpretação com a lei fundamental.»
Por estas razões, não se conhecerá da primeira questão de
inconstitucionalidade suscitada no requerimento de interposição de recurso.
3.2. Segunda questão de inconstitucionalidade (reportada ao artigo
363.º do CPP), que também teria sido suscitada na motivação e respectivas
conclusões do recurso penal.
3.2.1. A propósito desta questão, lê‑se nas conclusões da motivação
do recurso do recorrente para o Tribunal da Relação de Lisboa:
«XXIV. Nos autos e após a audição da prova produzida pode‑se desde
logo constatar que no que respeita ao depoimento da testemunha B., que decorreu
na audiência de julgamento do dia 27 de Março de 2008, faltam 32 minutos de
gravação de depoimento, nomeadamente a identificação da testemunha efectuada
pelo Meritíssimo Juiz Presidente, a instância do Digno Magistrado do Ministério
Público, bem como os esclarecimentos pedidos por alguns mandatários dos
arguidos.
XXV. O arguido recorrente [ficou] impossibilitado de utilizar um
meio de prova para impugnar a matéria de facto dada por assente pelo acórdão
recorrido.
XXVI. O arguido não pode impugnar – entenda‑se recorrer nesta parte
– a matéria de facto e assim é‑lhe coarctada a possibilidade do duplo grau de
jurisdição sobre a matéria de facto que pretendia ver reapreciada por um
tribunal superior.
XXVII. A irregularidade em apreço, constante dos autos, consiste na
deficiente documentação das declarações da testemunha de acusação B.,
constante do CD de 27 de Março de 2008, minuto 1 a 32.
XXVIII. O arguido encontra assim afectado um direito fundamental, o
seu direito ao recurso em matéria de facto, sendo este considerado como ‘...
sendo impeditiva do completo exercício da competência material desse tribunal
em matéria de recursos – conhecer de facto e de direito’..
XXIX. Para o recorrente impugnar a matéria de facto e dessa forma
dar cabal cumprimento ao artigo 412.º, n.º 4, do CPP é necessária a documentação
da prova.
XXX. Nestes termos, deverá ser declarada a invalidade parcial do
julgamento realizado, bem como a invalidade do acórdão, acto dele dependente,
devendo nesse aspecto ser determinada a repetição do julgamento.
XXXI. A omissão parcial das declarações prestadas oralmente na
audiência constitui, nos termos do artigo 363.º, conjugado com o artigo 364.º,
n.º 2, do CPP, uma nulidade que desde já se invoca para os devidos e legais
efeitos.»
3.2.2. Esta arguição de nulidade foi desatendida pelo acórdão ora
recorrido, com a seguinte fundamentação:
«A falta de gravação de parte do depoimento de testemunha.
11 – Diz o recorrente que não se encontra gravado parte do
depoimento prestado pela testemunha B. na sessão da audiência realizada no dia
27 de Março de 2008. Mais concretamente, alega que não se encontram gravados os
primeiros 32 minutos desse depoimento (fls. 73 a 77 da motivação).
Se analisarmos o 5.º CD que nos foi remetido, aquele que contém a
gravação das declarações orais prestadas na sessão da audiência realizada nesse
dia, verificamos que efectivamente se encontram por gravar os primeiros 32
minutos, o que, de acordo com a acta de fls. 2526 e seguintes, corresponde na
verdade a parte do depoimento da indicada testemunha.
Estabelece o artigo 9.º do Decreto‑Lei n.º 39/95, de 15 de
Fevereiro, que ‘se, em qualquer momento, se verificar que foi omitida qualquer
parte da prova ou que esta se encontra imperceptível, proceder‑se‑á à sua
repetição sempre que for essencial ao apuramento da verdade’.
Também quanto a esta matéria se verifica que a questão não foi
suscitada na 1.ª instância, não se tendo o tribunal recorrido pronunciado,
consequentemente, sobre ela.
Daí que ela não possa ser suscitada no presente recurso, que tem por
objecto apenas o acórdão condenatório.
Mas, mesmo que assim não fosse, sempre se deveria dizer que a
repetição do depoimento só deveria ter lugar quando tal fosse essencial ao
apuramento da verdade, o que neste caso não acontece. Nem o recorrente aponta
nada de essencial que tenha sido declarado pela mencionada testemunha, nem tal
resulta do que na fundamentação da decisão de facto se disse quanto ao por ela
declarado.
Improcede, por isso, também nesta parte, o recurso interposto.»
3.2.3. Como é patente, nas transcritas conclusões da motivação do
recurso penal não é suscitada nenhuma questão de inconstitucionalidade
normativa, não imputando o recorrente a qualquer norma ou interpretação
normativa a violação de normas ou princípios constitucionais, suscitando tão‑só
uma questão de pretensa nulidade processual, por deficiência parcial de
gravação de um depoimento prestado em audiência de julgamento. Como igualmente
carece de natureza normativa a questão, a este propósito suscitada no
requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (apesar de este
não constituir modo nem momento adequado para a suscitação, pela primeira vez,
de questões de constitucionalidade), da inconstitucionalidade da
«interpretação normativa» da Relação segundo a qual o vício em causa «apenas
poderia ter sido suscitado na 1.ª Instância e não em sede de recurso, como o
foi».
A isto acresce que, além desse fundamento, o acórdão recorrido
assentou a sua decisão num outro fundamento autónomo (não se mostrar ser a
repetição do depoimento essencial ao apuramento da verdade), que seria
suficiente, por si só, para manter o decidido, mesmo que fosse possível conhecer
da questão de constitucionalidade e que esta obtivesse provimento, o que bem
demonstra a inutilidade do conhecimento desta questão.
Termos em que se decide não conhecer da segunda questão de
constitucionalidade identificada no requerimento de interposição de recurso.
3.3. Terceira questão de inconstitucionalidade (reportada ao artigo
15.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto).
3.3.1. No requerimento de interposição do presente recurso de
constitucionalidade, refere o recorrente ter suscitado esta questão na
motivação e conclusões do recurso para a Relação e no requerimento de pedido de
esclarecimento e arguição de nulidade.
As conclusões relevantes daquela motivação são as seguintes:
«LX. O douto acórdão recorrido condenou o ora recorrente na pena de
6 anos de prisão para o crime de tráfico e de 1 ano de prisão para o crime de
detenção de arma proibida e, em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena
única de 6 anos e 6 meses de prisão, tendo tal decisão assentado, entre outras
considerações, no conteúdo do seus antecedentes criminais.
LXI. Nos termos do artigo 15.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98,
de 18 de Agosto, deveriam ter sido canceladas automaticamente, e de forma
irrevogável, as condenações ainda constantes no registo anteriores a 1 de
Junho de 2007.
LXII. O tribunal valorou prova de que não podia conhecer, pois
estava proibido por lei de o fazer.
LXIII. Que não se diga que, existindo mais que uma condenação antes
do prazo previsto para o cancelamento, jamais é possível o seu cancelamento,
porquanto tal interpretação das citadas disposições seria violadora do princípio
da dignidade humana e do princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP), na medida
em que permitiria uma «pena» eterna ou ilimitada (cf. artigo 30.º, n.º 1, da
nossa Lei Fundamental).
LXIV. O aliás douto acórdão recorrido violou os artigos 126.º e
369.º, n.º 1, do CPP e o artigo 15.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98, de 18
de Agosto, pelo que deve ser considerado nulo, nos termos do artigo 379.º, n.º
1, alínea c), do CPP.»
3.3.2. Quanto à questão suscitada nas conclusões acabadas de
transcrever, consignou o acórdão recorrido o seguinte:
«A nulidade do acórdão por excesso de pronúncia.
10 – Sustenta o recorrente (fls. 101 a 104) que, das sete
condenações mencionadas no seu certificado de registo criminal, o tribunal
apenas poderia ter atendido às duas últimas, porquanto entre estas e as cinco
primeiras decorreram mais de 5 anos, o que deveria ter determinado o
cancelamento definitivo destas últimas.
O facto de o tribunal ter atendido a todas para a determinação da
medida da pena determinaria a nulidade do acórdão por excesso de pronúncia
(artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal), se bem que nesse
segmento da motivação se aluda também à existência de uma proibição de prova.
Analisemos então a questão colocada.
De acordo com o artigo 15.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, «são
canceladas automaticamente, e de forma irrevogável, no registo criminal»,
decorridos que sejam cinco anos sobre a respectiva extinção, as decisões que
tenham aplicado pena (de prisão) inferior a cinco anos ‘desde que, entretanto,
não tenha ocorrido nova condenação por crime’.
Reconhecido, pelo menos implicitamente, que entre as cinco
primeiras condenações não decorreu esse prazo, importa portanto verificar se,
entre a data da extinção da última das penas aplicadas por esses crimes e a
data do trânsito em julgado da primeira das novas condenações decorreram ou não
mais de cinco anos.
A extinção das penas aplicadas nas três primeiras condenações
verificou‑se, como se depreende de fls. 2266 a 2268, em 10 de Abril de 2002, 20
de Junho de 2000 e 12 de Março de 2002.
Quanto às 4.ª e 5.ª penas aplicadas, do certificado de registo
criminal apenas resulta que elas foram declaradas extintas por despachos
proferidos em 12 de Novembro de 2002 e em 13 de Janeiro de 2003, não se
mencionando aí a data do pagamento das multas.
A dúvida sobre esse facto tem de ser resolvida a favor do arguido,
ou seja, considerando que as multas foram pagas no dia imediato ao trânsito em
julgado de cada uma das condenações, ou seja, em 6 de Dezembro de 2000 e em 28
de Maio de 2002.
Assim sendo, uma vez que entre esta última data (28 de Maio de 2002)
e a do trânsito em julgado da primeira das novas condenações (3 de Julho de
2007) decorreram mais de 5 anos, o tribunal de 1.ª instância apenas poderia ter
considerado provado o que consta dos boletins de registo criminal relativos aos
processos n.ºs 288/04.8TAALM (fls. 2271) e 414/03.4JASTB (fls. 2272).
Tal proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de
facto e a impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente
como factor relevante para a determinação da pena concreta, não consubstancia,
contudo, a nulidade invocada pelo recorrente.
Na verdade, o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão de
que não podia tomar conhecimento. Por insuficiência de preenchimento de dois
boletins e deficiência dos serviços de registo criminal, atendeu a condenações
que deveriam ter sido canceladas e indevidamente não o foram.»
3.3.3. No requerimento de aclaração e de arguição de nulidade do
acórdão de 17 de Dezembro de 2008, o recorrente, com pertinência para a
presente questão, expendeu o seguinte:
«1. Quanto à prova proibida.
Do esclarecimento (ambiguidade/obscuridade).
Quanto à questão da nulidade do acórdão por excesso de pronúncia
levantada pelo recorrente ora arguente:
Fundamenta o Tribunal que: ‘o tribunal de 1.ª instância apenas
poderia ter considerado provado o que consta dos boletins de registo criminal
relativos aos processos n.ºs 288/04.8TAALM (fls. 2271) e 414/03.4JASTB (fls.
2272).
Tal proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de
facto e a impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente
como factor relevante para a determinação da pena concreta, não consubstancia,
contudo, a nulidade invocada pelo recorrente.
Na verdade, o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão de
que não podia tomar conhecimento. Por insuficiência de preenchimento de dois
boletins e deficiência dos serviços de registo criminal, atendeu a condenações
que deveriam ter sido canceladas e indevidamente não o foram.’ (sublinhado
nosso).
O acórdão é obscuro quando contém algum passo cujo sentido seja
ininteligível, ou seja, quando não se sabe o que o juiz quis dizer.
Uma decisão é obscura ou ambígua quando for ininteligível, confusa
ou de difícil interpretação, de sentido equívoco ou indeterminado que não se
consegue alcançar.
A ambiguidade tem lugar quando à decisão, no passo considerado,
podem razoavelmente atribuir‑se dois ou mais sentidos diferentes.
A ambiguidade só releva se vier a redundar em obscuridade, ou seja,
se for tal que não seja possível alcançar o sentido a atribuir ao passo da
decisão que se diz ambíguo.
Ora, conquanto o douto acórdão entenda por um lado que a prova é
proibida e não podia ser valorada (– dizemos nós – tomar conhecimento dela),
por outro, também entende que o mesmo não é nulo por não conhecer de questão que
não podia tomar conhecimento, sem que daí retire qualquer consequência
jurídica.
O certo é que, se o tribunal a quo não podia valorar tal prova,
acabou por fazê‑lo, inquinando assim a prova produzida quanto a essa matéria,
e, consequentemente, no que concerne também à determinação da pena em concreto,
conforme expressamente o reconhece o acórdão, cujo esclarecimento ora se requer,
pois implica ‘uma alteração da decisão de facto e a impossibilidade de
valoração das restantes condenações’.
Sempre com o devido respeito, é neste segmento que entendemos que o
douto acórdão urge ser esclarecido.
Pois fica‑nos assim a dúvida se, a final, o acórdão fundado em prova
proibida é ou não nulo e se tem que ser reformulado em conformidade?
Sem prejuízo da acima exposto,
Das nulidades:
O tribunal a quo, aquando da determinação da medida concreta da
pena, pondera várias circunstâncias, e, entre elas, ‘as condenações já sofridas,
pela prática de crimes diversos’, para aplicar a pena de 6 (seis) anos de prisão
para o crime de tráfico.
Do mesmo passo, atendeu no mesmo acórdão à ausência de
antecedentes criminais quantos aos arguidos C. e E. e à condenação já sofrida
por F., pela prática de crime diverso, para a aplicação concreta das medidas da
pena, bem como para a suspensão da execução dessas penas.
Tanto assim foi que as arguidas C. e E. também pela ausência de
antecedentes criminais, tiveram a mesma pena, relativamente ao arguido D., que
foi superior, pois já tinha uma condenação anterior.
Refere o douto acórdão que: ‘Tal proibição de prova, embora implique
uma alteração da decisão de facto e a impossibilidade de valoração das
restantes condenações, nomeadamente como factor relevante para a determinação
da pena concreta (…)’ – o sublinhado é nosso –.
No entanto, no douto acórdão ora em análise, aquando da apreciação
da medida concreta da pena, embora reconheça que no registo criminal do arguido
não deveriam constar as condenações anteriores, e que no mesmo apenas se
elencavam duas condenações posteriores, por crimes diversos, não retira
qualquer conclusão da alteração desse facto, mantendo a pena da 1.ª instância
quanto ao crime de tráfico, na qual tinham sido valoradas as «condenações já
sofridas».
Ou seja, muito embora entenda que o acórdão se fundou em prova
proibida, não retira daí as consequências imediatas dessa proibição, não se
aferindo qualquer sentido da alteração do facto dado como provado, uma vez que,
apesar dessa mesma alteração, tal é inócua e não produz qualquer efeito a favor
do arguido.
Ora, sempre ressalvado o devido respeito, que, aliás, é muito, o
acórdão fundado em provas proibidas é também ele nulo, o que provoca a nulidade
do mesmo uma vez que ele se fundamenta em provas proibidas, sendo obrigatória a
decorrência das consequências previstas no artigo 122.º, n.º 1, do CPP (cf.
Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª ed.,
Universidade Católica Editora, pág. 964 e seguintes).
Assim, atendendo aos princípios constitucionalmente consagrados,
artigo 32.º, n.º 1, da CRP, a existência de uma prova proibida equivale à
nulidade do acórdão, pelo que só poderia vir a ser sanada através da remessa do
processo ao tribunal de 1.ª instância para reformulação condigna com a
legalidade, prevista no artigo 125.º do CPP, não retirando o direito ao
recurso nessa matéria, consequência essa que advém da alteração (dessa matéria)
em sede de recurso.
O tribunal ter interpretado que a prova obtida contra o disposto no
artigo 15.º, n.º 1, da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, é uma prova proibida por
lei, sem que daí se retire a ilação necessária na medida concreta da pena, é a
mesma inconstitucional por violação dos princípios, constitucionalmente
consagrados, da segurança jurídica e da igualdade, previstos nos artigos 13.º e
32.º, n.ºs 1 e 8, da CRP, o que desde já se suscita.»
3.3.4. Sobre este pedido de esclarecimento e arguição de nulidade
teceram‑se, no acórdão de 4 de Fevereiro de 2009, as seguintes considerações:
«2 – Referindo‑se ao ponto 10 do mencionado acórdão, o recorrente
considera obscura a passagem em que este tribunal afirmou o seguinte (p. 43 e
44):
‘Assim sendo, uma vez que entre esta última data (28 de Maio de
2002) e a do trânsito em julgado da primeira das novas condenações (3 de Julho
de 2007) decorreram mais de 5 anos, o tribunal de 1ª. Instância apenas poderia
ter considerado provado o que consta dos boletins de registo criminal relativos
aos processos n.ºs 288/04.8TAALM (fls. 2271) e 414/03.4JASTB (fls. 2272).
Tal proibição de prova, embora implique uma alteração da decisão de
facto e a impossibilidade de valoração das restantes condenações, nomeadamente
como factor relevante para a determinação da pena concreta, não consubstancia,
contudo, a nulidade invocada pelo recorrente.
Na verdade, o tribunal não se pronunciou sobre qualquer questão de
que não podia tomar conhecimento. Por insuficiência de preenchimento de dois
boletins e deficiência dos serviços de registo criminal, atendeu a condenações
que deveriam ter sido canceladas e indevidamente não o foram.’
Embora, a nosso ver, a referida passagem do acórdão permita
compreender o sentido dessa parte da fundamentação, não deixaremos, por isso,
de satisfazer a pretensão do recorrente.
Vejamos então.
A sentença é nula, nos termos da invocada alínea c) do n.º 1 do
artigo 379.º do Código de Processo Penal, nomeadamente quando se tiver
pronunciado sobre questão de que não podia tomar conhecimento.
No caso, a questão apreciada pelo tribunal de 1.ª instância foi a da
existência de antecedentes criminais do arguido, facto relevante para a
determinação da medida da pena.
No caso, aquele tribunal, tendo decidido condenar o arguido, tinha,
no momento seguinte, que determinar a sanção que lhe devia ser imposta.
Para esse efeito, o n.º 1 do artigo 369.º do Código de Processo
Penal impõe que o tribunal analise, nomeadamente, o que consta do certificado de
registo criminal.
Foi o que o tribunal de 1.ª instância fez, tendo considerado
provados todos os factos que dele constavam.
O tribunal não conheceu, por isso, qualquer questão de que não
pudesse tomar conhecimento.
Não praticou, assim, qualquer nulidade.
Porém, nessa operação, pelos motivos indicados no acórdão, o
tribunal considerou assentes factos sobre os quais incidia uma proibição de
prova.
Uma vez que essa parte da decisão tinha sido impugnada pelo
recorrente e que o processo continha todos os elementos de prova que tinham
servido de base à decisão da 1.ª instância, este tribunal alterou a matéria de
facto, ao abrigo dos poderes que lhe são conferidos pela alínea a) do artigo
431.º do Código de Processo Penal.
2 – Importa esclarecer que, para este tribunal, a expressão
«proibição de prova» não é equivalente a «prova proibida», uma vez que a
proibição de produção de determinados meios de prova é apenas uma das espécies
das proibições de prova.
Se a questão fosse a da simples proibição de utilização daquele
concreto meio de prova, o mesmo facto poderia ser provado através de outro meio
de prova. Poderia, para o efeito, utilizar‑se uma certidão das condenações
anteriores.
Ora, o que está em causa neste caso é a proibição de um tema de
prova. Aquela matéria não pode ser objecto de prova.
Também por isso não haveria que anular o acórdão da 1.ª instância e
determinar que ele fosse substituído por outro.
3 – Esclareça‑se ainda que pelo facto de este tribunal ter
procedido àquela alteração da matéria de facto, não estava obrigado a alterar a
pena imposta.
Este tribunal, tendo em conta os factores que apontou nos n.ºs 19 e
20 do acórdão, entendeu dever mater a pena aplicada quanto ao crime de tráfico
de droga, o mesmo não tendo acontecido quanto ao crime de detenção de arma
proibida.
Acrescente‑se apenas que, mesmo que existisse qualquer obrigação de
alterar a pena do primeiro dos indicados crimes, por este tribunal não tinha
sido praticada qualquer nulidade. Tinha cometido um erro ao decidir essa
questão.
Não se vê que uma tal decisão contrarie a Constituição, nem foi
invocada pelo recorrente qualquer norma (ou dimensão normativa) que este
tribunal tenha aplicado que contenda com a Lei Fundamental.»
3.3.5. Como resulta das transcrições efectuadas, nas conclusões da
motivação do recurso penal (supra, 3.3.1.), o recorrente não imputa a nenhuma
norma a violação da Constituição, limitando‑se a acusar a decisão judicial então
impugnada de violar normas de direito ordinário (os artigos 126.º e 369.º, n.º
1, do CPP e 15.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 57/98), o que constituiria causa
de nulidade dessa decisão. E, no requerimento de aclaração e de arguição de
nulidades (supra, 3.3.3.), objecto directo da crítica do recorrente é o próprio
acórdão então reclamado, por não ter extraído da constatação do uso pelo
tribunal de 1.ª instância de uma prova proibida «a ilação necessária na medida
concreta da pena». É, assim, a esta decisão judicial, em si mesma considerada,
que se assaca, a par da violação de normas de direito ordinário, a violação dos
princípios constitucionais da segurança jurídica e da igualdade, o que, como
inicialmente se consignou (supra, 2.), não constitui objecto idóneo do recurso
de constitucionalidade.
Aliás, nem no requerimento de interposição do presente recurso o
recorrente suscita, a este propósito, uma questão de inconstitucionalidade
normativa, pelo que não se conhecerá desta terceira questão.
3.4. Quarta questão de inconstitucionalidade (reportada aos artigos
379.º, n.º 1, alínea c), e 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP).
3.4.1. Também quanto a esta questão refere o recorrente tê‑la
suscitado na motivação e conclusões do recurso para a Relação e no requerimento
de pedido de esclarecimento e arguição de nulidade.
Daquela motivação, respeitam à presente questão as seguintes
conclusões:
«LV. Da prova produzida em audiência, somos levados a concluir que
o acórdão recorrido padece de uma deficiente fundamentação da matéria de facto,
considerando que falta o exame crítico da prova que permite ficar a conhecer o
processo lógico‑mental que levou a dar como provados os factos que constam da
acusação.
LVI. Os vícios do n.º 2 do artigo 410.º hão-de resultar do próprio
texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência
comum.
LVII. A V. Exas. cabe a verificação da coerência interna e da
conformidade da decisão como tem afirmado a jurisprudência do STJ e do
Tribunal Constitucional (cf., quanto a este último, o Acórdão de 13 de Outubro
de 1998, no Diário da República, II Série, de 13 de Novembro de 1998).
LVIII. Da prova fica‑se sem conseguir precisar porque deu o
tribunal recorrido como provados os factos constantes em 2.1.1, 2.1.2, 2.1.4,
2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8, 2.1.15, 2.1.17, 2.1.17, 2.1.18 e 2.1.19, bem como
qual o processo lógico ou mental para dar como provada a matéria acima indicada,
isto porque o tribunal, alinhando embora os elementos de prova de que se
socorreu, não explicitou o caminho que percorreu para chegar àquela conclusão.
LIX. A fundamentação ‘deverá fazer‑se por indicação dos fundamentos
que foram decisivos para a convicção do juiz, o que compreenderá não só a
especificação dos concretos meios de prova, mas também a enunciação das razões
ou motivos substanciais por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no
espírito do julgador’ (cf. Lopes do Rego, Comentário ao Código de Processo
Civil, p. 434).»
3.4.2. Quanto a este ponto, lê‑se no acórdão recorrido:
«A impugnação da decisão de facto.
18 – Uma vez que a impugnação da decisão de facto tinha por base a
validade dos meios de prova a que o tribunal de 1.ª instância atendeu e o facto
de não terem sido realizadas outras diligências, e não a valoração que a 1.ª
instância fez da prova a que atendeu, tendo este tribunal considerado
improcedente o recurso quanto àquelas questões, improcedente terá de ser
julgado, também nesta parte, o recurso interposto quanto à decisão de facto.»
3.4.3. No aludido requerimento de aclaração e de arguição de
nulidade do primeiro acórdão da Relação, o recorrente suscitou a sua nulidade
quanto à impugnação da decisão de facto, nos seguintes termos:
«2.Quanto à impugnação da decisão de facto:
Da nulidade do acórdão.
O recorrente, na sua motivação de recurso, indicou, nos termos do
artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP, os pontos de facto que considerou
incorrectamente julgados, tendo inclusivamente indicado, nos termos da
respectiva alínea b), as provas que impunham decisão diversa da recorrida.
Indicou como factos incorrectamente considerados provados e não
provados, nos parágrafos 2.1.1, 2.1.2, 2.1.4, 2.1.5, 2.1.6, 2.1.7, 2.1.8,
2.1.15, 2.1.17, 2.1.18, 2.1.19 e 2.2.36 a 2.2.38.
Indicou o leque de recursos probatórios à disposição do Tribunal a
quo para o efeito de sustentar a convicção quanto à matéria de facto,
nomeadamente, para além dos depoimentos, nomeadamente da co‑arguida, e
declarações das testemunhas, os elementos de prova documental constantes de
fls. 1545 que não permitiam que o Tribunal a quo desse como assente a
factualidade supra exposta.
Indicou os factos que, de acordo com a prova por si considerada
relevante (o relatório médico, constante de fls. 1545), que atestava a
toxicodependência do arguido, facto esse que deveria ter sido reapreciado por
este Venerando Tribunal, o que não aconteceu.
Analisou larga, extensa e profundamente os meios de prova que o
tribunal de 1.ª instância invocou para fundamentar a respectiva convicção e
explicou profusamente porque não podiam tais meios de prova sustentar o
depoimento da co‑arguida uma vez que não dizem respeito ao mesmo hiato
temporal.
Não se tratou de opor a convicção do recorrente à convicção do
tribunal, tratou‑se de escalpelizar os meios de prova que o tribunal invocou
para fundamentar a sua convicção, tratou‑se de sindicar o processo lógico
dedutivo que o tribunal descreveu na fundamentação da respectiva convicção,
tratou‑se de exercer um direito que se encontra legalmente consagrado e
disciplinado e constitucionalmente salvaguardado, o direito a recorrer da
matéria de facto para um tribunal de 2.ª instância.
Sobre essas perto de 20 páginas do recurso (págs. 72 a 92), sobre
esse recurso devidamente identificado e individualizado, o acórdão recorrido
proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa nem uma linha escreveu, nem uma
consideração lhe dedicou.
O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, seguramente por lapso
manifesto, não se pronunciou quanto ao recurso da matéria de facto.
Ao produzir esta afirmação o recorrente não está a invocar uma
ausência de fundamentação suficiente por entender que uma fórmula tabelar não
constitui uma forma de pronúncia adequada.
Ao produzir esta afirmação o recorrente não está a invocar a
impossibilidade de descortinar no meio de caótica fundamentação os fundamentos
e a decisão que levam ao indeferimento ou indeferem a sua pretensão de recurso
fáctico.
Ao produzir esta afirmação o recorrente não está a manifestar uma
discordância com uma qualquer decisão que declare insindicável a convicção dos
juízes e, por isso, inútil o seu recurso em matéria de facto.
Ao produzir esta afirmação o recorrente exprime a certeza que o
Tribunal da Relação de Lisboa não apreciou o seu recurso de matéria de facto.
Certeza que lhe advém da afirmação, seguramente, mais uma vez, por
lapso manifesto, de que o recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, com
base na validade dos meios de prova ‘e não a valoração que a 1.ª instância fez
da prova a que atendeu’.
Era nesta sede, do recurso da matéria de facto, que se definia a
essência do recurso, porque é este recurso o único que assegura as garantias de
defesa, já que permite, com recurso à análise de todos os meios de prova
produzidos, sindicar o processo de formação da convicção do tribunal julgador.
Todos os outros meios de recurso, seja os vícios previstos no artigo
410.º do CPP, seja as nulidades ou ilegalidades alegáveis em sede de matéria de
direito, estão limitados por critérios substancialmente formais, pois são vícios
que devem resultar do próprio texto ou conteúdo da decisão recorrida.
O erro de julgamento, o erro de análise e ponderação da prova só
pode ser atacado e corrigido por via do recurso de matéria de facto,
representando a possibilidade da respectiva interposição e subsequente decisão a
mais eficaz garantia contra o arbítrio, o excesso de convicção, o voluntarismo e
o justicialismo traduzidos em condenações sem prova ou mesmo contra a prova.
Porque na administração da justiça os postulados de princípio só
adquirem pleno significado quando referidos ao caso concreto, analise‑se a
essencialidade do recurso de matéria de facto interposto e dos meios de prova
invocados na sua relação com a decisão do tribunal de recurso num pormenor
vital para a credibilidade das testemunhas incriminatórias.
O recurso de matéria de facto, ao invés, parte de um quadro aberto,
em que o espaço para a dúvida e a correcção é total, sem restrições do já
escrito, do já decidido, do já considerado.
A ausência de apreciação do recurso de matéria de facto por
Tribunal da Relação constitui, por tudo isto, nas palavras de acórdão do STJ,
‘uma violação insuprível do direito ao recurso na dimensão que hoje,
inequivocamente, comporta, de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto,
e, por essa via, do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República, e, mesmo,
dos direitos de defesa, também ali garantidos, a demandar por essa via a
correspectiva nulidade dos actos ofensivos’.
Mais recentemente, numa questão em tudo similar à nossa, decidiu o
STJ, processo n.º 3656/06‑3, de 29 de Novembro de 2006, que ‘A impugnação da
decisão da matéria de facto, nos termos do artigo 412.º, n.º 3, do Código de
Processo Penal, constitui a forma por excelência do segundo grau de jurisdição
em matéria de facto, que obriga em instância de recurso a proceder à
reapreciação da prova, no âmbito da impugnação, sem o que o direito a esse grau
de jurisdição ficará praticamente inutilizado. Isto, como é evidente, no caso
de a impugnação ter sido efectuada na forma legal.’
Assim, ao não conhecer do recurso de matéria de facto interposto
pelo arguido recorrente, omitindo‑lhe qualquer análise ou referência, o
Venerando Tribunal da Relação de Lisboa incorreu na nulidade de omissão de
pronúncia prevista no artigo 379.º, alínea c), do CPP.
Deve, em consequência, o julgamento realizado no Venerando Tribunal
da Relação de Lisboa ser anulado, incluindo‑se nessa decisão de anulação o
respectivo acórdão.
Tal omissão de conhecimento do recurso de matéria de facto
configura ainda uma clara inconstitucionalidade por violação do direito ao
recurso e ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo artigo 32.º, n.º 1, da
CRP.
Como lapidarmente se afirma em decisão do Tribunal Constitucional
citada no aresto do STJ supra referido: ‘A plenitude das garantias de defesa,
emergente do artigo 32.º, n.º 1, do texto constitucional, significa o assegurar
em toda a extensão racionalmente justificada de “mecanismos” possibilitadores
de efectivo exercício desse direito de defesa em processo criminal, incluindo o
direito ao recurso (o duplo grau de jurisdição) no caso de sentenças
condenatórias (v. os Acórdãos deste Tribunal n.ºs 40/84, 55/85 e 17/86,
respectivamente nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 3.º, p. 241, e
vol. 5.º, p. 461, e Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1986)’.
Nestes termos, desde já se invoca e argúi a referida
inconstitucionalidade quer para apreciação por esse Tribunal.
Por outro lado, uma vez que o tribunal interpretou não reapreciar a
valoração da prova feita pela 1.ª instância, alicerçando a sua fundamentação
na legalidade dos meios de prova, tal interpretação leva a que não seja feito
qualquer juízo valorativo sobre a matéria de facto impugnada, o que não se
compadece com os direitos do arguido/recorrente constitucionalmente
consagrados, (artigo 32.º, n.º 1, da CRP), e que se revela no duplo grau de
jurisdição sobre a matéria de facto, o que desde já se suscita com os devidos e
legais efeitos.
Donde, não tendo o acórdão recorrido apreciado o recurso na
referida dimensão, imposta pela respectiva motivação, omitiu pronúncia sobre
questões de que era obrigado a conhecer, razão porque entendemos que está
ferido de nulidade, nos termos dos artigos 428.º, n.º 1, 431.º, 425.º, n.º 4, e
379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.»
3.4.4. Sobre esta arguição de nulidade, o acórdão de 4 de Fevereiro
de 2009 expendeu o seguinte:
«5 – O recorrente sustenta ainda que o acórdão proferido por este tribunal é
nulo por não ter apreciado a impugnação da decisão de facto.
Sobre essa matéria mantemos o entendimento, em geral, expresso em
diversos acórdãos e sistematizado, nomeadamente, naquele que foi proferido no
recurso n.º 8428/2007, de 10 de Outubro de 2007. Não temos sequer a posição
restritiva quanto ao recurso da matéria de facto que é mencionada pelo
recorrente.
Esse entendimento não é apenas verbalizado em abstracto. É
quotidianamente aplicado na apreciação dos recursos por este tribunal.
Ao julgar o presente recurso, este tribunal, depois de se debruçar
sobre a impugnação de cada um dos meios de prova produzidos, entendeu, pelos
motivos apontados no ponto 18 do acórdão, que nada mais havia a apreciar.
Não existiu, por isso, qualquer omissão de pronúncia e não foi feita
uma interpretação restritiva do direito ao recurso quanto à matéria de facto,
muito menos uma interpretação que conflitue com o disposto no n.º 1 do artigo
32.º da Constituição.»
3.4.5. Também esta última questão não pode ser conhecida, por falta
de adequada suscitação e identificação de uma questão de inconstitucionalidade
normativa.
Nas pertinentes conclusões da motivação do recurso penal (supra,
3.4.1.), o recorrente limita‑se a imputar à decisão judicial então impugnada a
falta de fundamentação resultante da ausência de exame crítico das provas, não
citando, aliás, qualquer norma ou princípio constitucionais. E na arguição de
nulidade do acórdão da Relação (supra, 3.4.3.), o que ele reputa
inconstitucional é a omissão, que teria sido praticada por esse tribunal
superior, do conhecimento do recurso da matéria de facto. De novo, a violação
da Constituição é directamente imputada à decisão judicial – o que se repete no
próprio requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade –, o
que não constitui objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
Por outro lado, o critério que o Tribunal da Relação seguiu foi o de
que «uma vez que a impugnação da decisão de facto tinha por base a validade dos
meios de prova a que o tribunal de 1.ª instância atendeu e o facto de não terem
sido realizadas outras diligências, e não a valoração que a 1.ª instância fez
da prova a que atendeu, tendo este tribunal considerado improcedente o recurso
quanto àquelas questões, improcedente terá de ser julgado, também nesta parte,
o recurso interposto quanto à decisão de facto», não competindo ao Tribunal
Constitucional sindicar, em concreto, a correcta aplicação deste critério, mas
apenas constatar não ter sido o mesmo critério, enquanto critério normativo,
objecto de acusação de violador da Constituição por parte do recorrente.
3.5. Pelas razões indicadas em 3.1.3., 3.2.3., 3.3.5. e 3.4.5. não é
possível conhecer de nenhuma das questões que integravam o objecto do presente
recurso.”
1.2. Na reclamação agora apresentada, o recorrente
manifesta a sua discordância quanto à decisão de não conhecimento das primeira
e quarta questões de inconstitucionalidade, conformando‑se com o não
conhecimento das segunda e terceira questões, nas seguintes termos:
“1. A douta decisão sumária fundamentou que, quanto à 1.ª questão:
«… não pode ser conhecida por duas ordens de razões: primeiro, porque a questão,
tal como foi suscitada pelo recorrente (supra, 3.1.1), carece de natureza
normativa, uma vez que não vem identificada, com precisão, uma interpretação
normativa dotada de generalidade e abstracção que se considere desconforme com
princípios ou normas constitucionais, limitando‑se o recorrente a questionar,
atentas as irrepetíveis particularidades do caso concreto, a correcção do
comportamento processual dos intervenientes processuais, designadamente dos
juízes de instrução, no âmbito da intercepção de conversações telefónicas; e
depois, porque o critério normativo indicado no requerimento de interposição de
recurso como integrando o objecto desta primeira questão não coincide com o
critério normativo efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão
recorrido.
Na verdade, naquele requerimento, o recorrente indicou como
pretendendo ver apreciada a constitucionalidade de um ‘critério normativo’, que
supostamente teria sido seguido pelo acórdão recorrido, e que extrairia ‘de um
facto negativo (a não existência de despacho) um facto positivo, qual seja “…
não se poder deixar de concluir que tal (isto é, a audição das gravações ou a
tomada de conhecimento, por outra forma, do seu conteúdo) sucedeu
efectivamente…”’. Ora, não foi esse o critério adoptado no acórdão recorrido,
como inequivocamente resulta das seguintes passagens, já reproduzidas em 3.1.2:
‘14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaboradas os
relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com ele juntos, o facto de
com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e
na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido
validadas as gravações determinadas as transcrições depois da sua
apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram os
prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram o
pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou de
validar intercepções de conversações em crioulo, ter realizada diligência
adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada, não se pode,
no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram esses actos não
ouviram ou, por outro modo, não tiverem prévio conhecimento do conteúdo das
gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da verdade, razão
pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da prova documental
através deste meio de prova…’
Por estas razões, não se conhecerá da primeira questão de
inconstitucionalidade suscitada no requerimento de interposição de recurso.»
2. Ora com o devido respeito pela douta decisão sumária, certo é
que, na alínea a) da motivação apresentada pelo ora reclamante, se identifica,
com precisão, uma interpretação normativa dotada de generalidade e abstracção,
qual seja:
«Importante é que exista despacho judicial no sentido de que
previamente à ordem de transcrição e destruição das escutas telefónicas,
conste dos autos que o juiz procedeu à sua audição, ou leu os resumos dos
excertos de eventuais transcrições, ou mesmo o resumo do conteúdo das sessões
que mandou transcrever ou destruir, isto na esteira e com os argumentos da
melhor interpretação ao citado artigo 188.º, n.º 1, do CPP, feita pelo nosso
Tribunal Constitucional sob pena de ser interpretado inconstitucionalmente por
violação do n.º 8 do artigo 32.º, e 34.º, n.ºs 1 e 4, da CRP. (cf., por todos,
mui douto Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/2005, de 26 de Agosto de
2005, processo n.º 487/05 da 2.ª Secção, relatado pelo Ex.mo Senhor Conselheiro
Mário Torres, especialmente no que concerne à necessidade de o juiz ouvir
previamente as sessões (pelo menos as indicadas pelos OPC), ou por alguma forma,
consignar em despacho, inequivocamente, que tomou conhecimento do conteúdo das
mesmas antes de ordenar a transcrição e destruição das comunicações telefónicas
efectuadas.»
3. Ora, é esta interpretação normativa do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e
4, do CPP, que o ora reclamante pretende que seja apreciada por este Venerando
Tribunal, no que respeita à sua conformidade com a Lei Fundamental, porquanto
este dispositivo legal foi interpretado de forma diametralmente oposta pelo
douto acórdão recorrido, quando extrai do mesmo que «embora não conste dos
despachos proferidos que foram ouvidas as gravações ou que, por outra forma, a
Sr.ª juíza tomou conhecimento do seu conteúdo, não se pode deixar de concluir
que tal sucedeu efectivamente e que a selecção efectuada materializa um critério
judicial que atende à relevância da prova ‘à charge et à décharge’ e não apenas
ao ponto de vista da investigação.» (sublinhado nosso).
4. Salvo o devido respeito por opinião contrária, a interpretação
que o acórdão recorrido extraiu das normas supra referidas também é genérica e
abstracta, pois, muito embora particularize a questão, o que é facto é que o
processo lógico‑racional que foi seguido para atingir a conclusão no caso
concreto, resulta, necessariamente, de uma interpretação genérica e abstracta da
norma cuja constitucionalidade se pretende que seja apreciada, até porque a
questão da constitucionalidade foi expressamente suscitada pelo recorrente.
A entender‑se de forma diferente, então, teríamos de admitir que o
Tribunal recorrido, quando decide com base numa norma cuja interpretação
normativa face à CRP foi suscitada, não formula qualquer juízo de natureza
constitucional sobre a mesma, limitando‑se a aplicá‑la tout court.
5. Por outro lado, mais uma vez, salvo o devido respeito, a ratio
decidendi no acórdão recorrido, em termos abstractos e genéricos, é que,
independentemente do caso concreto e da tramitação operada – quanto a nós,
irrelevante –, é desnecessário consignar expressamente no processo que «o Juiz
não deixou de tomar conhecimento do seu conteúdo».
6. De uma forma mais simplista e porque não somos dotados de
sapiência Divina, certo é que, embora reconhecendo a bondade, lealdade, isenção
e imparcialidade do julgador, também não menos certo que, como já alguém disse,
«o que não está no processo, não está no mundo».
7. Ora, a questão que se colocou, de forma abstracta e genérica, é a
de saber se a interpretação normativa extraída do artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4,
do CPP permite que o Juiz ordene a transcrição e a destruição das escutas
telefónicas, sem necessidade de por qualquer forma exarar, em despacho, que
procedeu «à sua audição» ou «à sua leitura».
8. Na verdade, tudo se resumiu à questão de saber se «de um facto
negativo se pode extrair um facto positivo».
9. É ou não é verdade que, independentemente das vicissitudes
processuais, o acórdão recorrido extrai, das normas acima conjugadas, a
desnecessidade de despacho a constar que procedeu à audição das transcrições
telefónicas?
10. É ou não é verdade que, ao interpretar essa norma, fica o
recorrente e qualquer cidadão sem a garantia de que, efectivamente, tal sucedeu?
11. Quanto à segunda questão e independentemente de entendermos que
se tratou de um erro de julgamento, aceitamos que existe inutilidade do
conhecimento da mesma, como bem se espelha pelos fundamentos da douta decisão
sumária.
12. Da mesma forma, se entende concordar com a douta decisão
sumária, quanto à terceira questão, quando consigna que se assaca à decisão
inicial a violação de normas de Direito Ordinário, que não é objecto idóneo de
recurso de constitucionalidade.
13. Aliás, a este propósito, com pena nossa, na medida em que esta
Alto Tribunal não é «um Tribunal de amparo», não podemos deixar de consignar
que, intrinsecamente, o acórdão recorrido possa ter admitido «um erro ao
decidir essa questão».
14. Quanto à quarta questão, em sede de motivação, suscitou‑se o
seguinte:
«O recorrente na sua motivação de recurso indicou, nos termos do
artigo 412.º, n.º 3, alínea a), do CPP, os pontos de facto que considerou
incorrectamente julgados, tendo inclusivamente indicado, nos termos da
respectiva alínea b), as provas que impunham decisão diversa da recorrida.
Tal omissão de conhecimento do recurso de matéria de facto
configura uma clara inconstitucionalidade por violação do direito ao recurso e
ao duplo grau de jurisdição salvaguardados pelo artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
Uma vez que o tribunal interpretou não reapreciar a valoração da
prova feita pela 1.ª instância, alicerçando a sua fundamentação na legalidade
dos meios de prova, tal interpretação leva a que não seja feito qualquer juízo
valorativo sobre a matéria de facto impugnada, o que não se compadece com os
direitos do arguido/recorrente constitucionalmente consagrados (artigo 32.º,
n.º 1, da CRP), e que se revela no duplo grau de jurisdição sobre a matéria de
facto.»
15. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, perante esta
formulação, entendemos que, ao contrário do que vem referido na douta decisão
sumária, o recorrente suscitou e identificou uma questão de
inconstitucionalidade normativa, citando a correspondente norma e princípio
constitucionais.
16. Na verdade, ao referir que, como acima já se transcreveu – que o
tribunal interpretou não reapreciar a valoração da prova feita pela 1.ª
instância, alicerçando a sua fundamentação na legalidade dos meios de prova, tal
interpretação leva a que não seja feito qualquer juízo valorativo sobre a
matéria de facto impugnada, o que não se compadece com os direitos do
arguido/recorrente constitucionalmente consagrados (artigo 32.º, n.º 1, da CRP),
e que se revela no duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto – coarctou
o direito ao recurso sobre a matéria de facto.
17. Ora, interpretar‑se o artigo 412.º, n.º 3, alínea a), no sentido
de que basta o Tribunal valorar a legalidade dos meios de prova, para que não
haja necessidade de fazer o exame crítico dos pontos de facto que o recorrente
entendeu incorrectamente julgados, será o mesmo que, na prática, obstaculizar a
que exista um efectivo duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto.
Nestes termos e nos mais de direito REQUER a V. Exas. que, em
conferência decidam admitir o recurso, seguindo-se os ulteriores termos.”
1.3. O representante do Ministério Público neste
Tribunal respondeu, sustentando que “a presente reclamação é manifestamente
improcedente”, pois “a argumentação do reclamante em nada abala os fundamentos
da decisão reclamada, no que toca à evidente inverificação dos pressupostos do
recurso”.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Como já se consignou, o recorrente manifestou
expressa conformidade com a decisão sumária na parte em que se entendeu não ser
possível conhecer das segunda e terceira questões de inconstitucionalidade
identificadas no requerimento de interposição de recurso, pelo que, na presente
reclamação, apenas está em causa o conhecimento das primeira e quarta questões
de inconstitucionalidade aí identificadas.
2.1. Quanto à primeira questão, a decisão sumária
fundamentou o não conhecimento em duas razões: (i) não ter o recorrente
suscitado, perante o tribunal recorrido, em termos processualmente adequados,
uma questão de inconstitucionalidade normativa; e (ii) não coincidir o critério
normativo indicado no requerimento de interposição de recurso com o critério
normativo efectivamente aplicado, como ratio decidendi, no acórdão recorrido.
O aduzido pelo recorrente na sua reclamação não abala
nenhum destes fundamentos.
No que respeita ao primeiro, basta reler o aduzido pelo
recorrente na motivação do recurso penal (cf. n.º 3.1.1. da decisão sumária)
para se constatar que em parte alguma se identifica, com precisão, uma
interpretação normativa dotada de generalidade e abstracção que se considere
desconforme com princípios ou normas constitucionais, limitando‑se o
recorrente a questionar, atentas as irrepetíveis particularidades do caso
concreto, a correcção do comportamento processual dos intervenientes
processuais, designadamente dos juízes de instrução, no âmbito da intercepção de
conversações telefónicas, acusando‑os o recorrente de não terem procedido à
audição pessoal das gravações, o que seria dedutível da inexistência de
despachos em que se exarasse a efectivação dessas audições. Trata‑se de questão
que, nos termos em que foi deduzida pelo recorrente na motivação do recurso
penal, carece de natureza normativa.
Por outro lado, o “critério normativo” identificado no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – que
extrairia “de um facto negativo (a não existência de despacho) um facto
positivo, qual seja «… não se poder deixar de concluir que tal [isto é, a
audição das gravações ou a tomada de conhecimento, por outra forma, do seu
conteúdo] sucedeu efectivamente …»” – manifestamente não corresponde ao
adoptado no acórdão recorrido, que não chegou à conclusão da existência de
audição judicial das gravações pela circunstância de inexistirem despachos
expressos no sentido da realização dessas audições, antes fundou essa conclusão
num conjunto de elementos constantes dos autos, extensivamente relatados no n.º
13 do acórdão recorrido (transcrito no ponto 3.1.2. da decisão sumária), e
sintetizado no n.º 14, que novamente se transcreve:
“14 – Tendo em conta a regularidade com que foram elaborados os
relatórios policiais, o seu conteúdo, os elementos com eles juntos, o facto de
com eles sempre terem sido remetidos os CD contendo as gravações efectuadas (e,
na única vez que isso não aconteceu, eles terem sido pedidos, só tendo sido
validadas as gravações e determinadas as transcrições depois da sua
apresentação), o teor dos despachos proferidos, que diversas vezes limitaram
os prazos sugeridos para a duração das intercepções e, por uma vez, indeferiram
o pedido de transcrição de algumas delas, e ainda o facto de, quando se tratou
de validar intercepções de conversações em crioulo, ter sido realizada
diligência adequada ao conhecimento prévio do conteúdo da gravação efectuada,
não se pode, no nosso modo de ver, afirmar que os magistrados que praticaram
esses actos não ouviram ou, por outro modo, não tiveram prévio conhecimento do
conteúdo das gravações efectuadas e da sua relevância para o apuramento da
verdade, razão pela qual não se vê qualquer motivo para declarar a nulidade da
prova documental através deste meio obtida, nomeadamente das sessões indicadas
pelo recorrente.
Uma vez que não se interpreta o artigo 188.º, n.ºs 1, 3 e 4, da
redacção então vigente do Código de Processo Penal da forma tida por
inconstitucional pelo recorrente, não há que apreciar a conformidade dessa
interpretação com a lei fundamental.”
Justifica‑se, assim, sem necessidade de maiores
considerações, que se confirme a decisão de não conhecimento da primeira questão
de inconstitucionalidade.
2.2. Quanto à quarta questão, a decisão sumária fundou
igualmente o seu não conhecimento numa dualidade de razões: (i) não suscitação,
perante o tribunal recorrido, de uma questão de inconstitucionalidade normativa,
sendo a violação da Constituição imputada directamente a decisões judiciais, e
(ii) não ter sido o critério efectivamente aplicado por esse tribunal objecto de
acusação de violador da Constituição por parte do recorrente.
Estes fundamentos mantêm inteira validade.
Na verdade, quer na motivação do recurso para a Relação
quer na arguição de nulidade do primeiro acórdão da Relação (cf.,
respectivamente, as transcrições constantes dos n.ºs 3.4.1. e 3.4.3. da decisão
sumária ora reclamada), o recorrente limita‑se a imputar directamente às
decisões judiciais então impugnadas a violação de comandos constitucionais – a
decisão da 1.ª instância revelaria falta de fundamentação resultante da ausência
de exame crítico das provas, e o primeiro acórdão da Relação teria omitido o
conhecimento do recurso da matéria de facto –, o que manifestamente não integra
objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.
Por outro lado, o critério que o Tribunal da Relação
efectivamente aplicou, nesta parte, foi o de que “uma vez que a impugnação da
decisão de facto tinha por base a validade dos meios de prova a que o tribunal
de 1.ª instância atendeu e o facto de não terem sido realizadas outras
diligências, e não a valoração que a 1.ª instância fez da prova a que atendeu,
tendo este tribunal considerado improcedente o recurso quanto àquelas questões,
improcedente terá de ser julgado, também nesta parte, o recurso interposto
quanto à decisão de facto”. Ora, tal critério, enquanto critério normativo,
jamais foi objecto de acusação de violador da Constituição por parte do
recorrente. Por outro lado, como é sabido, excede os poderes de cognição do
Tribunal Constitucional sindicar, em concreto, a correcção da reapreciação da
decisão da matéria de facto efectuada pelo Tribunal da Relação.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente
reclamação, confirmando inteiramente a decisão sumária reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em
20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 28 de Abril de 2009.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel de Moura Ramos