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Processo n.º 50/14
2.ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A., Limitada, intentou procedimento de injunção contra B., Limitada, no sentido de lhe ser paga a quantia de € 3.178,37.
A Requerida deduziu oposição e, nessa sequência, foram os autos remetidos à distribuição como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias.
Notificada da remessa dos autos à distribuição e para, no prazo de 10 dias, a contar da data da distribuição, juntar aos autos documento comprovativo da autoliquidação da taxa de justiça devida, em valor equivalente à diferença entre o valor da taxa de justiça correspondente à ação declarativa e o valor da taxa de justiça já paga pela apresentação do requerimento de injunção, a Requerida não o fez.
Nesta sequência, ordenou-se o desentranhamento da oposição deduzida.
A Ré deduziu pedido de retificação e aclaração deste despacho, o que foi indeferido.
Inconformada com a decisão que determinou o desentranhamento da oposição, a Ré veio da mesma interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“…Por despacho de fls. (referência Citius n.º 2362470), o Tribunal ordenou o desentranhamento da Oposição à Injunção apresentada pela aqui Ré,
34.º Em 21 de fevereiro de 2013, a Ré suscitou a aclaração da referida Decisão e, bem assim, arguiu invalidades da mesma (vide Requerimento com a Referência Citius n.º 654040),
35.º Requerimento esse que ora viu indeferido.
36.º Conforme se afirma no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 7 de agosto de 2010, proferido no processo n.º 06373/10, “o despacho que defere pedido de aclaração da sentença considera-se parte integrante desta, sendo insuscetível de recurso jurisdicional”.
37.º Aliás, conforme consta da fundamentação do citado Acórdão, 'resulta do exposto, que o despacho que defere ou que indefere a aclaração é sempre insuscetível de recurso: recorrível é a sentença (aclarada ou não)'.
38.º Pelo que pode a Recorrente interpor Recurso da Decisão cuja aclaração o Tribunal indeferiu, ou seja, a Decisão com a referência Citius n.º 2362470.
39.º Assim, do entendimento expresso na Decisão Recorrida resulta inexoravelmente que o artigo 20.º do Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe é dada pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, tornaria inaplicável ao processo de injunção o artigo 486.º A do Código de Processo Civil.
40.º A entender-se assim - ver-se-á que tal entendimento não pode proceder -, concluir-se-ia que existe uma única consequência para o incumprimento, por qualquer das partes, da obrigação de comprovar o pagamento da taxa de justiça nos 10 dias subsequentes à distribuição, a saber - o desentranhamento do respetivo articulado.
41.º Este regime, naturalmente, difere do regime geral consagrado no Código de Processo Civil.
42.º Não será demais recordar que, nos termos do citado diploma, a não comprovação do pagamento da taxa de justiça inicial apenas implica o não recebimento da petição inicial (ou a sua posterior rejeição, se a secretaria a receber), concedendo-se ao Réu a possibilidade de proceder a tal pagamento, com multa, nos termos do artigo 486.º-A do Código de Processo Civil, em novo prazo que a lei estabelece.
43.º Existe claramente fundamento para este tratamento diferenciado, consoante a omissão se verifica na parte ativa ou passiva da ação.
44.º Com efeito, o desentranhamento da Petição Inicial (ou o seu não recebimento, no caso das demais formas do processo) não preclude o direito do Autor que pode, se assim o desejar, propor de imediato nova ação.
45.º Por outro lado, no caso de a omissão se verificar do lado passivo da demanda, o desentranhamento da Contestação implica que os seus fundamentos de defesa não possam voltar a ser apresentados, condicionando assim a decisão a proferir à análise apenas dos factos e questões jurídicas apresentadas pelo Autor na sua peça processual.
46.º É essa diferença - substancial - nos efeitos que tal omissão tem nas posições jurídicas das partes que justifica o tratamento diferenciado que é dado à questão no Código de Processo Civil.
47.º Poderá argumentar-se que o procedimento de Injunção - e a Ação Declarativa Especial em que se transmuta - é um processo simplificado, contudo, tal simplicidade é meramente aparente.
48.º Especialmente se se tiver em conta que este(s) pode(m) ser aplicável(eis) a ações de qualquer valor, desde que estejam em causa transações comerciais - cfr. Decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro -, transformando-se o Procedimento Injuntivo em Ação Declarativa Ordinária com a apresentação da Contestação ou a sua distribuição por frustração de citação do Requerido.
49.º Pode-se, deste modo, concluir que o regime simplificado de tramitação, pressuposto neste procedimento, encontra a sua fundamentação, cada vez mais, na expectativa de simplicidade jurídica da pretensão substantiva, não correspondendo a uma menor importância dos interesses pecuniários envolvidos.
50.º Mais, a escolha da forma do processo, as mais das vezes - e assim sucede no caso concreto -, depende exclusivamente da vontade do Autor que pode optar por demandar o Réu através do procedimento de injunção ou da forma especial da ação declarativa para cumprimento dos contratos ou, ainda, do processo comum de declaração, não sendo razoável que a escolha do Autor faça diminuir os direitos de defesa do Réu.
51.º Posto isto, diga-se que a Constituição da República Portuguesa estabelece no seu artigo 20.º um direito de acesso ao Direito e tutela jurisdicional efetiva, que só pode efetivar -se através de um processo equitativo e orientado para a justiça material sem demasiadas peias formalísticas (vide, neste sentido, Constituição da República Portuguesa Anotada, de GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA).
52.º Conforme refere, a este propósito, LOPES DO REGO, 'as exigências de simplificação e celeridade – assentes na necessidade de dirimição do litígio em tempo útil - terão, pois, necessariamente que implicar um delicado balanceamento ou ponderação de interesses por parte do legislador infraconstitucional - podendo nelas fundadamente basear-se o estabelecimento de certos efeitos cominatórios ou preclusivos para as partes ou a adoção de 'mecanismos que desencorajem as partes de adotar comportamentos capazes de conduzir ao protelamento indevido do processo', sem, todavia, aniquilar ou restringir desproporcionadamente o núcleo fundamental do direito de acesso à justiça e os princípios e garantias de um processo equitativo e contraditório que lhe estão subjacentes, como instrumentos indispensáveis à obtenção de uma decisão jurisdicional - não apenas célere - mas também justa, adequada e ponderada' (Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade dos ónus e comi nações e o regime da citação em processo civil, Estudos em Homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa, Coimbra Editora, 2003, página 855).
53.º O Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre esta questão, afirmou no seu Acórdão n.º 625/03 que 'ponto é saber se esse diverso tratamento afronta normas ou princípios constitucionalmente consagrados. [...] Num primeiro passo, mister é que se não passe em claro que o desentranhamento do requerimento de injunção não consequência irremissivelmente que o seu autor deixe de ter acesso aos tribunais. Tal desentranhamento, na verdade, configura uma figura de extinção da instância, desta forma não precludindo a possibilidade de aquele autor vir, novamente, quer através de novo procedimento de injunção, quer através de nova ação, fazer valer o direito que se propôs com o anterior procedimento' (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
54.º Mais, ainda segundo o mesmo Aresto, 'há que atentar que o não pagamento pelo réu da taxa inicial quando contesta a ação resultante da frustração de procedimento injuntivo, também não é desprovido de consequências, visto que um dos requisitos de atendimento da contestação é justamente o do pagamento de uma taxa equivalente ao dobro da em falta. Trata-se, assim, de sancionamentos diversos que não deixam de atender ao diferente posicionamento do autor e do réu da ação em que se 'converteu' o procedimento de injunção. E diz-se posicionamento diverso, já que, se porventura a consequência do não pagamento da taxa de justiça inicial por parte do réu quando contesta a ação fosse idêntica à prevista para o autor, o desentranhamento da contestação acarretaria a aplicação dos efeitos cominatórios decorrentes da falta de contestação, como óbvias repercussões no mérito da causa (cf. artigo 2.º do Regime), sendo vedado ao réu, posteriormente (e não interessará aqui entrar em linha de conta com as hipóteses em que é possibilitado o recurso de revisão), o acesso ao tribunal para poder exercer de forma efetiva o seu direito de defesa'.
55.º Concluindo que 'esta diferenciação de situações aponta, pois, para que se possa dizer que a estatuição de diversos regimes quanto às consequência do não pagamento da taxa de justiça por parte do autor e por parte do réu na ação a que se reportam os artigos 16.º e 1.º e seguintes do Regime aprovado pelo Decreto-lei n.º 269/98, tem um fundamento material e, assim, se não apresenta como arbitrária' (sublinhado da Ré).
56.º Ainda o mesmo Tribunal, no seu Acórdão n.º 434/2011, proferido no âmbito de Recurso Obrigatório interposto pelo Ministério Público por recusa de aplicação da norma em causa quando interpretada no sentido em que o foi nos presentes Autos, afirmou que 'uma falha processual - máxime que não acarrete, de forma significativa, comprometimento da regularidade processual ou que não reflita considerável grau de negligência - não poderá colocar em causa, de forma irremediável ou definitiva, os fins substantivos do processo, sendo de exigir que a arquitetura da tramitação processual sustente, de forma equilibrada e adequada, a efetividade da tutela jurisdicional, alicerçada na prevalência da justiça material sobre a justiça formal, afastando-se de soluções de desequilíbrio entre as falhas processuais - que deverão ser distinguidas, consoante a gravidade a e relevância - e as consequências incidentes sobre a substancial regulação das pretensões das partes' (disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
57.º Assim, continua o Acórdão Citado, 'transpondo as considerações expendidas para a interpretação normativa em apreciação, teremos de concluir que associar ao incumprimento de um ónus processual, relativo ao pagamento de custas, a consequência, imediata e irreversível, de desentranhamento da contestação - impossibilitando a consideração das razões de facto e de direito, excetuando as de conhecimento oficioso, aduzidas em tal peça processual - é manifestamente desproporcional, por acarretar o gravoso e inevitável resultado de impossibilitar a parte incumpridora de fazer valer a sua posição no litígio, em termos determinantes para o desfecho ou dirimição definitiva dos direitos ou interesses controvertidos. Existe, de forma ostensiva, uma restrição inconstitucionalmente intolerável do direito de contraditório, não se assegurando o tratamento equitativo das partes, nem a efetividade da tutela jurisdicional”.
58.º Concluiu o Tribunal Constitucional que 'tal interpretação [idêntica à perfilhada nos presentes Autos], recusada pelo tribunal a quo, conduz, de facto, a um desproporcionado comprometimento do núcleo essencial do princípio do contraditório, como dimensão constitutiva crucial de um due process of law'.
59.º É, pois, seguro concluir, conforme já o fez o Tribunal Constitucional, que a interpretação dos preceitos em causa feita pelo Acórdão Recorrido, não se compadece com o estatuído no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
60.º Pelo que é inconstitucional o artigo 20.º do Decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação que lhe é dada pelo Decreto-lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro - quando articulado com o disposto no artigo 7.º do Regulamento das Custas Processuais -, quando interpretado no sentido de que, caso o Réu não comprove o pagamento da taxa de justiça nos 10 dias subsequentes à sua distribuição como ação, é desentranhada a peça processual de defesa, ou seja, a oposição, que valerá como contestação em tal ação, por tal interpretação comportar restrição desproporcional do princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
61.º Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, que são recorríveis para o Tribunal Constitucional as decisões 'que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo'
62.º Por seu turno, a alínea g) do mesmo normativo, estatui que são recorríveis para o Tribunal Constitucional as decisões 'que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional”.
63.º Pelo que o Tribunal Constitucional é competente para conhecer da inconstitucionalidade suscitada,
Nestes termos e nos mais de direito:
a) Deve o Despacho Recorrido ser considerado nulo, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, porquanto não conhece de matéria de que obrigatoriamente devia conhecer;
b) Deve o Recurso para o Tribunal Constitucional ora interposto ser admitido, ao abrigo do disposto nas alínea b) e g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, e a Recorrente notificada para apresentar as suas Alegações, no prazo legalmente consagrado para o efeito.”
Foi proferido despacho que não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com a seguinte fundamentação:
“…Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais:
a) Que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade;
b) Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo;
c) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado;
d) Que recusem a aplicação de norma constante de diploma regional, com fundamento na sua ilegalidade por violação do estatuto da região autónoma ou de lei geral da República;
e) Que recusem a aplicação de norma emanada de um órgão de soberania, com fundamento na sua ilegalidade por 'violação do estatuto de uma região autónoma;
f] Que apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e);
g) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional;
h) Que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional pela Comissão Constitucional, nos precisos termos em que seja requerido a sua apreciação ao Tribunal Constitucional;
i) Que recusem a aplicação de norma constante de ato legislativo, com fundamento na sua contrariedade com uma convenção internacional, ou a apliquem em desconformidade com o anteriormente decidido sobre a que questão pelo Tribunal Constitucional.
Os recursos previstos nas alíneas b) e f) apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização de jurisprudência.
Entende-se que se acham esgotados todos os recursos ordinários, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual.
Não é admitido recurso para o Tribunal Constitucional de decisões sujeitas a recurso ordinário obrigatório, nos termos da respetiva lei processual.
Se a decisão admitir recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, a não interposição de recurso para o Tribunal Constitucional não faz precludir o direito de interpô-lo de ulterior decisão que confirme a primeira.
Os recursos de decisões judiciais para o Tribunal Constitucional são restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada.
Podem recorrer para o Tribunal Constitucional:
a) O Ministério Público;
b) As pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a decisão foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso.
Os recursos previstos nas alíneas b) e f) acima referidas só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar, obrigado a dela conhecer.
O prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 (dez) dias e interrompe os prazos para a interposição de outros que porventura caibam da decisão, os quais só podem ser interpostos depois de cessada a interrupção.
A este propósito, vide os artigos 69.º a 76.º da Lei do Tribunal Constitucional.
No caso vertente, a decisão posta em crise não admite recurso ordinário e o recurso foi apresentado tempestivamente.
Sem prejuízo, o recurso interposto para o Tribunal Constitucional não é admissível pois reporta-se à decisão que determinou o desentranhamento da oposição e à norma em que a mesma decisão se baseou, mas cuja inconstitucionalidade não foi oportunamente suscitada no processo.
Sucede que, entre os pressupostos processuais exigidos para aquele tipo de recurso de constitucionalidade, o de ter 'sido suscitada durante o processo' a questão da inconstitucionalidade dirigida à interpretação dada artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 268/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.
Com efeito, é fácil constatar que foi na base daquele preceito legal que foi proferida a decisão impugnada.
Mas nunca a recorrente, perante este Tribunal, suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade relativa àquele artigo 20.º ou outro preceito legal antes da prolação da decisão posta em crise.
A exigência processual de suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo implica, num sentido funcional, que ela vá a tempo de o tribunal a quo se pronunciar sobre a questão, como é jurisprudência corrente do Tribunal Constitucional.
E, in casu, o tribunal a quo não se pronunciou, porque não lhe foi colocada tal questão em tempo útil.
Como o próprio recorrente reconhece, só em sede de aclaração e impugnação da decisão é que foi identificada a questão de inconstitucionalidade, com referência a uma violação de normas constitucionais, o que se afigura ser um momento inadequado a esse efeito (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional com os nºs 134/95 e 135/95, disponíveis in www.tribunalconsttucional.pt).
Face ao exposto, e ao abrigo do preceituado no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), a contrario sensu, e 76.º da Lei do Tribunal Constitucional, não admito o recurso interposto pela Ré.”
A Recorrente reclamou para o Tribunal Constitucional desta decisão, com os seguintes argumentos:
“1.º Atento o disposto no n.º 4 do artigo 76.º da Lei n.º Lei 28/82, de 15 de novembro – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional –, o Recorrente que veja indeferido o Recurso interposto para este Tribunal, tem o direito de reclamar quanto ao respetivo indeferimento.
2.º O Tribunal de Primeira Instância indeferiu o Recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com o seguinte fundamento:
“Sem prejuízo, o recurso interposto para o Tribunal Constitucional não é admissível pois reporta-se a decisão que determinou o desentranhamento da oposição e à norma em que a mesma decisão se baseou, mas cuja inconstitucionalidade não foi oportunamente suscitada no processo.
Sucede que, entre os pressupostos processuais exigidos para aquele tipo de recurso de constitucionalidade, o de ter sido suscitada durante o processo a questão da inconstitucionalidade dirigida à interpretação dada artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 268/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro. Com efeito, é fácil constatar que foi na base daquele preceito legal que foi proferida a decisão impugnada.
Mas nunca a recorrente, perante este Tribunal, suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade relativa àquele artigo 20.º ou outro preceito legal antes da prolação da decisão posta em crise.
A exigência processual de suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo implica, num sentido funcional, que ela vá a tempo de o tribunal a quo se pronunciar sobre a questão, como é jurisprudência corrente do Tribunal Constitucional. E, in casu, o tribunal a quo não se pronunciou, porque não lhe foi colocada tal questão em tempo útil.
Como o próprio recorrente reconhece, só em sede de aclaração e impugnação da decisão é que foi identificada a questão de inconstitucionalidade, com referência a uma violação de normas constitucionais, o que se afigura ser um momento inadequado a esse efeito (cfr. acórdãos do Tribunal Constitucional com os nºs 134/95 e 135/95, disponíveis in www.tribunalconsttucional.pt).
Face ao exposto, e ao abrigo do preceituado no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), a contrario sensu, e 76.º da Lei do Tribunal Constitucional, não admito o recurso interposto pela Ré.”
3.º Ora, não pode a Reclamante conformar-se com tal entendimento.
4.º Recorde-se que a aqui Reclamante suscitou a inconstitucionalidade do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 268/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, quando interpretado no sentido de que, caso o Réu não comprove o pagamento da taxa de justiça nos 10 dias subsequentes à sua distribuição como ação, é desentranhada a peça processual de defesa, ou seja, a oposição, que valerá como contestação em tal ação, por tal interpretação comportar restrição desproporcional do princípio do contraditório, integrante do direito a um processo equitativo, consagrado no n.º 4 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa.
5.º Entende o Tribunal a quo que tal inconstitucionalidade não foi oportunamente suscitada no processo, porquanto apenas foi suscitada após a decisão que determinou a sua aplicação.
6.º Sucede que, não é requisito para admissão do Recurso para o Tribunal, a alegação da inconstitucionalidade da norma colocada em crise, antes da prolação de Decisão que a aplique.
7.º Dispõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 71.º da Lei n.º Lei 28/82, de 15 de novembro, que cabe recurso para o Tribunal Constitucional das Decisões dos Tribunais “que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
8.º Dúvidas não existem que a norma cuja constitucionalidade da interpretação se coloca em crise constitui a ratio decidendi da Decisão, ou seja, o principal fundamento (neste caso, o único) da Decisão Recorrida.
9.º Resta, pois, a questão de saber se a mesma foi oportunamente invocada, ou seja, se a mesma foi invocada durante o processo.
10.º Conforme referem GUILHERME DA FONSECA e INÊS DOMINGOS, “causa de inúmeros casos de inadmissibilidade do recurso tem sido a falta deste requisito com o significado que o TC tem atribuído à expressão «durante o processo. [...] Arguir a questão de inconstitucionalidade durante o processo significa que ela tenha de ser levantada enquanto a causa se encontrar «pendente», ou seja, antes de o Tribunal Recorrido ter proferido a decisão final” (Breviário de Direito Processual Constitucional, 2.ª Edição, dezembro de 2002, Coimbra Editora, pp. 45 e ss.).
11.º Neste sentido, refere-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 15/95, de 31 de janeiro de 1995, que “a locução “durante o processo” exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da questão de constitucionalidade, em termos de essa mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide.
Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta de constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso de parte que dela participa. Aí a questão de constitucionalidade é uma questão incidental, em estreita relação com o “feito submetido a julgamento” (CRP, artº 207º), só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso. O “interesse pessoal na invalidação da norma G. Canotilho e Vital Moreira) só faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronte, em tempo, o o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das normas que aí são convocáveis.
Por isso, o momento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional já não é adequado à suscitação de questão de constitucionalidade de uma norma (cf., por todos, os Acórdãos nº 166/92, D.R., II Série, de 18-9-92, nº 253/93, inédito, nº 160/94, D.R., II Série, de 28-5- 94) (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) – sublinhados da Reclamante.
12.º No mesmo sentido vai, aliás, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 134, de 8 de julho de 1994, – citado na Decisão Reclamada – quando afirma que “de harmonia com uma jurisprudência uniforme e constante deste Tribunal, a locução «durante o processo», usada no citado preceito da alínea b) do nº 1 do artº 70º, deve ser tomada, não num sentido puramente formal segundo o qual a suscitação dessa questão possa ocorrer até à extinção da instância, mas sim num sentido funcional de acordo com o qual a invocação da referida questão haverá de ser feita em momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer dela (disponível em www.tribunalconstitucionalpt) – sublinhados da Reclamante.
13.º Visa-se, pois, que o Recurso apresentado ao Tribunal Constitucional não seja meramente dilatório, mas, também, que não seja colocada ao Tribunal uma questão nova no processo, mas sim, solicitada a reapreciação de uma questão já suscitada durante os Autos de processo judicial e objeto de ponderação por parte do MM.º Juiz titular do processo.
14.º Retomando, em conclusão, o pensamento de GUILHERME DA FONSECA e INÊS DOMINGOS, quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 71.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, diga-se, em conclusão, que “o recurso para o TC pressupõe, pois, que o Tribunal Recorrido tenha formado sobre a norma aplicada um juízo de constitucionalidade, um juízo que constitua a ratio decidendi da decisão [...] o requisito da admissibilidade do Recurso previsto no art. 70.º, n.º 1, al. b), no que respeita ao significado da locução durante o processo, deve ser tomado não em sentido puramente formal [...] mas num sentido puramente funcional, tal que essa invocação há de ser feita num momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão”. (Breviário de Direito Processual Constitucional, 2.ª Edição, dezembro de 2002, Coimbra Editora, pp. 45 e ss.).
15.º E o Tribunal a quo teve oportunidade de se pronunciar quanto à questão reclamada, senão veja-se,
16.º A questão da inconstitucionalidade da interpretação feita pelo Tribunal a quo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 268/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, foi suscitada pela aqui Reclamante por Requerimento, constante dos Autos a fls., datado de 21 de fevereiro de 2013.
17.º Sobre tal Requerimento recaiu Despacho datado de 15 de abril de 2013 (notificado às partes em 20 de abril de 2013, tendo o Tribunal a quo decidido que “compulsados os autos, verifica-se que não só o desentranhamento da oposição se revela fundado em adequadas razões de facto e de direito, mas também que a oponente nem sequer invoca qualquer facto suscetível de demonstrar que a decisão em apreço enferma de nulidade ou erro material suscetível de determinar a reforma da mesma, limitando-se a invocar um erro de julgamento que somente pode ser sindicado em sede de recurso. Face ao exposto, indefiro o requerido”.
18.º Ou seja, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre a questão da inconstitucionalidade da interpretação por si dada à norma acima referida, pugnando pela sua validade.
19.º Ora, em 3 de julho de 2013, foram as partes notificadas de Decisão que, indeferindo, nos termos já expostos, o Recurso para este Tribunal apresentado pela aqui Reclamante, põe termo ao processo ao julgar “a presente a presente ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, instaurada por A., Ld.ª, contra B., Ld.ª, procedente por provada e, em consequência, condeno a Ré a pagar à Autora a quantia de € 3.178,37 (três mil cento e setenta e oito euros e trinta e sete cêntimos), assim conferindo forca executiva à petição (negrito e sublinhado da Decisão citada).
20.º Assim, é inexorável concluir que a questão da inconstitucionalidade foi oportunamente suscitada durante o processo, porquanto o foi antes da extinção do poder jurisdicional do Tribunal a quo,
21.º E, sobretudo, porquanto o foi em momento processual que permitiu ao Tribunal a quo a pronúncia sobre tal questão – conforme veio efetivamente a suceder – antes de proferida a Decisão final que poria termo ao processo.
22.º Pelo que deverá ser admitido o presente Recurso.
23.º Caso assim não se entenda, sempre se dirá que a Jurisprudência do Tribunal Constitucional tem admitido exceções ao raciocínio acima descrito.
24.º Nomeadamente, nos casos em que não é expectável a aplicação da norma cuja interpretação é tida por inconstitucional – como é o caso vertente, que não reclama – conforme tem sido unanime e pacificamente decidido pelos Tribunais, como, também, pelo facto de, aquando da prolação da Decisão, a taxa de justiça devida há muito que se encontrava liquidada, sem qualquer prejuízo para a normal tramitação do processo.
25.º Pelo que, também por tal motivo, deve o Recurso interposto ser admitido.
26.º Caso ainda assim não se entenda, sempre se dirá que o Recurso para este Tribunal foi interposto, também, ao abrigo da alínea g) do artigo 71.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro.
27.º Dispõe o citado preceito que é admissível o Recurso para o Tribunal Constitucional de Decisões “que apliquem norma já anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal Constitucional”.
28.º Conforme se deu conta em sede de Requerimento de interposição de Recurso, a inconstitucionalidade da interpretação efetuada pelo Tribunal a quo da norma aqui em causa foi já declarada por via do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 434/2011, de 29 de setembro de 2011, publicado na 2.ª Série do Diário da República, n.º 211 , datado de 3 de novembro de 2011.
29.º Os pressupostos de aplicação da citada alínea são a efetiva aplicação, por parte do Tribunal a quo da norma em causa e a existência de um anterior juízo de inconstitucionalidade incidente sobre a mesma norma.
30.º Não é, portanto, requisito de aplicação da alínea aqui em análise a invocação da inconstitucionalidade durante o processo.
31.º Ora, como já se disse, a interpretação da norma cuja constitucionalidade ora se coloca em crise foi já declarada inconstucional.
32.º Sendo tal declaração de inconstitucionalidade conhecida do Tribunal a quo no momento da prolação da Decisão, por via da publicação do Acórdão em Diário da República (neste sentido, vide FONSECA, GUILHERME, DOMINGOS, INÊS; Breviário de Direito Processual Constitucional, 2.ª Edição, dezembro de 2002, Coimbra Editora, p. 68);
33.º Sendo que, conforme referem os Autores acima citados, “a aplicação de norma anteriormente declarada inconstitucional com força obrigatória geral a um caso concreto é de equiparar a aplicação de norma anteriormente julgada inconstitucional, em sede de fiscalização concreta, para o efeito de ser admissível recurso de constitucionalidade com base nesta alínea (acs. 251/90, 253/90, 148/98, 163/98) (Breviário de Direito Processual Constitucional, 2.ª Edição, dezembro de 2002, Coimbra Editora, p. 68).
34.º Pelo que, também por esta via, deverá o Recurso interposto ser admitido.
Nestes termos e com o Douto Suprimento de V. Exas., deve a presente Reclamação ser considerada procedente e, consequentemente, revogado o Despacho Reclamado e admitido o Recurso para o Tribunal Constitucional interposto nos presentes Autos com vista à apreciação da Constitucionalidade da interpretação efetuada pelo Tribunal a quo do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 268/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro.”
O Ministério Público pronunciou-se pelo deferimento da reclamação.
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Fundamentação
A Reclamante interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, nos termos das alíneas b) e g), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
Pediu a fiscalização de constitucionalidade da norma constante do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, na interpretação segundo a qual a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, nos 10 dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa que valeria como contestação no âmbito de tal ação.
O Tribunal recorrido não admitiu o recurso com fundamento em que a Recorrente não suscitou previamente perante ele a questão de constitucionalidade que agora vem colocar ao Tribunal Constitucional.
Contudo, a questão da suscitação da questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido não é relevante para a admissão do recurso.
Na verdade, tendo a Recorrente interposto o recurso, invocando também a competência do Tribunal Constitucional definida na alínea g), do n.º 1, do artigo 70.º, a observância de tal requisito não se mostra necessário.
É suficiente verificar-se que a decisão recorrida adotou o critério normativo cuja fiscalização de constitucionalidade se pretende e que esse critério já foi julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, o que ocorre no presente caso.
A decisão recorrida, interpretando o artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na redação introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de fevereiro, entendeu que a falta de comprovação do pagamento da taxa de justiça devida pelo réu, nos 10 dias subsequentes à distribuição do procedimento injuntivo como ação, acarreta o imediato desentranhamento da peça processual de defesa que valeria como contestação no âmbito de tal ação, interpretação esta que o Tribunal Constitucional já julgou inconstitucional, com força obrigatória geral, (acórdão n.º 760/13, acessível em www.tribunalconstitucional.pt), por se ter considerado que violava o artigo 20.º, n.º 4, da Constituição.
Estando preenchidos os requisitos do recurso previsto no artigo 70.º, n.º 1, g), da LTC, não há razão para que o recurso interposto não seja conhecido, pelo que deve ser deferida a reclamação apresentada
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Decisão
Pelo exposto, defere-se a reclamação deduzida por B., Limitada e, em consequência, revoga-se o despacho reclamado, admitindo-se o recurso interposto para o Tribunal Constitucional.
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Sem custas.
Lisboa, 12 de fevereiro de 2014. – João Cura Mariano – Ana Guerra Martins – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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