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Processo n.º 668/09
2ª Secção
Relator: Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério
Público, o relator proferiu decisão sumária de não conhecimento do objecto do
recurso, com fundamento no seguinte:
«[?] 2. Não obstante as omissões de que padece o requerimento de interposição de
recurso, verifica-se, de forma evidente, que não estão reunidos os pressupostos
necessários ao conhecimento do objecto do recurso. O que torna inútil o convite
ao aperfeiçoamento daquele requerimento e justifica a prolação de decisão
sumária, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC).
A recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da interpretação da
alínea a) do n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal «não só pelo
Supremo Tribunal de Justiça que não concedeu procedência ao recurso
interlocutório atempadamente interposto pela recorrente de acordo com o douto
acórdão recorrido, como também a interpretação do mesmo preceito legal ordinário
efectuada, indevidamente, pelo Tribunal da Relação aquando da arguição da
nulidade devida constante de acta de julgamento a fls.»
É manifesto que a recorrente não coloca ? nem suscitou durante o processo ?
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa idónea a constituir objecto
do recurso de constitucionalidade.
Por um lado, a recorrente não enuncia qual a interpretação normativa do referido
preceito legal que reputa inconstitucional. Limita-se a referir uma dada
interpretação, alegadamente subscrita pelas instâncias recorridas, sem nunca a
identificar (cfr. pontos 14. e 15. do requerimento de interposição do recurso).
Como este Tribunal Constitucional tem reiteradamente salientado, incumbe ao
recorrente identificar com precisão o sentido da norma que considera
inconstitucional e que pretende submeter a julgamento, de modo a que o Tribunal
a possa enunciar na sua decisão, assim permitindo, caso a venha a julgar
inconstitucional, que os destinatários saibam qual o sentido da norma que não
pode ser utilizado por ser incompatível com a Constituição (cfr., entre outros,
os Acórdãos n.ºs 178/95 e 116/02). A recorrente incumpriu, assim, o ónus de
delimitação e identificação das normas objecto do recurso.
Por outro lado, a recorrente também não suscitou, no decurso do processo,
perante o tribunal recorrido, qualquer questão de constitucionalidade normativa,
assim incumprindo o disposto no artigo 72.º, n.º 2, da LTC. É o que se constata,
designadamente, pela leitura das ?conclusões? da motivação do recurso
apresentado junto do Supremo Tribunal de Justiça. Tanto assim que, como referido,
continua a não identificar qualquer questão de constitucionalidade no próprio
requerimento de interposição do recurso para este Tribunal Constitucional. Neste,
aliás, a recorrente ?pugna? pela ?interpretação extensiva do artigo 61.º, n.º 1,
alínea a), do CPP conforme à Constituição?, o que, evidentemente, não constitui
um pedido susceptível de ser formulado no âmbito de um recurso de
constitucionalidade.
Forçoso é, portanto, concluir pela inadmissibilidade do recurso. [?.]»
2. Notificado da decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência, ao
abrigo do artigo 78.º-A, n.º 3, da LTC, nos seguintes termos:
«[?] A reclamante interpôs Recurso para o Tribunal Constitucional no âmbito dos
autos do Processo n.° 58/07.1PRLSB ? S1-A do Supremo Tribunal de Justiça, por
considerar inconstitucional a interpretação do artigo 61.° do CPP proferida pelo
Tribunal da Relação de Lisboa e prontamente confirmada pelo Supremo Tribunal de
Justiça em sede de recurso interlocutório conforme o aí explanado.
Tendo a reclamante, ora, sido notificada de decisão sumária não se pode
conformar com o teor da mesma, uma vez que resulta tanto do recurso
interlocutório interposto para o Supremo Tribunal de Justiça como do recurso
tempestivamente interposto para a presente instância o sentido da interpretação
do preceito legal que, ora, se reputa contrário à constituição, designadamente,
a interpretação do artigo 61.° n.°1 do Código de Processo Penal contrária ao
direito de defesa do arguido consagrado no n.° 5 e no n.° 2 do artigo 32.° da
Constituição da República Portuguesa.
Deste modo, considera a reclamante estar cabalmente enunciada a interpretação
normativa do referido preceito legal que, tempestivamente, reputa
inconstitucional, assim como o facto de a referida questão de
inconstitucionalidade ter sido, regularmente, suscitada no decorrer dos
presentes autos de processo, nomeadamente, aquando da nulidade prontamente
arguida e da interposição de recurso interlocutório para o Supremo Tribunal de
Justiça.
Conforme o anteriormente explanado, reitera-se que se reputa inconstitucional a
não concessão do direito de presença do arguido em audiência por desconforme com
a interpretação n.°5 e no n.° 2 do artigo 32.° da Constituição da República
Portuguesa.»
3. O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
apresentou resposta nos termos seguintes:
«[?] 10º
Ora, não pode deixar de compreender-se - e aceitar - a perplexidade, expressa
pelo Excelentíssimo Conselheiro Relator na decisão sumária que proferiu, face às
deficiências manifestas do recurso interposto pela ora reclamante.
11º
É certo que esta, na presente reclamação, veio explicitar, um pouco melhor,
aquilo que, no decurso do processo não soube, aparentemente, fazer.
12°
Com efeito, a reclamante veio agora precisar ?que se reputa inconstitucional a
não concessão do direito de presença do arguido em audiência por desconforme com
a interpretação nº 55 (sic) e no n°2 do artigo 32º da Constituição da República
Portuguesa?.
13°
No entanto, apesar deste ?emendar de mão?, a presente reclamação continua a
afigurar-se manifestamente improcedente.
14°
Na verdade, em tal reclamação não são adiantados quaisquer argumentos que possam
abalar o teor da decisão sumária proferida, e muito menos se encontram
respondidos os argumentos, do Excelentíssimo Conselheiro Relator, que a
determinaram.
15°
Continua, com efeito, por esclarecer qual a interpretação normativa,
alegadamente feita pelo Supremo Tribunal de Justiça e pelo Tribunal da Relação
de Lisboa, que a reclamante reputa inconstitucional, sendo insuficiente, para o
efeito, uma mera referência genérica ?à não concessão do direito de presença do
arguido em audiência por desconforme com a interpretação n° 5 (sic) e no n° 2 do
artigo 32° da Constituição da República Portuguesa?.
16°
Tal como continua por cumprir o requisito constante do art. 72.º, n.° 2 da LTC,
que pressupõe que a questão de inconstitucionalidade houvesse sido suscitada,
quer junto do Tribunal da Relação, quer do Supremo Tribunal de Justiça, de modo
processualmente adequado, em termos de estes tribunais estarem obrigados a dela
conhecer.
17°
Não pode, pois, deixar de concluir-se senão pela improcedência da presente
reclamação.»
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
II ? Fundamentação
4. A decisão sumária ora reclamada pronunciou-se pelo não conhecimento do
objecto do recurso com fundamento, em síntese, no facto de a ora reclamante não
ter invocado no recurso ? nem suscitado no decurso do processo ? qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa idónea a constituir objecto do
recurso de constitucionalidade.
Como bem salienta o representante do Ministério Público junto deste Tribunal, a
reclamação ora apresentada em nada abala estes fundamentos. A reclamante limita-se
a insistir que reputa contrária à Constituição uma determinada interpretação do
artigo 61.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, (por ser ?contrária ao direito
de defesa do arguido consagrado no artigo 32.º da Constituição), que continua a
não saber identificar, apenas referindo vagamente que se refere ao ?direito de
presença do arguido em audiência?.
A este fundamento acresce um outro, não contestado pela reclamante, respeitante
à não suscitação no decurso do processo, perante o tribunal recorrido, de uma
questão de inconstitucionalidade normativa.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 14 de Setembro de 2009
Joaquim de Sousa Ribeiro
Benjamim Rodrigues
Gil Galvão
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