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Processo n.º 1055/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em Conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, o arguido A. foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1 do D.L. 15/93, de 22 de janeiro, na pena de seis anos de prisão.
Transitada em julgado essa condenação, o arguido interpôs recurso extraordinário de revisão, cujo provimento foi negado por acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) em 26 de junho de 2013. Por seu turno, o incidente de nulidade dessa decisão, por omissão de pronúncia, suscitado pelo arguido, foi indeferido, através de acórdão do STJ proferido em 12 de setembro de 2013.
2. Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, invocando o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC)
3. Neste Tribunal, foi proferida a decisão sumária n.º 633/2013, concluindo pelo não conhecimento do recurso, no essencial, pela seguinte ordem de razões:
«(...) 6. Segundo decorre do requerimento de interposição de recurso, o recorrente peticiona a fiscalização da constitucionalidade do n.º 2 do artigo 453.º do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de se encontrar impossibilitada de depor testemunha indicada no processo, mas não ouvida neste pelo facto de se encontrar impossibilitada; sentido interpretativo que o recorrente entende infringir os artigos 18.º, 20.º, n.º 1, e 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
Contudo, da leitura dos dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, constata-se que esse sentido normativo, reportado a interpretação extraída do preceituado no n.º 2 do artigo 453.º do Código de Processo Penal, neles não foi aplicado.
Com efeito, diz-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 26 de junho de 2013:
«(…) a testemunha B., embora tivesse sido indicada nessa qualidade na contestação do aqui recorrente, não chegou a ser ouvida no processo por ter faltado à audiência, na sessão de 18-12-2008 em que iria depor, tendo então a defesa prescindido do seu depoimento, conforme resulta da respetiva ata (fls. 555-558 do processo principal), encontrando-se portanto inibida de depor no processo de revisão (…)»
Resulta da transcrição que antecede que a norma do n.º 2 do artigo 453.º do Código de Processo Penal não foi aplicada com o sentido inconstitucional que lhe foi assacado pelo recorrente; antes, foi entendimento do citado acórdão, face à regra extraída da aludida disposição legal, que se encontra inibida de depor no processo de revisão testemunha que não foi ouvida na audiência de julgamento por ter sido prescindida pelo sujeito processual que a indicou.
Por sua vez, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido em 12 de setembro de 2013, que recaiu sobre pedido de nulidade do acórdão anterior por omissão de pronúncia, não aplicou, como fundamento jurídico determinante do decidido, qualquer norma extraída do n.º 2 do artigo 453.º do Código de Processo Penal, mas tão somente as regras pertinentes ao vício de nulidade, por omissão de pronúncia, e o esgotamento do poder jurisdicional decorrente da al. b) do nº 1 do artº 380º do Código de Processo Penal.
Assim sendo, por a questão normativa colocada não integrar norma efetivamente aplicada, como ratio decidendi, de nenhum dos dois acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça e, por decorrência, o recurso de constitucionalidade não revestir utilidade, cumpre concluir pela impossibilidade de conhecer do objeto do presente recurso, o que determina, de acordo com o disposto no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, a prolação de decisão sumária.»
4. Novamente inconformado, o recorrente veio reclamar para a Conferência, através de requerimento que concluiu nos seguintes termos:
«a) Merece censura a apesar de tudo douta Decisão Sumária N.º 633/2013 proferida pelo Exmo. Juiz Cons. Relator, por não conhecer o objeto do recurso;
b) Recurso este admitido, conforme Despacho de Admissão, proferido pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator em 03.10.2013;
c) A não admissibilidade do recurso interposto quanto à referida questão de constitucionalidade, priva o ora Reclamante/Recorrente, que cumpriu todos os ónus que sobre si impendiam, de ver a constitucionalidade da referida norma apreciada, consubstanciando tal interpretação restritiva manifesta violação dos mais nucleares Princípios (18.º, 20.º CRP) e Garantias Fundamentais (art. 32.º, n.ºs 1 e 2 CPP);
d) Pelo que, verificando-se preenchidos todos os requisitos legais ínsitos nos arts. 70.º, al. b), 72.º, nº 2 e 75.º e 75.º-A da L.T.C, deverá a Reclamação apresentada ser recebida e julgada procedente,
e) Julgar inconstitucional, por violação dos Princípios de Estado de Direito consagrados nos arts. 18.º e 20.º CRP, bem como por violação das Garantias de Defesa em Processo Criminal, contempladas no art. 32.º CRP, a norma do art. 453.º, n.º 2 CPP, por não admitir o depoimento da testemunha, com base na interpretação restritiva da impossibilidade de depor, pelo facto de a mesma ter faltado à audiência de julgamento;
f) Determinar que a decisão recorrida seja reformulada de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade;
g) Neste pendor, prescreve o art.º 625.º do C.P.C., que havendo duas decisões contraditórias, dentro do processo, que versem sobre a mesma questão concreta da relação processual, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar;
h) Assim, importa nos termos do art.º 613.º do C.P.C., remissivo ao referido art.º 625.º, que se proceda à reforma do Acórdão de 26 de junho de 2013, cumprindo-se o Douto Despacho do Sr. Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Espinho, que admitiu o depoimento da testemunha B., decisão esta que constitui caso julgado formal (ex vi do art.º 672.º do C.P.C.);
i) Cumprindo-se a decisão transitada em julgado em primeiro lugar, na técnica dos art.ºs 625.º e 620.º do CPC;
j) E nesta conformidade, proceder à reforma do Acórdão (ut. art.º 613.º a 617.º do CPC, por remissão do art.º 666.º do CPC e ainda, art.º 4 do C.P.P.);
k) Tendo este Tribunal de tomar conhecimento e pronunciar-se, consoante a decisão ou despacho que considere a coberto de caso julgado formal, sobre o objeto do recurso;
l) E, em conformidade com tal desiderato, ordenando a ulterior tramitação processual, em ordem a admitir-se e conhecer-se, in totum, do objeto do recurso de constitucional idade interposto pelo Reclamante.»
5. Em resposta, o Ministério Público pronunciou-se pela improcedência da reclamação, salientando que a interpretação indicada como objeto do recurso não encontra identidade com aquela aplicada pelo STJ.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
6. Vem o arguido/recorrente reclamar para a Conferência da decisão sumária que decidiu não conhecer do recurso que interpôs, em virtude do recurso ter como objeto interpretação normativa que não foi efetivamente aplicada pelo Tribunal a quo.
Diga-se, desde já, que nenhum dos argumentos constantes da reclamação em apreço afasta essa conclusão e o acerto da decisão reclamada.
Com efeito, e tendo em atenção a clarificação de que o recurso interposto incide tão somente sobre o acórdão de 26 de junho de 2013, verifica-se que o recorrente procura prosseguir no recurso de constitucionalidade a discussão sobre se a testemunha que indicou no recurso extraordinário de revisão estava ou não impossibilitada de depor na audiência de julgamento e sobre a bondade da subsunção ao disposto na parte final do n.º 2 do artigo 453.º do CPP do caso em apreço, operada pelo Tribunal a quo.
Para tanto, o recorrente alinha argumentos votados a demonstrar que a decisão recorrida foi errada e a convencer que a testemunha estava na realidade impossibilitada para depor por doença e, a partir dessa consideração – que tem para si como certa -, aponta à decisão recorrida a aplicação de critério normativo que toma como elemento a ocorrência de “impossibilidade de depor, de testemunha indicada no processo”.
Porém, não cabe ao Tribunal Constitucional apreciar a correção ou a bondade da decisão recorrida na escolha, interpretação e aplicação do direito infraconstitucional às particularidades do caso, que constitui para si um dado, na sindicância da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas efetivamente aplicadas pelos Tribunais, como determinantes do julgado.
São, por isso, espúrias, por impertinentes, todas as considerações e argumentos do recorrente quanto à verificação de impossibilidade para depor independentemente da decisão de prescindir do depoimento de testemunha em falta e da possibilidade de determinação oficiosa desse meio de prova, assim como quanto à vinculação do STJ a caso julgado formal, ou à devida aplicação das disposições processuais civis que regem a reforma das sentenças/acórdãos, pois comportam o vício de encarar a cognição cometida ao Tribunal Constitucional como se de revisão do ato do poder judicial, em si mesmo considerado, se tratasse, e não apenas, como decorre do artigo 280.º, n.ºs 1, al. b) e 6 da Constituição, restrita à questão normativa de constitucionalidade.
Ora, certo é que a decisão recorrida tomou como ratio decidendi critério normativo assente na consideração de que se encontra inibida de depor no processo de revisão testemunha que não foi ouvida na audiência de julgamento por o seu depoimento ter sido prescindido pelo sujeito processual que a indicou. Desse critério normativo não faz parte, por julgado inverificada – bem ou mal, não cabe aqui apreciar - a justificação para a não audição da testemunha durante o julgamento decorrente de impossibilidade na prestação de depoimento. Para o Tribunal a quo, a testemunha não foi ouvida durante o julgamento, mormente em sessão ulterior àquela para que fora convocada e faltara, tão somente em virtude de ter sido prescindida pelo sujeito processual que a indicara.
Então, não tendo sido o critério questionado no recurso de constitucionalidade efetivamente aplicado na decisão, cumpre assentar, como na decisão sumária reclamada, que o objeto conferido ao recurso não respeita o pressuposto objetivo decorrente da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da LTC, decorrente da natureza instrumental do recurso de constitucionalidade, e não pode ser conhecido.
III. Decisão
7. Pelo exposto, decide-se:
a) Indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada;
b) Condenar o reclamante nas custas, fixando-se em 20 (vinte) Ucs a taxa de justiça, tendo em atenção os critérios seguidos por este desenvolvido pelo reclamante.
Lisboa, 10 de dezembro de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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