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Processo n.º 157/09
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. A., Lda., Reclamante nos presentes autos em que figuram como Reclamados B. e
Outros, inconformada com o despacho do Relator junto do STJ que julgou
inadmissível a revista que havia tentado interpor, deduziu reclamação do mesmo,
dirigida ao Presidente daquele Tribunal, ao abrigo do artigo 688.º do CPC. O
Vice-Presidente, por despacho de 20 de Setembro de 2008, decidiu não conhecer de
tal reclamação dado a mesma não ser legalmente admissível nos termos dos artigos
688.º e 689.º do CPC. Por requerimento entrado em 28 de Outubro de 2008, a
Reclamante requereu então a rectificação da referida reclamação, sustentando que
a mesma se deveria ter como enquadrada pelo artigo 700.º, n.º 3, do CPC, isto é,
como reclamação para a conferência. Tal pretensão foi objecto de novo
indeferimento por despacho do Vice-Presidente do STJ proferido em 13 de Novembro
de 2008.
Pretende então A., Lda interpor recurso de fiscalização concreta, ao abrigo do
artigo 70.º, n.º 1, alíneas b), e f), da Lei do Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
“(…)
Para apreciação da inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma do n° 1 do
artigo 678° do Código de Processo Civil, na interpretação perfilhada nos
presentes pelo Tribunal ora recorrido, segundo a qual, em caso de cumulação de
acções de vários Autores contra a mesma Ré, o valor atendível para efeito de
recurso, mesmo que a recorrente seja esta última, não é o valor da causa mas
antes o valor dos pedidos deduzidos individualmente por cada um deles,
E, bem assim, da alínea d) do n° 1 do artigo 668° do mesmo diploma, na
interpretação do Tribunal recorrido, que não permite, em qualquer caso, o
respectivo conhecimento oficioso em momento posterior e pelo Tribunal superior,
Em qualquer dos casos por manifesta violação do direito a uma tutela
jurisdicional efectiva, estatuído no artigo 20° da Constituição da República,
Do direito a um processo equitativo, assegurado pela norma do n° 4 do mesmo
artigo da Constituição,
E ainda por clara violação dos mais elementares princípios de interpretação da
lei, vertidos no artigo 9° do Código Civil,
Inconstitucionalidades e ilegalidades que a recorrente suscitou em sede de
audiência prévia prevista no artigo 704° do Código de Processo Civil, e,
posteriormente de reclamação de não admissão do recurso de revista.”
2. Na sequência de novo requerimento pelo qual dirigiu o recurso de
constitucionalidade ao Conselheiro Relator do STJ (assim corrigindo o
requerimento anterior de interposição do recurso que havia sido dirigido ao
Presidente daquele Alto Tribunal), foi proferido despacho de não admissão do
recurso com os fundamentos a seguir transcritos:
“Atento o disposto no artigo 700.º, n.º 3 do CPC – e porque estava em causa um
despacho de rejeição do recurso prolatado já pelo respectivo relator do S.T.J –
impunha-se que a parte contra ele reagisse através de reclamação para a
conferência.
Não foi essa, porém, a via seguida pela ora recorrente que, ao invés, utilizou o
mecanismo da reclamação para o Exmo. Presidente deste Tribunal.
Tal reclamação foi indeferida, como igualmente o foi o pedido de ‘convolação’ da
mesma para reclamação para a conferência.
Por via dessa anómala tramitação, transitou, há muito, o sobredito despacho de
rejeição do recurso de revista.
Assim, mostrando-se também transcorrido o prazo previsto no artigo 75.º n.º 1 da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, não admito o recurso para o Tribunal
Constitucional.”
3. Vem então deduzida a presente reclamação, nos termos do artigo 78.º, n.º 4,
da Lei do Tribunal Constitucional, apresentando a mesma, nomeadamente, o
seguinte teor:
“ (…) Na verdade, a reclamação do despacho de não admissão do recurso e um
subsequente pedido de rectificação daquela, ambos apresentados no prazo legal de
dez dias, constituem, salvo o devido respeito por melhor opinião, procedimentos
que impedem o trânsito em julgado da referida decisão, por força ora do disposto
no n° 2 do art. 666°, ora do art. 688°, ora do art. 700.º, n° 3, todos do Código
de Processo Civil.”
4. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal pronunciou-se no
sentido da improcedência da reclamação, dizendo o seguinte: “(…) o recurso de
fiscalização concreta nunca poderia ser reportado a uma decisão singular do
relator, mas antes ao acórdão de conferência, proferido na sequência de
pertinente reclamação, deduzida nos termos do n.º 3 do artigo 700.º do CPC – que
a ora reclamante estava obrigada a esgotar, como condição de admissibilidade do
recurso para este Tribunal. E, como é evidente, não lhe pode aproveitar o erro
processual ostensivo, consistente em supor que seria possível ‘reclamar’ para o
Presidente do Tribunal Superior de uma decisão proferida sobre o recurso, já no
âmbito do Supremo Tribunal de Justiça.”
Notificados desse parecer, os Reclamantes vieram dizer:
“O douto parecer do Ministério Público padece, salvo o devido respeito, duma
visão restritiva e formalista do nosso normativo processual civil, próxima,
aliás, da perfilhada pelo autor do despacho em reclamação.
Efectivamente,
E com a mesma facilidade e frontalidade, com que imputa à reclamante um erro
processual ostensivo, talvez o Exmo. Procurador devesse pronunciar-se sobre o
teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1996, citado
pela reclamante e que considera este género de ‘erro processual ostensivo’ como
‘meras questões de incompetência relativa ou meras razões de forma
despiciendas.’ (sublinhado nosso).
Em boa verdade,
A questão cuja clarificação se impõe não se resume à de saber se a actuação
processual da reclamante foi a mais adequada, mas também, ou mesmo
principalmente, de esclarecer se o Supremo Tribunal andou bem ao recusar tomar
conhecimento da reclamação, e, bem assim, ao recusar o subsequente pedido de
rectificação da mesma.
Por outro lado,
Considera ainda o Ministério Público que o interposto recurso de fiscalização
concreta ‘nunca poderia ser reportado a uma decisão singular do relator, mas
antes ao acórdão da conferência proferido na sequência da pertinente
reclamação.’
Não se vislumbra, de igual modo, que este entendimento possa ser acolhido, face
ao disposto no n° 4 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, que
equipara ao esgotamento dos recursos ou reclamações que no caso caberiam os
casos de renúncia ou decurso do prazo sem a respectiva interposição, ou ainda,
precisamente como na situação ‘sub judice’, aqueles em que os ‘recursos
interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual.’ ”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Adiante-se desde já que a reclamação deduzida carece manifestamente de
fundamento. Vejamos.
O conhecimento de recursos interpostos ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional, como sucede nos autos, depende da prévia
verificação de vários requisitos, nomeadamente a suscitação, pelo recorrente, de
inconstitucionalidade de uma norma durante o processo, constituindo essa norma o
fundamento da decisão recorrida, bem como o prévio esgotamento dos recursos
ordinários. Os mesmos requisitos são aplicáveis relativamente aos recursos
interpostos ao abrigo da alínea f), da mesma norma, respeitando a ilegalidades
normativas com fundamento em violação de lei com valor reforçado ou em estatuto
de região autónoma. No caso dos autos, e como foi referido pelo Exmo. Magistrado
do Ministério Público, o recurso de constitucionalidade só poderia ser
interposto depois de esgotados os recursos ordinários.
Ora, não tendo os Reclamantes interposto reclamação para a conferência, mas sim
para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, verifica-se que os mesmos
lançaram mão de meio processual anómalo que, no entanto, não releva para efeitos
de preenchimento do requisito atinente ao esgotamento dos recursos ordinários,
como impõe o artigo 70.º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional. Assim, e
como também concluiu o Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça no seu
despacho de rejeição do recurso, a decisão de que a Reclamante pretendia
interpor recurso havia já transitado em julgado. Como se escreveu no Acórdão n.º
210/2008, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, “a dedução de incidentes
processuais anómalos, designadamente pós‑decisórios, não previstos no
ordenamento jurídico, não tem a virtualidade de suspender ou interromper o prazo
de impugnação de decisões judiciais.”
III – Decisão
6. Nestes termos, acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal
Constitucional, indeferir a presente reclamação.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) UC.
Lisboa, 2 de Abril de 2009
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos