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Processo n.º 310/2009
Plenário
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional
I- Relatório
1. A CDU/Madeira, por comunicação datada de 13 de Abril de 2009, requereu à
Comissão Nacional de Eleições (CNE) a reposição da propaganda que havia sido
colocada em espaço público e que se inseria na pré-campanha para as eleições
europeias, e que fora retirada, sem qualquer comunicação prévia, pela Câmara
Municipal de São Vicente.
Notificada para se pronunciar sobre o pedido, a Câmara Municipal de São Vicente
informou que a remoção da estrutura de suporte à propaganda politica utilizada
pela CDU foi determinada por razões urgentes de segurança pública e circulação
viária, com fundamento em violação do disposto nos nºs 2, 11 e 12 do artigo 39°
do Regulamento Geral de Estradas e Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n.º
2110, de 19 de Agosto de 1961, conjugados com o disposto na alínea d) do n.º 1
do artigo 4° e n.º 1 do artigo 6° da Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, alegando
ainda que a mensagem de propaganda política não era direccionada especificamente
ao próximo acto eleitoral e fora colocada fora do período de campanha eleitoral,
tratando-se, como tal, de matéria que se encontra excluída do âmbito de
competências da CNE.
A CDU Madeira contestou as razões de segurança pública e circulação viária que
foram invocadas e alegou que a instalação da propaganda não interfere com a
sinalização do tráfego automóvel, nem prejudica a visibilidade, e não constitui
qualquer perigo ou obstáculo para a circulação.
Na sequência, a Comissão Nacional de Eleições determinou a reposição da
propaganda política, através da deliberação de 21 de Abril de 2009, do seguinte
teor:
Encontra-se cometida à Comissão Nacional de Eleições a competência específica
para assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das
candidaturas (alínea d), do artigo 5º da Lei nº 71/78, de 27 de Dezembro);
Como referiu o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 605/89, o controlo da CNE
é exercido «não apenas quanto ao acto eleitoral em si mas de forma abrangente de
modo a incidir também sobre a regularidade e a validade dos actos praticados no
decurso do processo eleitoral».
Tendo presente que a lei considera como 'despesas de campanha eleitoral as
efectuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral, dentro dos
seis meses imediatamente anteriores à data do acto eleitoral respectivo”,
estabelecendo, assim, um período que delimita a elegibilidade das despesas com
as acções de propaganda dirigidas a um acto eleitoral (artigo 19º da Lei nº
19/2003, de 20 de Junho).
Considerando que o âmbito temporal fixado nesta lei para a realização das
despesas em proveito de uma campanha eleitoral é um período em que já se
preparam e promovem candidaturas e que, de entre os objectivos que a lei do
financiamento pretende atingir, se regista, no que interessa à presente matéria,
o de assegurar uma igualdade entre as candidaturas, formalizadas ou não, quanto
à acção de promoção e propaganda eleitoral. Tendo presente que o período de seis
meses anterior à data do acto eleitoral é perfeitamente determinável no que
respeita aos actos eleitorais que se realizam no final do mandato dos titulares
dos diversos órgãos, contabilizando-se o mesmo por referência ao último dia em
que é possível legalmente realizar-se a eleição.
Considerando que a CNE deve garantir que a propaganda realizada pelas forças
políticas dirigida a um determinado acto eleitoral, durante o referido período
de 6 meses, seja protegida pelo princípio da igualdade em todas as suas
vertentes.
Considerando, ainda, que muito recentemente o Tribunal Constitucional veio
consagrar no Acórdão nº 312/2008 que 'É a especial preocupação em assegurar que
estes actos (eleições e referendos), de crucial importância para um regime
democrático, sejam realizados com a maior isenção, de modo a garantir a
autenticidade dos seus resultados, que justifica a existência e a intervenção da
CNE, enquanto entidade administrativa independente'.
Considerando, ainda, que o Tribunal Constitucional, no caso analisado naquele
acórdão, concluiu que as acções desenvolvidas em período fora do calendário de
qualquer processo eleitoral ou referendário, com mensagens não direccionadas
para um determinado acto eleitoral, não estavam incluídas na área de competência
da CNE.
Tendo presente que, nos casos em apreço relatados na nota que acompanha o
processo, estamos perante acções de propaganda inseridas num determinado
processo eleitoral – o da eleição do Parlamento Europeu.
Considerando que este processo eleitoral se encontra já em curso, tendo sido
fixado, por Decreto do Presidente da República, o dia 7 de Junho para a
realização da eleição e que, por se tratar no caso concreto de uma acção de
propaganda desenvolvida em período eleitoral está a mesma também protegida pelas
normas eleitorais.
Considerando que a CNE deve acautelar a normal actividade da propaganda
eleitoral e garantir que a administração, em particular, os órgãos das
autarquias locais, não proíbam, pela prática administrativa, o exercício do
direito de expressão através da realização de propaganda. Tendo presente que no
exercício das suas competências a CNE tem sobre os órgãos e agentes da
Administração os poderes necessários ao cumprimento das suas funções (artigo 7º
da Lei nº 71/78).
Considerando, ainda, que conforme se conclui naquela nota informativa: - Os
órgãos autárquicos não têm competência para regulamentar o exercício da
liberdade de propaganda, cabendo-lhes apenas a emissão de normas de mera
execução da lei e que só a Assembleia da República pode proceder à sua
regulação, considerando-se que qualquer introdução no ordenamento jurídico de
uma disciplina inovadora nesta matéria opera uma intervenção ilegítima na
liberdade de propaganda.
- A norma do Regulamento Municipal de S. Vicente que exige comunicação prévia
para a afixação ou inscrição de propaganda introduz uma restrição à liberdade de
propaganda, contrariando o que está estipulado na Lei nº 97/88.
- A propaganda política é livre, não podendo o seu exercício, na medida em que
decorre da liberdade de expressão, ser condicionado por parte de qualquer
entidade pública ou privada e pode ser desenvolvida livremente fora ou dentro
dos períodos eleitorais, com ressalva das proibições e limitações expressamente
previstas na lei.
- O cartaz da CDU, em causa no presente processo, se insere num determinado
processo eleitoral – o da eleição do Parlamento Europeu – e, por isso,
especialmente protegido pelas normas eleitorais.
Só poderá ser colocado impedimento à realização de propaganda política, através
da invocação de qualquer alínea do nº 1 do artigo 4º da Lei nº 97/88, quando, no
âmbito de um caso em concreto, tal for determinado por tribunal competente ou os
interessados, depois de ouvidos e com eles fixados os prazos e condições de
remoção, o não façam naqueles prazos e condições, sem prejuízo do direito de
recurso que a estes assista.
- No caso concreto, resulta que o referido cartaz da CDU não impede a
visibilidade do sinal de trânsito, pois está colocado atrás do sinal e
posicionado numa direcção diferente daquela a que o sinal de trânsito se dirige.
Assim, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 7º da Lei nº 71/78, de 27 de
Dezembro, notifique-se o Senhor Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente
para, no prazo de 48 horas, repor a propaganda da CDU removida, sob pena de, não
o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º
do Código Penal.
A Câmara Municipal de São Vicente interpôs recurso desta deliberação para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102º-B da Lei do
Tribunal Constitucional, formulando a final as seguintes conclusões:
I -Em causa está uma mensagem de crítica da CDU à situação económica do Pais,
referindo-se à situação de crise, desemprego e injustiça, como forma de
propaganda politica não direccionada inequivocamente ao acto eleitoral para o
Parlamento Europeu;
II. A colocação do referido cartaz ocorreu no dia 8 de Abril, pelo que o
exercício da actividade de propaganda política situa-se temporalmente fora do
período de campanha eleitoral, o qual apenas tem início a 25 de Maio;
III. A colocação dos meios de propaganda em concreto é ilegal por violação do
disposto nos n°s 2, 11 e 12 do artigo 39.º do Regulamento Geral de Estradas e
Caminhos Municipais, aprovado pela Lei n.° 2110, de 19 de Agosto de 1961, bem
como a alínea d) do n° 1 do artigo 4.º da Lei n.° 97/88, de 17 de Agosto.
IV. Ao contrário do entendimento propugnado pela Comissão Nacional de Eleições,
acção de propaganda em causa não esta abrangida pelo seu âmbito de competências,
dado que, de acordo com o disposto na alínea d) do n°1 do artigo 5º da Lei nº
71/78, de 27 de Dezembro, a este órgão compete apenas assegurar a igualdade de
oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as campanhas
eleitorais.
V. Dado o carácter excepcional do regime vigente para este período não pode o
mesmo ser objecto de aplicação analógica à propaganda politica exercida fora
deste contexto, concluindo-se face ao princípio de legalidade de actuação, que a
Comissão Nacional de Eleições não detém qualquer competência nesta matéria.
VI. Nem a Lei que criou a Comissão Nacional de Eleições nem a Lei nº 97/88, de
17 de Agosto, habilitam este órgão ao exercido de poderes de controlo ou de
polícia administrativa fora dos períodos de campanha eleitoral.
Nestes termos, consubstanciando nos dispositivos legais em vigor deve a
deliberação da Comissão Nacional de Eleições ser declarada nula, seguindo-se os
ulteriores termos,
Cumpre apreciar e decidir
II – Fundamentação
2. Resulta dos elementos dos autos o seguinte:
a) Em data não determinada de Abril de 2009, a CDU Madeira instalou, num
entroncamento da vila de São Vicente, um cartaz de propaganda política com os
seguintes dizeres: «Crise – Desemprego – Injustiça. Para grandes males… grandes
remédios. Mais força à CDU. PCP/PEV»;
b) Em 8 de Abril de 2009, a Câmara Municipal de São Vicente efectuou a remoção
da propaganda invocando razões de segurança rodoviária e violação de disposições
legais;
c) Em 13 de Abril seguinte, a CDU Madeira apresentou uma participação à Comissão
Nacional de Eleições, por indevida remoção de materiais de propaganda relativos
às eleições para o Parlamento Europeu;
d) Por deliberação de 21 de Abril de 2009, a Comissão Nacional de Eleições
ordenou a notificação do presidente da Câmara Municipal de São Vicente, para, no
prazo de 48 horas, repor a propaganda da CDU;
e) Por Decreto do Presidente da República n.º 25/2009, de 24 de Março, a data
das eleições para o Parlamento Europeu foi designada para 7 de Junho de 2009;
f) As partes juntaram, no âmbito do procedimento administrativo e com o recurso
contencioso, os documentos de fls 10, 44, 58 a 60 e 62 e 63, que aqui se dão
como reproduzidos.
3. Além de invocar a ilegalidade da colocação de propaganda, no caso concreto,
designadamente por violação do disposto no artigo 5º, n.º 1, alínea f), da Lei
nº 71/78, de 27 de Dezembro, a recorrente suscita ainda a questão da competência
da Comissão Nacional de Eleições para ordenar a reposição da propaganda política
que fora removida pelos serviços camarários, invocando duas ordens de
considerações: a acção de propaganda não era, em concreto, direccionada ao acto
eleitoral para o Parlamento Europeu; a Comissão Nacional de Eleições não dispõe
de poderes de controlo ou de polícia administrativa fora dos períodos de
campanha eleitoral.
Esta é uma questão que interessa apreciar preliminarmente não só porque poderá
ter reflexo quanto à determinação dos pressupostos do conhecimento do objecto do
recurso, mas também porque uma eventual resposta afirmativa deixa prejudicada a
apreciação da questão de fundo, atinente à legalidade da ordem de reposição
dimanada daquele órgão de administração eleitoral.
A Comissão Nacional de Eleições é um órgão independente que funciona junto da
Assembleia da República e que exerce a sua competência relativamente a todos os
actos de recenseamento e de eleições para os órgãos de soberania, das regiões
autónomas e do poder local (artigo 1º da Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro),
competência que foi tornada extensiva, por força do disposto no artigo 16º da
Lei n.º 14/87, de 29 de Abril, às eleições de deputados para o Parlamento
Europeu.
Essa competência genérica encontra-se especificada no artigo 5º da Lei n.º
71/78, aí se incluindo os poderes necessários para «assegurar a igualdade de
tratamento dos cidadãos em todos os actos de recenseamento e operações
eleitorais» e «assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das
candidaturas durante as campanhas eleitorais» (alíneas b) e d)).
Neste ponto, a norma do artigo 5º, n.º 1, alínea d), dá concretização prática ao
princípio da igualdade de oportunidades e de tratamento das diversas
candidaturas, que constitui uma refracção do princípio da igualdade, e que a par
da liberdade de propaganda e do princípio da imparcialidade das entidades
públicas perante as candidaturas, integra um dos critérios gerais
constitucionalmente consagrados pelo qual se devem reger as campanhas eleitorais
(artigo 113º, n.º 3, alíneas a), b) e c), da Constituição).
Como referem Gomes Canotilho e Vital Moreira, os princípios sobre campanhas
eleitorais (salvo o relativo à fiscalização das contas eleitorais que consta da
alínea d)) já resultariam de outras normas constitucionais, especialmente do que
se dispõe sobre o direito de sufrágio (artigos 10º e 49º), pelo que a sua
inclusão no âmbito da organização do poder político, em vista à sua
individualização como princípios materialmente conformadores do processo
eleitoral, tem apenas o «significado útil de reforçar a sua eficácia no
respeitante às campanhas eleitorais, contemplando eventualmente alguns aspectos
específicos destas últimas» (Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª
edição, Coimbra, 1993, pág. 521).
No essencial, a Constituição pretende garantir institucionalmente a existência
de períodos pré-eleitorais formalmente definidos e especialmente destinados ao
esclarecimento e à mobilização eleitorais, assegurando aí, com especial
intensidade, um regime de direitos e liberdades (designadamente de expressão e
reunião) em relação aos concorrentes ao acto eleitoral (idem, pág. 520).
A questão que se coloca, no caso vertente – e que constitui o argumento central
que é invocado pelo recorrente para sustentar a incompetência da autoridade de
administração eleitoral para intervir na situação que é descrita nos autos -, é
a de saber se os poderes de regulação da CNE, no que se refere à igualdade de
oportunidades de acção e propaganda das candidaturas, se circunscreve apenas ao
estrito período da campanha eleitoral, como parece resultar do elemento literal
de interpretação («durante as campanhas eleitorais»), e não a nenhum outro
momento anterior.
Deve começar por dizer-se que as considerações formuladas no texto da
deliberação recorrida e na nota informativa em anexo para que ela remete, no
sentido de uma ampliação da competência da CNE em matéria eleitoral, para além
do especialmente previsto no artigo 5º da Lei n.º 71/78, não são de todo
procedentes.
A competência das entidades públicas e dos seus órgãos (aqui se incluindo as
autoridades administrativas independentes) é definida segundo um princípio de
legalidade, de tal modo que os poderes cujo exercício implica a produção de
efeitos na esfera jurídica de terceiros, afectando os seus direitos subjectivos
ou interesses legalmente protegidos, têm sempre de basear-se num determinado
título jurídico (Afonso Queiró, Dicionário Jurídico da Administração Pública,
vol. II, Coimbra Editora, 1972, págs. 524-525).
Acresce que este mesmo princípio de legalidade da competência administrativa
está legalmente consagrado no artigo 29º, n.º 1, do Código de Procedimento
Administrativo.
E, assim, a competência resulta sempre da lei e não pode presumir-se, apenas se
admitindo a existência de uma competência implícita quando seja possível inferir
de uma competência expressamente prevista outros poderes funcionais que nela se
devam necessariamente conter, por serem poderes pressupostos ou inerentes a
outros que estão legalmente conferidos (García de Enterria/Tomás-Ramón
Fernández, Curso de Derecho Administrativo, vol I, 5ª edição, Editorial Civitas,
Madrid, págs. 447-448; Marcelo Caetano, Manual de Direito Administrativo, I
vol., 10ª edição, Coimbra Editora, pág. 468; acórdão do STA de 5 de Março de
1996, processo n.º 38478, in Apêndices ao Diário da República, de 31 de Agosto
de 1998, pág. 1590).
Não é lícito, por isso, aceitar - como se pretende – uma extensão da competência
administrativa da CNE com base no âmbito temporal a que a lei reporta a
definição de despesas de campanha eleitoral.
De facto, no artigo 19º da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho, considera-se como
«despesas de campanha eleitoral as efectuadas pelas candidaturas, com intuito ou
benefício eleitoral, dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do
acto eleitoral respectivo»; mas essa disposição, embora tenha também em vista
dar concretização prática a um princípio de direito eleitoral (a fiscalização
das contas eleitorais e, desse modo, a garantia de um mínimo de igualdade de
condições financeiras nas campanhas eleitorais – artigo 113º, n.º 3, alínea d),
da Constituição), nada tem a ver com a competência da CNE, que está excluída de
qualquer intervenção reguladora no regime de financiamento das campanhas
eleitorais (cfr. artigo 46º da Lei Orgânica n.º 2/2005, de 10 de Janeiro).
E não é possível inferir dessa norma uma ampliação da competência definida no
artigo 5º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 71/78 (circunscrita ao período de
campanha eleitoral) para quaisquer actos de propaganda política que se encontrem
já abrangidos por esse regime de financiamento.
Sucedendo que esse preceito é, além disso, justificado por razões pragmáticas
que permitam às candidaturas preparar com antecedência a sua participação na
campanha eleitoral, que não são transponíveis para a delimitação do âmbito
temporal em que opera o exercício de competências da Comissão Nacional de
Eleições que se encontra circunscrito às incidências do processo eleitoral.
Do mesmo modo não tem, para esse efeito, qualquer relevo o que se estabelece na
Lei n.º 26/99, de 3 de Maio, que faz reportar ao momento da publicação do
decreto que marca a data do acto eleitoral, a aplicação dos princípios
reguladores da propaganda e a obrigação de neutralidade das entidades públicas.
O que aí essencialmente se prevê é um reforço do princípio de igualdade de
oportunidades e de tratamento das diversas das candidaturas e do princípio da
neutralidade e da imparcialidade das entidades públicas, mediante a extensão da
aplicação desses princípios de direito eleitoral à própria fase de pré-campanha,
entendendo-se esta como iniciada a partir do acto de marcação da data das
eleições. O regime legal dirige-se, no entanto, aos titulares de cargos
políticos e à Administração Pública em geral, impondo-lhes um dever de
atribuição de iguais facilidades a todos os candidatos para a suas acções de
propaganda e um dever de abstenção de quaisquer atitudes que favoreçam ou
prejudiquem uma candidatura. Não contém uma qualquer regra de alargamento das
competências que estão atribuídas, nesse âmbito, à CNE (a que a lei, aliás, nem
sequer alude), que continua a regular-se pelo disposto no citado artigo 5º da
Lei n.º 71/78.
Não podendo considerar-se verificada uma qualquer extensão da competência da
CNE, com os invocados fundamentos, a questão que se coloca é unicamente a de
saber se aquela disposição legal, apesar da sua formulação verbal, pode
interpretar-se como abrangendo as acções de propaganda realizadas no decurso do
procedimento eleitoral, e, portanto, após a marcação da data das eleições.
Importa aqui ter presente os próprios termos em que a lei confere ao Tribunal
Constitucional a competência para conhecer dos recursos interpostos dos actos da
CNE.
O artigo 8.º, alínea f), da LTC, sob a epígrafe “Competência relativa a
processos eleitorais”, atribui ao Tribunal Constitucional competência para
«julgar os recursos contenciosos interpostos de actos administrativos
definitivos e executórios praticados pela Comissão Nacional de Eleições ou por
outros órgãos da administração eleitoral» (segundo a actual terminologia do
artigo 268º, n.º 4, da Constituição, a norma deve entender-se como referindo-se
a quaisquer actos administrativos que lesem direitos ou interesses legalmente
protegidos – cfr., também, o artigo 51º, n.º 1, do Código de Processo nos
Tribunais Administrativos).
O artigo 102.º-B da LTC, por sua vez, regula o processo relativo aos “Recursos
de actos de administração eleitoral”, ou seja, recursos de deliberações da
Comissão Nacional de Eleições (n.ºs 1 a 6) e recursos de decisões de outros
órgãos da administração eleitoral (n.º 7).
Tomando por base o assim estatuído, o acórdão n.º 471/08, ainda que a propósito
de uma questão distinta, explanou o seguinte:
Ao Tribunal Constitucional é, assim, atribuída competência, em termos amplos,
para apreciar os recursos de deliberações da Comissão Nacional de Eleições que
consubstanciem actos de administração eleitoral. Mas a determinação exacta do
âmbito deste conceito, neste específico contexto normativo, não pode ser feita à
margem das razões atributivas dessa competência, nem do regime processual do
recurso previsto no artigo 102.º-B da LTC.
As eleições, em particular as directas, por sufrágio universal, constituem um
procedimento complexo, integrado por uma pluralidade de actos que se sucedem no
tempo. E é bem certo que a administração eleitoral tem um objecto mais amplo do
que o acto eleitoral em sentido estrito, entendido como o processo de votação e
o apuramento do seu resultado. Há todo um conjunto de operações, jurídicas e
materiais, que antecedem (a partir da marcação das eleições) e se sucedem a esse
acto, e que a ele estão teleologicamente ligadas. Todas são matéria eleitoral,
em sentido amplo.
Mas isso não significa que todas caibam dentro do poder jurisdicional que o
artigo 102.º-B, da LTC, atribui ao Tribunal Constitucional.
Esse poder funda-se, em última instância, na defesa dos valores constitucionais
da “regularidade e validade dos actos de processo eleitoral”. Como se escreveu
no Acórdão n.º 14/98, em orientação retomada pelo Acórdão n.º 472/98: “(…) a
intervenção do Tribunal Constitucional no processo eleitoral visa,
fundamentalmente, assegurar a genuinidade da expressão da vontade política dos
eleitores no acto eleitoral (…) Obtida essa expressão, ou, dito de outro modo,
apurado o resultado final da votação, não subsistem razões para persistir a
intervenção do Tribunal Constitucional no processo eleitoral, tudo se
reconduzindo aos parâmetros normais do contencioso administrativo.»
O que se tem em vista é garantir que o acto eleitoral produza os efeitos que a
vontade popular determinou.
Sendo de manter este entendimento, não poderá ainda perder-se de vista, na
determinação da competência jurisdicional do Tribunal Constitucional em matéria
eleitoral, que o prazo para a interposição de recurso é de um dia a contar da
data do conhecimento pelo recorrente da deliberação impugnada e o processo segue
uma tramitação abreviada, com possibilidade de dispensa de audição dos
contra-interessados e de constituição de advogado, e de especial celeridade,
tendo em conta a exigência de emissão de decisão em prazo curto (não superior a
três dias), em ordem a assegurar a utilidade da decisão (artigo 102º-B, n.ºs 2,
4 e 5).
Vê-se que os actos de administração eleitoral que são passíveis de recurso para
o Tribunal Constitucional são aqueles que se referem a situações de especial
urgência que carecem de uma imediata tutela jurisdicional, por respeitarem ao
exercício, em tempo útil, de direitos, liberdades ou garantias que são
especialmente aplicáveis no âmbito de um procedimento eleitoral.
Nesse sentido aponta também o disposto na Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto
(alterada pela Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto), que rege a afixação e
inscrição de mensagens de publicidade e propaganda, e que estabelece critérios
de exercício das actividades de propaganda que contendem com vários aspectos
relacionados com o urbanismo, o ambiente ou o património arquitectónico, ou
ainda com a segurança rodoviária (artigo 4º), e que remetem para as câmaras
municipais a competência para definir os prazos e condições de remoção dos meios
de propaganda (artigo 6º, n.º 2). O que este regime legal, desde logo, inculca é
que, fora dos períodos de campanha eleitoral, a litigiosidade atinente à
propaganda política (incluindo as acções de impugnação que tenham por objecto a
remoção de propaganda) integra o contencioso administrativo e está atribuída à
competência dos tribunais dessa ordem de jurisdição (sobre a constitucionalidade
das soluções normativas da Lei n.º 97/88, cfr. acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 636/95).
Neste contexto, tudo indica que o legislador não pretendeu mais do que
circunscrever a intervenção da CNE, em matéria de igualdade de oportunidades das
candidaturas (e também a competência jurisdicional do Tribunal Constitucional),
aos actos de administração eleitoral que estão directamente relacionados com a
realização do acto eleitoral e o apuramento dos resultados e ainda o período
pré-eleitoral formalmente definido como destinado aos esclarecimento dos
eleitores.
No entanto, a doutrina tem convergido, com alguma consistência, no sentido de
que os princípios gerais de direito eleitoral constitucionalmente consagrados
«abrangem todo o processo eleitoral (eleições e a preparação das eleições)»,
sendo especialmente relevantes, nesse plano, os direitos referidos à campanha
eleitoral – como a igualdade das candidaturas e a imparcialidade das autoridades
públicas perante elas –, que se entende não poderem limitar-se aos períodos de
campanha propriamente ditos, mas que devem reportar-se a todo o procedimento
eleitoral (Gomes Canotilho/Vital Moreira, ob. cit., págs. 518 e 521; em idêntico
sentido, parecem pronunciar-se Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição
Portuguesa Anotada, Tomo II, Coimbra Editora, 2006, pág. 285).
Na mesma linha de entendimento, também Jorge Miranda afirma que a Comissão
Nacional de Eleições «existe, essencialmente, para assegurar a igualdade de
tratamento dos cidadãos e das candidaturas, quer em actos antecedentes dos
procedimentos eleitorais, quer durante as campanhas eleitorais (artigo 5º da Lei
n.º 71/78)» (Manual de Direito Constitucional, Tomo VII, Coimbra Editora, 2007,
pág. 286). E o Tribunal Constitucional tem também dado guarida, de algum modo, a
esta posição, ao consignar que algumas das tarefas da CNE 'concretizar-se-iam na
prática de actos jurídicos com eficácia externa que teriam a ver, nomeadamente,
com a ordenação de cada processo eleitoral (lato sensu) e com a participação
das diversas candidaturas em presença» (acórdão n.º 165/85), e ao caracterizar
«o controlo da CNE não apenas quanto ao acto eleitoral em si, mas de forma
abrangente de modo a incidir também sobre a regularidade e validade dos actos
praticados no decurso do processo eleitoral» (acórdão n.º 605/89).
O princípio da unidade do procedimento eleitoral – considerando que ele inclui o
acto eleitoral e os actos preparatórios das eleições, todos eles informados
pelos princípios gerais de direito eleitoral consagrados em diversas disposições
constitucionais (artigos 10º, 49º e 113º) - pode, portanto, conduzir a uma
interpretação extensiva do disposto no artigo 5º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º
71/78, em termos de considerar que o conceito de campanha eleitoral aí descrito
pode abranger todos os actos de propaganda eleitoral que se realizem já após a
marcação da data das eleições.
4. Não é relevante, neste plano, que a acção de propaganda em causa possa não
apresentar, como vem alegado pela recorrente, um conteúdo direccionado
inequivocamente para as Eleições para o Parlamento Europeu.
A Constituição não define o conceito de propaganda eleitoral e não o define,
designadamente, no artigo 113º, n.º 3, alínea a), que estabelece o princípio da
liberdade de propaganda. Porém, como esclarecem Gomes Canotilho e Vital Moreira,
dada a «função democrática instrumental desta propaganda para a genuidade do
acto eleitoral, a densificação do conceito tem de abranger todas as actividades
que, directa ou indirectamente, tenham como finalidade a promoção das
candidaturas. Trata-se, pois, de um conceito material (e não de um conceito
subjectivamente determinado, que poderia restringir o âmbito de propaganda a
certas pessoas ou entidades), que abrange actividades do mais diverso conteúdo
(desde publicação de textos, imagens, conferências, espectáculos, comícios,
desfiles, etc.)» (ob. cit., pág. 521).
O que importa reter é que a Constituição estabelece, como princípio de direito
eleitoral, a liberdade de propaganda, que se entende aplicável, como vimos, às
campanhas e pré-campanhas eleitorais, e que constitui uma manifestação
particularmente intensa da liberdade de expressão, e que envolve, numa dimensão
negativa, por efeito da obrigação de neutralidade da Administração, «o direito à
não interferência no desenvolvimento da campanha levada a cabo por qualquer
candidatura» (Jorge Miranda/Rui Medeiros, ob. cit., Tomo II, pág. 286).
Como é bem de ver, a liberdade de propaganda implica, ela própria, a
impossibilidade de intromissão da Administração em relação aos conteúdos e
finalidades da mensagem de propaganda e à sua adequação em relação à função de
esclarecimento e mobilização a que se destina.
No caso concreto, é patente que a mensagem publicitada pela CDU Madeira tem um
conteúdo de propaganda política, foi colocada já após a designação da data para
as eleições para o Parlamento Europeu, e dada a proximidade temporal com o acto
eleitoral, tem de ser entendida como uma mensagem política destinada a
influenciar, ainda que indirectamente, o eleitorado quanto ao sentido de voto.
Pelo que sempre se justificaria a intervenção da Comissão Nacional de Eleições
quando está em causa a remoção dessa propaganda.
Tudo o que precedentemente se expôs será suficiente para qualificar o acto
administrativo em causa como um acto de administração eleitoral, que é passível
de recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos do disposto no artigo
102º-B da LTC, e para o qual, tendo sido praticado já em fase de pré-campanha
eleitoral, a CNE dispõe de competência administrativa.
4. Nada obsta a que se passe, nestes termos, à apreciação da matéria de fundo.
A Câmara Municipal de São Vicente efectuou a remoção da propaganda política
utilizada pela CDU invocando razões urgentes de segurança pública e circulação
viária, por virtude da estrutura metálica de suporte ter sido colocada junto a
um entroncamento, obstruindo a visibilidade da sinalética viária existente, e,
designadamente, de um sinal de perigo de aproximação de via sem prioridade.
Por seu lado, a autoridade recorrida fundamentou a sua deliberação no
entendimento de que o material de propaganda não impedia a visibilidade do sinal
de trânsito, pois estava colocado atrás do sinal e posicionado numa direcção
diferente da do sinal de trânsito, entendimento que foi, de resto, sufragado
pelo contra-interessado no exercício do seu direito de audição no âmbito do
procedimento administrativo.
O que aqui está em causa é, pois, a aplicação de um dos critérios do exercício
das actividades de propaganda, a que se refere o artigo 4º, n.º 1, alínea d), da
Lei n.º 97/88, e que impõe que a propaganda não afecte «a segurança das pessoas
ou das coisas, nomeadamente a circulação rodoviária ou ferroviária».
Face aos elementos dos autos, e apesar de o material de propaganda se encontrar
colocado próximo de um dispositivo regulador de trânsito, pelo seu
posicionamento, não é evidente que ele prejudique a visibilidade da sinalização
e impeça que os utentes da via possam adoptar as precauções necessárias à
aproximação de um entroncamento.
Não podendo caracterizar-se, nesse circunstancialismo, pelo menos de uma forma
precisa, uma situação de perigo para a segurança rodoviária.
É relevante notar que os critérios estabelecidos no referido dispositivo legal
são definidos, não tanto como proibições absolutas, mas antes como objectivos a
prosseguir pelos interessados no exercício das actividades de propaganda (cfr.
proémio do artigo 4º), e a própria decisão de remoção dos meios de propaganda
utilizados, a que se refere o artigo 6º, está sujeita, não só à prévia audiência
dos interessados, como também a certas cláusulas acessórias, como seja a
definição dos «prazos e condições de remoção».
Tudo indica, neste contexto, que esses são pressupostos do exercício da
competência decisória, o que faz supor uma certa permeabilidade na adopção de
medidas restritivas, que é justificada pelo interesse prevalecente da liberdade
de propaganda.
Não podendo concluir-se pela existência de um erro na ponderação e valoração dos
interesses públicos em presença, por parte da autoridade recorrida,
designadamente no tocante ao risco para a segurança rodoviária, não há motivo
para julgar procedente este fundamento do recurso.
Por outro lado, ainda que se entenda que as disposições dos nºs 2, 11 e 12 do
artigo 39° do Regulamento Geral de Estradas e Caminhos Municipais, não foram
tacitamente revogadas pela Lei n.º 97/88, de 17 de Agosto, no que se refere à
afixação de mensagens de propaganda, não pode considerar-se verificada a sua
violação, uma vez que a factualidade tida como assente não preenche qualquer das
situações aí previstas.
III – Decisão
Termos em que se decide negar provimento ao recurso.
Lisboa, 30 de Abril de 2009
Carlos Fernandes Cadilha
Ana Maria Guerra Martins
Mário José de Araújo Torres (com declaração de voto)
Gil Galvão
Joaquim de Sousa Ribeiro (com declaração de voto)
Maria Lúcia Amaral
José Borges Soeiro (com a declaração de que não existe contradição com o Ac.
312.08, que subscrevi).
João Cura Mariano (acompanho a declaração de voto do Conselheiro Mário Torres).
Vítor Gomes (com declaração anexa).
Maria João Antunes (votei a decisão, acompanhando a declaração do Senhor
Conselheiro Relator)
Benjamim Rodrigues (com a declaração de que me afasto da fundamentação relativa
à competência da CNE, antes colhendo a solução na argumentação expendida no
Acórdão n.º 312/08 e reafirmada no meu voto de vencido aposto ao Acórdão n.º
180/09).
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme declaração que junto.
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
No projecto que elaborei considerava que a aplicação do critério do exercício
das actividades de propaganda, a que se refere o artigo 4º, n.º 1, alínea d), da
Lei n.º 97/88, implica o preenchimento de um conceito vago ou indeterminado que
envolve uma margem de livre apreciação na determinação dos factos que integram a
previsão normativa e que só pode ser enquadrada à luz dos princípios
constitucionais da actividade administrativa, e, especialmente, do princípio da
proporcionalidade, como parâmetro de juridicidade dos actos não estritamente
vinculados.
Não se trata aqui de um mero juízo de verificação objectiva da ocorrência de
factos mediante o emprego de meios científicos ou extra-jurídicas, que o
tribunal possa directamente sindicar, mas de um juízo valorativo ou de prognose
sobre a possível existência de um perigo para a segurança rodoviária, que só é
possível controlar jurisdicionalmente no caso de desrazoabilidade manifesta na
qualificação da realidade fáctica (Sérvulo Correia, Direito do Contencioso
Administrativo, I vol., Lex, Lisboa, 2005, págs. 624-625; Marcelo Rebelo de
Sousa/André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, Tomo I, Publicações
Dom Quixote, 2004, pág. 79).
Não se verificando, no caso presente, esse pressuposto dos poderes de cognição
do Tribunal quanto ao preenchimento dos conceitos indeterminados, o recurso,
nessa parte, deveria improceder por esse motivo.
Carlos Fernandes Cadilha
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei a decisão, mas, em relação à questão da competência da
Comissão Nacional de Eleições (CNE) para ordenar a reposição da propaganda que
fora removida pela Câmara Municipal de São Vicente, divirjo do critério adoptado
para a definição do que se deve entender por “campanha eleitoral” e da
fundamentação a esse propósito desenvolvida no precedente acórdão.
Na verdade, continuo firmemente convicto de que o critério
correcto é o enunciado no Acórdão n.º 312/2008, que subscrevi, e onde se lê:
“Na alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 71/78, incumbe‑se a CNE de
«assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas
durante as campanhas eleitorais».
A referência expressa a que o objecto desta intervenção são as acções ocorridas
durante as campanhas eleitorais e a de que os sujeitos destas acções são as
candidaturas às respectivas eleições, delimita necessariamente a área de
intervenção da CNE, neste domínio, às acções de propaganda inseridas num
determinado e concreto processo eleitoral.
Se é discutível, para que seja legítima a intervenção da CNE, que essas acções
se situem temporalmente no período formalmente destinado pela lei à realização
da campanha eleitoral, ou que essas acções devam, pelo menos, ocorrer durante o
processo eleitoral, encarado como uma sucessão de actos e formalidades de
diversa natureza pré‑ordenados à formação e manifestação da vontade dos
eleitores, iniciado com a marcação da data para a realização das eleições, é
seguro que a acção em causa deve ser inequivocamente direccionada a um concreto
acto eleitoral.
Só nessas condições é que compete à CNE actuar positivamente, evitando a
ocorrência de situações que possam ofender a regularidade do processo eleitoral,
nomeadamente limitações intoleráveis à liberdade de realizar acções de
campanha, pois só assim se sente a especial exigência de intervenção de uma
entidade administrativa independente que assegure uma acção estatal isenta.”
Isto é: o conceito de “campanha eleitoral”, utilizado no
artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 71/78, não se limita seguramente ao
conceito restrito de “campanha eleitoral” definido nas diversas leis eleitorais,
e que, para as eleições para o Parlamento Europeu, corresponde ao período que
se inicia no 12.º dia anterior e finda às 24 horas da antevéspera do dia
designado para as eleições, excepto que tiverem lugar na mesma data que as
eleições para a Assembleia da República, hipótese em que ambas as campanhas se
iniciam no 14.º dia anterior à data das eleições (artigos 10.º, n.ºs 1 e 2, da
Lei n.º 14/87, de 29 de Abril, e 53.º da Lei n.º 14/79, de 16 de Maio, na
redacção dada pela Lei n.º 10/95, de 7 de Abril).
Sendo imperiosa a adopção de um critério mais alargado,
considero funcionalmente mais adequado, numa perspectiva teleológica da regra
legal em causa, o critério avançado no Acórdão n.º 312/2008 – tratar‑se de
acção de propaganda política “inequivocamente direccionada a um concreto acto
eleitoral”, mesmo que tenha ocorrido em data anterior à da publicação no jornal
oficial do acto de marcação da data das eleições em causa.
O critério que atribui relevância à publicação oficial
da data da marcação das eleições, seguido no Acórdão n.º 180/2009, de que
discordei, parece partir do pressuposto de que só após a publicação no Diário da
República do acto de marcação de eleições as forças políticas interessadas
começam a desencadear acções de propaganda eleitoral, o que é manifestamente
desmentido pela realidade de todos conhecida.
Na verdade, embora sem se saber oficialmente o dia
exacto da realização das eleições, resulta dos diversos regimes legais
aplicáveis que, antes disso, já se tem uma certeza exacta do limitado período
temporal em que se realizarão as eleições: no caso da Assembleia da República,
entre 14 de Setembro e 14 de Outubro do ano correspondente ao termo da
legislatura (artigo 19.º, n.º 2, da Lei n.º 14/79, na redacção da Lei Orgânica
n.º 1/99, de 22 de Junho); no caso das eleições gerais autárquicas, entre 22 de
Setembro e 14 de Outubro do ano correspondente ao termo do mandato (artigo 15.º,
n.º 2, da Lei Eleitoral dos Órgãos das Autarquias Locais, aprovada pela Lei
Orgânica n.º 1/2001, de 14 de Agosto); e, no caso das presentes “eleições
europeias”, desde a decisão adoptada na reunião do Conselho da União Europeia,
em 6 de Junho de 2008, se sabia que as eleições teriam de ter lugar entre os
dias 4 e 7 de Junho de 2009 (cf. Acórdão n.º 100/2009).
A isto acresce que a fixação concreta do dia das
eleições dentro deste apertado período de 4 dias é precedida de audições dos
partidos políticos e objecto de anúncio público precedendo a sua publicação no
jornal oficial, pelo que, mesmo antes desta publicação, as forças políticas em
presença estão em condições de desencadear acções de propaganda que, se
inequivocamente directamente direccionadas a esse concreto acto eleitoral, não
podem deixar de ser consideradas, num critério substancialista, como acções de
propaganda inseridas em campanha eleitoral. Aliás, é público e notório que,
mesmo antes de 24 de Março de 2009, data da publicação do Decreto do Presidente
da República n.º 25/2009, foram afixados cartazes de propaganda inequivocamente
direccionados às eleições para o Parlamento Europeu, surgindo como insustentável
a tese de que o mesmo cartaz, com a mesma mensagem, não era propaganda inserida
em campanha eleitoral se afixado em 23 de Março de 2009 e passou a ter essa
natureza se afixado (ou mantido afixado) a partir do dia imediato.
Neste contexto, a invocação do disposto no artigo 19.º,
n.º 1, da Lei n.º 19/2003, de 20 de Junho (“Consideram‑se despesas de campanha
eleitoral as efectuadas pelas candidaturas, com intuito ou benefício eleitoral,
dentro dos seis meses imediatamente anteriores à data do acto eleitoral
respectivo”) – bem como, aliás, a do artigo 1.º da Lei n.º 26/99, de 3 de Maio,
que declarou aplicável o regime previsto nessa lei (quanto à igualdade de
oportunidades de partidos, coligações, candidatos e grupos de cidadãos quanto a
actos eleitorais ou referendos, e quanto aos deveres de neutralidade e
imparcialidade das entidades públicas) “desde a publicação do decreto que
marque a data do acto eleitoral ou referendo” – foi feita, não para assentar
nesses preceitos, de modo directo ou implícito, a afirmação de competência da
CNE para intervir nessa matéria, mas apenas para dar contributos para a
densificação do conceito de “campanha eleitoral”. A atribuição de competência à
CNE para intervir no sentido de assegurar a igualdade de oportunidades de acção
e propaganda das candidaturas durante as campanhas eleitorais assenta
directamente na norma do artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei n.º 71/78. Não se
pretende fundar a atribuição dessa competência nas citadas normas das Leis n.ºs
26/99 e 19/2003, pelo que surgem como irrelevantes, para o caso, as
considerações tecidas no precedente acórdão sobre o princípio da legalidade na
definição da competência dos órgãos administrativos. Repete‑se: a invocação
dessas normas justifica‑se apenas como contributos relevantes, atentas as ideias
de unidade e de coerência do sistema jurídico, para definir o conceito de
“campanha eleitoral” para efeitos do citado artigo 5.º, n.º 1, alínea d), da Lei
n.º 71/78.
No presente caso, a natureza especificamente eleitoral
(isto é: não inserida na propaganda política “regular” dos partidos políticos)
da propaganda removida resulta ainda de se tratar de propaganda da autoria de
uma coligação eleitoral não permanente, constituída “com o objectivo de
concorrer às eleições para o Parlamento Europeu a realizar no ano de 2009”, como
se consignou no Acórdão n.º 625/2008 deste Tribunal, que determinou a sua
anotação. Ora, a propaganda de uma coligação eleitoral especificamente
constituída para concorrer a um determinado acto eleitoral é, por definição e
natureza, necessariamente “propaganda eleitoral”, o que, aliás, foi
expressamente mencionado na queixa apresentada por essa coligação à CNE, em 13
de Abril de 2009.
Refira‑se, por último, tal como já sustentado em
diversos votos de vencido apostos ao Acórdão n.º 471/2008, que a pretensa
inadequação da tramitação célere do recurso previsto no artigo 102.º‑B da Lei do
Tribunal Constitucional (naturalmente pensado para a normalidade dos casos)
quanto a situações em que essa celeridade não seja tão premente, nunca poderia
servir de fundamento nem para negar a competência da CNE para intervir neste
matéria, nem para negar a competência do Tribunal Constitucional para conhecer
dos recursos dos actos por ela praticados com expressa invocação de que actuava
enquanto órgão da administração eleitoral [mas, quando muito, por apelo ao
princípio da adequação processual (artigo 265.º‑A do Código de Processo Civil),
para adaptar a rígida tramitação daquele artigo 102.º‑B à menor urgência de
decisão de determinado caso].
Mário José de Araújo Torres
DECLARAÇÃO DE VOTO
Acompanhei a decisão, mas entendo que, dos elementos constantes dos
autos, designadamente da prova documental dada pelo registo fotográfico do
local, é possível extrair a certeza que a CNE decidiu bem, ao entender que a
fixação de propaganda não afectava a segurança da circulação rodoviária. Neste
caso concreto, justificar-se-ia, pois, um juízo de concordância mais expressivo,
pela positiva, com a decisão recorrida.
Joaquim de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Pelas razões que adiantei na declaração aposta ao acórdão n.º 180/2009
para que remeto, parece-me possível retirar também da Lei n.º 26/99, de 3 de
Maio, relevantes subsídios de hermenêutica para a interpretação extensiva do
conceito de campanha eleitoral constante da alínea d) do n.º 1 do artigo 5.º da
Lei n.º 71/78, de 27 de Dezembro, a que o acórdão chegou. Divergi, pois, na
parte correspondente, da fundamentação do n.º 3 do acórdão.
Vítor Gomes
DECLARAÇÃO DE VOTO
Em 8 de Abril de 2009, a Câmara Municipal de São Vicente determinou a remoção de
propaganda político-partidária, colocada na via pública, invocando razões de
segurança rodoviária e a violação de disposições legais pertinentes. Mediante
reclamação dos interessados, em 21 de Abril de 2009 a Comissão Nacional de
Eleições deliberou, em suma:
Assim, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 7º da Lei n° 71/78, de 27 de
Dezembro, notifique-se o Senhor Presidente da Câmara Municipal de S. Vicente
para, no prazo de 48 horas, repor a propaganda da CDU removida, sob pena de, não
o fazendo, cometer o crime de desobediência previsto e punido pelo artigo 348º
do Código Penal.
Estando em causa apreciar a legalidade desta deliberação, votei no sentido de
que tal acto não poderia manter-se, conforme procurarei expor com a brevidade
que o caso impõe.
Afigura-se-me, no essencial, que a CNE não tem competência para determinar a
reposição da propaganda removida por determinação camarária com fundamento em
razões de segurança rodoviária e por violação de disposições legais.
Nos termos do artigo 6º da Lei n.º 97/8 8 de 17 de Agosto, cabe à câmara
municipal fixar as regras de colocação na via pública dos meios amovíveis de
propaganda, segundo os critérios fixados no artigo 4º do diploma, dos quais se
destaca a não afectação da segurança das pessoas ou das coisas, “nomeadamente na
circulação rodoviária”. Prescreve ainda o mesmo diploma, no seu artigo 10.º, que
a colocação de propaganda, em infracção desta prescrição, “constitui
contra-ordenação punível com coima” a aplicar pelo presidente da câmara
municipal da área em que se verifique a contra-ordenação, acrescentando-se que
ao montante da coima, às sanções acessórias e às regras de processo se aplicam
“as disposições constantes do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro”.
Impõe-se, por isso, entender que a impugnação da decisão administrativa que
determina a remoção de propaganda com aquele fundamento deve ocorrer perante o
tribunal da comarca, nos termos gerais do processo contra-ordenacional, nada
permitindo concluir que das decisões administrativas tomadas pelas câmaras
municipais, e pelos seus presidentes, nesta área, caiba recurso hierárquico –
ainda que impróprio – para qualquer outra entidade, designadamente a CNE.
Na verdade, a CNE invocou, ao decidir, poderes de superintendência sobre a
Câmara Municipal ao fazer apelo ao artigo 7º da Lei n.º 71/78 de 27 de Dezembro
(Lei da Comissão Nacional de Eleições).
Mas é claro que o preceito, ainda que assim genericamente invocado, não confere
a esta entidade tal competência, limitando-se a prever, com utilidade para o
caso, que “no exercício da sua competência, a Comissão Nacional de Eleições tem
sobre os órgãos e agentes da Administração os poderes necessários ao cumprimento
das suas funções”.
É, pois, necessário procurar nas atribuições legais da CNE a fonte de um tal
poder.
Ora, é no artigo 5º que a LCNE fixa a competência da Comissão. Ali se prescreve:
Artigo 5º
Competência
1. Compete à Comissão Nacional de Eleições:
a. Promover o esclarecimento objectivo dos cidadãos acerca dos actos eleitorais,
designadamente através dos meios de comunicação social;
b. Assegurar a igualdade de tratamento dos cidadãos em todos os actos do
recenseamento e operações eleitorais;
c. Registar as coligações de partidos para fins eleitorais;
d. Assegurar a igualdade de oportunidades de acção e propaganda das candidaturas
durante as campanhas eleitorais;
e. Registar a declaração de cada órgão de imprensa relativamente à posição que
assume perante as campanhas eleitorais;
f. Proceder à distribuição dos tempos de antena na rádio e na televisão entre as
diferentes candidaturas;
g. Decidir os recursos que os mandatários das listas e os partidos interpuserem
das decisões do governador civil ou, no caso das regiões autónomas, do Ministro
da República, relativas à utilização das salas de espectáculos e dos recintos
públicos;
h. Apreciar a regularidade das receitas e despesas eleitorais;
i. Elaborar o mapa dos resultados nacionais das eleições;
j. Desempenhar as demais funções que lhe são atribuídas pelas leis eleitorais;
2. Para melhor exercício das funções, a Comissão Nacional de Eleições pode
designar delegados onde o julgar necessário.
Da leitura desta disposição retira-se que a CNE não tem competência para
sindicar o critério de concretização da segurança rodoviária, ainda que em
matéria eleitoral. Tal competência não se inscreve nas atribuições legais da
CNE, e não interfere com os critérios destinados a assegurar a igualdade de
oportunidades de acção e propaganda das candidaturas durante as campanhas
eleitorais, como se refere na alínea d) do preceito.
O acto da Câmara foi praticado com fundamento na segurança rodoviária, o que
corresponde ao exercício de função materialmente administrativa no domínio de
uma competência típica dos municípios quanto à circulação rodoviária. Isto é: à
CNE não foi atribuída competência para disciplinar a colocação dos meios
amovíveis de propaganda eleitoral em função da segurança rodoviária sendo, por
isso, despropositada a invocação dos poderes previstos no artigo 7º da LCNE para
“revogar” o acto da Câmara Municipal de São Vicente.
Concluo, portanto, pela falta de competência da CNE para praticar o acto
sindicado, razão pela qual seria de conceder provimento ao presente recurso.
Carlos Pamplona de Oliveira