|
Processo n.º 1213/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que
figura como recorrente A. e como recorrido o Instituto de Solidariedade e
Segurança Social, foi proferida decisão, em 14 de Novembro de 2007, que negou
provimento ao recurso que o ora recorrente interpusera da anterior decisão do
Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, de 5 de Setembro de 2007, que, por
sua vez, havia julgado improcedente, por não provada, a impugnação do despacho
daquele Instituto, de 5 de Janeiro do mesmo ano, que lhe havia indeferido um
pedido de concessão de apoio judiciário.
2. Inconformado, veio o recorrente interpor recurso para o Tribunal
Constitucional através de um requerimento com o seguinte teor:
“[…] inconformado e com as maiores dúvidas sobre a constitucionalidade das
interpretações normativas ao longo do processado suscitadas, vem interpor
respeitoso RECURSO
para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.° 1 do
art.º 70° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção,
requerendo a sua admissão para os ulteriores termos processuais.
I. Para apreciação da inconstitucionalidade interpretativa da norma contida no
artigo 23.° da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho, devidamente conjugado com as do
artigo 1.º, n.° 3 da Portaria n.º 1085-.A/2004, de 31 de Agosto, dos artigos
100.°, n.° 3, e 108.°, n.° 4, ambos do Código de Procedimento Administrativo, e
artigo 284.°, n.° 1, alínea d), este do Código de Processo Civil, na
interpretação emanente das doutas decisões recorridas – a do Tribunal a quo, por
mera adesão absoluta à anterior, sem fundamentação própria – de que o prazo
legal para a formação de acto tácito se interrompe com as diligências encetadas
em sede de audiência prévia, invocando para tanto também os dispositivos dos
artigos 108.°, n.° 4, 109º, n.° 3, alíneas a), b) e c), e 100º. do Código de
Procedimento Administrativo aplicável ex vi o art.° 37.° da aludida Lei n.°
34/2004 (ponto 2, § penúltimo. da decisão judicial de 1ª instância.
Uma tal interpretação dessas conjugadas normas legais viola capitalmente o
princípio do acesso ao direito e aos tribunais segundo processo célere e
equitativo, imperativo dos n.°s 1, 4 e 5 do artigo 20.°, da Constituição da
República Portuguesa.
Esta questão de inconstitucionalidade interpretativa foi adequadamente suscitada
ao longo de todo o processado, em especial de forma expressa e cautelar na
conclusões 5.ª e 11ª do recurso interposto da decisão judicial de 1ª instância
interposto no Tribunal a quo, como o havia sido antes em sede de conclusão 4ª da
impugnação judicial da decisão administrativa.
Sendo a interpretação considerada correcta pelo recorrente a constante nas
conclusões 1ª a 4ª do recurso decidido pelo Tribunal a quo, que se resume a que
os dispositivos do Código de Procedimento Administrativo se aplicam apenas de
forma subsidiária e a contagem do prazo peremptório previsto no n.° 1 do art.°
25.° da citada Lei 34/2004, se suspende apenas até à entrada da resposta do
administrado às solicitações da autoridade administrativa, segundo as regras de
contagem de prazos previstas no Código de Processo Civil que rege expressamente
a contagem de prazos no regime de protecção jurídica por via do imperativo do
art.° 38.° da mesma Lei, o que não pode ser confundido - como foi pela
administração e instância judiciais impugnatórias, in casu - com interrupção,
regime diverso na forma e eficácia, pelo que a posterior decisão expressa tomada
após o decurso desse prazo é inválida porque nula.
II. Para apreciação também da inconstitucionalidade interpretativa das normas
contidas no artigo 3.°, artigo 6.°-A, artigo 124.°, n.° 1, alínea e), e artigo
125.°, n.°s 1 e 2, todos do Código de Procedimento Administrativo, na
interpretação dada pelo Tribunal de 1ª instância – a que o Tribunal a quo adere
completamente sem nada mais acrescentar – de que a sucinta exposição dos factos
constantes nas notificações da autoridade administrativa permitem ao cidadão
médio entender na perfeição os fundamentos de facto e de direito que as
sustentam, nada mais sendo exigido pela lei (ponto 3 da decisão de1ª instância,
transcrita na douta decisão ora recorrida).
Esta interpretação dessas normas legais viola os princípios da igualdade,
proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa-fé, bem como do direito a
fundamentação, de facto e de direito, expressa e acessível, sem ambiguidades,
patentes ou latentes, das decisões que afectem os seus direitos, cabendo aos
tribunais a tutela efectiva desses direitos, imperativos do artigo 20.° n.°s 4 e
5, do artigo 202.°, n° 2, do artigo 266.°, e do artigo 268.°, n.°s 3 e 4, todos
da Lei Fundamental.
A questão de inconstitucionalidade interpretativa foi suscitada de forma
adequada e expressa nas conclusões 7ª e 11ª do recurso apresentado ante o
Tribunal a quo, como também na conclusão 6.ª da impugnação judicial da decisão
administrativa. Considerando-se correcta a constante na conclusão 6ª do mesmo
recurso decidido pelo Tribunal a quo, a qual se pode sumariar em que a
fundamentação das decisões ou da intenção de indeferir notificada para efeitos
de audição prévia deve conter de forma clara e suficiente para esclarecer
concretamente a motivação dos actos praticados ou a praticar, mormente os
conceitos jurídicos adoptados e a razão matemática aplicada para aferir a
benignidade da pretensão do cidadão interessado.
III. Para apreciação ainda da inconstitucionalidade interpretativa do conjunto
de normas contidas nos artigos 6.° a 10.° da Portaria n.° 1085-A/2004, de 31 de
Agosto, e na alínea b) do n.° 1 do Anexo 1 da Lei n.° 34/2004, de 29 de Julho,
na interpretação expressa na decisão de 1ª instância — com plena adesão pelo
Tribunal a quo, sem mais — de que para se alcançar o conceito de rendimento
relevante para efeitos de protecção jurídica só é possível socorrer-se a
autoridade administrativa das normas da lei expressa para este efeito sem
qualquer referência a quaisquer outras com acolhimento legal (ponto 4, § 5°, da
decisão de 1ª instância).
Uma tal interpretação dessas normas legais viola os princípios da uniformidade
legislativa nas suas vertentes de igualdade, proporcionalidade, e boa-fé, de que
os tribunais têm a tutela efectiva, segundo os imperativos do artigo 20. °, n.°s
1, 4 e 5, do artigo 202. °, n° 2, do artigo 203.°, do artigo 266.°, e do artigo
268°, n.°s 3, 4 e 5, todos da Constituição da República Portuguesa.
A questão de inconstitucionalidade interpretativa foi suscitada de forma
adequada e expressa nas conclusões l0.ª e 11ª do sobredito recurso apreciado
pela decisão ora recorrida, bem corno na conclusão 8ª da impugnação judicial da
decisão administrativa.
O recorrente considera correcto o entendimento legislativo que fez constar
resumidamente nas conclusões 8.ª e 9ª desse recurso no sentido de que, na
uniformidade do edifício jurídico nacional, o conceito de rendimento, enquanto
fruto do trabalho, da poupança e/ou do património, não se pode confundir com o
produto da alienação dos meios que o geram, ficando a lei de protecção jurídica
limitada à aplicação do cálculo matemático nela expresso para alcançar o
especificado «rendimento relevante». [...]”
3. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao
abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro,
na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão
sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. É o seguinte, na
parte agora relevante, o seu teor:
“O recurso previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC tem por objecto
exclusivo a apreciação da constitucionalidade de normas jurídicas e pressupõe,
designadamente, que o recorrente tenha suscitado, perante o tribunal que
proferiu a decisão recorrida e de modo processualmente adequado, a exacta
questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada. Ora, como
se verá sumariamente já de seguida, nos presentes autos isso não aconteceu.
4. São três, conforme resulta do requerimento de interposição do recurso, supra
transcrito, as questões que o recorrente pretende ver apreciadas por este
Tribunal. No seu entendimento essas questões de constitucionalidade teriam sido
por si adequadamente suscitadas “ao longo de todo o processado” e,
especificamente, no que se refere à questão suscitada em primeiro lugar nas
conclusões 5ª e 11ª, no que se refere à questão suscitada em segundo lugar, nas
conclusões 7ª e 11ª e, finalmente, no que se refere à questão suscitada em
terceiro lugar, nas conclusões 10ª e 11ª, todas das alegações de recurso
apresentadas perante o Tribunal Central Administrativo Sul. É o seguinte o teor
das referidas conclusões:
«[…] 5ª A diferente interpretação de todas as normas supra citadas viola os
imperativos constitucionais dos n.°s 1, 4 e 5 do art.° 20.° da Constituição da
República Portuguesa.
[…]
7ª Uma tal falta de fundamentação viola o disposto nos art°s 30, 6.°-A, 124.°,
n.° 1, alínea c), e 125.°, nos 1 e 2, todos do Código de Procedimento
Administrativo, sendo a sua imanente interpretação na douta decisão em crise
violadora dos art.°s 20.°, n.°s 4 e 5, 202.°, n.° 2, 266,° e 268.°, n° 3, 4 e 5
da Lei Fundamental, considerando-se correcta a de que a administração está
obrigada a fundamentar claramente, de facto e de direito, as suas decisões, onde
se tem que incluir necessariamente a especificidade da contabilização do
rendimento relevante para efeitos de protecção jurídica, cabendo aos tribunais a
tutela desses direitos segundo processo equitativo e célere.
[…]
10.ª A diferente interpretação de todas as sobreditas regras legais sempre viola
os preceitos dos n.°s 1, 4 e 5 da art.° 20°, n.° 2, do art.° 202.°, 203.°, 266.°
e n.°s 3, 4 e 5 do art° 268.°, todas da Lei Fundamental, defendendo-se a
correcção da que se explanou na conclusão anterior.
11.ª Arguindo-se expressamente e ad cautelam para todos os efeitos da lei as
inconstitucionalidades interpretativas identificadas ab initio e nas conclusões
5ª 7ª e 10ª, em referência às normas legais a que cada uma se refere, tendo por
correctas as interpretações que se explanaram quanto à admissibilidade do
presente recurso e as que emergem das restantes conclusões que antecedem cada
uma das invocadas, no seu conjunto e concomitância».
Ora, como é evidente, não está ali suscitada, de modo processualmente adequado,
qualquer questão de constitucionalidade normativa susceptível de integrar o
recurso que o recorrente pretende interpor. De facto, naquelas conclusões, o
recorrente limita-se, genericamente, a referir que uma “diferente
interpretação”, que, todavia, nunca – nem nas conclusões nem em quaisquer outros
pontos da mesma peça processual – formula adequadamente do ponto de vista
normativo, é inconstitucional. Dizer que “uma diferente interpretação” – diversa
daquela que se propõe como correcta e que, em si mesma, mais não é do que a
afirmação do resultado a que, alegadamente, se deveria chegar pela aplicação da
lei no caso concreto – é inconstitucional não é, porém, identificar essa
diferente interpretação, pelo menos para efeitos de permitir o recurso de
constitucionalidade que o recorrente interpôs. Como este Tribunal tem afirmado
repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação
ou dimensão normativa de um determinado preceito. Nesses casos, contudo, tem o
recorrente o ónus de enunciar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido
normativo do preceito que considera inconstitucional, significando isso – como,
por exemplo, se afirmou já no Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série,
de 18 de Junho de 1994 –, que o recorrente tem de indicar claramente “esse
sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar
desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por
forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros
destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido
da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei
Fundamental”. Ora, nada disso foi feito nas conclusões indicadas pelo
recorrente. O que, em bom rigor, o recorrente faz naquelas conclusões (nas por
si indicadas ou em outros pontos da mesma peça processual) é, como se concluiu
recentemente num outro processo em que o recorrente era o mesmo (Acórdão n.º
618/2007), “impugnar o resultado da aplicação das normas identificadas,
imputando o vício de inconstitucionalidade à própria decisão judicial, em si
mesma considerada e aos seus fundamentos, ou a uma diferente interpretação que
não a por si proposta, o que, como se sabe, não pode ser objecto de recurso de
constitucionalidade nem constitui forma adequada de suscitar tal questão”
(itálico aditado).
4. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto
no artigo 78º-A, nº 3, da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que
fundamenta nos seguintes termos:
“A doutíssima decisão aqui em reclamação sustenta o não conhecimento do recurso
no facto de a questão da inconstitucionalidade das normas estarem indevidamente
expressas na lapidar expressão “uma diferente interpretação cujo laconismo não
se compaginará com o ónus de “enunciar deforma clara e perceptível o exacto
sentido normativo do, preceito que considera inconstitucional’.
Ora, afigura-se ao recorrente que indicou de forma suficiente, porque cautelar -
antes de conhecer o sentido interpretativo do tribunal recorrido - nas peças
processuais que antecederam a decisão em crise interpretativa e que foram
devidamente arroladas ao longo do texto recursivo analisado na decisão sumária
ora reclamada.
De facto ali se indica com rigor os locais onde se suscitaram cautelarmente as
inconstitucionalidades interpretativas arguidas
E sendo de forma cautelar impossível se tornaria especificar adiantadamente
teses interpretativas que, abrangendo todas as possíveis, contrariassem as que o
recorrente acolhe como positivamente acolhíveis na senda das explanadas.
Tantas elas poderiam ser, eventualmente!!
Nem as decisões judiciais sucessivamente sindicadas carreiam teses
suficientemente fundamentadas, devendo tê-las, que pudessem explicitar melhor
uma antítese plena, rigorosa, tendo o recorrente que se bastar com as
presumidamente alvitradas e que sustentam, imperfeitamente expressas as
decisões.
Ante uma tal deficiência fica o recorrente sem possibilidade de identificar com
maior rigor a(s) tese(s) que contraria e tal, não lhe sendo imputável, não
poderá ser impedimento para o conhecimento do mérito do recurso, salvo melhor,
mais douta e esclarecida opinião.
Termos em que se requer que em conferência venha este soberano Tribunal a
reapreciar a questão e conhecer da matéria colocada ao seu juízo na senda da
sempre necessária JUSTIÇA”.
5. Notificado para responder à reclamação do recorrente, o recorrido nada disse.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
6. Na decisão sumária reclamada decidiu-se não conhecer do objecto do recurso
por não ter o recorrente suscitado, de modo processualmente adequado perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, como exige o n.º 2 do art. 72º da Lei
do Tribunal Constitucional, qualquer questão de constitucionalidade susceptível
de integrar o recurso que interpôs. Logo ali se sublinhou que, durante o
processo, o recorrente se limitou a, genericamente, referir que uma “diferente
interpretação”, que, todavia, nunca formulou adequadamente do ponto de vista
normativo, era inconstitucional. Também então se explicitou que dizer apenas que
“uma diferente interpretação” – diversa daquela que se propõe como correcta e
que, em si mesma, mais não é do que a afirmação do resultado a que,
alegadamente, se deveria chegar pela aplicação da lei no caso concreto – é
inconstitucional, não é, ainda, identificar essa diferente interpretação, pelo
menos para efeitos de permitir o recurso de constitucionalidade que o recorrente
interpôs.
7. Com a presente reclamação o reclamante pretende contestar esta conclusão.
Fá-lo, porém, em termos que em nada abalam a fundamentação que sustenta a
decisão sumária reclamada. Ao que então já se deixou dito apenas agora se
acrescenta que, ao contrário do que é pressuposto pela argumentação do
reclamante, recai efectivamente sobre a parte o ónus de considerar as várias
possibilidades interpretativas susceptíveis de ser seguidas e utilizadas na
decisão e de utilizar as necessárias precauções, de modo a poder, em
conformidade com a orientação processual considerada mais adequada, salvaguardar
a defesa dos seus direitos (cfr., nesse sentido, entre muitos outros, o acórdão
n.º 479/89, Acórdãos do Tribunal Constitucional, 14º vol., pgs. 149 e 150). Só
estará o recorrente dispensado de suscitar a inconstitucionalidade da norma – ou
do sentido normativo – antes de proferida a decisão recorrida quando a sua
aplicação ao caso – ou a sua aplicação com aquele sentido – seja, de todo em
todo, insólita ou imprevisível, o que, no caso concreto, manifestamente não
acontece.
8. Assim sendo apenas resta, reiterando as razões constantes da decisão
reclamada, que em nada são abaladas pela reclamação apresentada, confirmar o
julgamento que ali se formulou no sentido da impossibilidade de conhecer do
objecto do recurso.
III - Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2008
Gil Galvão
José Borges Soeiro
Rui Manuel Moura Ramos
|