Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa
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 - ACRL de 11-03-2015   Acidente de trabalho. Alteração da matéria de facto. Prova não gravada.
Nos termos do disposto no art. 662° do CPC/2013, não se tendo procedido ao registo dos depoimentos das testemunhas, inexiste motivo para se alterar a matéria de facto fixada em 1ª instância
Proc. 218/12.3TTTVD.L1 4ª Secção
Desembargadores:  Duro Mateus Cardoso - Isabel Tapadinhas - -
Sumário elaborado por Isabel Lima
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PROCESSO N° 218/12.3TTTVD.L1 Apelação

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
I- L..., intentou no Tribunal do Trabalho de Torres Vedras a presente acção declarativa de condenação, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, CONTRA,
A... E M....
II- PEDIU o reconhecimento do acidente como de trabalho, o nexo entre o acidente e as lesões e a condenação dos réus a pagar todas as despesas da Autora com juros vencidos e vincendos, bem como as indemnizações por ITA, no montante de € 6.090,00 (Seis mil e noventa euros) e as despesas no montante de € 6.000,00 (Seis mil euros), bem como € 180,00 (cento e oitenta euros) de transportes ao Hospital de Santa Maria e € 10,40 para deslocação a Torres Vedras, e o capital de remissão que vier a ser fixado em resultado de exame pela Junta Médica.
III- ALEGOU, em síntese, que:
- No dia 14/12/2010 quando exercia a actividade de empregada a dias por conta, sob a autoridade, direcção e fiscalização dos réus foi vítima de um acidente do qual resultaram lesões que determinaram uma incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 14/12/2010 a 28/3/2012 e uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 4/prct. desde 28-3-2012;
- Prestava serviço doméstico para os réus todas as terças feiras com excepção do mês de Outubro em que trabalhava duas semanas seguidas, mediante uma retribuição de € 35,00/dia, prestação que tinha lugar desde 1990;
IV- os réus foram citados e CONTESTARAM, dizendo, no essencial, que: - Verifica-se a caducidade do direito de acção;
- O réu é parte ilegítima substantiva;
- Desconhecem a existência do acidente;
- A autora apenas prestou alguns, poucos e esporádicos, serviços para a ré mulher e apenas para esta, nunca tendo sido trabalhadora desta;
- Não têm qualquer responsabilidade derivada do acidente.
V- Foi dispensada a audiência preliminar, proferido despacho saneador e elaborou-se matéria de Facto Assente e Base Instrutória.
Constituiu-se Apenso para fixação de incapacidade e, realizada Junta Médica, foi fixada à autora uma IPP de 1/prct. desde 13/1/2011.
O processo seguiu os termos e foi proferida sentença em que se julgou pela forma seguinte: Termos em que, com a fundamentação de facto e de direito exposta, se decide julgar a presente acção improcedente por não provada absolvendo os réus do pedido que nela contra era formulado .
Dessa sentença, a autora interpôs recurso de Apelação (fols. 328 v. a 332), apresentando as seguintes conclusões:
1- A douta decisão proferida não apreciou devidamente a prova produzida.
2- Com efeito desvalorizou o depoimento da testemunha Deolinda Morgado, Fátima Ferreira, Nelson Esteves e Margarida Dias sem fundamento para tal, como claramente resulta das considerações exaradas na douta sentença.
3- Muito embora não se tenha procedido a gravação da prova produzida a douta decisão oferece todos os elementos de factos necessários para a boa decisão da prova produzida.
4- O acidente sofrido pela A. em 12/02/2010, em casa dos RR. deve ter sido como acidente de trabalho por força do disposto do art° 8° da Lei 98/2009.
5- E a incapacidade permanente revelada pela A. terá de julgar-se consequência do referido acidente de trabalho.
6- A douta sentença proferida violou o disposto nas normas legais referenciadas, nomeadamente art°s 11° e 12° do C.T. e art°s 8°, 9° e 10° da Lei 98/2009, bem como nos art°s 659° e 668° n° 1 c) do CPC.
Nestes Termos,
Se deve anular ou revogar a douta sentença proferida e julgar procedente por provada a acção. Ou, pelo menos, se deve ordenar a repetição do julgamento para a boa decisão da matéria de facto e consequente correcta aplicação do direito.
Os réus não contra-alegaram.
Correram os Vistos legais, tendo a Digna Procuradora-Geral Adjunta do Ministério Público emitido Parecer (fols. 339), no sentido da sentença recorrida ser confirmada.
VII- A matéria de facto considerada provada em 1.ª instância é a seguinte:
1- A autora realizava serviços de limpeza na residência dos réus;
2- No dia 14-12-2010 a autora foi assistida no Centro de Saúde de Sobral de Monte Agraço sendo encaminhada para o Hospital de Torres Vedras onde foi assistida por lesão/corte no dedo anelar esquerdo e encaminhada para consulta de cirurgia plástica no Hospital de Santa Maria;
3- Tal lesão (ferida incisa) determinou trinta dias para a sua consolidação clínica;
4- Em consequência da lesão a autora apresenta sequelas determinantes de
uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 1.00/prct. desde 13-1-2011;
5- Em 12-7-2009 a autora havia sofrido lesão no mesmo dedo anelar;
6- Em 23-2-2011 a autora foi observada em consulta de cirurgia plástica no
CHLN (Santa Maria/Pulido Valente);
7- Os tratamentos de cirurgia plástica importaram em € 24,75;
8- Os réus não transferiram a sua responsabilidade por acidente de trabalho, com referência à autora, para qualquer seguradora;
9- A autora fazia serviços de limpeza noutras casas.
VIII- Nos termos dos arts. 635°-4, 637°-2, 608°-2 e 663°-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.
Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3a ed., pag. 148).
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, as questões que se colocam no presente recurso são as seguintes:
A ia, se a matéria de facto fixada em 1a instância pode ser alterada conforme pretende a autora.
A 2a, se a sentença pode ser alterada, concluindo-se pela ocorrência de um acidente de trabalho.
IX- Decidindo.
Quanto à r questão.
Pretende a autora que se altere a matéria de facto fixada em la instância com base na fundamentação que a Mma Juíza a quo fez consignar relativamente aos factos que considerou provados e não provados, transcrevendo para a acta a prova produzida, na medida em que, não tendo havido gravação da audiência, a decisão de facto proferida oferece todos os elementos de facto necessários para decidir em sentido diferente.
Lavra a apelante em dois equívocos.
O primeiro, porque a Mma Juíza a quo não transcreveu para a acta (nem para a sentença recorrida) a prova produzida, tendo-se limitado a algumas considerações sobre os depoimentos produzidos a propósito da fundamentação dos factos dados como provados e não provados.
O segundo, porque nos termos dos arts. 640° e 662° do CPC/2013, na impugnação da matéria de facto, o Tribunal da Relação não vai reapreciar a fundamentação atinente à fixação em 1a instância da matéria de facto, vai antes reapreciar directamente as fontes probatórias produzidas, testemunhais ou/e documentais.
Como a produção da prova não foi gravada, não tem este Tribunal acesso à mesma e, por isso, desconhece o seu conteúdo. Por outro lado, também não estamos perante qualquer das situações previstas nas als. a) a d) do n° 2 do art. 662° do CPC/2013.
Assim sendo e face ao disposto no art. 662° do CPC/2013, não se tendo procedido ao registo dos depoimentos das testemunhas, inexiste motivo para se alterar a matéria de facto fixada em Ia instância.
Quanto à 2a questão.
Improcedendo a 1.ª questão, como improcedeu, mostra-se prejudicada a apreciação desta 2.ª questão, pois que dependia da procedência da alteração da matéria de facto nos termos pretendidos.
X- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas em 1.ª instância como ali fixado.
Custas da apelação a cargo da autora.
Lisboa, 11 de Março de 2015