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Processo n.º 222/09
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama (fls. 3 e 4), para a conferência prevista no
n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, do despacho proferido pela Ex.ma Juíza do Tribunal
Administrativo e Fiscal de Sintra que indeferiu o requerimento de interposição
de recurso para o Tribunal (fls. 19 e 20), com fundamento na falta de suscitação
processualmente adequada da inconstitucionalidade de qualquer interpretação
normativa do artigo 14º, n.º 3, do Código das Custas Judiciais.
2. Assim sendo, são estes os termos da reclamação:
“1- A decisão de indeferimento do recurso assenta na consideração de o
recorrente não ter suscitado a questão da inconstitucionalidade ‘durante o
processo” (cfr. 1” parágrafo da pág. 2 do despacho em causa), visto que a
invocada inconstitucionalidade não fora referida «nos vários articulados
apresentados” (Ibidem- página 1, último parágrafo). Contudo,
2- Afigura-se-nos não assistir razão ao Tribunal ‘a quo”. De facto,
3- A interpretação dada à norma em causa — art° 13°/4 do Código das Custas
Judiciais — era de todo imprevisível, não podendo razoavelmente o reclamante
contar com a sua aplicação, pois que o próprio Tribunal Constitucional adopta a
posição que ao reclamante se afigura mais adequada à letra e ao espírito da lei.
Por isso,
4- Não era exigível ao reclamante prever que essa interpretação viria a ser
possível e viesse a ser adoptada na decisão. E assim sendo,
5- O uso inesperado de tal interpretação pelo Tribunal ‘a quo” levou a que o
reclamante não tivesse podido, em momento anterior ao da decisão, representar a
possibilidade de aplicação da norma com aquela interpretação. E por isso,
6- Não se mostrava adequado exigir-lhe, no caso em apreciação, um qualquer juízo
de prognose relativo a essa aplicação, em termos de se antecipar ao proferimento
da decisão, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade. Na verdade,
7- Só perante a decisão proferida se viu o reclamante na possibilidade de arguir
a inconstitucionalidade em causa, tendo-o feito logo no primeiro momento que se
lhe impunha fazê-lo, isto é, no requerimento de interposição de recurso.” (fls.
172 e 173)
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal pronunciou-se no
sentido da improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes termos:
“A decisão que se pretende impugnar, em recurso de constitucionalidade, foi
proferida na sequência de uma reclamação deduzida contra a conta de custas,
elaborada nos presentes autos.
Ora, assim sendo, é manifesto que recaía sobre o ora reclamante o ónus de nela
ter suscitado a questão da inconstitucionalidade da norma do CCJ que suportava o
âmbito da responsabilidade solidária pelo montante devido, prevenindo a
eventualidade de, como sucedeu, o tribunal optar pelo entendimento não
desfavorável aos interesses do reclamante, de modo a que o juiz “a quo”, ao
dirimir a reclamação contra a conta de custas, apreciasse tal questão de
inconstitucionalidade. Teve, pois, o reclamante plena oportunidade processual
para suscitar, durante o processo, a questão de constitucionalidade, o que
determina a improcedência da presente reclamação.” (fls. 33-verso)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
4. Diga-se, desde já, que se reitera integralmente o teor do despacho ora alvo
de reclamação.
Com efeito, sempre que estejam em causa recursos para este Tribunal,
interpostos ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, torna-se
imperioso que os recorrentes suscitem a questão de inconstitucionalidade
normativa, de modo a que o tribunal recorrido dela possa conhecer, conforme
resulta do n.º 2 do artigo 72º, da LTC. Nos autos recorridos, é o próprio
recorrente que admite não ter suscitado tal questão, ainda que invoque em favor
da dispensa de tal ónus processual, a natureza surpreendente da decisão.
É certo que este Tribunal admite a possibilidade de dispensa, a título
excepcional, da invocação prévia da inconstitucionalidade de normas aplicadas
por decisões dos tribunais comuns, sempre que não lhes for processualmente
exigida a previsão de aplicação da norma ou da interpretação normativa
efectivamente aplicada. Note-se, contudo, que tal só sucede quando a aplicação
da norma ou da interpretação normativa seja objectivamente imprevisível ou
insólita. Assim, ver:
i) Acórdão n.º 394/2005 – “A razão pela qual o Tribunal
Constitucional tem dispensado este ónus em casos excepcionais ou anómalos, como
se refere na decisão reclamada, é a de considerar não exigível antecipar um
sentido objectivamente inesperado, sobre o qual o recorrente não teve a
oportunidade de se pronunciar antes de proferida a decisão recorrida”;
ii) Acórdão n.º 120/2002 – “Todavia, como este Tribunal também
tem salientado (assim, por exemplo, do citado Acórdão n.º 352/94), tal situação
sofre restrições 'em situações excepcionais, anómalas, nas quais o interessado
não disponha de oportunidade processual para suscitar a questão de
inconstitucionalidade antes de proferida a decisão final'. É o que acontece
também quando, pela natureza insólita ou surpreendente da interpretação (ou da
aplicação) da norma em causa efectuada pela decisão recorrida, não era exigível
ao recorrente que contasse com ela.
Entende-se que é esta a situação no caso presente – tal como, por exemplo, nos
casos dos Acórdãos 74/00 e 56/01 (ainda não publicados), considerando-se como
'decisão-surpresa', de conteúdo imprevisível para o recorrente, a decisão
proferida pelo tribunal recorrido, para rejeição do recurso em causa”;
A natureza imprevisível, surpreendente ou insólita da norma ou
interpretação normativa efectivamente aplicada depende, todavia, do
preenchimento de um grau reforçado de diligência do recorrente. Este grau de
diligência implica uma antecipação das diversas soluções jurídicas
potencialmente aplicáveis ao litígio controvertido, devendo precaver-se contra a
adopção de soluções que, ainda que minoritárias, possam ser configuradas como
objectivamente admissíveis face à letra da lei. Só no caso de não ter sido
possível antecipar a aplicação de norma ou interpretação normativa contrária à
Constituição da República – sendo esta possibilidade sempre aferida de modo
objectivo – é que será admissível a dispensa de suscitação prévia da
inconstitucionalidade. Neste sentido, ver:
i) Acórdão n.º 489/94 – “O Tribunal tem considerado
até que cabe às partes considerar antecipadamente as várias hipóteses de
interpretação razoáveis das normas em questão e suscitar antecipadamente as
inconstitucionalidades daí decorrentes antes de ser proferida a decisão”);
ii) Acórdão n.º 479/89 – “(…) não pode deixar de recair
sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades
interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face
delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de
definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso –
acrescentar-se-á – também logo mostra como a simples «surpresa» com a
interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos,
certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais (…) em
que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação
«prévia» da inconstitucionalidade perante o tribunal «a quo».
Mas – e agora em segundo lugar – se alguma vez tal for de admitir, então haverá
de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita
e imprevisível, que seria de todo o ponto desrazoável a parte contar (também)
com ela”.
Ora, sucede a decisão que se pretende impugnar, em sede de recurso de
constitucionalidade, foi proferida na sequência de uma reclamação deduzida
contra a conta de custas, elaborada nos presentes autos. Sendo que uma das
interpretações possíveis da norma do CCJ, que suportava o âmbito da
responsabilidade solidária pelo montante devido, era precisamente a que veio a
ser acolhida, caso pretendesse sindicar a constitucionalidade da interpretação
normativa dada ao n.º 3 do artigo 14º do CCJ, o reclamante mais não teria que
suscitar, “ad cautelam”, logo no momento da apresentação do requerimento de
reclamação, a referida questão de inconstitucionalidade normativa, de modo a que
o juiz “a quo”, ao dirimir a reclamação contra a conta de custas, tivesse podido
apreciar tal questão. Não o tendo feito então, não podia posteriormente vir o
reclamante interpor recurso com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da LTC.
Acresce ainda que a fundamentação do despacho recorrido assenta expressamente na
existência de jurisprudência anterior do Supremo Tribunal Administrativo, que
aponta no sentido decisório adoptado e posteriormente impugnado, mediante
recurso de inconstitucionalidade.
Em conclusão, o recorrente (e ora reclamante) não suscitou de modo
processualmente adequado a questão de inconstitucionalidade, pelo que andou bem
o tribunal recorrido quando recusou a admissão do recurso de
inconstitucionalidade, nos termos do n.º 2 do artigo 72º e do n.º 2 do artigo
76º da LTC.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3
do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada
pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente
reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 22 de Abril de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão