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Processo n.º 101/2012
3ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 76.º [por lapso, o reclamante indica o n.º 3 do artigo 78.º-A, que se refere a reclamação de decisão sumária proferida pelo relator no Tribunal Constitucional] da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho daquele Tribunal que não admitiu o recurso, por si interposto, para o Tribunal Constitucional.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
“A. manifestou pretensão de interpor recurso do acórdão proferido nos presentes autos, sustentando-se no disposto no art. 70.º, n.º 1 da Lei n.º 28/82 (LTC), por estimar ter o mencionado aresto violado o art. 929.º do CPC.
Preceitua o citado preceito da LTC (Lei n.º 28/82) que “Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais: b) que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
A norma cuja inconstitucionalidade se reclama não foi invocada durante o processo como inconstitucional pelo que só o tendo sido neste momento não cabe recurso da decisão que, eventualmente, tenha aplicado a norma questionada de inconstitucional.
Pelas expostas razões não se admite o recurso interposto”.
2. Na reclamação apresentada junto deste Tribunal, o reclamante veio dizer o seguinte:
“1- Foi o recorrente notificado da decisão de não admitir o recurso interposto, por não estarem reunidos os pressupostos processuais de que depende, nos termos legais, o prosseguimento do recurso de constitucionalidade.
2- E isto porque, não foi observado o ónus de suscitação, durante o processo, da questão de inconstitucionalidade normativa que pretende ver reapreciada pelo Tribunal Constitucional.
3- O recorrente não concorda com a decisão.
4- A inconstitucionalidade daquele normativo foi suscitada no exato momento do seu surgimento, aquando da decisão do STJ.
5- Nesta fase, verificou-se que o artigo 929º do CPC quando interpretado no sentido como foi pelo STJ, é inconstitucional, por manifesta violação do artigo 20º da CRP.
6- Assim, estão reunidos os pressupostos processuais para o conhecimento do recurso ora interposto, pois foi dado cumprimento ao ónus de suscitação prévia, nos termos do artigo 70º, nº1, alínea b) e 72º, nº2 da LTC.
7- Quando muito, e se o requerimento do recorrente oferecesse alguma dúvida, haveria aquele de ser convidado nos termos do artigo 75º-A, nº5 da LTC.
Termos em que se solicita que seja prolatado acórdão sobre a matéria em causa, no sentido de admitir e conhecer o recurso apresentado”.
3. O requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade tem o seguinte teor.
“A., recorrido nos autos em tópico, inconformado com o acórdão proferido, vem dele interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do art. 70, nº1, da Lei 28/82 de 15 de novembro, entendendo o recorrente que o artigo 929º do CPC, quando interposto pelo sentido e alcance formulados por aquele acórdão do Venerando Supremo tribunal de Justiça, é inconstitucional, por violação do artigo 20º da CRP.
Assim, por estar em tempo e ter legitimidade, requer a admissão do presente recurso, com subida imediata nos próprios autos e efeito suspensivo”.
4. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal veio pugnar pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. O despacho reclamado não admitiu o recurso interposto por A. para o Tribunal Constitucional, com fundamento em não ter a questão de constitucionalidade que integra o seu objeto sido previamente suscitada durante o processo.
Na reclamação ora apresentada o reclamante afirma que a inconstitucionalidade foi suscitada no exato momento do seu surgimento, aquando da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, pelo que estariam reunidos os pressupostos processuais para o conhecimento do recurso ora interposto, tendo sido dado cumprimento ao ónus de suscitação prévia, nos termos do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º, n.º 2 da LTC.
Não tem razão o reclamante.
Importa começar por observar que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade é deficiente, pois nele não vem indicada a alínea do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, ao abrigo da qual o recurso é interposto, o que é exigível, nos termos das disposições conjugadas dos n.os 1 a 4 do artigo 75.º-A da LTC.
Simplesmente, jamais seria de promover o seu aperfeiçoamento, nos termos do disposto nos n.os 5 e 6 do artigo 75.º-A da LTC, por, independentemente da inobservância dos requisitos específicos – e supríveis – do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, o recurso ser inadmissível pelo fundamento oferecido no despacho ora reclamado. A isso acresce que resulta do teor da reclamação ora apresentada que se pretendeu interpor o recurso ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC.
Ora, nos termos do disposto nessa alínea, cabe recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Nos presentes autos, o momento processualmente oportuno para dar cumprimento ao ónus de suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de modo a este estar obrigado a dela conhecer – ónus esse estabelecido no n.º 2 do artigo 72.º da LTC – teria sido o da apresentação das contra-alegações no recurso interposto pela exequente Vanessa Souto Y Souto Nunes para o Supremo Tribunal de Justiça.
Compulsados os autos, verifica-se que nessa peça processual não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade.
É certo que, nos casos excecionais e anómalos em que o recorrente não tenha disposto processualmente da possibilidade de dar cumprimento ao ónus de prévia suscitação da questão de constitucionalidade, é ainda admissível a sua arguição em momento subsequente (v. Ac. n.º 366/96, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Simplesmente, tal como se escreveu no Acórdão n.º 639/2011, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, incumbe então ao próprio recorrente, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, alegar e demonstrar a natureza excecional e anómala da interpretação acolhida pela decisão de que se pretende recorrer para o Tribunal Constitucional, não cabendo seguramente a este Tribunal ou sequer ao tribunal a quo, ao apreciar o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, aferir ex officio, se se está ou não numa dessas situações anómalas que poderão levar a que se considere dispensável a verificação desse pressuposto de admissibilidade do recurso. Tratando-se de um ónus, para que dele possa vir a ser dispensado deve o recorrente alegar e demonstrar a excecionalidade da situação que tornou impossível a suscitação da questão previamente durante o processo.
No caso dos autos, o que é certo é que o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade é totalmente omisso no que a essa questão diz respeito. Não só o recorrente, ora reclamante, não demonstra aí a excecionalidade da situação que tornaria impossível a suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, designadamente nas contra-alegações no recurso interposto pela exequente Vanessa Souto Y Souto Nunes para o Supremo Tribunal de Justiça, como nem sequer a alega.
Mesmo na hipótese de se admitir que a reclamação para a conferência é ainda o momento processual adequado para o recorrente cumprir esse ónus – questão que o Tribunal Constitucional não tem aqui que decidir – a verdade é que, na própria reclamação apresentada, o reclamante não oferece qualquer justificação para a impossibilidade de ter suscitado a questão previamente, articulando razões para sustentar a natureza imprevisível da interpretação normativa feita pela decisão recorrida cuja conformidade com a Constituição pretenderia ver sindicada. Aliás, o que aí afirma é, antes pelo contrário, que foi dado cumprimento ao ónus de suscitação prévia, o que, manifestamente, não corresponde à verdade.
Assim, por não ter sido dado cumprimento ao ónus de suscitação prévia, de modo processualmente adequado, da questão de constitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, tal como é exigido pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não é de admitir o recurso interposto para este Tribunal.
III – Decisão
6. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando o despacho reclamado que não admitiu o recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 28 de março de 2012.- Maria Lúcia Amaral – Carlos Fernandes Cadilha – Gil Galvão.
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