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Processo n.º 499/08
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. No âmbito de um processo que correu termos no 1º Juízo Criminal do Tribunal
Judicial de Portimão, foi proferido Acórdão, nos termos do qual, para o que
agora importa, foi decidido:
i) Condenar o arguido A. nas penas parcelares de 2 anos e 3 meses, 2 anos e 4
meses, 2 anos e 4 meses, 2 anos e 1 mês e 4 anos de prisão, respectivamente, por
cinco crimes de corrupção passiva para acto ilícito. E, em cúmulo jurídico, na
pena única de 8 anos e 6 meses de prisão;
ii) Condenar o arguido B. nas penas parcelares de 4 anos, 2 anos e 4 meses e 8
meses de prisão, respectivamente, por dois crimes de corrupção passiva para acto
ilícito, e pelo crime de corrupção passiva para acto licito. E, em cúmulo
jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
2. Inconformados com esta decisão, os arguidos recorreram para o Tribunal da
Relação de Évora que, no que se refere aos ora recorrentes, decidiu: (i) quanto
ao arguido A., revogar o acórdão recorrido “na parte em que o condena na pena de
4 anos de prisão, em relação ao crime de corrupção passiva para acto ilícito […]
substituindo-se pela pena de três anos de prisão quanto àquele crime, e no que
respeita ao cúmulo jurídico reduz-se a pena única em que o arguido foi condenado
para 6 (seis) anos de prisão”; (ii) quanto ao arguido B., revogar o acórdão
recorrido “na parte em que o condena na pena de 4 anos de prisão, em relação ao
crime de corrupção passiva para acto ilícito […] substituindo-se pela pena de
três anos de prisão quanto àquele crime, e no que respeita ao cúmulo jurídico
reduz-se a pena única em que o arguido foi condenado para 3 (três) anos e 6
(seis) meses de prisão”.
3. Novamente inconformados os arguidos recorreram para o Supremo Tribunal de
Justiça que, por acórdão de 13 de Março de 2008, decidiu, para o que agora
importa: (i) conceder parcial provimento ao recurso interposto por A., reduzindo
a pena única para 5 anos de prisão efectiva; e (ii) considerar a decisão do
Tribunal da Relação de Évora não susceptível de recurso, em relação ao arguido
B., de acordo com o disposto na alínea f) do nº 1 do art. 400º do Código de
Processo Penal.
4. Foi desta decisão que, já depois de apreciados pedidos de aclaração e
nulidade formulados pelos arguidos, foram interpostos recursos de
constitucionalidade, através de requerimentos onde se afirma, nomeadamente, o
seguinte:
4.1. O recurso interposto por A.
“[...], tendo sido notificado do douto acórdão de 8 de Maio de 2008 — que recaiu
sobre o seu pedido de aclaração e arguição de nulidade relativamente ao acórdão
do STJ de 13/03/08 — e não se conformando com o conteúdo deste relativamente à
não apreciação das inconstitucionalidades suscitadas ao longo do processo e
designadamente na motivação do recurso apresentado para o STJ, vem ao abrigo do
artigo 70°, n.º 1 alínea b) da LOFPTC, interpor recurso para o Tribunal
Constitucional para a fiscalização concreta da inconstitucionalidade nos termos
e com os seguintes fundamentos:
1 — No seu recurso para o STJ o arguido e aqui recorrente formulou, além
doutras, as seguintes conclusões que aqui se transcrevem em itálico: [...]
2 A fls. 200 do douto acórdão do STJ de 13/03/2008, afirmou-se relativamente a
todos os arguidos/recorrentes o seguinte que se transcreve em itálico:
“Certo que, não se vislumbrando qualquer vício dos apontados no n°2 do art.°
410° do CPC, se tem por fixada a matéria de facto que sustentou a condenação dos
recorrentes de cujos recursos se conhecera”
E a fls. 211 do mesmo douto acórdão, na apreciação do recurso interposto pelo
arguido Gonçalves, escreveu-se o que adiante se transcreve em itálico:
“Procedem aqui, em matéria de recorribilidade, todas as considerações tecidas a
propósito do recorrente Silva de Jesus Leitão, pelo que só se conhecerá da pena
aplicada em cúmulo a este recorrente A.”.
3 — Tem-se, assim, por certo que o douto acórdão de que ora se pretende recorrer
para o Tribunal Constitucional não apreciou as inconstitucionalidades suscitadas
ao longo do processo e nomeadamente as constantes das conclusões da motivação do
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça por entender que nada havia a apontar
à matéria de facto fixada nas instâncias.
Afigura-se destarte ao arguido e recorrente Gonçalves que tem legitimidade para
recorrer conforme decorre do art.° 72°, n° 1, b) e n° 2 da LOFPTC.
4 — Para além das inconstitucionalidades arguidas na motivação do recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, o arguido Gonçalves suscitou ao longo do processo a
nulidade das escutas telefónicas [...].
5 — As normas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciadas são as que a
seguir se enunciam:
5.1. — O artigo 428°, n° 1 do Código de Processo Penal (na redacção anterior à
vigente) porque permite a interpretação feita nos doutos acórdãos da 1a
instância, da Relação de Évora e do Supremo Tribunal de Justiça, segundo os
quais é suficiente para decidir em segunda instância sobre a matéria de facto
impugnada verificar que a livre convicção do julgador se firmou nos dados
objectivos da prova ali produzida e transcrita nos autos, sem que se faça
qualquer apreciação da validade ou invalidade da prova recolhida ou produzida,
designadamente no que toca à consideração da existência ou inexistência de
verdadeiras proibições de prova ou nulidades ou irregularidades atempadamente
arguidas, não conhecidas ou declaradas, e seus respectivos efeitos.
5.2. — A norma do artigo 127° do Código de Processo Penal na medida em que
segundo a interpretação feita nas instâncias permite que a convicção do julgador
resulte da aceitação, acrítica, da veracidade do conteúdo de escutas de
conversas de dois co-arguidos, em relação a outro co-arguido que não teve acesso
ao conteúdo dessas conversas, nem teve a possibilidade de as controlar ou delas
se defender, não permitindo essa interpretação o exercício do contraditório e
extrapolando mesmo do que deve ser a devida aplicação e consideração das regras
da experiência comum.
5.3. — Normas relativas às intercepções telefónicas cuja nulidade se suscitou ao
longo do processo e designadamente no requerimento de abertura de instrução do
arguido Gonçalves apresentado em 23/02/2004 e, depois, sucessivamente alegadas
por si e pelos demais sujeitos processuais no processo.
5.3.1. — A norma constante do artigo 188°, n° 1 do Código de Processo Penal
quando interpretada em termos de não impor que o auto de intercepção e gravação
de conversas ou comunicações telefónicas seja, de imediato, lavrado e levado ao
conhecimento do Juiz de modo a este poder decidir atempadamente sobre a junção
ao processo ou a destruição dos elementos recolhidos, não sem que antes todos os
sujeitos processuais afectados possam ter a possibilidade de sindicar a
destruição, sob pena de se violarem os direitos internacional e
constitucionalmente protegidos de garantia mínima de defesa e de lealdade e
equidade processual que obrigam ao contraditório e pressupõem o direito à
informação e a garantia da igualdade de armas entre a acusação e a defesa.
5.3.2. — A norma do artigo 188°, n° 3 do Código de Processo Penal quando
interpretada em termos de não impor que a selecção do material recolhido na
intercepção e gravação das conversas telefónicas, com ordem de destruição dos
elementos considerados irrelevantes, não seja efectuada de imediato ou em tempo
razoável, salvaguardados os princípios e garantias supra mencionadas.
6 - As normas que se consideram violadas são as seguintes:
- artigo 32°, n° 1 e n° 8 da C.R.P.;
- artigo 18°, n° 2 e n°3 da C.R.P.;
- artigo 34°, n° 1 e n°4 da C.R.P.;
7 — Como acima já se referiu, as inconstitucionalidades das normas foram
arguidas ao longo de todo o processo, [...] e nas motivações dos recursos
interpostos para o Tribunal da Relação de Évora e para o Supremo Tribunal de
Justiça”.
4.2. O recurso interposto por B.
“[...], tendo sido notificado do teor do Douto Acórdão proferido por esse
Venerando Supremo Tribunal com data de 13 de Março de 2008 que, quanto ao
arguido supra identificado, considera que o recurso interposto do Acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação de Évora não é susceptível de recurso de
acordo com o disposto na alínea f) do n°1 do art.° 400 do CPP (tanto na redacção
actual como na anterior à Lei 4812007 de 29 de Agosto, decidindo rejeitar o
recurso nos termos do n.º 1 alínea b) do art.° 420 e n.º 2 do art.° 414 ambos do
CPP, tendo sido ainda notificado do teor do douto acórdão proferido por esse
Venerando tribunal datado de 8 de Maio de 2008 que decidiu indeferir o pedido de
aclaramento do acórdão anterior.
Tendo deduzido para apreciação, quer no recurso que apresentou para apreciação
do Tribunal da Relação de Évora, que foram julgadas improcedentes, quer no
recurso que apresentou ao Supremo Tribunal de Justiça que entendeu delas não
conhecer,
Não Se Conformando Com Tais Arestos Contrários À Sua Posição,
Vem deles e ao abrigo do disposto no art.° 70 n°1 alínea b) da LOFPTC, interpor
o competente recurso para o Tribunal Constitucional, destinando-se tal recurso à
fiscalização concreta da inconstitucionalidade das normas constantes dos art°s
188 n°1 e 188 n°3 no que diz respeito às intersecções de conversações
telefónicas — o que já havia sido alegado no Recurso apreciado pelo Tribunal da
Relação de Évora — e bem assim das normas constantes dos art°s 428 n°1, e 127º
na medida em que a sua aplicação pelo Supremo Tribunal de Justiça leva a que
fique coarctados os direitos dos arguidos por violação do princípio da dupla
graduação de recorribilidade em matéria de recurso (todas as referências ao
Código do Processo Penal)
Como se referiu as inconstitucionalidades foram arguidas no recurso efectuado
para o Tribunal da Relação de Évora — Capítulo V páginas 43 a 50 5 e conclusão
décima segunda — e agora face aos fundamentos invocados pelo Supremo Tribunal de
Justiça para não conhecer do recurso ao abrigo do disposto no art°420 n°1 alínea
b) e 414 n°2 do CPP. [...]”
5. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento dos objecto dos recursos. É o seguinte,
na parte ora relevante, o seu teor:
“5.1. O recurso do arguido A.
De acordo com o requerimento de interposição do recurso, que delimita o
respectivo objecto, o recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade de
diversas interpretações normativas alegadamente extraídas pela decisão recorrida
dos artigos 428º, nº1, 127º, 188º, nº 1 e 188º, nº 3, todos do Código de
Processo Penal. Porém, como vai sumariamente ver-se já de seguida, não se pode
conhecer do objecto deste recurso.
Na verdade, a admissibilidade do recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC
pressupõe, nomeadamente, que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado,
como ratio decidendi, a norma – ou, se for o caso, a interpretação normativa –
cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal.
Ora, no presente processo, tal não aconteceu.
Com efeito, pronunciando-se especificamente sobre o recurso interposto pelo
arguido ora recorrente, começou o Supremo Tribunal de Justiça por afirmar
expressamente que “procedem aqui, em matéria de recorribilidade, todas as
considerações tecidas a propósito do recorrente Silva de Jesus Leitão, pelo que
só conhecerá da medida da pena aplicada em cúmulo a este recorrente”. Mas, sendo
assim, é evidente que a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, as
normas do Código de Processo Penal cuja constitucionalidade o recorrente
pretende ver apreciadas mas, apenas, aquelas do Código Penal que especificamente
se referem à determinação da medida concreta da pena e, mais especificamente, da
aplicada em cúmulo jurídico.
Dessa forma, e sem necessidade de maiores considerações, inteiramente inúteis no
presente contexto, torna-se evidente que se não pode conhecer do objecto do
recurso de constitucionalidade que o recorrente interpôs, por falta de, pelo
menos, um dos seus pressupostos legais de admissibilidade, a saber, ter a
decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, as normas cuja
constitucionalidade o recorrente pretendia ver apreciadas.
5.2. O recurso do arguido B.
Também o ora recorrente, de acordo com o requerimento de interposição do
recurso, dirigido aos “Venerandos Juízes Conselheiros Do Supremo Tribunal De
Justiça” e admitido pelo Juiz Conselheiro Relator naquele Tribunal, pretende ver
apreciada a constitucionalidade de diversas interpretações normativas
alegadamente extraídas pela decisão recorrida dos artigos 428º, nº1, 127º, 188º,
nº 1 e 188º, nº 3, todos do Código de Processo Penal.
Também neste caso, porém, como vai sumariamente ver-se já de seguida, não pode
conhecer-se do objecto do recurso, uma vez que, igualmente no que se refere ao
ora recorrente, a decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, as normas
– ou interpretações normativas – cuja constitucionalidade o mesmo pretende ver
apreciada. Com efeito, no que se refere ao recurso interposto para o Supremo
Tribunal de Justiça, concluiu este, na decisão agora recorrida, que, de acordo
com o disposto na alínea f) do nº 1 do art. 400º do C.P.P., a decisão do
Tribunal da Relação de Évora não era, pura e simplesmente, recorrível, pelo que
é esta norma – e não as indicadas no requerimento de interposição do recurso –
que constituiu a ratio decidendi do acórdão recorrido.
Tanto basta para que também se não possa conhecer do objecto deste recurso.
6. Desta decisão vêem interpostas as presentes reclamações para a Conferência,
que os reclamantes fundamentam nos seguintes termos:
6.1. O reclamante A.
“(…) 1 - Na douta decisão sumária de que ora se reclama considerou-se que “a
decisão recorrida não aplicou, como ratio decidendi, as normas do Código de
Processo Penal cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciadas”
Por isso não se tomou conhecimento do objecto do recurso.
2 — Na verdade, parece que a douta decisão proferida pelo STJ não se debruçou
sobre as normas cuja constitucionalidade foi suscitada na motivação e nas
conclusões do respectivo recurso.
3 — O mesmo tinha acontecido no que respeita ao recurso interposto do douto
acórdão do Tribunal Colectivo de Portimão para o Tribunal da Relação de Évora.
4 — Mas ocorre perguntar: se o recorrente foi suscitando ao longo do processo e
dos diversos recursos a constitucionalidade das normas ou das interpretações
normativas e se, reiteradamente, as diversas instâncias não se pronunciarem
sobre essas questões suscitadas, o que dizer?
Parece-nos que se as instâncias não se pronunciaram sobre as questões foi porque
consideraram que a interpretação dessas normas feita em 1ª instância (pelo
Tribunal Colectivo de Portimão) estava conforme à Constituição.
Com efeito, não podemos afirmar que o Tribunal da Relação ou o Supremo Tribunal
de Justiça não leram as conclusões dos respectivos recursos.
É óbvio que leram.
Mas efectivamente, no plano formal, não se pronunciaram sobre essas questões.
Mas, não alterando as decisões do Tribunal Colectivo de Portimão estão, no plano
substancial, a sufragar a interpretação que dessas normas foi feita em primeira
instância.
5 — Na motivação e nas conclusões do recurso interposto para o Supremo Tribunal
de Justiça são enunciadas as questões do foro constitucional que o recorrente
pretendia ver apreciadas.
Porém, o douto acórdão do STJ nada diz sobre as mesmas.
E por nada dizer, entendeu-se na douta decisão sumária de que agora se reclama
que também não pode ser apreciado o recurso por parte do Tribunal
Constitucional.
Com o devido respeito, discorda-se deste entendimento porque, em casos corno o
presente, não se descortina como pode o recorrente efectivar o direito ao
recurso previsto no art.° 280º da CRP e no art.° 70°, n° 1, alínea b) da Lei n°
28/82, de 15 de Novembro.
6 — Com todo o respeito, se o STJ não se pronuncia sobre as questões concretas
suscitadas no recurso (interpretações normativas cuja constitucionalidade se
pretende ver apreciada), afigura-se ao recorrente que o Tribunal Constitucional
o poderá fazer.
Se assim no fosse, e por absurdo, se as diversas instâncias dos Tribunais
(relativamente a questões do âmbito penal e processual penal) deixassem de
apreciar as interpretações normativas cuja constitucionalidade houvesse sido
suscitada, então nunca o Tribunal Constitucional poderia tomar conhecimento dos
recursos interpostos.
Por isso nos parece que, nesses casos em que as questões são colocadas, mas não
apreciadas, terá de entender-se que as instâncias, sem expressamente o
afirmarem, assumem que as interpretações normativas feitas ao longo do processo
estão conformes à Constituição, o que legitima o recurso para o Tribunal
Constitucional por parte dos recorrentes que dessa conformidade discordarem.
Esta questão é assaz relevante na perspectiva do recorrente porque as
interpretações normativas feitas ou assumidas nas instâncias penais foram
decisivas para a sua condenação e pensa-se que lhe assiste o direito de saber se
essas interpretações estão ou não em conformidade com a Constituição.
7 — Nos termos e pelas razões expostas deve julgar-se procedente a presente
reclamação e tomar-se conhecimento do recurso oportuna e legitimamente
interposto”.
6.2. O reclamante B.
“(…) Dão-se aqui por reproduzidos, aplicando o princípio da economia processual,
os termos do recurso apresentado, que por lapso apenas se dirigiu aos Venerandos
Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, Quando deveria ter sido
dirigido aos Venerando Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional.
Penitenciamo-nos por este facto, ficando aqui a dita correcção.
Mas, contudo, continuando-se a entender que não é legítimo nem
constitucionalmente aceite que o Supremo Tribunal de Justiça rejeite a
apreciação de um recurso com base no disposto no artº 400 nº1 f) do CPP nos
termos em que o fez quanto ao alegado pelo recorrente, esta questão está
decidida em última instância.
Só que, ao invés do que o Exmo Senhor Conselheiro Relator refere, o Tribunal
Constitucional não se debruça só sobre as normas que levaram o STJ a decidir a
não apreciação do recurso: Para trás ficaram pedidos de declaração de
inconstitucionalidade deduzidos perante o Tribunal da Relação de Évora, que não
foram considerados e cuja decisão só agora cabe ao Tribunal Constitucional.
O alcance desta reclamação tem em vista a desconformidade entre o doutamente
decidido na decisão Sumária que determinou a não apreciação do recurso –
entendendo que só estaria em causa a norma que constitui o “rácio decidendi”, e
que no caso o recurso para o Tribunal Constitucional só seria aceite caso o
recorrente tivesse pedido a declaração de inconstitucionalidade da norma vertida
no artº 400 nº1 f) do CPP – e o consagrado quanto aos processos de fiscalização
concreta no artº 70 nº1 f) da lei 28/82 na sua actual versão.
Não existe no artº 70 da dita lei qualquer restrição quanto ao facto de a
inconstitucionalidade invocada ser só a relativa à norma que constituiu a “rácio
decidendi” do acórdão recorrido.
Nestes Termos e em conclusão se requer a apreciação em sede de Reclamação pela
conferência, do não recebimento do recurso com fundamento em que a apenas ele
seria apreciado caso a norma em causa fosse “rácio decidendi” do acórdão
recorrido, o que quanto ao reclamante viola o disposto no artº 70 nº1 f) da Lei
28/82 de 15/11.
Revogando-se esta decisão de imediato não recebimento nem apreciação do recurso,
e determinando-se o seu prosseguimento, seguir-se-ão os termos do recurso
dando-se por reproduzido integralmente tudo o que ficou dito no requerimento de
interposição”.
7. Na sua resposta o Ministério Público pronunciou-se pela manifesta
improcedência destas reclamações, dada a “evidente inverificação dos
pressupostos dos recursos”.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
III – Fundamentação
8. Na decisão sumária reclamada concluiu-se no sentido da impossibilidade de
conhecer do objecto do recurso que os recorrentes pretenderam interpor, por não
ter a decisão recorrida aplicado, como ratio decidendi, as normas do Código de
Processo Penal cuja constitucionalidade pretendiam ver apreciadas.
8.1. Através da sua reclamação o reclamante A. vem contestar que assim seja,
alegando, em síntese, que ao não alterar o sentido das decisões anteriores o
Supremo Tribunal de Justiça está, na substância, a concordar com as mesmas e,
logo, a aplicar – por considerar que não são inconstitucionais – as normas que o
ora reclamante pretendia ver apreciadas por este Tribunal. É, porém, manifesto
que não tem razão. O Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a concluir que a
decisão do Tribunal da Relação de Évora apenas era recorrível na parte referente
à medida da pena aplicada em cúmulo, pelo que apenas se pronunciaria sobre esta
questão. Ora, ao limitar, desta forma, o objecto do recurso, é evidente que
aquela decisão não formulou qualquer juízo – de concordância ou discordância –
sobre o sentido normativo com que as normas cuja constitucionalidade o
recorrente pretendia ver apreciadas teriam alegadamente sido aplicadas pelas
decisões anteriores nem, como é evidente, sobre a sua compatibilidade ou
incompatibilidade com a Constituição.
A concluir apenas se acrescenta, porque o reclamante coloca expressamente esta
questão, que do que agora se conclui – e se concluiu também na decisão sumária
reclamada – não decorre que os diferentes sujeitos processuais estejam
impossibilitados de ver apreciada por este Tribunal uma questão de
constitucionalidade normativa por si adequadamente suscitada durante o processo.
Basta, para que tal seja possível, e para o que agora importa considerar, que o
recurso seja interposto da decisão definitiva que, em ultima instância, terá
aplicado, explicita ou implicitamente, a norma cuja constitucionalidade
pretendem ver apreciada, o que, no caso, como se demonstrou, manifestamente não
aconteceu com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça. Além de que, se um
tribunal se não pronuncia sobre algo que, no entender da parte, deveria ter sido
objecto de pronúncia, sempre aquela resta a possibilidade de arguir uma eventual
nulidade por omissão de pronúncia, o que também não aconteceu no presente caso.
Improcede, pois, a sua reclamação.
8.2. O reclamante B. alega, no essencial, que a sua reclamação “tem em vista a
desconformidade entre o doutamente decidido na decisão Sumária que determinou a
não apreciação do recurso – entendendo que só estaria em causa a norma que
constitui o “rácio decidendi”, e que no caso o recurso para o Tribunal
Constitucional só seria aceite caso o recorrente tivesse pedido a declaração de
inconstitucionalidade da norma vertida no art. 400 nº1 f) do CPP – e o
consagrado quanto aos processos de fiscalização concreta no art. 70 nº1 f) da
lei 28/82 na sua actual versão”, acrescentando que “não existe no art. 70 da
dita lei qualquer restrição quanto ao facto de a inconstitucionalidade invocada
ser só a relativa à norma que constituiu a «rácio decidendi» do acórdão
recorrido”.
É manifesta a improcedência desta argumentação. É, desde logo, absolutamente
incompreensível a invocação, neste contexto, da alínea f) do nº 1 do artigo 70º,
que absolutamente nada tem a ver com o recurso que foi interposto ou com a
presente reclamação. Quanto ao mais apenas se acrescenta que, contrariamente ao
entendimento do ora reclamante, do artigo 280º da Constituição e 70º da LTC
decorre, como o Tribunal já disse por incontáveis vezes, que o recurso previsto
na alínea b) do nº 1 daquele artigo 70º só pode ter por objecto normas
efectivamente aplicadas (“que apliquem norma”, pode ler-se naqueles preceitos)
pela decisão recorrida. Não sendo este o caso, é evidente que não podia
conhecer-se do recurso e, logo, que a presente reclamação tem de improceder.
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir as presentes reclamações e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto dos
recursos.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, por cada um.
Lisboa, 9 de Julho de 2008
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos
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