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Processos n.ºs 269/09 e 270/09
Plenário
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
(Conselheiro João Cura Mariano)
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Na sequência de participação apresentada pelo Partido Socialista (PS),
relativa à notificação efectuada em 19-2-2009, pela Câmara Municipal de Óbidos,
para remoção de um painel tipo outdoor, destinado à afixação de propaganda
política pelo PS, colocado por esta estrutura partidária em espaço público, a
Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu, por deliberação tomada em
7-4-2009, o seguinte:
«No uso dos poderes conferidos pelo art. 7.º da Lei n.º 71/87, de 27 de Dezembro
notifique-se o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Óbidos para, no prazo de
48 horas, repor a propaganda do PS removida, sob pena de, não o fazendo, cometer
o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do Código Penal».
Esta deliberação remeteu a sua fundamentação para parecer interno da CNE junto
aos autos.
O Município de Óbidos interpôs recurso desta deliberação para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), o qual deu origem ao
Processo n.º 269/09. O recorrente apresentou as seguintes conclusões:
«1 - O acto ora em crise, emanado pela CNE, foi proferido no âmbito de uma
queixa formulada pelo PS em virtude de um despacho do Vice-Presidente de um
órgão do Recorrente ter ordenado a remoção de um “outdoor” colocado por este
partido político numa parcela do domínio privado municipal do Recorrente.
2 – De acordo com o disposto, no artigo 5º da Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro,
a CNE tem a sua intervenção limitada à administração, disciplina e supervisão
dos actos de recenseamento e de eleições para os órgãos de soberania, das
regiões autónomas, do poder local e dos referendos.
3 – No que concerne a acções de propaganda, a área de intervenção da CNE
encontra-se expressamente delimitada às acções inseridas num determinado e
concreto processo eleitoral.
4 – Na data dos factos não se encontrava, como não se encontra em curso,
qualquer período destinado pela lei à realização de campanha eleitoral.
5 – Fora do período formalmente destinado pela lei à realização de campanha
eleitoral carece a CNE de competências para fiscalizar alegadas violações das
regras de afixação de propaganda.
6 – A deliberação ora recorrida incidiu sobre matéria não compreendida nas
competências da CNE, pelo que a mesma é nula.
7 – O Tribunal Constitucional é competente para apreciar o presente recurso na
medida em que o acto impugnado, ao menos na sua aparência formal e configuração
externa, se apresenta como recorrível nos termos previstos nos artigos 8º,
alínea f), e 102º-B, da Lei do Tribunal Constitucional, e como tal foi
considerado quer pela CNE, como também pelo Recorrente».
O PS foi notificado, nos termos do n.º 4 do artigo 102.º-B da LTC, para se
pronunciar sobre o conteúdo do recurso interposto e nada disse.
2. Na sequência de participação apresentada pelo Partido Social Democrata
(PPD/PSD), relativa à remoção pela Câmara Municipal de Vila do Conde, em Março
de 2009, de uma estrutura metálica, destinada à afixação de propaganda política
pelo PPD/PSD, colocado por esta estrutura partidária em espaço público, a
Comissão Nacional de Eleições (CNE) decidiu, por deliberação tomada em
7-4-2009, o seguinte:
«No uso dos poderes conferidos pelo art. 7.º da Lei n.º 71/87, de 27 de Dezembro
notifique-se o Senhor Presidente da Câmara Municipal de Vila do Conde, para, no
prazo de 48 horas, repor a propaganda do PPD/PSD removida, sob pena de, não o
fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348.º do
Código Penal».
Esta deliberação remeteu a sua fundamentação para parecer interno da CNE junto
aos autos.
O Município de Vila do Conde interpôs recurso desta deliberação para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da LTC, o qual deu
origem ao Processo n.º 270/09. Recorreu nos termos e com os fundamentos
seguintes:
«FACTOS:
1º - No dia 16 de Março de 2009, a fiscalização municipal detectou na Av.
Brasil, em Vila do Conde, uma estrutura metálica, composta por quatro pilares
com perfil em 1, cravados no pavimento do passeio público, e por vigas
aparafusadas nos referidos pilares, a qual pela sua localização e configuração
se tornava um elemento perigoso, constituindo um obstáculo à mobilidade dos
muitos utilizadores daquele espaço; (Doc. 1)
2º - Aquela estrutura não tinha qualquer identificação, conforme melhor se
alcança da informação da fiscalização junta; (Doc. 2)
3º - Admitiu-se, por isso, que a colocação da referida estrutura poderia ter
como objectivo o anúncio de um qualquer evento ou produto, que não teria sido
licenciado, razões que levaram à sua remoção;
4º - Só após a notificação da CNE para repor a estrutura é que a Câmara
Municipal percebeu que a colocação da mesma alegadamente teria sido da
responsabilidade do PPD/PSD;
5º - Efectivamente, aquela força política, por ofício registado na Câmara
Municipal em 29 de Fevereiro de 2009, comunicou que iria proceder à colocação
de várias estruturas visando a propaganda politica;
6º - Todavia, identificou os locais de colocação de forma vaga, nomeadamente o
local onde colocou a estrutura removida, identificado como Av. Marginal,
topónimo que não existe em Vila do Conde;
7º - Após participação daquela força politica, a CNE, em 7 de Abril de 2009,
notificou a Câmara Municipal de Vila do Conde para «no prazo de 48 horas, repor
a propaganda do PPD/PSD removida, sob pena de, não o fazendo, cometer o crime de
desobediência previsto e punido pelo artigo do 348º do Código Penal»;
DIREITO:
8º - Diga-se, desde logo, que a Câmara Municipal não actuou de forma a limitar a
actividade de propaganda política do PPD/PSD, primeiro porque não removeu
qualquer propaganda, mas antes uma estrutura;
9º - Tal actuação foi claramente feita na defesa do espaço público, uma vez que
a fixação dos pilares da estrutura em causa danificou o passeio público de forma
definitiva, pois para tal foram abertos quatro buracos no pavimento betuminoso
com características especiais, que contêm um elemento agregador do tipo
calcário, que lhe dá uma tonalidade especial;
10º - De referir que o passeio em causa se localiza numa zona de recente
qualificação ao abrigo do Programa Pólis, projecto da responsabilidade dos
arquitectos Siza Vieira e Alcino Soutinho, representando a colocação da
estrutura uma clara violação à concepção urbanística daqueles autores;
11º - Por isso, resultam violados direitos autor com protecção legal;
12º - Acresce que atenta a definição de “Edificação”, constante da alínea a) do
artigo 2º do D.L. nº 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas
pela Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, a colocação da estrutura enquanto
construção que se incorpora no solo com carácter de permanência fica sujeita ao
regime jurídico da urbanização e da edificação;
13º - Ora, assim sendo, a danificação do pavimento causou evidentes prejuízos de
milhares de euros ao património público, sendo de difícil reposição dadas as
suas características, ficando para sempre um remendo naquela tão importante
artéria – Av. Brasil – da cidade de Vila do Conde;
14º - Provisoriamente, na defesa do interesse público e da segurança dos peões,
nomeadamente de crianças, idosos e cidadãos de mobilidade reduzida, o pavimento
foi reposto a título precário;
15º - Pelo que, contrariamente ao que afirma a deliberação da CNE, para além de
não se ter limitado qualquer actividade, de propaganda, porque não estava lá
qualquer mensagem, a remoção findou-se numa razão objectiva, falta de
licenciamento e violação do estabelecido nas alíneas a) e c) do nº 1 do artigo
4º da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto;
16º - Ou seja, para além de afectar a estética e o ambiente do local, como vimos
recentemente objecto de qualificação, foram ainda causados prejuízos
irreparáveis num bem do domínio público municipal;
17º - Entende, por isso a Câmara Municipal que o PPD/PSD deve ser
responsabilizado pelos danos causados, devendo indemnizar o erário público
quanto às despesas de reposição do pavimento e a remoção e transporte da
estrutura pelos serviços municipais;
18º - Acresce que, conforme reconhece a CNE, a falta de identificação da
estrutura, afastava a protecção legal concedida ao alegado “material” de
propaganda;
19º - Logo, carece de legitimidade a deliberação da CNE ao ordenar à Câmara
Municipal de Vila do Conde a reposição em espaço público da estrutura sem
qualquer mensagem de natureza politica ou eleitoral;
20º - A CNE não possuía, por isso, no caso em apreço qualquer tipo de poder de
índole sancionatória ou de polícia, não sendo competente para actuar nesta
matéria, a não ser que estivesse em causa uma mensagem de índole eleitoral, o
que não era o caso;
21º - A este propósito dos limites de competência de actuação da CNE, se
pronunciou o recente Acórdão nº 312/08 do Tribunal Constitucional;
22º - Importa ainda referir que o PPD/PSD, antes de formular a participação
junto da CNE, oficiou a Câmara Municipal no sentido de repor a estrutura, para
logo a seguir por oficio do mesmo dia vir reconhecer que a manutenção da
estrutura em causa seria objecto de avaliação antes de solicitarem a sua
reposição; (Doc.s 3 e 4)
23º - Por tudo, e contrariamente ao constante da deliberação da CNE, a Câmara
Municipal também não estava obrigada à prévia notificação da força politica em
causa, já que nenhuma identificação lá estava, podendo a remoção ser, como foi,
imediata;
SEM PRESCINDIR
24º - A remoção da estrutura pela Câmara Municipal de Vila do Conde é
perfeitamente conforme à lei e à Constituição e não põe em causa o livre
exercício da actividade de propaganda conferida às forças politicas;
25º - Tal remoção consubstancia um acto de fiscalização do cumprimento da Lei nº
97/88, de 17 de Agosto e do Regulamento Municipal sobre Mensagens de Publicidade
e Propaganda, resultado aliás de um apelo feito pela Câmara Municipal às várias
forças politicas no sentido de a imagem da cidade e do concelho ser preservada;
(Doc. 5)
26º - Apesar de a CNE afirmar que a lei supra referida não confere qualquer
margem de decisão aos órgãos autárquicos para determinar locais proibidos para
a afixação de propaganda, não pode deixar de se reconhecer que a lei contém
outros princípios e valores de natureza ambiental, paisagística, patrimonial,
estética, de segurança pessoal e rodoviária;
27º - Estes, claramente valores com protecção constitucional, ao nível dos
direitos fundamentais, qualificáveis como verdadeiros direitos, liberdades e
garantias;
28º - Tal significa que a liberdade de propaganda tem que ser compatibilizada
com aqueles direitos e valores, sempre que eles conflituem no caso concreto;
29º - Por isso reafirmamos que a actuação da Câmara Municipal de Vila do Conde,
no caso concreto, não pôs em causa a liberdade de divulgação da mensagem
politica do PPD/PSD, que aliás possui diversas estruturas noutros locais da
cidade e do concelho, implantadas em pavimento adequado, ou seja, sem causarem
danos para o património municipal, razão pela qual aí permanecem sem qualquer
objecção;
30º - Por fim, a reposição da estrutura será sempre uma medida desajustada, que
não pode ser aplicada, porque violadora do interesse público e susceptível de
reacções de desagrado da população que vê o seu património ser danificado de
forma irresponsável e gratuita».
Notificado, nos termos do n.º 4 do artigo 102.º-B da LTC, o PPD/PSD apresentou
requerimento em que manifestou a sua concordância com a deliberação da CNE,
pronunciando-se pela improcedência do recurso.
II. Fundamentação
1. A alínea f) do artigo 8.º da LTC, sob a epígrafe “Competência relativa a
processos eleitorais”, atribui competência ao Tribunal Constitucional para
julgar os recursos contenciosos interpostos de actos administrativos definitivos
e executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por outros órgãos
da administração eleitoral. E o artigo 102.º-B da mesma lei regula o processo
relativo aos “Recursos de actos de administração eleitoral”: recurso contencioso
de deliberações da Comissão Nacional de Eleições (n.ºs 1 a 6); e recurso de
decisões de outros órgãos da administração eleitoral (n.º 7).
Estas disposições legais colocam a questão prévia de saber se estão preenchidos
os pressupostos necessários ao conhecimento do objecto dos recursos interpostos
das deliberações da CNE, ou seja, se estão ou não em causa actos
contenciosamente impugnáveis junto do Tribunal Constitucional.
Com relevo para esta questão, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional
n.º 471/2008 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) o seguinte:
«Ao Tribunal Constitucional é, assim, atribuída competência, em termos amplos,
para apreciar os recursos de deliberações da Comissão Nacional de Eleições que
consubstanciem actos de administração eleitoral. Mas a determinação exacta do
âmbito deste conceito, neste específico contexto normativo, não pode ser feita à
margem das razões atributivas dessa competência, nem do regime processual do
recurso previsto no artigo 102.º-B da LTC.
As eleições, em particular as directas, por sufrágio universal, constituem um
procedimento complexo, integrado por uma pluralidade de actos que se sucedem no
tempo. E é bem certo que a administração eleitoral tem um objecto mais amplo do
que o acto eleitoral em sentido estrito, entendido como o processo de votação e
o apuramento do seu resultado. Há todo um conjunto de operações, jurídicas e
materiais, que antecedem (a partir da marcação das eleições) e se sucedem a esse
acto, e que a ele estão teleologicamente ligadas. Todas são matéria eleitoral,
em sentido amplo.
Mas isso não significa que todas caibam dentro do poder jurisdicional que o
artigo 102.º-B, da LTC, atribui ao Tribunal Constitucional.
Esse poder funda-se, em última instância, na defesa dos valores constitucionais
da “regularidade e validade dos actos de processo eleitoral”».
2. Nos presentes autos, os recursos foram interpostos de deliberações da CNE (de
conteúdo idêntico) tomadas em data posterior à da marcação da eleição dos
deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal. As deliberações são de 7 de
Abril de 2009 e esta eleição foi marcada no dia 24 de Março do corrente ano,
através do Decreto do Presidente da República n.º 25/2009.
Porém, tais deliberações não consubstanciam actos de administração eleitoral.
Ainda que a data da marcação de eleições seja relevante para a determinação
exacta do âmbito do conceito de “acto de administração eleitoral”, as
deliberações da CNE incidiram sobre factos ocorridos em datas anteriores ao dia
em que foi marcada a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu. Ou seja,
quando o processo eleitoral relativo a esta eleição ainda não tinha sido
iniciado.
Assim sendo, as deliberações da CNE de 7 de Abril de 2009 não constituem actos
de administração eleitoral judicialmente impugnáveis através do meio processual
previsto no artigo 102.º-B da LTC, pelo que o Tribunal Constitucional não pode
tomar conhecimento do objecto dos recursos interpostos.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto dos recursos
interpostos.
Lisboa, 15 de Abril de 2009
Maria João Antunes
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Joaquim de Sousa Ribeiro
João Cura Mariano (vencido conforme declaração que anexo)
Vítor Gomes (vencido conforme declaração anexa)
Benjamim Rodrigues (vencido de acordo com a declaração anexa)
Mário José de Araújo Torres (vencido pelas razões constantes da declaração de
voto do Cons. Cura Mariano
José Borges Soeiro (vencido, de harmonia com a declaração de voto que junto).
Gil Galvão
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por entender que, tal como este Tribunal afirmou nos Acórdãos n.º
525/89 e 312/2008 (publicados, na II.ª Série do Diário da República, de
22-3-1990 e de 26-6-2008, respectivamente), tendo a CNE proferido as
deliberações impugnadas assumindo o exercício da sua actividade de disciplina e
supervisão eleitoral, tais actos, na sua aparência formal e configuração
externa, apresentam-se como recorríveis para o Tribunal Constitucional, nos
termos previstos nos artigos 8.º, f), e 102.º - B, da LTC, pelo que se impunha o
conhecimento dos recursos interpostos, mesmo que se concluísse pela falta de
competência da CNE para proferir as declarações impugnadas.
Conhecendo precisamente desta questão, perfilho o raciocínio já efectuado por
este Tribunal no acórdão n.º 312/2008, (publicado na II.ª Série do Diário da
República, de 26 de Junho de 2008), onde se disse o seguinte:
“…Como resulta da história da CNE e, sobretudo, da actual delimitação legal das
suas competências, esta entidade tem a sua intervenção limitada à administração,
disciplina e supervisão dos actos de recenseamento e de eleições para os órgãos
de soberania, das regiões autónomas e do poder local, e ainda dos referendos
(por força do disposto na Lei n.º 15 – A/98, de 3 de Abril).
É a especial preocupação em assegurar que estes actos, de crucial importância
para um regime democrático, sejam realizados com a maior isenção, de modo a
garantir a autenticidade dos seus resultados, que justifica a existência e a
intervenção da CNE, enquanto entidade administrativa independente.
Quanto à actividade política desenvolvida para além dos actos eleitorais,
nomeadamente a exercida pelos partidos políticos, não se sentiu a necessidade de
atribuir a qualquer entidade administrativa específica a supervisão da
liberdade de concorrência partidária, pelo que a eventual lesão ou ameaça de
lesão de direitos nessa matéria é exclusivamente garantida com o recurso aos
tribunais, inclusive através de medidas de protecção cautelar, nos termos
exigidos pelo artigo 20.º, n.º 1 e 5, e 268.º, n.º 4, da C.R.P.
…
Na alínea d), do artigo 5.º, da Lei n.º 71/78, incumbe-se a CNE de “assegurar a
igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as
campanhas eleitorais”.
A referência expressa a que o objecto desta intervenção são as acções ocorridas
durante as campanhas eleitorais e a de que os sujeitos destas acções são as
candidaturas às respectivas eleições, delimita necessariamente a área de
intervenção da CNE, neste domínio, às acções de propaganda inseridas num
determinado e concreto processo eleitoral.
Se é discutível, para que seja legítima a intervenção da CNE, que essas acções
se situem temporalmente no período formalmente destinado pela lei à realização
da campanha eleitoral, ou que essas acções devam, pelo menos, ocorrer durante o
processo eleitoral, encarado como uma sucessão de actos e formalidades de
diversa natureza pré-ordenados à formação e manifestação da vontade dos
eleitores, iniciado com a marcação da data para a realização das eleições, é
seguro que a acção em causa deve ser inequivocamente direccionada a um concreto
acto eleitoral.
Só nessas condições é que compete à CNE actuar positivamente, evitando a
ocorrência de situações que possam ofender a regularidade do processo eleitoral,
nomeadamente limitações intoleráveis à liberdade de realizar acções de
campanha, pois só assim se sente a especial exigência de intervenção de uma
entidade administrativa independente que assegure uma acção estatal isenta.
Daí que, por exemplo, os prazos de tramitação do recurso das deliberações da CNE
para o Tribunal Constitucional (artigo 102.º - B, n.º 2, 3 e 5, da LTC) sejam
muito curtos, dado que pressupõem que essas deliberações ocorrem no decurso de
um processo eleitoral o qual obedece a um calendarização apertada e rigorosa dos
múltiplos actos que o integram.
É verdade que os partidos políticos…desenvolvem acções de propaganda política na
sua actividade corrente, nas suas diferentes formas, visando a difusão das suas
ideias e posições políticas, com o objectivo de determinar o posicionamento e a
opinião política dos cidadãos, independentemente de se encontrarem marcados
actos eleitorais. Admite-se, por isso, que, mesmo quando essas acções ocorrem em
períodos em que não se encontra em curso qualquer processo eleitoral, tal como
sucede com as acções visadas pela deliberação recorrida, as mesmas possam ter
uma influência longínqua no comportamento que os cidadãos venham a adoptar em
actos eleitorais futuros.
Contudo, tais acções, ao não serem direccionadas para um determinado acto
eleitoral, não se inserindo em qualquer processo específico de formação e
manifestação da vontade eleitoral a exprimir nesse acto concreto, não estão
incluídas na área de competência da CNE acima delimitada…”.
Tendo as deliberações recorridas ordenado às Câmaras Municipais de Óbidos e de
Vila do Conde a reposição em espaço público de estruturas destinadas à afixação
de propaganda política, sem que nelas se encontrasse ainda colocada qualquer
mensagem direccionada a um concreto acto eleitoral, tais deliberações incidiram
sobre matéria não compreendida nas competências da CNE, pelo que a fundamentação
adoptada na decisão acima transcrita é totalmente transponível para os presentes
recursos, o que determinaria que fossem declaradas nulas as deliberações da
Comissão Nacional de Eleições, com a consequente procedência dos recursos
apresentados pelas Câmaras Municipais de Óbidos e Vila do Conde.
João Cura Mariano
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido. Conheceria do objecto dos recursos, muito sumariamente, pelas seguintes
razões:
Entendo, como o acórdão, que o âmbito do conceito de actos de administração
eleitoral para efeitos da delimitação da competência do Tribunal não pode ser
feita à margem das razões atributivas dessa competência, nem do regime
processual do recurso previsto no artigo 102.º-B da LTC, pelas razões
mencionadas no acórdão n.º 471/2008. Mas divergi na qualificação dos actos
impugnados, desde logo porque faço deles uma interpretação diferente.
Com efeito, as deliberações impugnadas surgiram na sequência de queixa
apresentada pelos partidos políticos contra-interessados por remoção indevida de
estruturas destinadas, segundo o que os reclamantes assumem (cfr. fls. 43 e fls.
143) e é credível face à sequência de actos eleitorais legalmente previsíveis,
como destinadas a suportar propaganda eleitoral relativa às eleições a realizar
em 2009. Foram proferidas já depois do Decreto do Presidente da República n.º
25/2009, de 24 de Março, que fixou o dia 7 de Junho do corrente ano para a
eleição dos deputados ao Parlamento Europeu eleitos em Portugal. Com esse acto
deu-se início ao processo eleitoral, relativamente ao qual a CNE exerce as suas
competências, nos termos do artigo 16.º da Lei n.º 14/87, de 19 de Abril.
Competência de intervenção num processo relativo a propaganda eleitoral que a
CNE representou estar a exercer, na medida em que remete para “Informação” dos
serviços que expressamente se sustenta competir à Comissão intervir, conforme
prescrevem as alíneas b) e d) do artigo 5.º da Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro,
para assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos em todas as operações
eleitorais e a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas
e a normal actividade da propaganda eleitoral pelos partidos e garantir que a
administração, maxime os órgãos das autarquias locais, não proíbam, pela prática
administrativa o exercício do direito de expressão através de afixação de
propaganda (cfr. n.º I, da “Nota Informativa” para que os actos recorridos
remetem).
Assim, a meu ver, os actos em apreciação não podem deixar de ser interpretados,
atendendo ao seu teor literal, ao seu tipo legal e às circunstâncias
procedimentais e temporais que rodearam a sua prática, como visando exercer as
competências da CNE quanto a fazer observar o respeito pela liberdade de
propaganda eleitoral no âmbito do concreto procedimento eleitoral já em curso.
A tanto não obsta o facto de ainda não se ter iniciado o período de
campanha eleitoral, nos termos do artigo 10.º da Lei n.º 14/87. Com efeito, a
Lei n.º 26/99, de 3 de Maio, veio reconhecer e tutelar como actividades de
propaganda eleitoral as que se desenvolvem a partir da publicação do decreto a
convocar as eleições (a comummente designada pré-campanha). Desde a data da
marcação das eleições (artigo 1.º), os partidos políticos ou coligações e os
grupos de cidadãos, tratando-se de acto eleitoral (a hipótese que agora
interessa), têm direito a efectuar livremente e nas melhores condições a sua
propaganda, devendo as entidades públicas proporcionar-lhes igual tratamento,
salvas as excepções previstas na lei (artigo 2.º). Era, como referem Maria de
Fátima Abrantes Mendes e Jorge Miguéis, Lei Eleitoral da Assembleia da
República, 4.ª reedição, p. 72, um período gerador de frequentes situações de
conflito entre as forças políticas e as entidades públicas. As normas
definidoras da competência da CNE, como “órgão regulador” que existe,
essencialmente, para assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos e das
candidaturas, quer em actos antecedentes dos procedimentos eleitorais (Jorge
Miranda, Manual, VII, 286), designadamente a alínea d) do artigo 5.º da Lei n.º
71/78, de 27 de Dezembro, tem de ser objecto de interpretação actualista em
conformidade.
Assim, valem relativamente aos actos impugnados, destinados a fazer
observar o que o órgão de administração eleitoral (elemento orgânico) entende
ser exigido pelo respeito dos princípios de direito eleitoral relativamente a
acções de propaganda (elemento material) no âmbito de um procedimento eleitoral
em curso (elemento temporal), as razões de celeridade, certeza e relevância
democrática (cfr. artigo 113.º, n.º 3, da CRP) que justificam que a competência
para apreciar a respectiva legalidade caiba ao Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea f) do artigo 8.º e do artigo 102.º‑B da LTC.
A circunstância de os actos em causa terem tomado como pressuposto
ocorrências anteriores à marcação do acto eleitoral, pretendendo agir
retrospectivamente sobre factos ocorridos em data anterior à marcação das
eleições, respeita a um requisito de validade do acto, não a um dos seus
elementos caracterizadores como acto de administração eleitoral. Pode implicar
incompetência ratione temporis ou, noutra qualificação do mesmo vício, violação
do disposto nos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 26/99, de 3 de Maio, com a
consequente invalidade do acto, aspecto que, atendendo à decisão que se formou,
não exige aqui compromisso definitivo.
Vítor Gomes
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido pelas razões expostas no Acórdão n.º 312/08 e no voto de vencido
aposto no Acórdão n.º 471/08, transponíveis para a situação dos autos, no que
importa à competência do Tribunal Constitucional para conhecer dos recursos
interpostos das deliberações da Comissão Nacional de Eleições. No que toca ao
fundo determinaria a procedência dos recursos e a anulação dos actos impugnados
por afectado do vício de incompetência da Comissão Nacional de Eleições.
Entrelinhei: “deliberações da”.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Fiquei vencido, quanto ao não conhecimento, pelas razões aduzidas na
fundamentação do Ac. 312/08, que subscrevi.
Não se poderá, na minha perspectiva, comparar a tese que fez vencimento nesse
aresto com a constante no Ac. 471/08, porquanto, ao contrário do que sucedia
neste último, nos presentes autos, como na consubstanciação valorativa, atinente
ao aludido Ac. 312/08, os actos impugnados detinham, pela matéria sobre que
incidiam, a “aparência formal” e a “configuração externa” do acto impugnável,
nos termos dos artigos 8º alínea f) e 102-B da LTC.
J. Borges Soeiro