|
Processo n.º 655/09
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção no Tribunal Constitucional
1. A. e B., SA interpuseram recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC), do acórdão de 21 de
Maio de 2009, do Tribunal Central Administrativo Sul que negou provimento a
recurso de decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgara
improcedente uma acção administrativa especial intentada contra o Município de
Sintra.
As recorrentes concluem o extenso requerimento de interposição do
recurso com a pretensão de que o Tribunal Constitucional aprecie “a
inconstitucionalidade do acórdão do TACS, ordenando ao TACS que profira um outro
acórdão que não esteja ferido desse vício, pronunciando-se pela
inconstitucionalidade do acto administrativo recorrido por a Recorrida não ter
convocado as Recorrentes como interessadas para uma audiência prévia e por ter
violado normas de direito público”.
O relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do
recurso considerando que o recurso não tinha objecto idóneo para a fiscalização
concreta de constitucionalidade, tal como a Constituição (artigo 280.º) e a lei
(artigo 70.º da LTC) o configuram, uma vez que a inconstitucionalidade que as
recorrentes querem ver apreciada respeita ao acto administrativo
contenciosamente impugnado e ao acórdão recorrido e não a qualquer norma que por
este tenha sido aplicada.
2. As recorrentes reclamaram para a conferência, arguindo a nulidade
da decisão sumária, nos seguintes termos:
“(…)
1- A presente decisão sumária é NULA e, como tal, deverá ser considerada;
2 – De facto, nos termos do ART. 78º-A Nº 2 da LTC, o Tribunal só deveria
proferir a decisão sumária que, como no caso dos autos, não conhece do objecto
do recurso, se depois de notificadas as Recorrentes nos termos dos Nº 5 ou 6 do
ART.75-A da LTC, estas não indicassem integralmente os elementos exigidos pelos
seus nº1 a 4:
3 – Na verdade, porém, as Recorrentes nunca foram notificadas para esse efeito,
sendo a decisão sumária o primeiro despacho que recebem após a interposição do
recurso.
Nestes termos, requer que seja dado cumprimento ao disposto no Art. 75º-A n.º 5
ou 6, conforme dispõe o Art. 78.º-A nº 2 da LTC, anulando-se a decisão sumária
sub judice.”
Os recorridos não responderam à reclamação.
3. Entende a recorrente que foi cometida uma nulidade pelo facto de
a decisão sumária ter sido proferida sem que tivesse sido precedida do convite a
que se refere o artigo 75.º-A da LTC. Seria, se pretendermos qualificá-la, uma
nulidade processual por omissão de um acto devido, que surgiria com a prolação
da decisão sumária. Assim, embora não se trate propriamente de um vício da
estrutura da decisão reclamada, é razoável admitir que contra nulidades
processuais deste tipo se reaja pela via de reclamação da decisão sumária,
porque é a prolação desta que lhe dá corpo.
[Embora, deva assinalar-se que este entendimento tem uma contrapartida. Numa
situação deste tipo, não se justifica que o interessado se limite – como as
reclamantes fizeram – a arguir a omissão do acto devido. Se o reclamante entende
que foi omitido o convite é porque admite que a situação corresponde à previsão
da norma que o prevê, ou seja, admite que há indicações que deveria ter feito no
requerimento de interposição e não fez. Deve, então, suprir espontaneamente a
deficiência, acompanhando a arguição da nulidade processual com as indicações
legalmente impostas e reconhecidamente em falta, de tal modo que a conferência
fique habilitada a decidir se o recurso deve ou não prosseguir com o objecto
indicado, como está pressuposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º-A da LTC. Aliás,
face às regras gerais, mesmo na ausência destas disposições especiais, agir a
parte de modo a que o processo simplesmente regresse a um momento anterior para
ser chamada a fazer determinadas indicações que, por definição, sabe quais são,
é provocar actos inúteis, o que é proibido e contrário ao princípio da
cooperação – artigos 137.º e 266.º do CPC ].
É, porém, manifesto que não foi cometida qualquer nulidade.
O artigo 75.º-A da LTC, concretiza o princípio processual da colaboração, em
ordem a que, também no recurso de constitucionalidade, as pretensões dos
interessados não soçobrem por deficiências remediáveis da sua actuação
processual (princípio pro actione).
Mas o dever de convidar ao aperfeiçoamento do requerimento de
interposição do recuso não impõe uma actuação ritualística cega às finalidades
da norma que o impõe. Tem uma finalidade e só existe na medida em que possa
servi-la. Ora, está fora de qualquer dúvida que a pretensão das recorrentes não
corresponde ao objecto possível do recurso de constitucionalidade no nosso
sistema jurídico. Não visa a apreciação de conformidade de qualquer norma com a
Constituição; é a constitucionalidade de um acto administrativo e de um acórdão
que, com toda a clareza, as recorrentes pretendem sindicar. Efectivamente, além
da conclusão do requerimento de interposição que já se transcreveu, dizem mais
as recorrentes, como na decisão sumária se salienta:
“(…)
Para além de nulo por ter violado a lei, na medida em que não observou as normas
de direito público consubstanciadas nos ART 106.º N.º 3 do Decreto-Lei Nº 555/99
de 16 de Dezembro e ART 100º Nº 1 do Código do Procedimento Administrativo
(CPA), estando por esta razão ferido de desvio do poder, o acto administrativo é
também inconstitucional, por ter violado os ART 268º Nº 3, 266º Nº 2, 2º, 18º e
53º da CRP.
Ao não reconhecerem a inconstitucionalidade do acto, tanto o acórdão do TAFS,
como o acórdão do TCAS são, com o devido respeito, também inconstitucionais.
É a inconstitucionalidade dos acórdãos do TAFS e do TCAS que as Recorrentes
pretendem que este Douto Tribunal aprecie.
(…).”
Não estamos, portanto, perante uma deficiência suprível do
requerimento de interposição por não ter sido indicado, ou por ter sido
deficientemente indicado, o objecto do recurso, mas perante um recurso que não
cabe no âmbito da fiscalização concreta de constitucionalidade cometida pela
Constituição e pela LTC ao Tribunal Constitucional.
4. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação e condenar os
recorrentes nas custas com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça
Lx. 18/XI/2009
Vítor Gomes
Ana Maria Guerra Martins
Gil Galvão
|