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Processo nº 225-A/10
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
1. Notificada do Acórdão n.º 273/2010, pelo qual o Tribunal decidiu indeferir a arguição de nulidade do Acórdão n.º 219/2010 e não tomar conhecimento da reclamação da Decisão sumária n.º 166/2010, a recorrente A. veio arguir a respectiva nulidade, através de requerimento com o seguinte teor:
«1-Os termos do nº 1 do art. 205º da CRP, estabelecem que:
“1-As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são sempre fundamentadas”.
2-Por sua vez, o nº1 do ant.158º do CPC preconiza:
“As decisões judiciais proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
3-E o disposto no art.69º da Lei do Tribunal Constitucional nº28/82, com as alterações subsequentemente introduzidas, diz-nos que:
“À tramitação dos recursos para o Tribunal Constitucional são subsidiariamente aplicáveis as normas do Código de Processo Civil, em especial as respeitantes ao recurso de apelação.”
4-Assim sendo, al.b) do nº1 do art.668º do CPC informa que é nula a sentença quando:
“Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”.
5-Sucede que, no caso dos autos, douto aresto não cura de avançar uma norma em ordem à qual fundamente a sua decisão, mas em contrapartida, é perdulário em enumerar acórdãos que, segundo diz, caucionam semelhante sentido decisório.
6-Porém, uma vez que estamos no plano do Direito, o nº3 do art.3º da mesma Lei fundamental garante que:
“A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas, do poder local e de quaisquer outras entidades públicas depende da sua conformidade com a Constituição”. Entidades públicas essas que, segundo o Prof. Jorge Miranda abrange as próprias decisões dos tribunais, consideradas como actos jurídicos.
7-Mas se dúvidas houvessem, o art. 203º da CRP garante que:
“Os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos a lei”
Ou seja, salvo melhor opinião que não a expressada no aresto de que se requer a nulidade, o Tribunal não podia fundamentar a sua decisão com incidência nos acórdãos convocados, sendo certo que outros tantos acolhem o sentido contrário à decisão de que se requer a nulidade.
8-Por conseguinte, o melhor será o Tribunal ter a gentileza de indicar a lei em ordem à qual estriba a sua decisão, sendo que, de acordo com o art.2º da Constituição, a República Portuguesa é um estado de direito democrático, onde a única fonte de direito que vincula os tribunais e as restantes entidades públicas é a lei tal com vem configurada no art.1l2º da CRP e não à regra do precedente como no sistema da Common Law, em que a jurisprudência acaba por ser fonte de direito, o que não será o caso de Portugal, como está inscrito na Constituição e os doutos Juízes Conselheiros ensinam em qualquer faculdade de Direito».
2. Notificado, o recorrido pronunciou-se pela forma seguinte:
«1º
A arguição de nulidade não tem qualquer sentido, uma vez que o acórdão nº 273/2010 encontra-se devidamente fundamentado.
2º
Aliás, o recorrente, contraditoriamente, reconhece tal, uma vez que diz que “o Tribunal não podia fundamentar a sua decisão com incidência nos acórdãos convocados”.
3º
Ora, o que extrai dessa afirmação é que o recorrente não concorda com a fundamentação, mas ela existe.
4º
Poderíamos ainda acrescentar que, apesar do recorrente afirmar que há acórdãos em sentido contrário, não identifica nenhum».
3. No Acórdão n.º 273/2010 lê-se o seguinte:
«1. A recorrente vem arguir a nulidade do Acórdão nº 219/2010, tirado em conferência, por erro na forma do processo e violação do princípio do dispositivo e ainda por tal decisão se ter pronunciado sobre questões que não devia, deixando de apreciar outras a que estava adstrito conhecer.
Esta arguição tem por base a circunstância de este Tribunal ter tratado como reclamação para a conferência o requerimento em que solicitou, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 669º do Código de Processo Civil, a aclaração de algumas obscuridades e ambiguidades que, a seu ver, continha a Decisão sumária nº 166/2010. Entendeu-se que a recorrente não tinha assinalado qualquer passo da decisão cujo sentido fosse ininteligível, não obstante a qualificação de “obscura”.
É entendimento reiterado deste Tribunal que são convolados em reclamação da decisão sumária, a conhecer pela conferência, os incidentes pós-decisórios inadmissíveis (nomeadamente, “falsos” pedidos de aclaração, em que não se especifica qualquer obscuridade ou ambiguidade), independentemente do “rótulo” processual que o recorrente lhes atribui (Lopes do Rego, Os recurso de Fiscalização Concreta na Lei e na Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Almedina, 2010, p. 246, por referência à jurisprudência constitucional. Cf., entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 560/2006, 363/2006, 590/2007, 147/2008, 431/2008 e 222/2009, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Devendo ainda assinalar-se que é manifesto não haver qualquer erro na forma de processo, nem tão-pouco violação do princípio do dispositivo (artigo 264º do Código de Processo Civil), o qual “é compatível com intervenções oficiosas do tribunal visando a ultrapassagem de obstáculos formais à apreciação das pretensões das partes” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 623/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Por outro lado, o Tribunal não deixou de apreciar o pedido de aclaração, uma vez que nada foi alegado no sentido da alegada obscuridade da decisão, nem tão-pouco se pronunciou sobre questões que não devia, já que do requerimento, então em apreciação, decorria a discordância da recorrente relativamente ao já decidido quanto ao conhecimento do objecto do recuso interposto (artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil).
Numa palavra, é de indeferir a presente arguição de nulidade.
2. Indeferida a arguição de nulidade do Acórdão nº 219/2010, é de concluir pelo não conhecimento da reclamação da Decisão sumária nº 166/2010, uma vez que esta decisão já foi objecto de reclamação para a conferência, nos termos do artigo 78º, nº 3, da LTC».
4. Extraído traslado para processamento em separado do requerimento de fl. 28 e ss. (Acórdão n.º 326/2010), remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça para prosseguirem os seus termos e decorrido o prazo de reclamação da conta de custas, cumpre apreciar e decidir o requerido.
5. A recorrente veio arguir a nulidade do Acórdão n.º 273/2010, invocando o disposto no artigo 668.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, segundo o qual é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Sustenta a causa de nulidade na circunstância de, numa parte da fundamentação daquela decisão, não ter sido invocada qualquer norma, tendo sido antes enumerados acórdãos para caucionar o sentido decisório.
Ora, é manifesto que esta circunstância em nada contraria o preenchimento da exigência legal de especificação dos fundamentos de direito que justificam a decisão, que consta detalhadamente do acórdão cuja nulidade é arguida.
6. Pelo exposto, decide-se indeferir a arguição da nulidade do Acórdão n.º 273/2010.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficie.
Lisboa, 15 de Dezembro de 2010.- Maria João Antunes – Carlos Pamplona de Oliveira – Gil Galvão.
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