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Processo n.º 649/2011
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Pela decisão sumária n.º 439/2011, proferida nos autos, não se tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto pelos recorrentes A., B., C., D. e E., por inobservância do ónus de prévia suscitação das questões de inconstitucionalidade enunciadas, de forma que, aliás, se considerou deficiente, nos respectivos requerimentos de interposição do recurso.
Os recorrentes, inconformados, dela reclamam para a conferência, invocando o recorrente A., em conclusão, que a inobservância de um tal ónus, a verificar-se, constitui um vício meramente formal suprível por via do convite ao aperfeiçoamento, e os restantes recorrentes que, relativamente a uma das duas questões de inconstitucionalidade cuja apreciação requereram, observaram o ónus legal de prévia suscitação, contrariamente ao que se sustentou na decisão sumária reclamada para fundamentar o não conhecimento, também nessa parte, do recurso.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento, por infundada, da reclamação.
2. Cumpre apreciar e decidir.
Sustenta o recorrente A. que a fls. 103 e 144 das suas alegações de recurso (fls. 6051 e 6099 dos autos) suscitou adequadamente perante o Tribunal recorrido a questão de inconstitucionalidade que pretende ver reapreciada pelo Tribunal Constitucional e, mesmo que assim se não entenda, o que parece acabar por reconhecer nas conclusões da sua reclamação, sempre estaria em causa um vício formal susceptível de, por convite, ser aperfeiçoado.
Não tem razão.
Em primeiro lugar, e como sumariamente decidido exactamente por referência às passagens das alegações de recurso ora destacadas pelo reclamante, nelas não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Na verdade, o que o reclamante invocou perante o Tribunal recorrido em sede de motivação do recurso (fls. 103) e sumariou na alínea I) das respectivas conclusões (fls. 144) foi uma «patente (…) contradição insanável na motivação do acórdão, contradição essa que importa uma inconstitucionalidade material e por violação do art. 205.º n.º 1 da CRP, uma vez que não se obedeceu ao disposto nos artigos 653.º e 659.º do CPC, atenta a inexistência de fundamentação da matéria dada como provada que consequentemente viciou a decisão, aplicável “ex vi” art.º 4 do CPP», o que claramente não configura, por reportada à decisão e não à respectiva fundamentação jurídica, questão de inconstitucionalidade normativa susceptível de gerar no Tribunal recorrido dever de pronúncia (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC).
Por outro lado, o despacho de aperfeiçoamento previsto nos nºs. 5 e 6 do invocado artigo 75.º-A da LTC constitui um instrumento de suprimento dos vícios formais do requerimento de interposição do recurso, por não indicação dos elementos previstos nos números precedentes do mesmo artigo, e não um meio de sanação dos vícios que substancialmente comprometem o próprio prosseguimento do recurso por não verificação dos pressupostos processuais de que depende o seu conhecimento de mérito.
Assim, não tendo o ora reclamante observado o ónus de prévia suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade que tivesse por objecto norma aplicada ou interpretação, de alcance geral e abstracto, acolhida pela decisão sindicada junto do Tribunal da Relação, o que não constitui vício formal do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade suprível por via do convite ao aperfeiçoamento, não está o recurso em condições processuais de prosseguir para apreciação de mérito.
É, pois, de confirmar a decisão sumária que, com tal fundamento, não conheceu do objecto do recurso interposto pelo ora reclamante A..
Idêntica decisão se impõe quanto aos restantes recorrentes, ora reclamantes, quanto à questão de inconstitucionalidade atinente à interpretação e aplicação alegadamente feita pelo Tribunal recorrido, de conteúdo também não especificado, do «[a]rtigo 20.º do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (e posteriores alterações), e 71.º e 77.º, do C.P., por violação do disposto nos n.º 3 do art.º 29.º e al. c) do n.º 1 do art.º 165.º da C.R.P.», sendo certo que, relativamente às restantes questões de inconstitucionalidade que co-integram o objecto dos respectivos recursos de constitucionalidade, os reclamantes expressamente se conformaram com a decisão sumária, que, por isso, nessa parte, transitou em julgado.
Na verdade, os ora reclamantes não observaram, também quanto a tal questão de inconstitucionalidade, o ónus de prévia e adequada suscitação de que a lei faz depender o conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade.
Com efeito, e como tem sido, em constância, afirmado pelo Tribunal Constitucional, o recurso de constitucionalidade é um instrumento de reapreciação da decisão que foi tomada, ou devia tê-lo sido, pelo Tribunal recorrido quanto a dada questão de inconstitucionalidade normativa.
Só assim cumpre a sua função recursiva e opera como um instrumento de modificação de julgado.
Mas, para que se gere na instância recorrida um tal dever de pronúncia, necessário se torna que a parte/recorrente especifique perante esta, com clareza e rigor, qual norma ou interpretação normativa que, por inconstitucional, não pode constituir válido fundamento jurídico da decisão sindicada.
Assim, se o que invoca perante o Tribunal recorrido é a inconstitucionalidade da própria decisão judicial ou questão que, por deficientemente delimitada nos respectivos contornos substantivos, não permita àquele formular fundado juízo de inconstitucionalidade ou não constitucionalidade por referência a dada norma jurídica ou interpretação, de alcance geral e abstracto, que tenha por génese especificada fonte legal, nenhuma obrigação de pronúncia recai sobre aquele.
Afigura-se ser o caso.
Na verdade, se é certo que os ora reclamantes se insurgiram, em sede de alegações de recurso, contra o agravamento da medida da pena aplicada pela prática de um crime de detenção de arma proibida por efeito da pluralidade de armas proibidas detidas em concurso aparente, invocando a mera relevância contra-ordenacional de algumas delas, não se afigura que a um tal propósito tenham então enunciado, com a clareza e rigor exigíveis, questão de inconstitucionalidade atinente ao complexo normativo ora sindicado ou a dada interpretação normativa que, o tendo por fonte legal, estivesse devidamente densificada nos seus contornos substantivos.
De facto, como decorre dos excertos abaixo transcritos das alegações de recurso do arguido C. (fls. 6243-6244 e conclusões xli a xlv), retomados em termos textualmente idênticos pelos arguidos B. e E. nas respectivas alegações (fls. 6195-6196 e conclusões xxviii a xxxii), o que os ora reclamantes aí se limitaram a sustentar foi a inconstitucionalidade da medida da pena concretamente fixada com tal componente agravante sem cabalmente concretizar, em termos autonomizáveis do julgamento do caso, qual o exacto conteúdo da interpretação normativa que, reportada às normas legais pertinentes e ora sindicadas, reputavam de inconstitucional.
Lê-se na motivação dos recursos interpostos pelos referidos arguidos:
«Para além do mais, o Tribunal a quo sustenta a agravação da moldura penal dos arguidos (…) com base em fundamentação que, de todo, não pode acolher-se: “A existência de armas que possam consubstanciar a prática de uma contra-ordenação prevista e punida no citado artigo 97.º da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, também está consumida pela verificação do crime.
Isto também sem prejuízo de tal detenção de mais armas por parte de um dos arguidos seja levada em conta na medida concreta da pena” (idem, fls. 150)
Com efeito, um ilícito de mera ordenação social não pode ser transmutado em ilícito penal, por via de uma hipotética relação concursal que entre os factos pudesse existir.
A pena de um ilícito criminal não pode ser agravada pela existência de um suposto facto contraordenacional praticado pelo mesmo arguido. São ilícitos distintos, cujas sanções jurídicas (distintas) jamais se podem encontrar em relação concursal, muito menos, com o efeito cominatório – de agravação da pena – que o douto Tribunal efectivamente fixou.
(…) Face a todo o antecedentemente exposto, não pode pois, o ora recorrente, conformar-se com a agravação de seis meses de prisão (…) da pena concreta que lhe foi cominada no âmbito do crime de detenção de arma proibida».
E mais adiante, em sede conclusiva:
«(…). A agravação da pena concreta que ao recorrente foi cominada pela prática do crime de detenção de arma proibida é manifestamente ilegal, ao fundar-se na existência de facto contra-ordenacional.
(…). A existência de mais armas (de per se, tão só consubstanciando ilícitos de mera ordenação social), não pode fundar a agravação de uma pena.
(…). Sob pena de se estar a criar responsabilidade criminal onde a lei não prevê.
(…). Com violação inequívoca do princípio da legalidade penal, que proíbe a condenação do arguido em pena que não esteja expressamente fixada na lei (Cfr. n.º 3, art. 29.º da C.R.P.) e do seu corolário de exigência de lei escrita, Lei da Assembleia da República ou Decreto-Lei do Governo precedido da competente Lei de autorização legislativa (Cfr. al. c) do n.º 1 do art.º 165.º da C.R.P., em homenagem ao princípio democrático);
(…). Numa clara violação do princípio da separação de poderes.
Ora, foi por legitimamente se não vislumbrar em tal argumentação a clara enunciação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, isto é, reportada ao enquadramento legal avocado na decisão do Tribunal de 1ª instância para a resolução do caso sub judicio, por aplicação directa ou em certo sentido interpretativo, de alcance geral e abstracto, mas a simples discórdia, ainda que por razões constitucionais, com a medida da pena concretamente aplicada a cada um dos arguidos recorrentes, que o Tribunal recorrido não formulou qualquer juízo de inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade que, por normativo, fosse sindicável junto do Tribunal Constitucional.
Cumpre, pois, confirmar a decisão sumária que, por inobservância do ónus de prévia e adequada suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, não tomou conhecimento também dos recursos interpostos pelos recorrentes B., C., D. e E..
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça, para cada um deles, em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 12 de Outubro de 2011.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria Lúcia Amaral – Gil Galvão.
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