DL n.º 262/83, de 16 de Junho (versão actualizada) O diploma ainda não sofreu alterações |
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SUMÁRIO Introduz alterações nos Códigos Civil e Comercial e legisla em matéria de negócios usurários, taxas de juro, cláusulas penais e sanções pecuniárias compulsórias
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1. Com a publicação do Decreto-Lei n.º 200-C/80, de 24 de Junho, introduziram-se no Código Civil algumas alterações respeitantes às taxas de juro e bem assim às cláusulas penais, tendo designadamente em conta que o fenómeno da inflação tornara praticamente irrisórias ou de toda a maneira irrealistas as normas legais que, havia décadas, regiam aquelas matérias.
O presente diploma visa complementar o acima referido, enquanto mantém, no essencial, as alterações então introduzidas, acrescentando algumas disposições atinentes à usura material, que não só à de crédito, bem como à inovação que representam entre nós as medidas compulsórias pecuniárias (astreintes).
2. Quanto à usura (artigos 282.º, 559.º-A e 1146.º), sentiu-se a necessidade de alargar o âmbito do conceito fornecido pelo Código Civil, demasiado restrito para as variadas situações carecidas de tutela jurídica com que a vida real nos confronta. Por outro lado, e principalmente, uma vez que também o recém-publicado Código Penal assim procedera, havia natural e necessariamente de albergar-se na lei civil, pelo menos, a gama de hipóteses caídas sob a alçada da lei criminal.
Unifica-se, além disso, todo o regime jurídico da usura, obviando, em particular, a que o respeito formal das margens legalmente admitidas nos contratos de mútuo viesse preterir a qualificação de certos actos como materialmente usurários segundo o critério geral. À mesma unificação se procede ainda quando se estende o regime próprio do mútuo a quaisquer negócios de crédito ou análogos.
Com isto, que valerá nos mesmos termos em direito civil e em direito comercial, pode revogar-se, enfim, de forma expressa, o pouco que resta ainda do velho Decreto n.º 21730, de 14 de Outubro de 1932.
3. No concernente, em especial, aos juros moratórios (artigos 805.º e 806.º do Código Civil, 48.º e 49.º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças e 45.º e 46.º da Lei Uniforme sobre Cheques), cuida-se, em primeiro lugar, de estabelecer, no tocante apenas à responsabilidade civil extracontratual, um termo inicial específico da mora do lesante-devedor. Depois, inovando também quanto ao direito vigente, faculta-se ao lesado que, se achar insuficiente a indemnização (juros legais) legalmente fixada para a hipótese de mora no pagamento de somas monetárias, exija a reparação suplementar dos danos superiores que haja suportado. Fora esta, já, uma solução preconizada nos trabalhos preparatórios do Código Civil e a evolução posterior - confirmada, aliás, por uma jurisprudência reiterada dos nossos tribunais superiores - tem efectivamente demonstrado que uma aplicação estrita do referido critério legal não se compaginaria com as funções atribuídas pela lei e pela doutrina à indemnização de perdas e danos.
Finalmente, porque se trata de alteração que na prática vem sendo reclamada, também quanto às obrigações tituladas por letras, livranças e cheques há que providenciar. A taxa legal moratória de 6%, fixada nas respectivas Leis Uniformes, perde o carácter de sanção e quase redunda num prémio conferido aos devedores menos escrupulosos - razão sobeja para que o legislador se apresse a pôr cobro a tal situação de injustiça. Nem isso lhe deixa de ser consentido uma vez que - para mais tratando-se de simples direito uniforme - não é exercido neste domínio o primado de qualquer outro ordenamento jurídico.
4. As alterações respeitantes ao funcionamento da cláusula penal (artigos 811.º e 812.º) são de mera forma e introduzem-se agora unicamente porque a revisão dos restantes pontos forneceu tal ensejo. Este, porém, deveria ser aproveitado para melhorar um ou outro pormenor técnico-jurídico realmente merecedor de aperfeiçoamento.
5. Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem todavia menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se contudo atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais.
A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis.
Quando se trate de obrigações ou de simples pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória - no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito em julgado) - poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois, um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção adoptada já pelo legislador em matéria de juros, inclusive moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de segurança e certeza para o comércio jurídico.
Assim:
O Governo decreta, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 201.º da Constituição, o seguinte: | ARTIGO 1.º Alterações ao Código Civil |
São alterados pela forma abaixo indicada os seguintes artigos do Código Civil, ao qual são também aditados os artigos 559.º-A e 829.º-A:
Artigo 282.º
(Negócios usurários)
1 - É anulável, por usura, o negócio jurídico, quando alguém, explorando a situação de necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de carácter de outrem, obtiver deste, para si ou para terceiro, a promessa ou a concessão de benefícios excessivos ou injustificados.
2 - Fica ressalvado o regime especial estabelecido Nos artigos 559.º-A e 1146.º
...
Artigo 559.º-A
(Juros usurários)
É aplicável o disposto no artigo 1146.º a toda a estipulação de juros ou quaisquer outras vantagens em negócios ou actos de concessão, outorga, renovação, desconto ou prorrogação do prazo de pagamento de um crédito e em outros análogos.
...
Artigo 805.º
(Momento da constituição em mora)
1 - ...
2 - ...
3 - Se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor; tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
Artigo 806.º
(Obrigações pecuniárias)
1 - ...
2 - ...
3 - Pode, no entanto, o credor provar que a mora lhe causou dano superior aos juros referidos no número anterior e exigir a indemnização suplementar correspondente, quando se trate de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco.
...
Artigo 811.º
(Funcionamento de cláusula penal)
1 - O credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação; é nula qualquer estipulação em contrário.
2 - ...
3 - O credor não pode em caso algum exigir uma indemnização que exceda o valor do prejuízo resultante do incumprimento da obrigação principal.
Artigo 812.º
(Redução equitativa da cláusula penal)
1 - A cláusula penal pode ser reduzida pelo tribunal, de acordo com a equidade, quando for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente; é nula qualquer estipulação em contrário.
2 - ...
Artigo 829.º-A
(Sanção pecuniária compulsória)
1 - Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
2 - A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.
3 - O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado.
4 - Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar.
...
Artigo 1146.º
(Usura)
1 - É havido como usurário o contrato de mútuo em que sejam estipulados juros anuais que excedam os juros legais, acrescidos de 3% ou 5%, conforme exista ou não garantia real.
2 - É havida também como usurária a cláusula penal que fixar como indemnização devida pela falta de restituição do empréstimo relativamente ao tempo de mora mais do que o correspondente a 7% ou 9% acima dos juros legais, conforme exista ou não garantia real.
3 - ...
4 - O respeito dos limites máximos referidos neste artigo não obsta à aplicabilidade dos artigos 282.º a 284.º
Consultar o Decreto-Lei n.º 47344 de 25 de Novembro de 1966(actualizado face ao diploma em epígrafe) |
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ARTIGO 2.º Alterações ao Código Comercial |
É alterado pela forma seguinte o artigo 102.º do Código Comercial:
Artigo 102.º
(Obrigações de juros)
...
§ 1.º ...
§ 2.º Aplica-se aos juros comerciais o disposto nos artigos 559.º, 559.º-A e 1146.º do Código Civil.
§ 3.º Poderá ser fixada por portaria conjunta dos Ministros da Justiça e das Finanças e do Plano uma taxa supletiva de juros moratórios relativamente aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais, singulares ou colectivas. |
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É revogado o Decreto n.º 21730, de 14 de Outubro de 1932. |
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ARTIGO 4.º Letras, livranças e cheques |
O portador de letras, livranças ou cheques, quando o respectivo pagamento estiver em mora, pode exigir que a indemnização correspondente a esta consista nos juros legais.
Visto e aprovado em Conselho de Ministros de 14 de Abril de 1983. - Francisco José Pereira Pinto Balsemão - João Maurício Fernandes Salgueiro - José Manuel Meneres Sampaio Pimentel.
Promulgado em 3 de Junho de 1983.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO RAMALHO EANES.
Referendado em 6 de Junho de 1983.
O Primeiro-Ministro, Francisco José Pereira Pinto Balsemão. |
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