ACSTJ de 18-12-2008
Escolha da pena Culpa Prevenção especial Prevenção geral Suspensão da execução da pena Tráfico de estupefacientes
I -Uma das questões mais importantes no âmbito das penas de substituição [aquelas que podem ser aplicadas em vez das penas principais concretamente determinadas] é a do critério, ou critérios, que deve(m) presidir à escolha entre prisão e uma pena de substituição. O que se afirma é que, na lei penal vigente, a culpa só pode (e deve) ser considerada no momento que precede o da escolha da pena – o da medida concreta da pena de prisão –, não podendo ser ponderada para justificar a não aplicação de uma pena de substituição: tal atitude é tomada tendo em conta unicamente critérios de prevenção. Significa o exposto que não oferece qualquer dúvida interpretar o estipulado pelo legislador (art. 71.º do CP) a partir da ideia de que um orientamento de prevenção – e esse é o da prevenção especial – deve estar na base da escolha da pena pelo tribunal; sendo igualmente um orientamento de prevenção – agora geral, no seu grau mínimo – o único que pode (e deve) fazer afastar a conclusão a que se chegou em termos de prevenção especial. II - A prevalência não pode deixar de ser atribuída a considerações de prevenção especial de socialização, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão. III - Essa prevalência ocorre em dois níveis diferentes: -o tribunal só deve negar a aplicação de uma pena alternativa ou de uma pena de substituição quando a execução da prisão se revele, do ponto de vista da prevenção especial de socialização, necessária ou, em todo o caso, provavelmente mais conveniente do que aquelas penas – coisa que só raramente acontecerá se não se perder de vista o carácter criminógeno da prisão, em especial da de curta duração; -sempre que, uma vez recusada pelo tribunal a aplicação efectiva da prisão, reste ao seu dispor mais do que uma espécie de pena de substituição (v.g., multa, prestação de trabalho a favor da comunidade, suspensão da execução da prisão), são ainda considerações de prevenção especial de socialização que devem decidir qual das espécies de penas de substituição abstractamente aplicáveis deve ser a eleita. IV - Por seu turno, a prevenção geral surge aqui sob a forma do conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização: desde que impostas ou aconselhadas à luz de exigências de socialização, a pena alternativa ou a pena de substituição só não serão aplicadas se a execução da pena de prisão se mostrar indispensável para que não sejam postas irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias. V - Nos últimos anos ocorreram importantes modificações na teoria dos fins das penas que, no geral, alteraram a relação entre a prevenção geral e a prevenção especial em favor daquela. Neste contexto, foi beneficiada a prevenção de integração com o que se faz sobressair dentro da prevenção geral uma troca que leva da pura prevenção de intimidação para o aspecto positivo da salvaguarda e caucionamento da fidelidade ao direito. Deste modo, a prevenção geral perdeu a sua orientação unidimensional para a agravação da pena para passar a constituir uma expressão diferenciada acerca da aceitação das normas e a disposição ao cumprimento destas por parte da população. Dependendo da específica situação do autor e do delito, ela pode mover-se entre o prescindir das sanções até um considerável agravamento da pena. Assim, a prevenção geral, de forma similar à prevenção especial, passou a constituir um princípio flexível para a determinação da pena, da qual se aproximam tanto as estratégias de diversão como a compensação entre o autor e o ofendido como um mais intensivo agravamento na imposição de sanções. VI - As modificações mais actuais e apreensíveis tiveram lugar dentro da prevenção especial: uma acentuada retirada da ideia de asseguração; uma clara mudança de acentuação dentro da ideia de ressocialização (evitar dessocialização; formas sancionatórias ambulatórias em substituição das estacionárias); e, finalmente, uma mais clara diferenciação na intimidação preventivo-especial e uma revalorização da penas privativas de liberdade de curta duração. VII - A admissão da suspensão da execução da pena de cinco anos de prisão – que já nada tem a ver com uma reacção humanista contra os malefícios das penas curtas de prisão, mas tão-somente reflecte um mal-estar do legislador perante a pena carcerária – deve necessariamente traduzir-se num redobrado e atento exame da situação concreta, face às exigências da prevenção geral, perante penas que correspondem a crimes que de forma alguma aceitam a designação de criminalidade menor. É uma questão de confiança da população na administração da justiça ou reprovação da comunidade perante a tolerância injustificada pelas circunstâncias do caso concreto na não execução da pena de prisão. A suspensão da mesma pena deve afigurar-se como compreensível e admissível perante o sentido jurídico da comunidade. VIII - A lei não o diz, mas é uma questão de razoabilidade e lógica jurídica dimanada dos princípios a afirmação de que, em termos de prevenção especial, não tem o mesmo significado na aferição da possibilidade de suspensão de execução da pena uma pena de 6 meses ou uma pena de 4 anos de prisão. IX - Por isso, e considerando desde logo que o tráfico de estupefacientes constitui um autêntico flagelo social, dificilmente é aceitável para o conjunto dos cidadãos que a pena correspondente a tal ilícito seja suspensa na sua execução quando as circunstâncias apontam para uma actividade ilícita que apresenta uma apreciável dimensão em termos de ilicitude. X - Por outro lado, pressuposto básico da aplicação de pena de substituição ao recorrente é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao seu comportamento futuro. Por outras palavras, é necessário que o tribunal esteja convicto de que a censura expressa na condenação e a ameaça de execução da pena de prisão aplicada são suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais e para o futuro. XI - Tal conclusão tem de se fundamentar em factos concretos que apontem de forma clara para a forte probabilidade de uma inflexão em termos de vida, reformulando os critérios de vontade de teor negativo e renegando a prática de actos ilícitos. XII - Numa situação em que: -por acórdão transitado em julgado em 28-02-2001, por factos ocorridos em 09-09-1999, o arguido foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão efectiva, já declarada extinta; -posteriormente o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal; -nos presentes autos foi condenado pela prática, em 2006 e 2007, de um crime de tráfico de estupefacientes e um crime de detenção de arma proibida, na pena única de 4 anos e 9 meses de prisão; os factos apontam de forma inelutável para a conclusão de que a personalidade do arguido manteve as mesmas características de revelia ao respeito da lei, não existindo, pois, elementos que permitam fundamentar a suspensão da execução da pena aplicada.
Proc. n.º 3926/08 -3.ª Secção
Santos Cabral (relator)
Oliveira Mendes
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