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Processo n.º 836/08
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José Borges Soeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A. e Outros, inconformados com a decisão sumária proferida a 23 de Dezembro
de 2008, vêm dela reclamar nomeadamente nos seguintes termos:
“(…)
4. Os Recorrentes não se conformam com tal douta decisão, pelos motivos que
infra passam a explanar.
5. No que concerne à questão da inconstitucionalidade dos art°s 377° do Código
do Trabalho e 12°, n° 2 do Cód. Civil, compulsados os autos constata-se que os
Recorrentes suscitaram tal questão no recurso que interpuseram para o Supremo
Tribunal de Justiça, único momento processual onde o poderiam fazer.
6. De facto, a decisão de primeira instância foi-lhes favorável, tendo
posteriormente interposto recurso da decisão do Tribunal da Relação do Porto
para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, então, suscitado tal questão, aí
tendo feita clara referência ao facto da interpretação feita de que o art° 377.º
do Código do Trabalho não se aplica aos créditos constituídos antes da sua
entrada em vigor, designadamente os créditos dos trabalhadores por violação dos
citados art°s 2° e 59°, n° 1, a) e 3 da Constituição da República Portuguesa
seria claramente inconstitucional.
7. De facto, entendem os Recorrentes (no sentido, aliás, da douta sentença
proferida pela 1.ª instância — Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia) que o
art° 377° do Código do Trabalho se aplica aos créditos constituídos antes da sua
entrada em vigor, já que, na verdade, o art° 377.º do Código do Trabalho em
conjugação com o art° 12°, n° 2 do Código Civil permite concluir que o regime
plasmado no primeiro se aplica a todos os créditos dos trabalhadores emergentes
do contrato do trabalho e da sua violação ou cessação, mesmo que constituídos
anteriormente à entrada em vigor do dito Código.
(…)
12. Daí que apenas possam concluir que tal questão foi tempestiva, correcta e
normativamente suscitada, devendo o Tribunal Constitucional analisar o recurso
interposto pelos Recorrentes também no que concerne a tal questão, o que desde
já se requer, com todas as consequências legais daí decorrentes.
13. Relativamente à interpretação relativa aos art°s 152° do CPEREF e 9° do
Código Civil entendem os Recorrentes que a interpretação feita pelo Supremo
Tribunal de Justiça a tais normas, não configura uma solução constitucionalmente
admissível, violando os citados preceitos constitucionais, na medida em que
ofende os mais elementares direitos constitucionais consagrados aos Recorrentes,
trabalhadores da empresa falida.
14. De facto, interpretar o art° 152° do CPEREF no sentido de que o nele
estatuído não abrange as hipotecas legais que terão, assim, supremacia em
relação aos créditos dos trabalhadores, é manifestamente inconstitucional, na
medida em que não assegura o direito fundamental à retribuição do trabalho
quando colocado em confronto com os direitos de agentes económicos mais fortes e
poderosos, in casu, o IGFSS, que goza de garantia hipotecária, garantia a que os
Recorrentes, como simples e humildes trabalhadores, jamais poderiam lançar mão,
tendo como consequência directa a graduação do crédito do IGFSS à frente do dos
trabalhadores da falida, que verão assim frustradas as suas justas e legitimas
expectativas de se verem ressarcidos pelo seu crédito laboral.
15. Temos, pois, como certo que a intenção do legislador foi, sem dúvida,
abranger as hipotecas legais na redacção dada ao art° 152° do CPEREF, isso mesmo
resultando de uma interpretação feita à luz do preceituado no art° 9°, n° 1 do
Código Civil, tendo em devida conta o conteúdo da norma, sua intencionalidade,
circunstâncias e condições em que foi elaborada.
(…)
18. Entendem, assim, que a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça
é violadora do respeito e garantias constitucionalmente consagrados aos
Recorrentes, mormente do previsto nos art°s 2°, 59°, n°s 1, al. a) e 3 da
Constituição da República Portuguesa, motivo pelo qual não se conformam com a
decisão ora proferida pelo Tribunal Constitucional de que a ‘prevalência face
aos créditos laborais de créditos garantidos por hipotecas anteriormente
registadas, é uma solução constitucionalmente admissível, encontrando-se dentro
da conformação legislativa, particularmente tendo em atenção que se trata de
hipotecas referentes a créditos da segurança social assentes em contribuições
obrigatórias que não foram satisfeitas’.
19. Face a tudo o que se expôs, entendem os Recorrentes que a decisão proferida
pelo Supremo Tribunal de Justiça, não constitui uma solução constitucionalmente
admissível, requerendo, em conformidade, a revogação da mesma, entendendo,
assim, no seu modestíssimo entender, e pelos motivos expostos, ser de atribuir
provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
(…)”
2. A decisão reclamada, e no que ora importa, tem o seguinte teor:
“4. São duas as questões de constitucionalidade suscitadas pelos Recorrentes e
que cumpre apreciar no presente processo:
– a primeira, relativa aos artigos 152.º, do CPEREF, e 9.º, do Código Civil, no
sentido de o regime constante do citado artigo 152.º não ser aplicável às
hipotecas legais de que beneficiam os créditos das instituições de Segurança
Social, por violação dos artigos 2.º, e 59.º, n.ºs 1 e 3, da Constituição;
– a segunda, relativa à interpretação do artigo 377.º, do Código do Trabalho, em
conjugação com o artigo 12.º, n.º 2, do Código Civil, no sentido de que o regime
instituído pelo primeiro preceito indicado não se aplica aos créditos
constituídos antes da sua entrada em vigor, designadamente os créditos dos
trabalhadores, por violação dos artigos 2.º, e 59.º, n.º 1, alínea a), e n.º 3,
da Constituição.
Adiante-se já que se entende ser de proferir decisão sumária ex vi artigo
78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal. Por um lado, relativamente à segunda das
questões enunciadas, não se encontram preenchidos os pressupostos necessários ao
conhecimento do recurso. Por outro, no que toca à primeira, trata-se de questão
que, tendo já sido objecto de apreciação e tratamento em anterior jurisprudência
deste Tribunal, e entendendo-se ser de manter tal jurisprudência, é a mesma
qualificável como questão simples para efeito de emissão de decisão sumária
(cfr. artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional).
Vejamos.
A) Questão de constitucionalidade relativa aos artigos 377.º, do Código do
Trabalho e 12.º, n.º 2, do Código Civil:
5. O recurso de constitucionalidade que os Recorrentes pretenderam interpor
pressupõe a suscitação de questão de constitucionalidade normativa durante o
processo, nos termos dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), da Constituição, e
70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional. E devem fazê-lo de
modo processualmente adequado (cfr. artigo 72.º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional). Suscitar a questão de constitucionalidade normativa em moldes
processualmente adequados implica que o recorrente enuncie o sentido atribuído
ao preceito legal ou bloco normativo que reputa inconstitucional e que pretende
ver apreciado no recurso de fiscalização concreta. Como observou Lopes do Rego,
‘quando se pretenda questionar a constitucionalidade de uma dada interpretação
normativa, é indispensável que a parte identifique expressamente essa
interpretação ou dimensão normativa, em termos de o Tribunal, no caso de a vir a
julgar inconstitucional, a poder enunciar na decisão, de modo a que os
respectivos destinatários e os operadores do direito em geral fiquem a saber que
essa norma não pode ser aplicada com tal sentido’ (O objecto idóneo dos recursos
de fiscalização concreta da constitucionalidade: as interpretações normativas
sindicáveis pelo Tribunal Constitucional, in Jurisprudência Constitucional, n.º
3, Julho-Setembro de 2004, p. 8).
6. Ora, nos momentos processuais indicados pelos Recorrentes, no que à questão
em análise respeita, não houve qualquer suscitação de questão normativa. Durante
o processo (i.e. antes de proferida, pelo Supremo Tribunal de Justiça, a decisão
final), os Recorrentes limitaram-se a defender a interpretação do artigo 377.º,
do Código do Trabalho, no sentido de se ter como aplicável aos créditos dos
trabalhadores mesmo que estes tenham sido constituídos em momento anterior ao da
entrada em vigor do referido corpo normativo (cfr. conclusões 44.º a 52.º das
alegações de revista. A inconstitucionalidade que então foi arguida dirigiu-se
apenas à própria decisão da Relação. Tal não constitui, no entanto, questão
normativa que, como é sobejamente sabido, consome em exclusivo o objecto
possível de um recurso de constitucionalidade.
Não é, portanto, de conhecer o objecto do recurso no que a esta parte respeita.
B) Questão de constitucionalidade relativa aos artigos 152.º, do CPEREF, e 9.º,
do Código Civil:
7. Pretendem os Recorrentes ver apreciada questão de constitucionalidade
relativa aos artigos 152.º, do CPEREF, e 9.º, do Código Civil, quando
interpretados no sentido de o regime constante do citado artigo 152.º não ser
aplicável às hipotecas legais de que beneficiam os créditos das instituições de
Segurança Social, por violação dos artigos 2.º, e 59.º, n.ºs 1 e 3, da
Constituição.
7.1. Assinale-se desde já que apenas o artigo 152.º, do CPEREF, e já não o
artigo 9.º, do Código Civil, foi aplicado enquanto ratio decidendi pela decisão
recorrida, pelo que apenas relativamente a tal preceito se passa a analisar a
questão de constitucionalidade suscitada.
7.2. O que os Recorrentes questionam é a não extinção, por via da declaração de
falência, da hipoteca legal que garante os créditos que o Recorrido reclamou nos
autos. Não se verificando a extinção de tal garantia, os créditos dos
Recorrentes viram-se, assim, ‘ultrapassados’ face à prioridade no pagamento que
assiste ao detentor de hipoteca anteriormente registada. Este problema, embora
analisado por referência a diferentes preceitos legais, foi já alvo de
tratamento em momentos anteriores da jurisprudência constitucional.
8. No Acórdão 498/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de
Janeiro de 2004, versando-se a norma contida no artigo 12.º, n.º 1, alínea b),
da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, na interpretação segundo a qual o privilégio
imobiliário geral nela conferido aos créditos emergentes do contrato individual
de trabalho prefere à hipoteca, nos termos da redacção então em vigor do artigo
751.º, do Código Civil, e perante o conflito entre a tutela da confiança e da
certeza do direito, do lado do credor hipotecário (que, recorde-se, era um
particular e não a Segurança Social, como ora sucede), e, do lado dos
trabalhadores, o direito à retribuição do trabalho (direito de natureza análoga
aos direitos, liberdades e garantias), acabou o Tribunal por dar prevalência a
este último. Julgou então não inconstitucional a norma referida quando
interpretada no sentido de o privilégio imobiliário geral nela conferido aos
créditos emergentes do contrato individual de trabalho preferir à hipoteca
anteriormente registada, de acordo com o então disposto no artigo 751.º, do
Código Civil.
9. Face a situação referente a créditos resultantes de contribuições
obrigatórias para a segurança social, garantidos com hipoteca anteriormente
registada, já o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido da não
inconstitucionalidade de interpretação no sentido de que tal garantia prefere a
créditos laborais que beneficiavam de privilégio imobiliário geral. Assim, no
Acórdão n.º 284/2007, publicado no Diário da República, II Série, de 27 de Junho
de 2007, apreciando-se a conformidade jusconstitucional do artigo 751.º, do
Código Civil, interpretado no sentido de que na sua previsão não se incluía o
privilégio imobiliário geral concedido aos créditos laborais pelo artigo 2.º, da
Lei n.º 17/86, de 14 de Junho, escreveu-se o seguinte:
‘7. Só que destas considerações – suficientes para aceitar a
conformidade constitucional de uma solução legislativa que admita que os
créditos laborais preferem ao crédito que é garantido por hipoteca anteriormente
registada –, não decorre a obrigação constitucional de a lei ordinária conferir
obrigatoriamente aos créditos laborais uma prevalência sobre crédito garantido
por uma hipoteca anteriormente registada.
O princípio da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito democrático,
consagrado no artigo 2º da Constituição da República postula um mínimo de
certeza nos direitos das pessoas e nas expectativas que lhes são juridicamente
criadas, censurando as afectações inadmissíveis, arbitrárias ou excessivamente
onerosas, com as quais não se poderia razoavelmente contar.
E a verdade é que, conforme se decidiu no já referido Acórdão n.º 363/2002,
tirado em plenário sem votos discordantes, ‘o registo predial tem uma finalidade
prioritária que radica essencialmente na ideia de segurança e protecção dos
particulares, evitando ónus ocultos que possam dificultar a constituição e
circulação de direitos com eficácia real sobre imóveis, bem como das respectivas
relações jurídicas – que, em certa perspectiva, possam afectar a segurança do
comércio jurídico imobiliário’.
Ora, a norma impugnada respeita o princípio da confiança, constitucionalmente
consagrado.’
10. Analisava-se então a norma do artigo 751.º, n.º 1, do Código Civil, na
redacção anterior à que se encontra actualmente em vigor, quando interpretada de
molde a excluir da sua previsão o privilégio imobiliário geral concedido aos
créditos laborais. Assim, e perante a existência de hipoteca registada em data
anterior à declaração de falência, para garantia do pagamento de contribuições
obrigatórias para a Segurança Social, tais créditos laborais, não beneficiando
da disciplina do artigo 751.º, n.º 1, do Código Civil (mercê do qual os
privilégios imobiliários preferiam à hipoteca ainda que registada
anteriormente), ver-se-iam graduados após os créditos hipotecários da Segurança
Social. O Tribunal Constitucional analisou então a questão normativa face aos
parâmetros constitucionais do princípio da confiança, ínsito no princípio do
Estado de direito, princípio da dignidade humana, direito à retribuição do
trabalho e direito à segurança no emprego, previstos, respectivamente, nos
artigos 2.º, 1.º, 59.º, n.º 1, alínea a), e 53.º, todos da Constituição. Também
a exigência constitucional de protecção especial dos salários dos trabalhadores,
constante do artigo 59.º, n.º 3, da Constituição, foi considerada na pronúncia
referida. No entanto, o Tribunal acabou por concluir que ‘não é
constitucionalmente proibido que a lei ordinária confira prevalência ao crédito
garantido por uma hipoteca anteriormente registada sobre os créditos laborais.’
11. Vejamos a fundamentação que alicerçou a decisão do Tribunal e que, face à
identidade da questão normativa ora em análise – saber se é ou não conforme às
normas e princípios constitucionais, maxime os invocados pelos Recorrentes, a
interpretação do artigo 152.º, do CPREF, no sentido de não incluir na sua
previsão os créditos hipotecários da Segurança Social que, dessa forma,
preferirão, em graduação de créditos subsequente a processo de falência, aos
créditos laborais dos trabalhadores – se passa a mobilizar:
‘8. Sustentam os recorrentes que a norma ofende o princípio da dignidade humana,
o direito à retribuição do trabalho e o direito à segurança no emprego,
previstos respectivamente no artigo 1º, artigo 59º n.º 1 alínea a) e no artigo
53º da Constituição.
Na verdade, o artigo 1º da Constituição, para além de tudo o mais, pretende
garantir a dignidade da pessoa humana, como valor eminente de cada pessoa,
respeitando o direito à vida, à integridade pessoal, à identidade, à capacidade
civil, à cidadania, às liberdades cívicas, e concretiza-se num leque muito
variado de opções, em que sobressai, para o que agora releva, o estabelecimento,
pelo legislador ordinário, de garantias mínimas de subsistência e de condições
materiais de vida.
Estes valores desenvolvem-se em múltiplas outras normas da Constituição,
designadamente, como alegam os recorrentes, no artigo 59º, no qual se afirmam os
direitos fundamentais dos trabalhadores. A alínea a) do n.º 1 deste artigo 59º
consagra o direito fundamental a uma justa remuneração, que permita uma
existência condigna, e a mecanismos que garantam a tutela daquela retribuição. A
referida alínea a) protege, portanto, essencialmente o direito à retribuição
segundo a quantidade, a natureza e a qualidade do trabalho prestado, impondo que
a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça.
O artigo 53º da Constituição tem outro âmbito: estabelece a garantia da
segurança no emprego, com proibição de despedimentos sem justa causa, e uma
proibição de princípio ao trabalho precário, ou a termo, à redução do período
normal de trabalho, à suspensão do contrato de trabalho, ou à modificação
substancial da relação de emprego.
Acontece, no entanto, que a protecção do direito à retribuição não é absoluta.
É certo que o legislador está vinculado, pelo n.º 3 do artigo 59º da
Constituição, a criar um regime de protecção especial dos salários dos
trabalhadores. Mas esta protecção não conduz necessariamente a uma solução
legislativa que consagre um privilégio creditório absoluto para garantia destes
créditos.
Na verdade, a referida incumbência constitucional confere ao legislador
suficiente liberdade para optar, num leque de soluções possíveis, por aquelas
que repute mais eficazes, habilitando-o a adoptar outros mecanismos de protecção
salarial, como, por exemplo, o sistema de garantia salarial, instituído pelo
Decreto-Lei n.º 50/85 de 27 de Fevereiro, e revisto pelo Decreto-Lei 219/99 de
15 de Junho – entre outras, precisamente com a finalidade de o articular com o
Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência –,
regulamentado pelo Decreto-Lei n.º 139/2001 de 24 de Abril, hoje previsto no
artigo 380º do Código do Trabalho e na Lei n.º 35/2004 de 29 de Julho, que
regulamenta este Código; ou quando proíbe a penhora em dois terços do salário do
executado (artigo 824º n.º 1 do Código de Processo Civil, na versão aplicável).
Todavia, o legislador ordinário dispõe, ainda assim, de uma ampla margem de
liberdade de conformação nesta matéria como aconteceu, por exemplo, quando criou
um regime de prescrição de créditos laborais (artigo 38º da Lei Geral do
Trabalho, hoje artigo 381º do Código do Trabalho), impensável num regime de
protecção absoluta do direito à retribuição, apesar de beneficiar os
trabalhadores face ao regime geral de prescrição de créditos.
Em suma, não é constitucionalmente proibido que a lei ordinária confira
prevalência ao crédito garantido por uma hipoteca anteriormente registada sobre
os créditos laborais. Nesta conformidade, deve entender-se que o princípio da
confiança, assim defendido pela norma impugnada, não encontra obstáculo
constitucional.’
12. Conclui-se, portanto, que a prevalência, face aos créditos laborais, de
créditos garantidos por hipotecas anteriormente registadas, é uma solução
constitucionalmente admissível, encontrando-se dentro da margem de conformação
legislativa, particularmente tendo em atenção que se trata de hipotecas
referentes a créditos da segurança social assentes em contribuições obrigatórias
que não foram satisfeitas.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
3. A reclamação deduzida carece manifestamente de fundamento. Com efeito, a
argumentação dos Reclamantes em nada abala a fundamentação da decisão sumária
reclamada, limitando-se aqueles, na reclamação apresentada, a manifestarem a sua
discordância com o conteúdo decidido sem, no entanto, apresentar argumentação
que ponha em causa aquele. Com efeito, os Reclamantes discordam do (i) não
conhecimento da questão suscitada relativamente ao artigo 377.º do Código de
Trabalho e, bem assim, do (ii) julgamento de não inconstitucionalidade a
propósito da interpretação e aplicação que o acórdão do STJ fez da norma contida
no artigo 152.º do CPREF. Mas limitam-se a invocar, no entanto, que,
relativamente a (i), a
questão de constitucionalidade havia sido invocada normativamente em sede de
alegações para o STJ e, quanto a (ii), que se impõe o juízo de
inconstitucionalidade face ao disposto nos artigos 2.º e 59.º, n.ºs 1 e 3, da
Constituição.
Vejamos:
(i) O não conhecimento do recurso na parte referente ao artigo 377.º (n.º 1,
alínea b)) do Código do Trabalho assentou na falta de pressuposto processual
relativo à suscitação de questão normativa durante o processo. É certo que nas
alegações de recurso para o STJ os ora Reclamantes se referiram a tal norma,
propugnando interpretação do preceito no sentido de a sua estatuição se aplicar
“a todos os créditos dos trabalhadores emergentes do contrato de trabalho e da
sua violação ou cessação, mesmo que constituídos anteriormente à entrada em
vigor do dito Código.” Adiantaram ainda que “decidindo de modo diverso, violou o
Venerando Tribunal da Relação do Porto o disposto nos artigos (…) 2º e 59º, nºs
1 e 3 da Constituição da República Portuguesa.” Como já ficou dito na decisão
sumária – e se volta a repetir – esta suscitação de inconstitucionalidade, nos
termos em que foi formulada perante o Tribunal a quo, surge imputada à decisão
da Relação. Não configura – como se impõe – uma inconstitucionalidade normativa,
enquanto desvalor imputado a norma ou interpretação normativa. Face ao teor de
tal peça processual, não se pode considerar cumprido o ónus da suscitação de uma
questão de constitucionalidade normativa, susceptível de servir de base ao
recurso interposto para este Tribunal: os ora Reclamantes limitaram-se então a
propugnar uma certa interpretação da norma referida, suscitando que, ao ter
decidido como decidiu (i.e. no sentido contrário ao da interpretação
pretendida), a Relação terá violado as normas constitucionais explicitadas. Não
se verificou a identificação do critério normativo – em termos de generalidade e
abstracção – que terá sido aplicado e cuja inconstitucionalidade se pretenderia
depois ver apreciada em autos de fiscalização concreta.
(ii) Já que no que se refere ao artigo 152.º do CPREF, os Reclamantes não se
conformam com o facto de não ter sido proferido juízo de inconstitucionalidade
relativamente à interpretação do preceito que não inclua na previsão da norma a
hipoteca legal (no sentido de que a declaração de falência importaria não só a
extinção dos privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das
instituições de segurança social, mas também as hipotecas legais destas
últimas).
Em sede de recurso de constitucionalidade não compete a este Tribunal
pronunciar-se sobre a interpretação adequada do direito ordinário e sim, apenas,
sobre a respectiva conformidade jusconstitucional. A questão da preferência de
hipotecas legais anteriormente registadas face a créditos laborais face à
declaração de falência foi já objecto de apreciação – embora relativamente a
outros preceitos – pelo Tribunal Constitucional. Concluiu-se que a prevalência,
face aos créditos laborais, de créditos garantidos por hipotecas anteriormente
registadas, é uma solução constitucionalmente admissível, encontrando-se dentro
da margem de conformação legislativa, particularmente tendo em atenção que se
trata de hipotecas referentes a créditos da segurança social assentes em
contribuições obrigatórias que não foram satisfeitas, como resulta do Acórdão
n.ºs 498/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 3 de Janeiro de
2004 e Acórdão n.º 284/2007, publicado no Diário da República, II Série, de 27
de Junho de 2007.
Improcedem, assim, os fundamentos da reclamação apresentada.
III – Decisão
4. Face ao exposto acordam, em conferência, indeferir a presente reclamação e,
em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido de não se conhecer do
recurso no que respeita ao artigo 377.º do Código do Trabalho e de lhe negar
provimento na parte relativa ao artigo 152.º do CPREF.
Custas pelos Reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 11 de Março de 2009
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos