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Processo nº 110/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, em que é
recorrente A. e são recorridos o Ministério Público e B., foi interposto recurso
para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC),
do acórdão daquele Tribunal de 16 de Dezembro de 2008.
2. Em 3 de Março de 2009, foi proferida decisão de não conhecimento do objecto
do recurso interposto, com a seguinte fundamentação:
«Este Tribunal vem entendendo que pode constituir objecto do recurso interposto
ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC a norma na sua totalidade,
em determinado segmento ou segundo certa interpretação (cf., entre muitos
outros, Acórdão do Tribunal Constitucional nº 232/2002, Diário da República, II
Série, de 18 de Julho de 2002.
Do requerimento de interposição de recurso resulta, porém, que o recorrente não
pretende a apreciação de determinada interpretação das disposições legais que
indica, mas antes da decisão judicial de não pronúncia. Face ao enunciado
concreto da “norma” indicada é de concluir que o recorrente ficcionou uma
interpretação normativa, “apenas com o objectivo de forjar artificialmente uma
norma sindicável pelo Tribunal Constitucional” (sobre isto, Lopes do Rego, “O
objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade: as
interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”,
Jurisprudência Constitucional, nº 3, ponto 2.).
Uma vez que os artigos 280º e 281º da Constituição da República Portuguesa e 70º
da LTC concebem o Tribunal Constitucional como um órgão jurisdicional de
controlo normativo, de controlo da constitucionalidade e da legalidade de normas
e não de decisões judiciais (cf. Cardoso da Costa, A Jurisdição Constitucional
em Portugal, Almedina, 2007, p. 29), o Tribunal não pode tomar conhecimento do
objecto deste recurso, justificando-se a prolação da presente decisão (artigo
78º-A da LTC)».
3. O recorrente vem agora reclamar para a conferência com os seguintes
fundamentos:
«Vem o presente recurso rejeitado sem conhecimento de mérito por se considerar,
na douta interpretação do requerimento recursivo, que o Recorrente pretende
sindicar questões jurídicas directamente relacionadas com a decisão judicial
recorrida e não das normas especificadas como sustentáculo desse recurso.
Ora, salvo o devido respeito, que muito é, tem o Recorrente que trazer a V. Exas
adequada especificação das razões e fundamentos do recurso em apreço no qual
arguiu de inconstitucional as normas dos artigos 195.° do Código Penal, artigo
89.°, n.° 1, do Código de Processo Penal e artigo 81.°, n.° 1, do Estatuto da
Ordem dos Advogados, na redacção constante na Lei n.° 84/84, de 16 de Março, com
a interpretação que lhe foi dada nas instâncias ordinárias de que “(...)sendo os
documentos usados pela Arguida em sua defesa em processo pena! oriundos de
outros autos criminais já libertos do segredo de justiça, passando a inexistir
segredo a salvaguardar pelo Advogado e, em consequência, ser livre o uso de
cópias desses documentos — mesmo que não extraídas dos autos judiciais
respectivos previamente autorizada pelo Presidente do Conselho Distrital da
Ordem dos Advogados a que a Arguida está adstrita, mas antes fornecidos pelos
seus constituintes — resulta a desnecessidade de solicitação de autorização de
qualquer tipo, judicial ou corporativa, para o seu uso, donde que o Tribunal de
Instrução Criminal não tenha necessidade de se pronunciar expressamente sobre a
inexistência de ilícito criminal a pronunciar criminalmente para submissão a
julgamento.”.
Deste texto recursivo, constante no requerimento sub judice, se retira que o
Recorrente pretende ver julgada como potencialmente incorrecta a tese que foi
sustentada pelo Tribunal a quo para a aplicação concomitante das sobreditas
normas legais, sem dele se retirar qualquer elemento que possa iludir a
abstracção normativa, que verificada nos autos sob recurso poderia constar em
quaisquer outros.
Nem sequer a expressão “os documentos usados pela Arguida em sua defesa em
processo penal” viola essa abstracção fáctica podendo caber num incontável
número de processos judiciais.
Não é, pois, a decisão judicial que o Recorrente ataca mas a interpretação
daquelas normas que na concreta decisão foi efectuada, errada a seu ver,
defendendo entendimento diferente que expandiu sucintamente no último parágrafo
do mesmo requerimento, que aqui se tem por reproduzido para estes efeitos, e
onde expressa a necessidade de um qualquer causídico pedir autorização ao
Magistrado que detém poder sobre um processo de onde pretende extrair certidão
para fazer prova defensiva em juízo criminal em seu proveito pessoal, ou ao
Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados em que está inscrito
para poder usar as cópias que lhe foram entregues pelos seus constituintes em
razão do seu ofício, pelo que a posterga desse dever constitui ilícito
penalmente previsto carecendo de submissão a julgamento.
Obviamente que para o bom julgamento deste imbróglio jurídico pode este subido
Tribunal deitar mão das particularidades do caso concreto, mormente para aferir
previamente da necessária utilidade da questão para a eventual revisão da
decisão em adequação à correcta interpretação normativa.
Porém o Recorrente nem carreou para a sua petição recursiva quaisquer elementos
concretos do caso em juízo, limitando os seus termos à generalidade de uma
situação potencialmente retirada de quaisquer processos semelhantes, dentro dos
parâmetros estritos da aplicação das normas para o adequado controlo de
submissão aos imperativos constitucionais.
Afigurando-se-lhe, por tudo isto, que o seu requerimento se contém nos padrões
exigíveis para o recurso, cujo mérito deverá ser apreciado por este Tribunal na
perseguição da necessária JUSTIÇA!».
4. Notificada, a recorrida respondeu sustentando que deve ser negado provimento
à presente reclamação.
Notificado, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal
respondeu-lhe nos termos seguintes:
«1º
A presente reclamação carece manifestamente de fundamento.
2°
Na verdade, a “norma” ficcionada pelo recorrente como objecto do seu recurso
mais não é que a descrição prática da situação processual verificada nos autos e
controvertida, sendo manifesto que se não enuncia qualquer critério normativo,
susceptível de servir de objecto idóneo ao controlo da constitucionalidade».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária conclui pelo não conhecimento do objecto do recurso
interposto, uma vez que o objecto definido pelo recorrente não corresponde a uma
qualquer norma. O reclamante contraria o decidido, sustentando que o enunciado
constante do requerimento de interposição de recurso, em cumprimento da parte
final do nº 1 do artigo 75º-A da LTC, corresponde à indicação de uma norma. Sem
razão.
O recorrente requerer a apreciação da inconstitucionalidade interpretativa das
normas contidas no artigo 195º do Código Penal, no artigo 89º, nº 1, do Código
de Processo Penal, e no artigo 81º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos Advogados, na
redacção constante da Lei nº 84/84, de 16 de Março, na interpretação dada pelas
instâncias recorridas de que sendo os documentos usados pela Arguida em sua
defesa em processo penal oriundos de outros autos criminais já libertos do
segredo de justiça legalmente vigente, fica toda essa matéria probatória sujeita
ao acesso público, passando a inexistir segredo a salvaguardar pelo Advogado e,
em consequência, ser livre o uso de cópias desses documentos - mesmo que não
extraídas dos autos judiciais respectivos nem previamente autorizada pelo
Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados a que a Arguida está
adstrita, mas antes fornecidos pelos seus constituintes - resulta a
desnecessidade de solicitação de autorização de qualquer tipo, judicial ou
corporativa, para o seu uso, donde que o Tribunal de Instrução Criminal não
tenha necessidade de se pronunciar expressamente sobre a inexistência de ilícito
criminal a pronunciar criminalmente para submissão a julgamento.
Ora, como bem assinala o Ministério Público, ao definir desta forma o objecto do
recurso de constitucionalidade, o recorrente faz apenas a “descrição prática da
situação processual verificada nos autos e controvertida”, reportando-a a
disposições legais distintas (artigo 195º do Código Penal, artigo 89º, nº 1, do
Código de Processo Penal e artigo 81º, nº 1, do Estatuto da Ordem dos
Advogados). Deste modo, ficciona uma “norma” para questionar a decisão judicial
de não pronúncia.
Como o Tribunal Constitucional aprecia normas e não decisões judiciais (artigos
280º e 281º da Constituição e 70º da LTC), há que concluir pelo indeferimento da
presente reclamação
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão de não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 29 de Abril de 2009
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão