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Processo n.º 853/11
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o relator proferiu a Decisão Sumária n.º 10/2012, em que decidiu não conhecer do objeto do recurso, com os seguintes fundamentos:
«(…) 2. Contrariamente ao referido no requerimento de interposição do recurso, o recorrente não suscitou, perante o tribunal recorrido, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa idónea a constituir objeto de um recurso de inconstitucionalidade. Na reclamação que apresentou junto do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em requerimento de 05.11.2011 (cfr. fls. 90 e s. dos autos), o recorrente limita-se a invocar fundamentos de direito infraconstitucional em abono da sua tese sobre a admissibilidade do recurso para o STJ. Apenas no ponto 8. da dita reclamação o recorrente refere que «ao não ser admitido o recurso isso colocará em causa a consagração constitucional do direito ao recurso», o que, manifestamente, não consubstancia a invocação da inconstitucionalidade de uma norma ou interpretação normativa perante o tribunal recorrido, em termos de este estar obrigado a dela conhecer. A falta de suscitação da questão de constitucionalidade é, por si só, obstáculo ao conhecimento do objeto do recurso (artigo 72.º, n.º 2, da LTC).
Sem prejuízo, refira-se, ainda, que a decisão recorrida ? decisão de 08.11.2011 ? não aplicou as normas ou a interpretação normativa que o recorrente indica como objeto do recurso no requerimento de interposição do mesmo. Na verdade, a decisão referida pronuncia-se apenas sobre a inadmissibilidade da reclamação para a conferência apresentada pelo aqui recorrente (cfr. fls. 94 dos autos).
A não aplicação, pela decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa que foi indicada como objeto do recurso constitui, igualmente, obstáculo ao conhecimento do seu objeto.
4. Pelo exposto, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do recurso. (…)»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«(…) A., Recorrente nos Autos à margem cotados, notificado da Decisão Sumária n.º 10/2012, proferida a 05/01/2012, que decidiu não conhecer do objeto do recurso, nos termos do art.° 78.° - A n.° 1 da LTC, vem, ao abrigo do disposto no n.° 3 do mesmo preceito legal, reclamar para a conferência da referida decisão, que não é de mero expediente, e prejudica gravemente o ora Recorrente, nos termos e com os seguintes fundamentos:
I — O Recorrente, por não concordar com a Decisão do Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu pela não admissão do recurso que havia sido interposto do Acórdão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, dela reclamou para a conferência, com os fundamentos expostos no requerimento de fls. , onde, para além do mais, se invocava expressamente que «Ao não ser admitido o recurso isso colocará em causa a Consagração Constitucional do direito ao recurso e o art.° 8° da Declaração Universal dos Direitos do Homem».
II — Reclamação essa que veio a ser indeferida, por despacho de 08/11/2011.
III — Foi neste contexto, e na sequência daquela decisão, que o Recorrente interpôs o presente recurso para o Tribunal Constitucional, arguindo aquela decisão ferida de inconstitucionalidade.
IV — Sendo que o recurso foi interposto ao abrigo da al. b) do n°. 1 do art.° 70.º da Lei n.° 28/82, de 15/11, tendo-se concretizado expressamente que se pretendia ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigos: 400.º n.º 1 al. c) do C. P. Penal que prevê que são irrecorríveis: “Os acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena não privativa da liberdade”; e art.° 432.° n.º 1 al. c) do C. P. Penal que prevê que se pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça “de acórdãos finais proferidos pelo Tribunal de Júri ou pelo Tribunal Coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame de matéria de direito”,
Quando interpretados no sentido de impossibilitar ao Arguido, que foi condenado numa pena privativa de liberdade apenas pela Relação (já que o Tribunal Singular condenou-o em pena de multa), de recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, impugnar uma decisão que lhe retira a liberdade (sobre a qual não se pôde pronunciar anteriormente) e de ver uma instância judicial superior apreciar essa decisão condenatória.
V — Com efeito a conjugação daqueles dispositivos legais conduzem à violação do direito ao recurso, que constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do Arguido em Processo Penal (art.° 32.° n.° 1 da Constituição da República Portuguesa, que consagra Constitucionalmente o direito ao recurso como garantia do Processo Crime e art.° 8.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem que dispõe que “Toda a pessoa tem direito a recurso efetivo para as jurisdições nacionais competentes contra os atos que violem os direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição ou pela Lei ').
VI — As normas dos artigos supracitados [art.°s 400.º n.º. 1 al. c) e 432.° n.° 1 al. c), do C. P. Penal], vistas no contexto interpretativo que se vem de expor, contendem de forma grave com o direito ao recurso por parte do Arguido, ora Recorrente, que vê ser-lhe aplicada uma pena de prisão efetiva, sem poder sequer requerer a sua substituição:
— por pena de multa, nos termos do art.° 43.° do C. P. Penal;
— por prestação de trabalho, a favor da Comunidade, nos termos do art.° 58.° do C. Penal;
— requerer a suspensão da Execução da Pena de prisão;
— requerer a aplicação da pena de substituição prevista no art.° 44.º do C. Penal - Regime de Permanência na Habitação.
VII — Tais normas, enquanto desrespeitam as garantias de defesa do Arguido em Processo Criminal, nomeadamente quanto ao direito ao recurso, são material-inconstitucionais, por violação do art.° 32.° n.° 1 da CRP e art.° 8.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem.
VIII — Todas estas questões de direito estão inter relacionadas entre si, e qualquer Cidadão, no uso pleno dos seus direitos, tal como o Arguido ora Recorrente, não pode ser prejudicado por questões formais que postergam interpretações e aplicações do direito substantivo, em declarada violação dos direitos do Homem e do Cidadão, nomeadamente quanto à privação da sua liberdade e ao seu direito de defesa e de se pronunciar sobre decisões inéditas, com as quais não foi confrontado em Primeira Instância.
IX - É por isso que o recurso da Decisão do Tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça deveria ter sido admitido e, não o tendo sido, as subsequentes reclamações e o recurso para este Tribunal Constitucional deveria ter sido admitido, com vista a determinar a inconstitucionalidade das normas em questão, permitindo ao Arguido que o Supremo Tribunal de Justiça, por via do recurso, aprecie as suas razões, e respetivos fundamentos de direito, quanto a uma medida privativa de liberdade com que não foi confrontado em 1ª Instância.
X — Daí que a decisão singular proferida a 05/01/2012 por este Tribunal Constitucional, deva ser submetida à conferência nos termos do art.° 78.°-A n.° 3 da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (Lei 28/82 de 15/11, na redação que lhe foi dada pelas sucessivas alterações sofridas — designadamente pela Lei 143/85 de 26/11, Lei 85/89 de 7/09, Lei 88/95 de 01/09 e Lei 13-A/98 de 26/02)
NESTES TERMOS:
- Requer a V.ª Exa. se digne submeter as reclamações apresentadas o recurso interposto e as questões supracitadas, à conferência, como é de inteira justiça. (…).»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal apresentou a seguinte resposta:
«1°
Segundo consta expressamente do requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, a decisão recorrida é a que indeferiu a reclamação, “proferida a 8 de novembro de 2011”.
2°
Ora, essa decisão, proferida pelo Senhor Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, limitou-se a indeferir a reclamação — por inidoneidade do objeto — da decisão anteriormente proferida pelo mesmo magistrado e que, por sua vez, indeferira a reclamação do despacho que, na Relação de Coimbra, não admitira o recurso para aquele Supremo Tribunal.
3º
Assim, naturalmente que a decisão ora recorrida, não aplicou nem podia aplicar as normas cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciadas – artigos 400.°, n.° 1, alínea e) e 432.°, n.° 1, alínea c) do CPP – e que têm a ver, exclusivamente, com recorribilidade do acórdão da Relação.
4º
Por outro lado e tal como se considera na douta decisão reclamada, parece-nos evidente que, quer na reclamação da decisão de não admissão do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (fls. 1 a 4), quer na posterior (fls. 90 e 91), nunca vem enunciada uma questão de inconstitucionalidade normativa, limitando-se o recorrente a pugnar pela admissibilidade do recurso.
5º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do objeto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, com fundamento na falta de suscitação de uma questão de constitucionalidade normativa, idónea a constituir objeto de um recurso de constitucionalidade, bem como na não aplicação das normas indicadas como objeto do recurso como ratio decidendi da decisão recorrida,
Na presente reclamação, nada vem invocado que possa contrariar esta conclusão, limitando-se o reclamante a sustentar que «[T]odas estas questões de direito estão interre- lacionadas entre si, e qualquer Cidadão, no uso pleno dos seus direitos, tal como o Arguido ora Recorrente, não pode ser prejudicado por questões formais que postergam interpretações e aplicações do direito substantivo, em declarada violação dos direitos do Homem e do Cidadão, nomeadamente quanto à privação da sua liberdade e ao seu direito de defesa e de se pronunciar sobre decisões inéditas, com as quais não foi confrontado em Primeira Instância.»
Verifica-se, por outro lado, que são de manter os dois fundamentos de não conhecimento do objeto do recurso avançados na decisão sob reclamação e igualmente salientados na resposta do representante do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional.
Não só o reclamante não suscitou, no decurso do processo e perante o tribunal recorrido, uma questão de constitucionalidade normativa; como a decisão de que pretende recorrer não aplicou – nem podia, atento o seu objeto decisório – as normas cuja inconstitucionalidade o reclamante pretende ver apreciada (ou seja, os artigos 400.º, n.º 1, alínea c), e 432.º, n.º 1, alínea c), do CPP).
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 8 de fevereiro de 2012.- Joaquim de Sousa Ribeiro – J. Cunha Barbosa – Rui Manuel Moura Ramos.
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