1. Nas declarações de menor, em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, poderá estar presente um adulto da sua confiança, desde que aquela nisso manifeste interesse.
2. Na ausência de tal manifestação perante o Juiz, carece pois o advogado constituído por um dos progenitores, em aberto conflito quanto às visitas à menor, de legitimidade para requerer a presença no ato, de um adulto de sua confiança bem como da avó paterna.
3. Indeferindo o senhor Juiz a presença dos senhores Advogados no ato das declarações da menor, por razões de salvaguarda desta, no plano emocional, mas tendo sido gravadas tais declarações e desde logo garantida pelo Sr. Juiz a subsequente audição das mesmas pelos Advogados constituídos, para que pudessem formular de seguida as perguntas adicionais que julgassem adequadas, mostra-se assegurado o contraditório.
Proc. 653/14.2TBPTM-J.L1 2ª Secção
Desembargadores: Ezaguy Martins - Maria José Mouro - -
Sumário elaborado por Susana Leandro
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Apelação - 653/14.2TBPTM-J.L1
Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação
I - Por apenso a identificados autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativas à menor J..., veio P..., em representação daquela sua filha, deduzir, em 17-05-2016, incidente de incumprimento contra o pai da mesma menor, R..., alegando, em suma:
Que nos termos do homologado acordo as férias escolares da menor seriam divididas por ambos os progenitores.
Porém o Requerido, nas passadas férias escolares da Páscoa recusou-se a entregar a menor à mãe.
Para além disso, e durante algum tempo, recusou-se mesmo a deixar a menor falar ao telefone.
Utilizando a menor como forma de agressão à mãe
Conclui pedindo a condenação do Requerido a pagar a instituição de acolhimento de menores, a determinar pelo tribunal, quantia que deixa ao critério do mesmo.
Iniciada uma primeira conferência de pais, em 13-07-2016, foi a mesma suspensa - tendo em vista a avaliação da situação - aprazando-se a sua continuação para 11-11-2016...
Entretanto apresentou o Requerido contestação, onde alega ser a Requerente viciada em heroína, tendo exposto a menor J... a diversos perigos inerentes, relatando a menor diversos episódios vividos com a mãe, que lhe causaram medo e pesadelos.
Não revelando a mãe da menor qualquer interesse por esta.
Remata com a improcedência do incidente, requerendo seja ordenada a sujeição da Requerente a exames médico-periciais interdisciplinares psiquiátricos, psicológicos e toxicológicos, bem como da menor, a exames periciais interdisciplinares psiquiátricos, psicológicos.
O NIJ da Segurança Social remeteu aos autos informação social relativa à supervisão da regularidade das visitas - junta a folhas 30 e 31 - dando conta de que o acompanhamento daquelas se não realizou, na medida em que as visitas da criança junto da família materna não se concretizaram, e circunstanciando esse facto.
Em continuação da anteriormente iniciada conferência de pais - aos 11-11-2016 - foi nela apresentado requerimento, pelo mandatário do progenitor, com o seguinte teor consignado em ata:
Para a audição da criança, o requerido R... Costa, vem requerer que a audição da menor seja realizada na presença de um adulto da sua confiança, bem como a avó patema, e na presença do seu advogado judicial. (nos termos do art.4°, n.° 1 da al. c), n.° 1 a 5, n.° 7 da al. a), g), e) e r) do RGPTC) por assim assegurar os princípios do contraditório do patrocínio judiciário.
0 requerido entende também que é das declarações da menor a presença do pai, do advogado e do Ex.° Magistrado do Ministério Público..
Sendo, depois de ouvidos o M.° P.° e a mandatária da progenitora, proferido despacho indeferindo o requerido sendo a criança ouvida com o Tec. Social, Juiz, Procurador e o Funcionário, gravando-se a diligência, e querendo os Senhores Advogados depois ouvirão as declarações, formulando de seguida as perguntas adicionais que julguem adequadas..
Após audição da menor, e perguntado aos Srs. Advogados se queriam ouvir desde já as declarações da criança para se formular as perguntas adicionais, (...) pelos mesmos foi dito que não..
De seguida, ouvida a tia materna e o pai da menor, por este foi dito que não cumpriria com o ordenado se a filha lhe disser que não quer ir. Que não obriga a filha. Que a mãe não a procura, mas que ela coloca a filha em perigo. Que não é ele que impede a filha de ir..
Na sequência do que foi proferido o seguinte despacho:
Este pai foi aqui advertido de que não cumprindo, será condenado em multa e será ordenada emissão de mandados para entrega da criança.
Não de alteração das responsabilidades parentais, e nega-se a cumprir o regime. Este é um caso claro de enfrentar o poder judicial do Estado.
Vamos-lhe dar uma oportunidade.
No cumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais fixado por acordo, ao abrigo do disposto no artigo 28.° do RGPTC, e no quadro do disposto no artigo° 918.° do CC, determina-se que será a tia materna que passará a ir recolher e entregar a criança, dado que aceita esta responsabilidade e assume-se aqui apenas no interesse da criança, e não de pai ou mãe, a fim de evitar situações de tensão e conflito entre pai e mãe.
E assim, para início do cumprimento do regime de visitas, a tia irá hoje buscar a criança à escola, sendo aí os locais de recolha da mesma nos fins de semana quinzenais, entregando-a em caso do pai no domingo por volta das 17 horas.
O caso continuará ser acompanhada pela ECJ de Mafra e Faro, e assessoria externa, pela Dr. T..., a fim de se tentar melhorar a relação deste agregado pai e mãe.
A fim de avaliar a evolução do caso, interrompe-se a presente diligência e para sua continuação designa-se desde já o dia 9 de dezembro de 2016, às 15h00, com a presença da ECJ de Mafra, Dra. T..., do pai, da mãe e tia paterna, para além da criança, convocando-se Téc. para acompanhar a criança.
Solicite à ECJ de Faro e que avalie as condições da mãe e avó, e à EMAT de Lisboa as da tia, todos para receberem a criança nas visitas, e as demais aspetos quanto à situação da avó, mãe e tia, remetendo até à data infra agendada breve informação social aos autos. .
Inconformado, recorreu o progenitor daqueles dois despachos, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:
1-O 1° despacho recorrido, ao decidir pelo indeferimento do requerimento do Recorrido manifestando a sua pretensão de ver o seu mandatário judicial, bem como a avó paterna da menor Juliana presentes na audição da menor, fez uma errónea interpretação e aplicação da lei;
2- Tratou-se de uma diligência inútil e as declarações da menor, não têm qualquer valor, nem podem ser tomadas em conta em qualquer processo tutelar cível, por inobservância do princípio do contraditório.
3- Esse Venerado Tribunal, deverá assim revogar o douto despacho do Mmo. Juiz a Quo, substituindo-o por outro a ordenar a repetição das declarações da menor na presença do mandatário Judicial do Requerido R... e de adulto da sua confiança daquela, no caso, a avó paterna.
4-O Mmo Juiz a quo, ao decidir como decidiu, no seu 1° despacho, violou o disposto nos arts.4° n° 1 al. c) e art.5° n° 7 al. b) e e) todos do RGPTC, arts 3° n°3, 4° todos do CPC.
5-O 2° despacho do Mmo. Juiz a quo, ao alterar, de forma arbitrária, ad hoc, o regime de visitas vigente e constante do acordo RPP, não cumpriu o dever de fundamentação o que acarreta a sua nulidade.
6-A tutela processual provisória decorrente de decisões provisórias e cautelares é instrumental perante as situações jurídicas decorrentes do direito substantivo.
7-Ao contrário do que sucede quanto às providências tipificadas no C.P.C., as -decisões provisórias proferidas em processo tutelar cível são reguladas segundo critérios de conveniência - art.28 RGPTC 3 art.986 do CPC.
8- 0 Mm° Juiz a Quo, não estava isento do dever de fundamentação de facto e de direito dessa sua decisão judicial de alterar o regime de visitas quinzenal da menor Juliana, impondo, sem o acordo do Requerido, que a tia materna da menor e não a mãe, passe a ir busca-Ia à escola, à sexta feira, no fim do seu período escolar e a entregue na residência do Requerido, por volta das 17 horas,
9- 0 dever de fundamentação das decisões judiciais vincula o Mmo Juiz a Quo, mesmo no âmbito de uma providência tutelar cível de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, ou seja, num processo de jurisdição voluntária.
10- As decisões provisórias proferidas em processo tutelar cível, aplica-se o princípio geral do art.154°, n°1, do C.P.C., que impõe ao Juiz, o dever geral de fundamentação das suas decisões, acrescentando o n°2 desse preceito, que a justificação não pode consistir na mera adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição.
11-Assim sendo, uma decisão provisória proferida no âmbito de providência tutelar cível de regulação do exercício das responsabilidades parentais, de incumprimento ou de alteração no integrando processos de jurisdição voluntária, deve ser fundamentada, por lhe serem aplicáveis as disposições que constam dos arts. 28 RGPTC, 292° a 294° do CPC, por força do disposto no art.986°, n° 1 do CPC.
12- 0 Mmo. Juiz a quo, por imposição legal e constitucional, estava vinculado ao dever de fundamentar a douta decisão recorrida, quer no plano fáctico, quer no plano jurídico.
13-0 julgador, em consonância com o preceituado nos arts.154° n°1 e 2, 292 a 294° ex vi art.986 n°1 e 615, n°1, al.b) todos do CPC e art.205° n°1 da C.R.P, deve fundamentar, quer no plano fáctico, quer no plano o jurídico, as decisões por si proferidas
14- 0 n°1 do art.205° da C.R.P. expressa que: as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
15-A imposição constitucional ao Julgador do dever de fundamentação das suas decisões judiciais, é não só um dos seus elementos essenciais como também a sua fonte de legitimação.
16- Esse douto despacho recorrido padece de vício de nulidade mesmo que se entendesse, por mera hipótese, sem conceder, que a fundamentação não é omissa mas meramente deficiente.
17- A fundamentação do despacho recorrido é de tal modo insuficiente, que não permite aos seus destinatários, nomeadamente o Requerido R... e ao Venerado Tribunal da Relação, a perceção das razões de facto e de direito que estiveram na génese dessa decisão judicial.
18- A não fundamentação do despacho recorrido, acarretou a nulidade desse acto decisório, inquinando também todos os actos processuais que dele dependam.
19-0 20 despacho recorrido violou o disposto nos arts.154 n°1 e 2, 292 a 294 ex vi art.986 n°1 e 615, n°1, al.b) todos do CPC e art.205 n°1 da C.R.P)..
Remata com a revogação do primeiro despacho e anulação do segundo despacho recorridos.
Contra-alegou o M.° P.°, pugnando pela manutenção do julgado.
II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Preliminarmente frisa-se que, não tendo sido arguida a falsidade da ata da diligência do dia 11-11-2016, e para lá das considerações, assim inconsequentes, que o Recorrente entendeu fazer quanto àquela e quanto aos motivos de tal não arguição, se impõe a consideração do teor da mesma, enquanto documento autêntico que é.
Isto posto.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele - vd. art.°s 6350, n.° 3, 6390, n.° 3, 6080, n.° 2 e 6630, n.° 2, do novo Código de Processo Civil - são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- quanto ao primeiro despacho recorrido, se deveria ter sido-deferida a pretensão do Requerido, no sentido de o seu mandatário judicial, bem como a avó paterna da menor Juliana estarem presentes na audição da menor;
- quanto ao segundo despacho recorrido, se o mesmo enferma de nulidade por falta ou deficiência de fundamentação.
Com interesse emerge da dinâmica processual o que se deixou referido supra, em sede de relatório, e sem prejuízo do que, em juízo de oportunidade, mais se irá convocando no decorrer do expositivo.
II - 1 - Da audição da menor.
1. Nos termos do disposto no artigo 40, do RGPTC - aprovado pela Lei n.° 141/2015, de 8 de Setembro - sob a epígrafe Princípios orientadores, e no que agora interessa:
“1 - Os processos tutelares cíveis regulados no RGPTC regem-se pelos princípios orientadores de intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo e ainda pelos seguintes:
a) Simplificação instrutória e oralidade - a instrução do processo recorre preferencialmente a formas e a atos processuais simplificados, nomeadamente, no que concerne à audição da criança que deve decorrer de forma compreensível, ao depoimento dos pais, familiares ou outras pessoas de especial referência afetiva para a criança, e às declarações da assessoria técnica, prestados oralmente e documentados em auto;
b) ( ... );
c) Audição e participação da criança - a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, preferencialmente com o apoio da assessoria técnica ao tribunal, sendo garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, o acompanhamento por adulto da sua escolha sempre que nisso manifeste interesse.
(…)
Dispondo-se, no artigo 5º, n.° 7, que:
A tomada de declarações obedece às seguintes regras:
a) A tomada de declarações é realizada em ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas, devendo a criança ser assistida no decurso do ato processual por um técnico especialmente habilitado para o seu acompanhamento, previamente designado para o efeito;
b) A inquirição é feita pelo juiz, podendo o Ministério Público e os advogados formular perguntas adicionais;
c) As declarações da criança são gravadas mediante registo áudio ou audiovisual, só podendo ser utilizados outros meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas quando aqueles meios não estiverem disponíveis e dando-se preferência, em qualquer caso, à gravação audiovisual sempre que a natureza do assunto a decidir ou o interesse da criança assim o exigirem;
(…)
e) Quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível;
(…)”.
Em matéria de princípios orientadores da intervenção estabelecidos na lei de proteção de crianças e jovens em perigo, estabelece-se no artigo 40 da LPCJP, (e em quanto não se mostre expressamente regulado no RGPTC):
A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:
a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto;
(…)”.
2. Deste entretecido normativo, deflui que a criança, com capacidade de compreensão dos assuntos em discussão, tendo em atenção a sua idade e maturidade, é sempre ouvida sobre as decisões que lhe digam respeito, e, em correspondência com essa capacidade, poderá manifestar interesse em ser acompanhada no ato por um adulto de sua escolha, caso em que tal lhe deverá ser garantido, salvo recusa fundamentada do juiz, na consideração do interesse superior do menor.
Ora, sendo certo que no despacho impugnado se ressalvou que, Já quanto à pessoa das sua confiança, cabe à criança pronunciar-se sobre isso, não emerge dos autos - designadamente da ata respetiva e do registo áudio das declarações da menor - que esta haja por qualquer forma manifestado um tal interesse...
Posto o que, no tocante ao indeferimento do requerimento apresentado pelo Exm.° Mandatário da Requerente/recorrente, na parte relativa à presença de um adulto da sua confiança, bem como a avó paterna da menor, na audição desta, desde logo nenhuma censura é de fazer.
Correndo-se aliás o risco, em circunstância que tal, e ademais com a igualmente reivindicada presença dos Exm°s Advogados, de termos já, além da audição da menor... um verdadeiro... auditório...
Em completa derrogação do tal ambiente informal e reservado, com vista a garantir, nomeadamente, a espontaneidade e a sinceridade das respostas..
Acresce que, como no despacho recorrido se ponderou, e os autos ilustram à evidência - sendo situação infelizmente recorrente em processos desta natureza, desde que exista capacidade de litigância - nos confrontamos com situação em que por força da vinculação e vulnerabilidade perante os progenitores e o conflito parental, e os profundos conflitos de lealdade em que se vê (a menor) deparada, importa obstar a que esta se encontre numa audição instrumentalizada nesse quadro emocional .
3. No que tange à presença do advogado da mãe da menor – que não desta - é facto, como visto, que a lei prevê a possibilidade de os advogados, relativamente à inquirição da menor pelo juiz, possam formular perguntas adicionais.
O que, in casu, se mostra observado, ainda que sem o imediatismo resultante da presença física do advogado no ato das declarações.
E assim certo que tendo sido gravada a diligência, foi facultada aos Srs. Advogados -- depois de ouvidas as gravações, em ato contínuo, formularem as perguntas adicionais que julgassem adequadas, o que aqueles entenderam não fazer.
Não impressionando, de todo, essa ausência da presença física, e com muita probabilidade intimidante, posto que de advogados de progenitores de tal modo antagonizados, e que, até à data não deram vislumbre de colaboração no sentido desse outro princípio orientador dos processos tutelares cíveis, qual seja o da Consensualização - os conflitos familiares são preferencialmente dirimidos por via do consenso, com recurso a audição técnica especializada e ou à mediação (...), cfr. artigo 40, n.° 1, alínea b), do RGPTC.
É que, e por um lado, movimentando-nos na área da jurisdição voluntária - cfr. artigo 12º do mesmo Regulamento - tal significa que, neles não sendo obrigatória a constituição de advogado - salvo na fase de recurso - também o julgador não está vinculado à observância estrita do direito aplicável à espécie vertente, tendo liberdade para se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que se lhe afigure mais conveniente, sendo apenas admitidas as provas que o juiz considere necessárias, cfr. artigos 1409º, n.°s 2 e 4 e 1410º, do Código de Processo Civil.
Por outro lado, desde que se consagrou Código de Processo Civil, e em caso de impugnação da decisão da l a instância quanto à matéria de facto, a reponderação, pela Relação, do julgamento daquela, com base no mero registo áudio das declarações e depoimentos prestados, não vemos - sob pena de incoerência do sistema - como sustentar a violação, in casu, do princípio do contraditório.
Pois se aos mandatários dos progenitores litigantes, não lhes foi facultada - em função do manifesto superior interesse da menor - a presença em imediação física no ato de declarações daquela, ponto é, reitera-se, que lhes foi assegurada a possibilidade de, ouvida a gravação respetiva, e no âmbito da mesma diligência, formularem as tais perguntas adicionais que julgassem adequadas.
Sendo de assinalar, que, v.g., para Rui Alves Pereira será de registar, “A este respeito, ainda (...) como menos positivo, o facto de o nosso legislador ter consignado a presença dos Advogados nesta audição, com direito a perguntas adicionais, bem como o facto de não ter concretizado profissionalmente a assessoria técnica e/ ou técnico especialmente habilitado para acompanhar a Criança.
(…)
Quanto à presença de outras pessoas, o artigo 5.º RGPTC indica as pessoas que podem estar presentes, sendo que, como já afirmámos supra, os Advogados não deviam estar presentes por representarem para as Crianças a figura dos Progenitores. Quanto aos assessores técnicos ou ao técnico especialmente habilitado para acompanhar a Criança deviam estar devidamente especificados.
Assim, cumpre em cada caso concreto aferir quem são as pessoas perante as quais a Criança se sente mais à vontade para se expressar..
De resto, o que assim apenas marginalmente se assinala, do concitado artigo 50, n.° 7, alínea e) - ao dispor que, que Quando em processo de natureza cível a criança tenha prestado declarações perante o juiz ou Ministério Público, com observância do princípio do contraditório, podem estas ser consideradas como meio probatório no processo tutelar cível' - resulta que quando no processo tutelar cível o menor preste declarações sem observância do princípio do contraditório - o que, reitera-se, se considera não ser o caso - a consequência única será não poderem aquelas ser consideradas, no processo, como meio probatório...
... Ficando em qualquer caso preservado o princípio da audição da criança, traduzido na concretização do direito à palavra e à expressão da sua vontade; no direito à participação ativa nos processos que lhe digam respeito e de ver essa opinião tomada em consideração; numa cultura da Criança enquanto sujeito de direitos.
Improcedendo destarte, e quanto ao 1º despacho, as conclusões do Recorrente.
II - 2 - Da falta ou insuficiência da fundamentação do 2º despacho.
1. Reporta-se o Recorrente, a propósito, à nulidade prevista no artigo 615º, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Logo se assinalará que, como anotam José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto, apenas Há nulidade (no sentido lato de invalidade, usado pela lei) quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão (ac. do STJ de 17.10.90, AJ, 12, p. 20: constitui nulidade a falta de discriminação dos factos provados). Não a constitui a mera deficiência de fundamentação (ac. do STJ de 3.7.73, BMJ, 229, p. 155: a indicação dos preceitos legais aplicáveis constitui fundamentação suficiente da decisão). (o negrito está no original).
Ora, como da ata consta, ouvidos o pai e a mãe da menor, após as declarações desta, foi dito pelo progenitor, ora Recorrente, que não cumpriria com o ordenado - leia-se com o regime de visitas estabelecido - se a filha lhe disser que não não quer ir. Que não obriga a filha. Que a mãe não a procura, mas que ela coloca a filha em perigo. Que não é ele que impede a filha de ir.
Sendo, perante isto, proferido o 2º despacho recorrido, ponderando que:
Este pai foi aqui advertido de que não cumprindo, será condenado em multa e será ordenada emissão de mandados para entrega da criança.
Não de alteração das responsabilidades parentais, e nega-se a cumprir o regime. Este é um caso claro de enfrentar o poder judicial do Estado.
Vamos-lhe dar uma oportunidade.
No cumprimento do regime de regulação das responsabilidades parentais fixado por acordo, ao abrigo do disposto no artigo 28. ° do RGPTC, e no quadro do disposto no artigo° 918.º do CC, determina-se que será a tia materna que passará a ir recolher e entregar a criança, dado que aceita esta responsabilidade e assume-se aqui apenas no interesse da criança, e não de pai ou mãe, afim de evitar situações de tensão e conflito entre pai e mãe.
E assim, para início do cumprimento do regime de visitas, a tia irá hoje buscar a criança à escola, sendo aí os locais de recolha da mesma nos fins de semana quinzenais, entregando-a em caso do pai no domingo por volta das 17 horas. .
Dizer muito mais do que isto, em sede de fundamentação de facto e de direito, e na circunstância, incorreria já em puro exercício de diletantismo jurídico, que nada aportaria de essencial à motivação da 1ª instância, e nem se casaria com a idiossincrasia de uma decisão provisória, em processo de jurisdição voluntária, que não alterou a estrutura da regulação do exercício das responsabilidades parentais vigente - designadamente no tocante à duração e periodicidade das visitas da menor à mãe - apenas procurando ultrapassar - em ordem a evitar medidas drásticas, de último recurso, sempre traumatizantes para uma menor de oito anos de idade - a manifesta resistência do pai aos contactos da menor com a mãe.
E, desse modo, considerando, como está implícito, que a óbvia rejeição pelo progenitor das estabelecidas visitas, seria de alguma forma mitigada, quando seja a tia materna C..., quem passe a ir recolher e entregar a criança.
Não carecendo o tribunal - até ver... - do acordo do Requerido/recorrente, para alterar provisoriamente uma RERP, como aquele parece pretender, nas suas alegações de recurso: (... ) impondo, sem o acordo do Requerido, que a tia materna da menor e não a mãe, passe a ir busca-ia à escola....
Ainda quanto à pretendida insuficiência da fundamentação do despacho recorrido, que não permitiria aos seus destinatários, nomeadamente o Requerido R... e ao Venerado Tribunal da Relação, a perceção das razões de facto e de direito que estiveram na génese dessa decisão judicial., dir-se-á que, para lá de se não conceder esse impedimento - sendo coisa diversa a discordância da fundamentação - ponto é que apenas alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; determina, (e só) no novo Código de Processo Civil, a nulidade da sentença ou do despacho, cfr. artigo 615º, n.° 1, alínea c), 2a parte, daquele compêndio normativo.
Ora, e como visto, o Recorrente reporta-se à ininteligibilidade, por insuficiência, da fundamentação, que não da decisão...
Não enfermando pois o dito 2º despacho da nulidade que lhe é assacada. Com improcedência, também aqui, das conclusões do Recorrente.
Que o assim decidido seja a decisão provisória que ao caso cabia, não está posto em crise, nem os elementos disponíveis, em absoluto, contrariam.
Não deixando de se referir - conquanto por igual nesta parte, apenas marginalmente - que na Informação Social prestada pela UDSPNIJ da Segurança Social, de 13-12-2016, a folhas 75 a 77, se dá conta, quanto às condições de vida da progenitora e avó materna da criança em apreço”, que:
Efectuámos visita domiciliária durante o corrente mês na morada constante nos presentes autos, em Lagos.
Trata-se de um apartamento enquadrado em urbanização moderna, à entrada da Cidade de Lagos, com excelente acesso a transportes, comércio e serviços de primeira necessidade. Tipologia 2, 2 quartos, 1 salão comum, cozinha, 2 wcs e ampla varanda.
Na altura da visita domiciliária, a habitação encontrava-se em excelentes condições de organização, higiene, conforto e arejamento.
Foi possível verificar que o apartamento se encontra mobilado e decorado, assim como organizado em função de reunir condições para a vivência de P..., da sua filha J..., irmã de P... que se desloca ao Algarve regularmente, assim como da avó materna da criança, elemento presente no dia-a-dia do agregado.
(…)
Relativamente à estabilidade do agregado, Patrícia encontra-se a viver aqui, na companhia de sua mãe, desde início do mês de Junho do presente ano. Encontra-se desempregada, inscrita no IEFP de Lagos, e faz alguns trabalhos de cabeleireira a título particular, em casa, junto de algumas clientes, área para a qual afirma possuir formação.
M..., sua progenitora, nascida em 1956/06/03, é aposentada da actividade de aux.acção médica, continuando a efectuar part-time em apoio domiciliário junto de pessoas dependentes, com necessidade do seu apoio.
(…)
Perante o quadro atrás descrito e face a uma realidade habitacional e social adequada, assim como uma manifesta capacidade desta progenitora interagir adequadamente com as técnicas, não verificámos qualquer tipo de indicador óbvio que possa inviabilizar a permanência de Juliana neste agregado familiar, nos moldes que V. Exa, considerar mais adequados..
III - Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando os despachos recorridos.
Custas pelo Recorrente, que decaiu totalmente.
Em observância do disposto no n.° 7 do art.° 663º do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:
I - Nas declarações de menor, em processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, poderá estar presente um adulto da sua confiança, desde que aquela nisso manifeste interesse. II - Na ausência de tal manifestação perante o Juiz, carece pois o advogado constituído por um dos progenitores, em aberto conflito quanto às visitas à menor, de legitimidade para requerer a presença no ato, de um adulto de sua confiança bem como da avó paterna. III - Indeferindo o senhor Juiz a presença dos senhores Advogados no ato das declarações da menor, por razões de salvaguarda desta, no plano emocional, mas tendo sido gravadas tais declarações e desde logo garantida pelo Sr. Juiz a subsequente audição das mesmas pelos Advogados constituídos, para que pudessem formular de seguida as perguntas adicionais que julgassem adequadas, mostra-se assegurado o contraditório..
Lisboa, 2017-06-01
(Ezagüy Martins)
(Maria José Mouro)
(Maria Teresa Albuquerque)