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Processo n.º 887/08
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo
dos artigos 76º, n.º 4 e 77º, n.º 1 da LTC, do “aliás douto despacho proferido
pela Ex.ma Vice Presidente da Relação de Lisboa que confirmou a decisão de não
admitir o recurso ordinário interposto pela requerente em 2 de Julho de 2008”
(fls. 7, com sublinhado nosso).
2. Os termos da reclamação são os seguintes:
“1º
Pelo requerimento de fls. 6.914 e segs., a Arguida A. arguiu a nulidade da
acusação contra si deduzida, invocando, além do mais, violação do seu
inalienável direito de defesa, por nunca ter sido confrontada nem interrogada —
como podia e devia ter sido —, sobre alguns dos factos incriminatórios que
vieram a ser plasmados na acusação.
2º
Por douto despacho de fls. 7.075 o conhecimento da invocada nulidade foi
relegado para a decisão instrutória agora proferida.
3º
A irrecorribilidade da decisão instrutória na hipótese prevista no art. 310. °,
n.º 1, do C.P.P., bem como a limitação da arguição da sua nulidade nos termos
previstos no art. 309.°, n.º 1 do Código não podem ser extensivamente aplicadas
a outras nulidades anteriormente arguidas, nomeadamente da acusação, pela
circunstância de a sua apreciação ter sido diferida para o momento da prolação
da decisão instrutória.
4º
Desde logo porque, caso a nulidade invocada tivesse sido objecto de apreciação
imediata, a arguida teria ao seu dispor os meios de reacção processual
normalmente admissíveis.
5º
Tanto mais que a arguida não requereu a abertura da instrução, mas apenas
invocou a nulidade da acusação através do requerimento agora indeferido.
6º
Donde não pode agora ser coarctado o direito ao recurso ou à arguição da
subsequente nulidade da própria decisão instrutória, enquanto garantias de
defesa constitucionalmente previstas.
7º
Assim sendo, qualquer interpretação do disposto no art. 310. °, n.º 1 do C.P.P.
que conduza à sua aplicação concreta em termos impeditivos da interposição de
recurso ordinário relativamente a decisões proferidas sobre questões estranhas à
instrução, é inconstitucional, por implicar uma interpretação extensiva ofensiva
das garantias de defesa asseguradas pelo art. 32.°, n.º 1 da Constituição da
República Portuguesa.
8º
Designadamente, ao protelar a decisão sobre o requerimento de fls. 6.914 e
segs., que apenas visava a acusação deduzida, englobando-a na decisão
instrutória, seria violado o princípio constitucional da igualdade se por via
disso o recurso deixasse de ser admissível:
basta pensar na hipótese de ninguém ter requerido a abertura de instrução, ou de
a Recorrente (que não a requereu) ser a única Arguida, situação em que a decisão
proferida seria indubitavelmente recorrível.
9º
Por isso, em circunstâncias como a dos autos, tem pleno cabimento a posição
assumida pelo Cons. Maia Gonçalves in C.P.P. Anot., 16. ed. (Outubro 2007), pág.
661, já na vigência da nova redacção do nº 1 do art. 310º introduzida pela Lei
nº 48/2007 de 29 de Agosto: “a decisão instrutória que pronuncia o arguido por
factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte
respeitante ao indeferimento da arguição de nulidades arguidas no decurso do
inquérito ou da instrução”,
10º
Mantendo assim a posição de igual teor já adoptada perante a anterior redacção
do mesmo dispositivo legal no Assento n.º 6/2000 do Pleno das secções Criminais
do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Janeiro de 2000, publicado no Diário da
República, 1ª Série A, de 7 de Março de 2000.
11º
Não se ignora que o Tribunal Constitucional tem sucessivamente considerado
compatível com o dispositivo constitucional a norma contida no art. 310. °, n.º
1 do C.P.P. de 1987, na interpretação de que são irrecorríveis as decisões
prévias ou incidentes constantes do despacho de pronúncia (cfr. Ac. Trib. Const.
n.º 216/99 de 21 de Abril in Diário da República, II série, de 6 de Agosto de
1999 e n.º 238/98, de 5 de Março de 1998, remetendo para a fundamentação
constante dos Acórdãos nºs 265/94, 610/96 e 468/97).
12º
Mas ainda assim, não será despiciendo referir que “a simples sujeição de alguém
a julgamento, mesmo que a decisão final se salde pela absolvição, não é um acto
neutro, quer do ponto de vista das suas consequências morais quer jurídicas;
submeter alguém a julgamento é sempre incómodo, se não, em certas
circunstâncias, mesmo um vexame” (Ac. S.T.J. de 16/6/05, acessível in
http//www.dgsi.pt/jstj).
13º
Por outro lado “a decisão instrutória abarca não só a parte da pronúncia ou não
pronúncia (despacho de pronúncia propriamente dito) como também as nulidades
arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e as demais questões prévias ou
incidentais; a regra da irrecorribilidade do despacho de pronúncia do art. 310.
° do C.P.P. só respeita ao despacho de pronúncia propriamente dito” (Ac. S.T.J.
de 5/4/01, proc. n.º 675/01 da 5ª secção, publicado nos Sumários, n.º 50).
14º
Assim, o art. 310. °, n.º 1 quer na anterior quer na actual redacção se
interpretado em termos de serem irrecorríveis todas as soluções adaptadas no
âmbito da decisão instrutória, mesmo que respeitando a questões suscitadas fora
da instrução mas cuja apreciação foi relegada para esse momento, choca-se não só
com o princípio da igualdade, mas ainda com a garantia do direito ao recurso
assegurada no art. 32.°, n.º 1 da Constituição, violando-o directamente.
15º
Isto sem prejuízo de a redacção entretanto introduzida não ser sequer aplicável
aos presentes autos por força do disposto no art. 5. °, n.º 2, al. a) do C.P.P.,
na exacta medida em que possa ser entendida como limitativa da possibilidade de
recurso anteriormente admissível, como é o caso.
16º
Finalmente, não se diga que a arguida não reagiu atempadamente contra a decisão
de relegar o conhecimento da nulidade da acusação para a decisão instrutória.
17º
Porquanto este despacho não violou nenhuma disposição legal, sendo um despacho
de mero expediente, destinado a regular o andamento do processo e como tal
insusceptível de impugnação, apenas havendo que acatá-lo.
Em conclusão:
a) A Reclamante interpôs oportunamente recurso ordinário do aliás douto despacho
que indeferiu a arguição de nulidade da acusação deduzida contra a recorrente
suscitada pelo requerimento de fls. 6.914 e segs.;
b) A Recorrente não requereu a abertura da instrução e o presente recurso
ordinário é admissível ao abrigo e nos termos dos art.°s 399. ° e segs. do
C.P.P.;
b) Pois o art. 310. °, n.º 1 do C.P.P., quer na anterior redacção—que é a
aplicável quer na actual, se interpretado em termos de serem irrecorríveis todas
as soluções adoptadas no âmbito da decisão instrutória, mesmo que respeitando a
questões suscitadas fora da instrução mas cuja apreciação foi relegada para esse
momento, como é o caso dos autos, choca-se não só com o princípio constitucional
da igualdade, mas ainda com a garantia do direito ao recurso, assegurada no art.
32.°, n.º 1 da Constituição, violando-o directamente.” (fls. 7 a 11)
3. Em sede de vista, o Procurador-Geral-Adjunto neste Tribunal promoveu a
solicitação ao tribunal recorrido da cópia do despacho reclamado, proferido pela
Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, bem como do requerimento de
interposição de recurso (fls. 52-verso). Após determinação da Relatora, o
tribunal recorrido enviou os referidos documentos, tendo então o Ministério
Público emitido o seguinte parecer:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade, confrontado com a decisão proferida em procedimento de reclamação
penal, pela Ex.ma Vice-Presidente da Relação – que considerou irrecorrível a
decisão que relegou para a decisão instrutória a arguição de “nulidade da
acusação”, invocada pela ora reclamante – interpôs esta o recurso de fls. 8813
(68 dos autos) que endereçou ao Tribunal Central de Instrução Criminal, sem ter
na devida conta que a decisão definitiva sobre a aludida questão da
recorribilidade foi naturalmente a proferida no processo de reclamação (e que
naturalmente “consumiu” a precedente decisão da 1ª instância).
Não tendo o recorrente endereçado o requerimento de interposição do recurso para
este Tribunal Constitucional ao autor da decisão recorrida permitindo-lhe
admitir ou rejeitar o recurso, não cumpriu o recorrente, em termos adequados, o
ónus que decorre do preceituado no art.º 76º, n.º 1 da Lei n.º 28/82, o que, sem
mais, o torna inadmissível” (fls. 69)
Cumpre agora apreciar e decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
4. É por demais evidente que o meio processual previsto no n.º 4 do artigo 76º
da LTC apenas permite a reclamação de despacho que rejeite recurso interposto,
para o Tribunal Constitucional, com fundamento em qualquer uma das alíneas do
n.º 1 do artigo 70º da LTC.
Ora, o despacho reclamado versou apenas sobre recurso ordinário interposto, em
02 de Julho de 2008, para o Tribunal da Relação de Lisboa, de despacho que
remeteu para a decisão instrutória o conhecimento da alegada nulidade da
acusação proferida pelo Ministério Público.
Não estando em causa qualquer decisão de não admissão de recurso de
constitucionalidade é de indeferir a presente reclamação.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos decide-se indeferir a reclamação
apresentada.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 11 de Fevereiro de 2009
Ana Maria Guerra Martins
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão