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Processo nº 923/09
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que é
recorrente A. e é recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente
recurso, ao abrigo das alíneas b) e f) do nº 1 do artigo 70º da Lei da
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da
decisão daquele Tribunal de 2 de Setembro de 2009.
2. Em 24 de Novembro de 2009, o Tribunal decidiu, ao abrigo do disposto no nº 1
do artigo 78º-A da LTC, não tomar conhecimento do recurso. Foi utilizada a
seguinte fundamentação:
«1. O recorrente requer a apreciação da inconstitucionalidade de norma que
reporta ao artigo 42º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
De acordo com o disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso
para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida (artigo
72º, nº 2, da LTC), o recorrente não questionou a constitucionalidade de
qualquer norma (?) [reportada àquela disposição legal]. Sustentou apenas que
reverter o sentido dos despachos proferidos no âmbito do processo, e entender de
outro modo, seria inverter as mais elementares normas de tutela de direitos tão
fundamentais como os do acesso à justiça, a um julgamento justo e equitativo, o
direito a ser assistido em todos os actos do processo?, particularmente aqueles
em que ?essa assistência é obrigatória? (artigo 32º, nº 3, da Constituição da
República Português).
A não verificação do requisito da suscitação prévia da questão de
inconstitucionalidade obsta, nesta parte, ao conhecimento do objecto do recurso,
justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC).
2. O recorrente requer a apreciação da ilegalidade de norma que reporta ao
artigo 42º, nº 3, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho.
De acordo com o disposto na alínea f) do nº 1 do artigo 70º da LTC, cabe recurso
para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma
cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos
fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) do mesmo número.
Durante o processo, perante o Tribunal da Relação de Évora (artigo 72º, nº 2, da
LTC), o recorrente não suscitou qualquer questão de ilegalidade com qualquer dos
fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo 70º da LTC (fl.
806 e ss. dos presentes autos).
Face à falta do requisito mencionado ? suscitação prévia da questão de
ilegalidade com qualquer dos fundamentos referidos naquelas alíneas ?, o
Tribunal não pode, também nesta parte, tomar conhecimento do objecto do recurso,
justificando-se a prolação da presente decisão (artigo 78º-A, nº 1, da LTC)».
3. O recorrente vem agora reclamar, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 78º-A
da LTC, sustentando o seguinte:
«Por despacho datado de 04.03.2009 entendeu a MM Juiz do Tribunal Judicial do
Entroncamento que, tendo a ora signatária sido notificada da sua nomeação (o que
se verificou em 07/07/2008) constata-se que o prazo de interposição de recurso
expirou à [há] muito.
Foi desta decisão de indeferimento do requerimento de interposição de recurso de
fls. 668 e ss., que o ora recorrente reclamou para o Presidente do Tribunal da
Relação de Évora nos termos do art.°405 do CPP.
Nesta Instância superior o Presidente do Tribunal decide dar razão ao recorrente
afirmando que ?relevante é a data da notificação ao ora Reclamante do despacho
de substituição da Ilustre Advogada B. pela Ilustre Advogada Dr.ª C. (30DEZ08),
como aliás defende o Reclamante?.
E então acrescenta, dizendo:
Mais: atentas as razões aduzidas, à data da substituição da Ilustre Advogada Dr.ª
B. pela Ilustre Advogada Dr.ª C. já o acórdão tinha transitado em julgado? (negrito
nosso).
E levantou então a questão de que a Ilustre Defensora Nomeada, Dr.ª B., ao
abrigo do artigo 42° da Lei n°34/2004 se mantinha defensora nomeada para os
actos subsequentes, enquanto não fosse substituída.
Termina dizendo que se conclui pela improcedência da reclamação, embora por
razões não coincidentes com as aduzidas pelo MM Juiz (leia-se do Tribunal a quo)
? negrito nosso.
Ora, dúvidas não restam que na reclamação apresentada a ora signatária não
poderia ter suscitado a questão da inconstitucionalidade aplicada ao caso
concreto ou ilegalidade do n.º3 do art.º 42 da Lei nº34/2004 de 29 de Julho,
porquanto não eram essas as razões apresentadas pelo Tribunal a quo quando
indeferiu o requerimento de interposição de recurso.
Percute-se, o Tribunal Judicial do Entroncamento entendeu que o requerimento de
interposição de recurso era extemporâneo porque a signatária foi notificada da
sua nomeação em Julho/08 e apenas apresentou o requerimento em Fevereiro/09 pelo
que o prazo de interposição de recurso há muito que havia expirado.
Assim sendo, forçoso será concluir que é na decisão do Presidente do Tribunal da
Relação de Évora que radicam os motivos e a matéria relativamente à qual se
invoca a questão da declaração da inconstitucionalidade e bem assim da
ilegalidade, e não antes.
Facto que se verificou no Recurso apresentado a este Tribunal Constitucional».
4. Notificado, o Ministério Público pronunciou-se pelo indeferimento da
reclamação, nestes termos:
«1º
Pela Decisão Sumária de fls. 179 a 183, decidiu-se não tomar conhecimento do
objecto do recurso porque não tinha sido suscitada, durante o processo e de
forma adequada, qualquer questão de inconstitucionalidade e de legalidade
reportada ao artigo 42.º, n.º 3, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho.
2º
Na reclamação apresentada, vem agora o recorrente dizer que não suscitou a
questão porque as razões que levaram o Senhor Presidente da Relação a indeferir
a reclamação (a decisão recorrida), não eram as mesmas apresentadas pelo
tribunal de 1.ª instância quando não admitiu o recurso.
3º
Efectivamente, o Senhor Presidente da Relação de Évora concluiu pela
improcedência da reclamação ?embora por razões não coincidentes com as aduzidas
pelo Mmo. Juiz?.
4º.
Tal poderia, na verdade, indiciar que se está perante uma nova questão de
inconstitucionalidade, ou uma nova dimensão normativa.
5º.
No entanto, como o recorrente não suscitou de uma forma minimamente adequada
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, desconhece-se qual a exacta
dimensão da norma aplicada na decisão de 1.ª instância, que a decisão recorrida
não acolheu integralmente.
6º.
Por outro lado, se o recorrente entendia que se estava perante uma nova questão,
devia tê-la identificado clara, autónoma e inequivocamente no momento processual
próprio: o requerimento de interposição do recurso para este Tribunal.
7º.
Ora, desse longo requerimento não resulta minimamente perceptível, qual a
dimensão normativa que o recorrente pretende ver apreciada pelo tribunal
Constitucional e que possa constituir objecto idóneo de recurso de
inconstitucionalidade.
8º.
Acrescenta-se ainda que o recorrente, além de não ter identificado a questão,
também não adianta quaisquer razões - nem no requerimento nem na posterior
reclamação - que possam levar a concluir que ele não estava obrigado a suscitar,
previamente, a questão da inconstitucionalidade, dado o carácter imprevisível da
interpretação acolhida na decisão recorrida.
9º.
Ora, nestes casos, o Tribunal Constitucional tem entendido que recai sobre o
recorrente o ónus de explicitar os factores objectivos e subjectivos que possam
levar àquela conclusão (Acórdão n.º 213/2004).
10º.
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Nos presentes autos decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da
LTC, não tomar conhecimento do objecto do recurso: numa parte, face à não
suscitação prévia da questão de inconstitucionalidade; noutra parte, dada a não
suscitação prévia da questão de ilegalidade, com qualquer dos fundamentos
referidos nas alíneas c), d) e e) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
Para contrariar a decisão sumária, o reclamante sustenta que as razões invocadas
na decisão do Tribunal da Relação de Évora ? decisão que indefere reclamação ?
são diferentes das aduzidas no despacho do Tribunal Judicial do Entroncamento ?
despacho que indefere requerimento de interposição de recurso ?, pelo que na
reclamação deste despacho não poderia ter suscitado a questão da
inconstitucionalidade ou ilegalidade do nº 3 do artigo 42º da Lei nº 34/2004, de
29 de Julho.
Esta circunstância não dispensa o recorrente do ónus da suscitação prévia da
questão de inconstitucionalidade ou de ilegalidade. O Tribunal tem vindo a
entender que o recorrente pode ser dispensado deste ónus apenas quando é
confrontado com uma situação de aplicação normativa, feita pela decisão
recorrida, de todo imprevisível ou inesperada, em termos de não lhe ser exigível
que a antecipasse (Acórdão nº 426/2002, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Nos presentes autos é de concluir que o recorrente podia antecipar a aplicação
do nº 3 do artigo 42º da Lei nº 34/2004, face ao teor do despacho do Tribunal
Judicial do Entroncamento, onde se lê, entre o mais, o seguinte:
«Em sede de processo penal não tem aplicação o preceito previsto no art.º 34.º
da LAJ (na redacção prevista pela Lei n.º 34/2004, de 29/07, que é a aplicável
aos autos), nem a interrupção de prazos a que aí se faz referência, tendo antes
aplicação a dispensa de patrocínio prevista no art.º 42.º do mesmo diploma legal.
Independentemente desta questão verifica-se que na sequência de dispensa de
patrocínio da Dr.ª B., a ilustre defensora do arguido foi nomeada por despacho
de 30/06/2008, em notificação remetida em 02/07/2008 (cfr. fls. 651).
Ora, mesmo que relativamente à ilustre defensora oficiosa (contrariando o
previsto no art.º 42.º da LAJ) se contabilize o prazo para interposição do
recurso apenas a partir do momento em que foi notificada de tal nomeação (o que
se verificou em 07/07/2008) constata-se que o prazo de interposição de recurso
expirou há muito» (itálico aditado).
Não havendo razões para concluir que o recorrente estava dispensado do ónus de
suscitação prévia das questões de constitucionalidade e de ilegalidade postas a
este Tribunal, resta confirmar a decisão sumária.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 5 de Janeiro de 2010
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão
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