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Processo n.º 1017/09
1ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Pamplona de Oliveira
EM CONFERÊNCIA DA 1ª SECÇÃO
ACORDAM NO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1. A. pretendeu recorrer do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça em
29 de Outubro de 2009, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro (LTC), através do seguinte requerimento:
I ? Decisão de que se recorre: O recorrente pretende ver apreciada a
interpretação, feita no acórdão do TRL de 04-03-2009, bem como no acórdão do STJ
de 13-07-2009, com os esclarecimentos que lhe foram dados pelos acórdãos da
mesma instância de 17-09-2009 e de 29-10-2009, dos comandos legais contidos nos
art.ºs 40.º n.º 1 e 50.º n.º 1, ambos do Código Penal.
II ? norma ou princípio constitucional considerado violado: O recorrente
considera violados os princípios constitucionais da legalidade e tipicidade,
consagrados no art.º 29.º n.º 3 da CRP.
III ? peça processual em que o recorrente suscitou a questão da
inconstitucionalidade: A questão da inconstitucionalidade foi suscitada pelo
recorrente na motivação do recurso que interpôs do citado acórdão do TRL de 04-03-2009,
bem como nos requerimentos de arguição de nulidade e de aclaração, por si
apresentados em 27-07-2009 e 01-10-2009, respectivamente, sendo certo que tal
questão apenas foi suscitada pelo teor da decisão proferida no referido acórdão
do TRL.
Termos em que deve o presente recurso ser admitido, seguindo-se os ulteriores
termos legais.
Todavia, o pedido foi-lhe indeferido por despacho do seguinte teor:
O recorrente A. vem, ao abrigo do disposto no art. º 280.º, n.º 1. al. b), da
Constituição da República Portuguesa e da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da Lei n.º
28/ 82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional do
acórdão do STJ de 29 de Outubro de 2009.
?Pretende ver apreciada a interpretação feita no acórdão do TRL de 04-03- 2009,
bem como no acórdão do STJ de 13-07-2009, com os esclarecimentos que lhe foram
dados pelos acórdãos da mesma instância de 17-09-2009 e de 29-10-2009, dos
comandos legais contidos nos art.ºs 40.º n.º 1 e 50.º n.º 1, ambos do Código
Penal. O recorrente considera violados os princípios constitucionais da
legalidade e tipicidade, consagrados no art.º 29,º n.º 3 da CRP (...) A questão
da inconstitucionalidade foi suscitada pelo recorrente na motivação do recurso
que interpôs do citado acórdão do TRL de 04-03-2009, bem como nos requerimentos
de arguição de nulidade e de aclaração, por si apresentados em 27-07-2009 e 01-10-2009,
respectivamente, sendo 'certo que tal questão apenas foi suscitada pelo teor da
decisão proferida no referido acórdão do TRL'.
Ora, não é possível recorrer para o Tribunal Constitucional de qualquer
interpretação normativa que tenha feito o Tribunal da Relação de Lisboa no seu
acórdão dos autos, pois este era passível de recurso ordinário, como
efectivamente aconteceu e, portanto, irrecorrível para aquele Tribunal, nos
termos do art.º 70.º, n.ºs 1, al. b) e 2 da Lei do TC.
Como também não cabe recurso para o mesmo Tribunal do Ac. do STJ de 29-10-2009,
com fundamento de que o STJ teve uma determinada interpretação normativa, quando
o próprio recorrente invocou nulidade por omissão de pronúncia sobre essa
questão e quando também no acórdão em causa o STJ não interpretou a lei com essa
dimensão normativa. Por fim, a decisão de tal questão sempre seria irrelevante
para a situação processual do recorrente, pois o STJ considerou que sobre ele
não se podia formular um juízo de prognose favorável, necessário para a
concessão da suspensão da pena.
Inconformado, o recorrente reclama deste despacho, ao abrigo do artigo 76º n.º 4
da LTC, alegando:
[...]
1. Refere-se no despacho reclamado que ?não é possível recorrer para o Tribunal
Constitucional de qualquer interpretação normativa que tenha feito o Tribunal da
Relação de Lisboa no seu acórdão dos autos, pois este era passível de recurso
ordinário, como efectivamente aconteceu e, portanto, irrecorrível para aquele
Tribunal, nos termos do art.º 70.º, n.ºs 1, al. b) e 2 da Lei do TC?.
2. Contudo, como resulta claro do acórdão do STJ, de 13-07-2009, com os
esclarecimentos que lhe foram dados pelos acórdãos de 17-09-2009 e 29-10-2009, o
tribunal recorrido não só se conformou com a interpretação realizada pelo TRL,
no seu acórdão de 04-03-2009, como manifestou a sua concordância com tal
interpretação.
3. Assim, salvo o devido respeito, o recorrente tem plena legitimidade para
recorrer para o Tribunal Constitucional, no que se refere a essa interpretação
das mencionadas normas, pois que a mesma foi sindicada e mantida pelo STJ,
devendo, por isso, entender-se que constitui parte integrante da decisão
recorrida.
4. Refere-se, por outro lado, na decisão reclamada, que ?não cabe recurso para o
mesmo Tribunal do Ac. do STJ de 29-10-2009, com fundamento de que o STJ teve uma
determinada interpretação normativa, quando o próprio recorrente invocou
nulidade por omissão de pronúncia sobre essa questão e quando também no acórdão
em causa o STJ não interpretou a lei com essa dimensão normativa?.
Tal afirmação, porém, e salvo sempre o devido respeito, não deixa de ser curiosa.
5. Com efeito, na perspectiva do recorrente, parece ter havido a preocupação de
não pretender revelar claramente a interpretação que se fez das normas
constantes dos art. 40.º n.º 1 e 50.º n.º 1, ambos do Código Penal e, dessa
forma dificultar o acesso do recorrente ao recurso para o Tribunal
Constitucional.
Apesar dos pedidos expressos, legais e directos que lhe foram dirigidos pelo
impetrante.
6. Assim, é absolutamente cristalino que a convocação para a discussão da
arguição de nulidade que o recorrente oportunamente apresentou só pode relevar
enquanto expressão da vontade do recorrente, pelos meios processuais legítimos,
tornar clara a interpretação que o STJ faz dos aludidos comandos legais e da sua
conjugação com a Lei Constitucional.
7. Contudo, o cerne da questão que fundamenta o recurso do ora recorrente para
esse alto tribunal mantém-se.
8. Com efeito, o recorrente entende que o STJ, na esteira do que também decidiu
o TRL, procedeu a uma interpretação dos art.º 40.º n.º 1 e 50.º n.º 1, ambos do
Código Penal, segundo a qual, a gravidade do tipo de crime por que aquele foi
condenado é, por si só, impeditiva ou, pelo menos, pouco consentânea com a
aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.
9. Interpretação que o recorrente considera violadora dos princípios
constitucionais da legalidade e tipicidade, consagrados no art.º 29.º n.º 3 da
CRP.
10. E não se diga, como vem referido no despacho reclamado, que o STJ não fez
essa interpretação dos referidos comandos legais.
11. Basta ler, entre outros, o seguinte trecho do acórdão do STJ de 13-07-2009:
?Assim, a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico
agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões ponderosas para uma
atenuarão extraordinária da pena, tem de ser encarada com absolutamente
excepcional, pois afigura-se dificilmente compatível com a necessidade
estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, defrauda
as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serve
os imperativos de prevenção geral?.
12. Afirmar, agora, que o STJ não interpretou os referidos comandos legais com a
dimensão normativa que, manifestamente, jorra do acórdão recorrido é, na opinião
do recorrente, tentar ?tapar o sol com a peneira?.
13. E afirmar, finalmente, que a pronúncia do Tribunal Constitucional sobre tal
questão seria irrelevante, constitui, no entender do recorrente, um juízo de
prognose ilegítimo, pois que só depois de conhecida uma decisão, qualquer que
ela seja, se pode da mesma extrair as consequências que se impuserem.
Termos em que deve a presente reclamação ser julgada procedente e, em
consequência, ser admitido o recurso interposto pelo recorrente, com as legais
consequências.
2. Ouvido o representante do Ministério Público, importa decidir.
Apura-se que o recorrente pretende recorrer para o Tribunal Constitucional
mediante a invocação de que a Relação de Lisboa, no seu acórdão de 4 de Março de
2009, e o Supremo Tribunal de Justiça, nos seus acórdãos de 13 de Julho de 2009,
de 17 de Setembro de 2009 e de 29 de Outubro de 2009, aplicaram 'os comandos
legais contidos' nos artigos 40.º n.º 1 e 50.º n.º 1, ambos do Código Penal, com
o sentido (conforme esclarece nesta sua reclamação) de que a gravidade do tipo
de crime por que aquele foi condenado é, por si só, impeditiva ou, pelo menos,
pouco consentânea com a aplicação do instituto da suspensão da execução da pena.
O recurso não lhe foi admitido com dois fundamentos: não seria recorrível o
aresto proferido na Relação de Lisboa e, quanto aos acórdãos proferidos no
Supremo Tribunal de Justiça, o sentido da norma aplicada não teria sido aquele
que o recorrente tem por inconstitucional.
Vejamos: é seguro que o recorrente não pode sindicar, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70.º da LTC, a decisão proferida na Relação de Lisboa, visto que
o n.º 2 do artigo 70º da mesma LTC a tal absolutamente obsta.
Quanto aos arestos proferidos no Supremo Tribunal de Justiça apura-se que a
norma impugnada, que o reclamante retira dos artigos 40.º n.º 1 e 50.º n.º 1,
ambos do Código Penal, foi aplicada com o sentido de que «a suspensão da
execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de
estupefacientes, em que não se verifiquem razões ponderosas para uma atenuação
extraordinária da pena, tem de ser encarada com absolutamente excepcional, pois
afigura-se dificilmente compatível com a necessidade estratégica nacional e
internacional de combate a esse tipo de crime, defrauda as expectativas
comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serve os imperativos de
prevenção geral».
Ora, o recorrente sustenta que o tribunal recorrido aplicou a norma com o
sentido de a gravidade do tipo de crime por que aquele foi condenado é, por si
só, impeditiva ou, pelo menos, pouco consentânea com a aplicação do instituto da
suspensão da execução da pena.
Deve começar-se por censurar a irregularidade desta formulação que representa
alternativamente duas proposições com distintos sentidos; a afirmação, nela
contida, de que o tribunal recorrido aplicou a norma com o sentido de que
gravidade do tipo de crime é, por si só, pelo menos pouco consentânea com a
aplicação do instituto da suspensão da execução da pena, não corresponde sequer
à enunciação de uma norma, pois nenhuma regra jurídica desta natureza pode, por
evidentes razões, ter um conteúdo impreciso como a expressão pelo menos pouco
consentânea indubitavelmente reveste. Tal proposição não é, pois, sindicável.
E é bem manifesto que o Tribunal não adoptou o sentido normativo de que a
gravidade do tipo de crime seria, por si só, impeditiva a aplicação do instituto
da suspensão da execução da pena, visto que tratou de saber se se justificava,
no caso concreto, a suspensão da pena, apesar de entender que, no caso, a medida
teria carácter absolutamente excepcional. Isto é: só depois de averiguar se as
circunstâncias concretas do caso permitiam a suspensão da pena é que o tribunal
tomou a sua decisão. Não pode, perante esta actividade, afirmar-se que a decisão
recorrida aplicou a norma com o impugnado sentido, o que conduz inevitavelmente
a concluir que, tal como decidiu o despacho reclamado, o recurso não pode ser
admitido, por visar uma norma que a decisão recorrida não aplicou.
3. Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação, confirmando o despacho
que, no Supremo Tribunal de Justiça, não admitiu o recurso. Custas pelo
reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 20 de Janeiro de 2010
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão
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