Em regra, os cidadãos são titulares de direitos que podem exercer e de obrigações que podem cumprir por si, pessoal e livremente.
No entanto, existem factores, naturais ou adquiridas, que interferem com a formação livre e discernida da vontade e que impedem as pessoas de reger convenientemente a sua pessoa e os seus bens.
Essas circunstâncias, que consistem em deficiências de ordem física ou mental ou em certos hábitos de vida, podem revestir diferentes graus de gravidade.
Por essa razão, o Direito possui respostas variadas consoante a relevância dos factores incapacitantes que em cada pessoa se manifestam, e tem ainda a preocupação de adoptar medidas que, por um lado, protejam as pessoas que se encontram afectadas na formação livre da sua vontade, e por outro, que acautelem os interesses de terceiros e a segurança jurídica.
O Ministério Público pode e deve intervir nesta área.
Com efeito, o legislador constitucional conferiu expressamente ao Ministério Público competência para “(...) representar o Estado e defender os interesses que a lei determinar, bem como,(…) para participar na execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade e defender a legalidade democrática”.
Densificando esse ditame constitucional, o Estatuto do Ministério Público confere-lhe especial competência para representar os incapazes.
A intervenção do Ministério Público nas acções em que age em nome próprio, na defesa dos direitos e interesses que lhe são confiados por lei, está isenta de custas, pelo que, quem a ele se dirige solicitando a sua intervenção não terá de proceder ao pagamento de qualquer quantia.
O Ministério Público encontra-se representado junto de todos os tribunais.
Porque são variadas as causas que podem interferir com a formação livre e discernida da vontade são igualmente diversas, e por vezes entrecruzadas, as respostas que o ordenamento jurídico possui para fazer face às incapacidades daí decorrentes.
Por esse motivo pretende-se dar a conhecer as razões que podem determinar a intervenção do Ministério Público, o modo como essa intervenção pode ser solicitada e o fim a que se destina.
Desde logo, a pessoa é incapaz em razão da idade, ou seja, até aos 18 anos e para efeitos civis, a pessoa está sujeita ao poder/dever em que se traduzem as responsabilidades parentais (a não ser que seja emancipada, pelo casamento, aos 16 anos). A regra é a de que os pais são responsáveis pelos filhos até aos 18 anos e estes são incapazes até lá em razão da idade. Para a defesa dos interesses dos menores, consulte neste site a rubrica Menores e Família.
Deve atentar-se, porém, que a partir dos 16 anos, o cidadão, apesar de incapaz civilmente, é responsável criminalmente. Para as questões criminais, consulte neste site a rubrica Como Agir em Situação de Crime.
Pode suceder que um adulto, ou seja, uma pessoa com mais de 18 anos e portanto já civilmente capaz em razão da idade, tenha uma afectação grave e permanente no plano psíquico ou físico que a tornem inapta para reger a sua pessoa e bens; ou que essas afectações, sendo menos graves, prejudiquem a conveniente regência dos interesses da pessoa, ou que as tais limitações decorram de determinadas circunstância de vida. Para estes casos graves e permanentes, o Direito tem, no plano civil, mecanismos de suprimento da incapacidade, pela interdição ou inabilitação do cidadão afectado, passando a pessoa a estar sujeita a tutela, ou a assistência, de outrem nas decisões que respeitam à sua vida e bens ou apenas aos seus bens. São respostas previstas no Código Civil. O Ministério Público junto dos tribunais cíveis tem legitimidade para requerer a interdição e a tutela. Veja infra, nesta rubrica, o tema Incapacidade, Interdição e Inabilitação
Num outro plano, o adulto pode sofrer de anomalia psíquica que careça de tratamento médico. A regra é a de que só há tratamento médico com consentimento livre e esclarecido do doente mas também, por regra, os cidadãos compreendem o benefício dos cuidados de saúde e querem tratar-se, pelo que, sofrendo embora de afectação mental, não constituem problema para si ou para terceiros. Mas pode suceder que uma pessoa tenha anomalia psíquica, que esta seja grave e que a pessoa recuse tratar-se, resultando desta recusa uma situação de perigo para o próprio doente, ou para terceiros ou para bens valiosos. Existe então no âmbito da Lei de Saúde Mental, o Internamento Compulsivo, que pode ser de Urgência ou não, sendo então Internamento Compulsivo Comum. O internamento visa o tratamento médico da pessoa e por isso cessa logo que cessarem as causas que o justificaram. Não é, nem um mecanismo de natureza civil, nem de natureza penal, visa a promoção da saúde mental. É competente o Ministério Público junto do tribunal criminal ou de competência genérica (se aquela não existir). O Ministério Público tem legitimidade para requerer o internamento compulsivo comum e fiscaliza a legalidade do internamento compulsivo de urgência. Veja infra, nesta rubrica, o tema Internamento Compulsivo.
Pode haver casos em que o portador de anomalia psíquica grave, sem domínio intelectual e volitivo da sua pessoa, cometa actos que constituem crime na previsão da lei penal. O Direito prevê então medidas de natureza processual penal e penal, eventualmente a articular com o internamento compulsivo (que não é uma medida penal, é uma medida de promoção da saúde mental). O Ministério Público é o titular da acção penal. Assim em sede de inquérito crime, pode requerer, a título de medida de coacção, a aplicação de internamento preventivo do arguido (em vez de prisão preventiva), nos termos do artigo 202º n.º 2 do Código de Processo Penal. No termo do inquérito, em vez de deduzir acusação, pode requer a aplicação de medida de segurança privativa de liberdade nos termos do artigo 91º do Código Penal e sustenta a sua aplicação em julgamento. A Lei de Saúde Mental, que, sublinhe-se não é direito penal, nos seus artigos 28º e 29º contém uma previsão de articulação do internamento compulsivo com a aplicação da medida penal privativa da liberdade do artigo 91º do Código Penal. A questão da concorrência de situações e processos com diferentes medidas possíveis deve ser levada ao conhecimento do Ministério Público pelo cidadão interessado e pelas demais instâncias.
Actualizado a 30.DEZ.10 por E.M.