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Processo n.º 900/11
1ª Secção
Relator: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal do Trabalho de Caldas da Rainha, em que é reclamante A., Ld.ª e reclamada B., a primeira reclamou, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho de 22 de Junho de 2011 daquele Tribunal.
2. A reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, mediante requerimento com o seguinte teor:
«A., Lda., recorrente nos autos à margem identificados, tendo legitimidade, vem, nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º, números 2 e 3 do artigo 70º, artigo 72º nº 1 alínea b) e nº 2 e artigo 75º-A números 1 e 2, todos da Lei Orgânica deste Tribunal, interpor o necessário recurso, da decisão de indeferimento do requerimento de oposição à execução e penhora, por a presente execução se fundar numa sentença já transitada em julgado, que padece do vício de falta de fundamentação, por violação do princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artigo 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, cuja inconstitucionalidade foi alegada no requerimento de oposição à execução e penhora constante dos presentes autos.»
3. O Tribunal recorrido indeferiu o requerimento de interposição de recurso, com a seguinte fundamentação:
«Nos termos do disposto no artº 69º da Lei nº 28/82, de 15/11, na redacção vigente (LOTC), à tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação.
Assim sendo, no caso em apreço, e porque o valor da oposição à execução é de apenas 1.871,88 €, portanto, inferior ao valor da alçada do Tribunal de 1ª instância, temos que, desde logo, e salvo melhor opinião, nos termos do disposto no artº 678º nº 1 do CPC, aplicável “ex vi” do artº 1º nº 2 al. a) do Cod. Proc. Trabalho, e do artº 69º da LOTC, a decisão “sub juditio” não admite recurso ordinário.
Constata-se, não obstante, que a recorrente funda o seu recurso para o Douto Tribunal Constitucional no disposto no artº 70º nº 1 al. b) e nºs 2 e 3 da referida LOTC.
Ora, nos termos do disposto no artº 70º nº 1 al. b) e nº 2 do mesmo diploma legal, cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever (ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo) mas desde que nessas decisões tenha sido aplicada norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Salvo o devido respeito por entendimento diverso, tal pressuposto não se verifica no caso em concreto, atento o fundamento invocado pela recorrente (de violação do disposto no artº 205º nº 1 da CRP, por a sentença dada à execução padecer do vício de falta de fundamentação — portanto, alega-se inconstitucionalidade por falta de aplicação de lei constitucional, e não por alegada aplicação efectiva de lei que se sustenta ser inconstitucional).
Termos em que, sem necessidade de mais delongas, e pelos motivos expostos, com fundamento na irrecorribilidade da decisão para o Tribunal Constitucional, quer por razões de valor de alçada, quer por falta de verificação de qualquer dos pressupostos e requisitos legais previstos no artº 70º da LOTC, designadamente do previsto no seu nº 1 al. b) e nº 2, nos termos do disposto no artº 76º nºs 1 e 2 da LOTC, indefiro o requerimento de interposição de recurso.»
4. Notificada de tal decisão, a reclamante reclamou para a conferência:
«A., Lda., Executada nos autos à margem identificados, tendo apresentado petição de dedução de oposição à execução e penhora nos presentes autos, tendo a mesma sido indeferida, apresentou o necessário requerimento de interposição de recurso da sua petição de oposição à execução e penhora para o Tribunal Constitucional, pois considerou estarem preenchidos os requisitos para tal Recurso, o qual foi indeferido.
Deste modo, vem a Executada, ora Reclamante, apresentar a presente Reclamação, de acordo com o disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei Orgânica deste Tribunal.
Sucede que, não obstante o título executivo da presente acção executiva ser uma sentença, nunca foi a mesma apreciada por outro Tribunal para além do Tribunal que a proferiu, tendo Sido esgotados todos recursos que no caso cabiam, para os efeitos do disposto nos números 2 e 3 do artigo 70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.
A ora Reclamante apresentou o necessário recurso para o Tribunal Constitucional, por violação do princípio legal da não execução e penhora verificada nos autos, por aplicação de um título inexequível.
De facto, o título é inexequível porque a douta sentença não especifica quais são os valores a pagar pela entidade patronal, ora reclamante, à trabalhadora.
Apenas remete para as quantias peticionadas pela trabalhadora na si sua petição inicial.
Sem, contudo aferir da sua legalidade.
Além disso, ao fixar aquela quantia, a Meritíssima Juiz a quo não levou em consideração o facto da trabalhadora ter, durante o período de férias, prestado serviço para outra entidade patronal, quando ainda era funcionária da Ré, havendo uma dupla garantia de vencimentos, conforme provado pelos documentos das Segurança Social já juntos aos autos.
Por outro lado, há uma total falta de correspondência entre a fundamentação e a decisão da douta sentença, quando julgou em contradição com os fundamentos, o que é motivo de nulidade desta, de acordo com o disposto no artigo 668º, nº 1, alínea c do Código de Processo Civil.
Uma vez que está demonstrado que a outra entidade patronal, C. fez os descontos para a Segurança Social.
Não obstante a ora Reclamante ter suscitado a violação desta norma Meritíssima Juiz a quo, o que nunca mereceu atenção desta.
A Meritíssima Juiz a quo não levou em consideração o facto da trabalhadora ter feito descontos para a Segurança Social por outra entidade patronal, nas suas férias, enquanto ainda era funcionária da Ré.
A Ré pediu a rectificação da douta sentença, como uma forma de arguição da nulidade da sentença, pois a decisão não admitia recurso ordinário.
Sendo de presumir que a Meritíssima Juiz a quo nunca iria declarar a nulidade ou invalidar a sentença por si proferida.
A Reclamante vem, deste modo, recorrer das inconstitucionalidades praticadas no processo e na douta sentença ora proferida, sendo o título inexequível, com a consequente invalidade da penhora realizada.
Pelo que tais actos são absolutamente inconstitucionais, existindo uma clara violação do disposto no artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, invocado pela Reclamante na sua petição de dedução à oposição e penhora, que deverão merecer o reparo deste Tribunal Constitucional, que os deverá anular e ordenar a prelecção de uma sentença em conformidade com o julgamento».
5. Neste Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público, que se pronunciou nos seguintes termos:
«1. Notificada da decisão que indeferiu liminarmente, “in totum”, a oposição à execução e a penhora apresentada por A., Ld.ª, esta recorreu para o Tribunal Constitucional.
2. O recurso não foi admitido porque, não admitindo a decisão recurso ordinário, dela também não era possível recorrer para o Tribunal Constitucional. Por outro lado, também não se verificava o pressuposto consistente em a decisão ter aplicado norma, cuja inconstitucionalidade houvesse sido suscitada durante o processo.
3. Diferentemente do que se entendeu na decisão reclamada, não admitindo a decisão que indeferiu oposição recurso ordinário, naturalmente que dela poderia ser interposto recurso, directamente para o Tribunal Constitucional.
4. É isso que expressamente resulta do disposto no n.º 2 do artigo 70.º da LTC, quando ali se diz que o recurso previsto na alínea b) do n.º 1 apenas cabe de decisões que não admitam recurso ordinário por a lei o não prever.
5. No requerimento de interposição do recurso, a recorrente afirma que vem “interpor o necessário recurso, das decisão de indeferimento do requerimento de oposição à execução e penhora, por a presente execução se fundar numa sentença já transitada em julgado, que padece do vício de falta de fundamentação, por violação do princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais consagrado no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa”.
6. Ora, parece-nos evidente que não vem enunciada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que possa constituir objecto idóneo do recurso de constitucionalidade.
7. Aliás, nem sequer se indica qualquer norma de direito ordinária, onde ancorasse “aquela interpretação”.
8. Por outro lado, o que se extrai da decisão é que os eventuais vícios da sentença dada à execução, tendo esta transitado, já não são invocáveis em sede de oposição à execução, ou seja, algo completamente diferente do que vem afirmado pelo recorrente no requerimento de interposição do recurso, quando identifica a questão que pretende ver apreciada por este Tribunal.
9. Assim, não se verificando, para além de outros, aqueles requisitos de admissibilidade do recurso, deve a reclamação ser indeferida».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão que é objecto da presente reclamação concluiu, entre o mais, pela não verificação “de qualquer dos pressupostos e requisitos legais previstos no art.º 70.º da LOTC, designadamente do previsto no seu n.º 1 al. b) e n.º 2”.
De acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – alínea ao abrigo da qual foi interposto o recurso para o Tribunal Constitucional –, cabe recurso para este Tribunal das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, “identificando-se assim, o conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais podem constituir objecto de tal recurso” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 361/98, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
A questão posta no requerimento de interposição de recurso não tem, manifestamente, natureza normativa. A violação do princípio constitucional do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no artigo 205.º da Constituição da República Portuguesa, é imputada à “decisão de indeferimento do requerimento de oposição à execução e penhora”. A então recorrente não indica, sequer, uma qualquer norma. E o mesmo sucede na presente reclamação, onde a reclamante assume que recorre das inconstitucionalidades praticadas no processo e na sentença proferida, invocando a violação do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
É de concluir, pois, que o recurso de constitucionalidade interposto não era admissível.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 31 de janeiro de 2012.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.
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