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Processo n.º 1001/08
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., notificado do Acórdão n.º 82/2009, de 11 de Fevereiro
de 2009, que indeferiu reclamação para a conferência, por ele deduzida ao
abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização, Funcionamento e
Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro
(LTC), contra a decisão sumária do relator, de 5 de Janeiro de 2009, que havia
decidido, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito, não
conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade por ele interposto, veio
arguir a nulidade daquele Acórdão, com os fundamentos seguintes:
“1.º – O Acórdão ora reclamado assenta a sua decisão num «triplo
fundamento»:
a) «Falta de exaustão dos meios ordinários de impugnação da decisão
recorrida»;
b) «Falta de adequada suscitação de uma questão de
inconstitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido»;
c) «Falta de coincidência entre a norma aplicada na decisão recorrida
como ratio decidendi e a ‘norma’ questionada pelo recorrente».
2.º – O autor/recorrente considera que nenhuma das questões já
discutidas no seu recurso para este Tribunal e na reclamação foram respondidas.
3.º – No tocante à primeira questão, não se consegue vislumbrar a
fundamentação do Acórdão recorrido face ao teor do artigo 70.º, n.º 4, da LTC,
pois esta norma refere expressamente que se acham esgotados os recursos
ordinários, quando «(…) ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por
razões de ordem processual».
4.º – Ainda que se tenha o entendimento vertido no Acórdão recorrido
sobre a norma do artigo 700.º, n.º 3 (cuja interpretação se mantém e reitera), a
verdade é que, face ao artigo 70.º, n.º 4, da LTC, sempre se teria de admitir o
recurso.
5.º – No que concerne à segunda questão, o autor/recorrente também não
vislumbra como é que teria que alegar a inconstitucionalidade, face ao teor das
contra‑alegações da companhia de seguros, se o recurso tinha sido admitido pelo
Tribunal da Relação de Coimbra e o recorrente tinha apresentado alegações.
6.º – É o despacho de rejeição do STJ que desencadeia a invocação de
inconstitucionalidade por parte do recorrente, não fazendo qualquer sentido
invocá‑la antes.
7.º – Quanto à questão da sucumbência, a sua não consideração provoca a
inconstitucionalidade da norma prevista no artigo 678.º do CPC, pois os
requisitos são cumulativos e não alternativos.
8.º – Entende o autor/recorrente que nenhuma destas questões foi
mencionada no Acórdão recorrido, pelo que requer a anulação do Acórdão por
omissão de pronúncia.”
Os recorridos, notificados da apresentação desta arguição de
nulidade, não responderam.
Tudo visto, cumpre apreciar a decidir.
2. O recorrente imputa ao Acórdão reclamado o vício de
omissão de pronúncia, que consiste em o tribunal deixar de pronunciar‑se sobre
questões que devesse apreciar.
Como se assinalou no questionado Acórdão, “o objecto da
reclamação de decisão sumária de não conhecimento de recurso interposto para o
Tribunal Constitucional cinge‑se à apreciação da correcção dos fundamentos
dessa decisão”, fundamentos que, no caso em análise, foram três: “(i) falta de
exaustão dos meios ordinários de impugnação da decisão recorrida; (ii) falta de
adequada suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa perante o
tribunal recorrido; e (iii) falta de coincidência entre a norma aplicada na
decisão recorrida como ratio decidendi e a «norma» questionada pelo recorrente”.
E, de seguida, o mencionado Acórdão pronunciou‑se
expressamente sobre a correcção desses fundamentos, pelo que manifestamente não
ocorreu o denunciado vício de omissão de pronúncia.
Na verdade, quanto ao primeiro fundamento, consignou‑se
nesse Acórdão:
“Contrariamente ao que o recorrente sustenta, as reclamações para o
presidente do tribunal ad quem dos despachos de não admissão ou de retenção de
recurso proferidos no tribunal a quo e as reclamações para a conferência dos
despachos dos relatores nos tribunais superiores não são meios processuais
«alternativos», em termos tais que o uso de qualquer um deles (mesmo que errado)
bastaria para dar por preenchido o requisito da prévia exaustão dos meios
ordinários de impugnação. Trata-se, ao invés, de meios que se excluem, como
claramente resulta do início do n.º 3 do artigo 700.º do CPC («Salvo o disposto
no artigo 688.º …»). Se estamos perante um despacho, proferido no tribunal
inferior, que não admita ou retenha recurso interposto para tribunal superior,
o único meio utilizável é a reclamação do artigo 688.º. Quanto a todos os
restantes despachos dos relatores nos tribunais superiores, o meio adequado de
impugnação é a reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo
700.º do CPC. Não tendo o recorrente deduzido esta reclamação, que era a única
forma adequada de reacção contra o despacho ora recorrido, falta o requisito da
prévia exaustão dos meios ordinários de impugnação, o que torna inadmissível o
recurso de constitucionalidade interposto.”
Quanto ao segundo fundamento, expendeu‑se:
“Em segundo lugar, o recorrente, apesar de nas contra‑alegações da
Companhia B., SA (fls. 577‑598), de cuja apresentação foi notificado (fls. 600),
se sustentar a inadmissibilidade do recurso de revista por o valor da causa não
exceder a alçada da Relação, não suscitou perante o STJ qualquer questão de
inconstitucionalidade a este propósito. Só no requerimento de interposição de
recurso para o Tribunal Constitucional, apesar de tal já não constituir modo nem
momento adequado para o efeito, veio suscitar uma questão de
inconstitucionalidade, mas, mesmo aí, imputando a violação da Constituição à
concreta decisão judicial que, atentas as específicas particularidades do caso
concreto, considerou que o valor da acção, que reputou fixado, cabia dentro da
alçada do tribunal recorrido, o que tornava o recurso inadmissível.”
E quanto ao terceiro fundamento referiu-se:
“Finalmente, o fundamento da rejeição do recurso respeitou
exclusivamente à questão do valor da acção, nada tendo a ver com a questão da
sucumbência. O requisito do valor da sucumbência acresce ao requisito do valor
da acção, não se tratando de requisitos alternativos. Só se o valor da causa for
superior à alçada do tribunal recorrido é que cumpre apreciar, adicionalmente,
se o valor da sucumbência é superior a metade do valor da alçada do tribunal
recorrido. Mas se o valor da causa for inferior a essa alçada – como a decisão
recorrida entendeu ocorrer no presente caso –, fica desde logo arredada a
admissibilidade do recurso (não se tratando, como não se trata, de nenhuma das
situações especiais previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 678.º do CPC), não tendo
qualquer sentido apurar o valor da sucumbência. Por isso, a questão da
inconstitucionalidade da determinação do valor da sucumbência, referida no
requerimento de interposição do presente recurso (para além de vir referida à
decisão judicial e carecer, por isso, de natureza normativa), é de todo estranha
ao critério normativo aplicado na decisão recorrida como ratio decidendi.”
O que o recorrente faz, sob a veste de arguição de nulidade
por omissão de pronúncia, é manifestar a sua discordância com os critérios
adoptados na Decisão Sumária reclamada e no Acórdão n.º 89/2009, que a
confirmou, mas, como é óbvio, esta discordância não gera a nulidade do Acórdão
e, aliás, assenta em considerações de todo improcedentes.
Não tendo o recorrente chegado a interpor o “recurso
ordinário” que cabia da decisão recorrida (a reclamação para a conferência
contra o despacho do Conselheiro Relator do STJ), é claramente inaplicável a
ressalva da parte final do n.º 4 do artigo 72.º da LTC, que considera esgotados
os recursos ordinários “quando (…) os recursos interpostos não possam ter
seguimento por razões de ordem processual”, uma vez que, no caso, não chegou a
ser interposto o “recurso ordinário” cabível.
A circunstância de a questão da inadmissibilidade do recurso
para o STJ ter sido suscitada nas contra‑alegações da recorrida justamente
possibilitou que o recorrente se pronunciasse sobre essa questão, face ao
disposto nos artigos 704.º, n.º 2, e 702.º, n.º 2, do Código de Processo Civil
(versão de 1995, a que correspondem os actuais artigos 704.º, n.º 2, e 703.º,
n.º 2), e, assim, tivesse tido oportunidade processual de suscitar a questão de
inconstitucionalidade antes de proferida a decisão decorrida.
O reconhecimento, pelo recorrente, de que os requisitos de
admissibilidade do recurso relativos ao valor da causa e ao valor da sucumbência
são cumulativos, e não alternativos, apenas reforça o entendimento da Decisão
Sumária, confirmada pelo Acórdão ora arguido de nulo, de que “a questão da
inconstitucionalidade da determinação do valor da sucumbência, referida no
requerimento de interposição do presente recurso (para além de vir referida à
decisão judicial e carecer, por isso, de natureza normativa), é de todo estranha
ao critério normativo aplicado na decisão recorrida como ratio decidendi”,
critério este exclusivamente reportado ao valor da acção.
Improcedem, assim, na totalidade, os fundamentos da arguição
de nulidade deduzida pelo recorrente.
3. Termos em que acordam em indeferir a presente arguição
de nulidade.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de justiça em 15
(quinze) unidades de conta.
Lisboa, 18 de Março de 2009.
Mário José de Araújo Torres
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos
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