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Processo n.º 1012/2013
2ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I - RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclamou, em 01 de julho de 2013 (fls. 460 a 463), ao abrigo do n.º 4 do artigo 76º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido pelo Juiz-Relator junto do Supremo Tribunal de Justiça, em 20 de junho de 2013 (fls. 443), que rejeitou recurso de constitucionalidade por si interposto, em 29 de abril de 2013 (fls. 431 a 434), por ter entendido que:
«Proferido o nosso acórdão, veio o réu recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos artigos 70.º, n.º 1 b) da Lei do Tribunal Constitucional.
Não apresentou conclusões, mas das respetivas alegações resulta que invoca a violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e da igualdade.
E invoca-a por ter sido recusado o reenvio que solicitou.
No respetivo despacho, fundamentei – em termos que aqui dou como reproduzidos – carreando as razões do indeferimento e delas resulta, claramente, o não envolvimento dos aludidos princípios constitucionais.
A recusa do reenvio nada tem, manifestamente, de inconstitucional.
Sendo assim, nos termos do artigo 76º, nº 2, parte final da apontada Lei, não admito o recurso.» (fls. 443)
2. A reclamação deduzida foi concebida nos seguintes termos:
«1. A presente reclamação visa expor as razões que justificam a admissão do recurso interposto. Uma vez que tais razões constam já do requerimento de interposição de recurso, que se dão por reproduzidas, o reclamante dispensa-se de aqui as repetir.
Deste modo, o reclamante concentrar-se-á em demonstrar que carece de fundamento a não admissão do recurso decidida pelo douto despacho reclamado.
2. O despacho reclamado considerou que o recurso interposto é manifestamente infundado.
Começa esse despacho por mencionar que o Réu veio recorrer para o TC ao abrigo do disposto no Artigo 70°, n° 1, alínea b), da Lei daquele Tribunal (LOFPTC). Essa afirmação está apenas parcialmente certa, uma vez que, em parte, o recurso interposto é fundado nessa disposição legal.
Todavia, como o recurso interposto não é fundado apenas nessa disposição legal, a afirmação em causa não é exata.
Sendo certo que é relevante que o recurso interposto não seja fundado apenas na aludida norma, pois apenas nesse caso é admissível a rejeição do recurso ao abrigo da parte final do n.º 2 do Artigo 76° da LOFPTC (tal como foi decidido).
3. Em seguida, o despacho menciona que o Réu não apresentou conclusões e faz referência às respetivas alegações.
A menção da não apresentação de conclusões faz supor que o Réu as deveria ter formulado e a menção às alegações faz supor que o requerimento em causa tem essa natureza.
Sucede que o requerimento apresentado pelo Réu não é uma alegação de recurso. É, outrossim, mero requerimento de interposição de recurso. Aliás, como se referiu, quer o cabeçalho desse requerimento quer o pedido que a final é formulado não deixam margem para dúvidas de que não se trata de uma alegação de recurso, mas sim de um mero requerimento de interposição de recurso.
Ora, resulta expresso do disposto no Artigo 79°, n.º 1, da LOFPTC, que 'As alegações de recurso são sempre produzidas no Tribunal Constitucional'. Sendo certo que a LOFPTC não exige a formulação de conclusões no requerimento de interposição do recurso.
De modo que o douto despacho proferido pelo relator enferma de erro sobre a natureza do requerimento em causa, o qual nem é alegação de recurso nem tinha, consequentemente, de conter conclusões.
4. Consta ainda do aludido despacho que o Réu invoca a violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e da igualdade. Essa afirmação está apenas parcialmente certa, uma vez que, em parte, o recurso interposto é fundado na violação desses princípios constitucionais.
Todavia, como o recurso interposto não tem apenas esse fundamento, a afirmação em causa não é exata.
Consta também do despacho em causa que o Réu invocou a violação daqueles princípios constitucionais por ter sido recusado o reenvio que solicitou. Essa afirmação é falsa, pois tal não consta do requerimento em causa, nem dele é possível extrair tal conclusão.
Com efeito, o requerimento apresentado pelo Réu contém 2 pontos (ponto 1. e ponto 2.), cada um deles contendo um diferente fundamento para o recurso interposto:
- O ponto 1. refere expressamente o Artigo 70°, n.º 1, alínea b), da LOFPTC, e menciona a violação dos referidos princípios constitucionais (para além de preencher todos os demais requisitos previstos no n° 2 do Artigo 75°-A daquela lei) como fundamento da inconstitucionalidade das normas legais respeitantes à fixa cão da indemnização.
- O ponto 2. refere expressamente o Artigo 20° da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, o Artigo 47° da CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA e o Artigo 6° da CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM, e menciona a violação do Artigo 8° da C.R.P. como fundamento da inconstitucionalidade da não suscitação da questão prejudicial requerida ao ST J, invocando que sobre essa questão o ST J decidiu em 1ª instância, o que inviabilizou que a invocada inconstitucionalidade pudesse ser anteriormente arguida, impondo-se a admissão do recurso sobre essa questão por força do direito ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efetiva.
5. Assim sendo, o recurso interposto tem dois fundamentos distintos, perfeitamente autonomizados no requerimento em causa (até do ponto de vista sistemático - correspondendo cada um dos fundamentos de recurso a um número diferente), tendo sido invocadas violações constitucionais distintas para cada um desses fundamentos.
Sendo certo que os princípios constitucionais referidos no douto despacho do relator não foram invocados como fundamento da inconstitucionalidade da recusa do reenvio prejudicial, conforme ali vem referido.
6. Em face do exposto, a afirmação de ser infundado o recurso interposto por os princípios constitucionais da proteção da confiança e da igualdade não terem qualquer relação com a recusa do reenvio, não tem qualquer correspondência com os fundamentos do recurso invocados pelo Réu sobre essa questão.
Em consequência, está errada a conclusão de o recurso interposto ser, por isso, manifestamente infundado.
7. Por outro lado, relativamente à questão da recusa do reenvio, o recurso interposto não se fundou no disposto no Artigo 70°, n.º 1, alínea b), da LOFPTC, mas sim no Artigo 20° da CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA, no Artigo 47° da CARTA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA UNIÃO EUROPEIA e no Artigo 6° da CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM.
Pelo que, ainda que o relator entendesse não ser admissível o recurso nessa parte, nunca o poderia considerar manifestamente infundado nos termos da parte final do n° 2 do Artigo 76° da LOFPTC, porquanto esse fundamento de rejeição do recurso apenas é aplicável no caso dos recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70°. O que, como se referiu, não é o caso do recurso interposto, nesta parte.
8. Acresce que, ao contrário do que consta da fundamentação do despacho do relator, o conceito de recurso manifestamente infundado não respeita ao mérito do próprio recurso, ou seja, ao mérito das inconstitucionalidades invocadas.
Desde logo, porque, como se referiu, as alegações do recurso apenas são apresentadas no TC, isto é, após a admissão do recurso. Sendo certo que seria incompreensível qualquer juízo sobre o mérito das questões de constitucionalidade antes de apresentadas as alegações, porque é só nestas (e não antes) que o recorrente procura convencer o tribunal de recurso que se verificam as inconstitucionalidades que invocou.
Por outro lado, após a prolação da decisão esgota-se o poder jurisdicional do tribunal recorrido sobre as questões que lhe foram suscitadas (tendo-as conhecido ou não). De modo que, após a prolação da decisão, o tribunal recorrido (neste caso, o STJ) deixa de ser o competente para se pronunciar sobre as questões suscitadas no recurso interposto dessa decisão. De resto, seria incompreensível que a admissibilidade de um recurso ficasse dependente de um juízo sobre o respetivo mérito que o próprio tribunal recorrido viesse a formular.
Na verdade, só assim se compreende que apenas os recursos previstos nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70° possam ser julgados manifestamente infundados e não também os recursos previstos nas restantes alíneas do n.º 1 daquele preceito legal. Isto porque o conceito de recurso manifestamente infundado a que alude a parte final do n.º 2 do Artigo 76° diz respeito aos requisitos de admissibilidade do recurso exigidos pelo n.º 2 do Artigo 75º-A e não ao mérito de recurso.
9. Como se referiu, a parte do recurso interposto que é fundada no Artigo 70°, n.º 1, alínea b), da LOFPTC, é apenas a relativa à questão das normas legais respeitantes à fixação da indemnização (a propósito das quais foi invocada a violação dos referidos princípios constitucionais da proteção da confiança e da igualdade).
Nessa parte, o recurso interposto preenche todos os requisitos previstos no n.º 2 do Artigo 75°-A da referida lei.
Pelo que o recurso nunca poderia ser considerado manifestamente infundado.
10. Pelo exposto, carecem de fundamento os motivos invocados na douta decisão reclamada para a não admissão do recurso interposto para o Tribunal Constitucional pelo ora reclamante.
Outrossim, verificam-se todos os requisitos de que depende a admissibilidade do aludido recurso interposto para o Tribunal Constitucional, nos sobreditos termos e nos do requerimento de r interposição de recurso, com o objeto aí definido.
Termos em que, deferindo-se a presente reclamação, deve ser admitido o recurso interposto pelo ora reclamante para o Tribunal Constitucional, com o objeto definido no respetivo requerimento de interposição.» (fls. 460 a 463)
3. Notificado para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 77º da LTC, o Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se nos seguintes termos:
«1. Nos presentes autos, A. veio deduzir reclamação por não admissão de recurso (cfr. fls. 453-456, 460-463 dos autos), do despacho, proferido pelo Ilustre Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de junho de 2013 (cfr. fls. 443 dos autos).
2. Em tal despacho, o mesmo Ilustre Conselheiro não admitiu o recurso de constitucionalidade anteriormente apresentado, «ao abrigo da al. b) do nº 1 do Artigo 70º da L.O.T.C. (de decisão que aplicou normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo)», pelo ora reclamante (cfr. fls. 431-433, 437-439 dos autos), e em que este invocava a inconstitucionalidade das «normas legais respeitantes à fixação da indemnização – Artigo 6º do D.L. nº 522/85, de 31/12 (com a redação do D.L. nº 394/87, de 31/12) e Artigos 494º, 496º, nº 3 e 566º, nºs 2 e 3, do Código Civil -, na dimensão normativa como foram aplicadas», por violação: «a) Do princípio constitucional da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de Direito Democrático – Artigo 2º da C.R.P., e b) Do princípio constitucional da igualdade de tratamento (igualdade do cidadão perante a lei) – Artigo 13º da C.R.P.».
3. Considerou, porém, o Ilustre conselheiro Relator, para não admitir o recurso interposto, designadamente o seguinte (cfr. fls. 443 dos autos):
“No respetivo despacho, fundamentei – em termos que aqui dou como reproduzidos – carreando as razões do indeferimento e delas resulta, claramente, o não envolvimento dos aludidos princípios constitucionais.
A recusa do reenvio nada tem, manifestamente, de inconstitucional.
Sendo assim, nos termos do artigo 76º, nº 2, parte final da apontada Lei, não admito o recurso.”
4. Ora, de facto, na decisão a que alude o Ilustre Conselheiro Relator - o Acórdão, do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de abril de 2013 (cfr. fls. 421-425 dos autos) -, não foram aplicadas as normas imputadas de constitucionais pelo ora reclamante, pelo que as mesmas não integraram a respetiva ratio decidendi.
Escreveu-se, com efeito, no mesmo Acórdão (cfr. fls. 423 dos autos):
“VI - A não referência a questões de constitucionalidade teve razão de ser na sua prejudicialidade. Como enunciámos no ponto XIV do acórdão e resulta do nº 43 das conclusões das alegações de recurso, a não retroação do valor dos montantes indemnizatórios vincularia o tribunal a discorrer sobre tal matéria.
Como se acolheu tal pretensão, surgiu a mesma prejudicialidade.”
5. Resta, pois, concluir, em face do referido, que a presente reclamação, por não admissão de recurso, não merece, no entender deste Ministério Público, provimento.»
5. Após análise dos autos, a Relatora entendeu equacionar a possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso, com fundamentos distintos daqueles que tinham sido adotados pela decisão reclamada. Como tal, em cumprimento do n.º 1 do artigo 704º do CPC (na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por força do artigo 7º, n.º 1, desse mesmo diploma legal), aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC, proferiu o seguinte despacho de aperfeiçoamento, em 04 de novembro de 2013, para que o recorrente e o recorrido pudessem vir aos autos pronunciar-se sobre a possibilidade de não conhecimento do objeto:
«Tendo surgido dúvidas quanto à possibilidade de não conhecimento do objeto do presente recurso, com base em fundamentos distintos dos que presidiram à decisão reclamada, determino, em cumprimento do n.º 1 do artigo 704º do CPC (na redação anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, por força do artigo 7º, n.º 1, desse mesmo diploma legal), aplicável “ex vi” artigo 69º da LTC, que sejam notificados o reclamante e o Ministério Público para, querendo, virem, aos autos, no prazo de 10 (dez) dias, pronunciar-se:
i) Sobre a possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, quer por as normas que o integram não terem sido aplicadas pela decisão recorrida – in casu, o acórdão proferido, em conferência, pela 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de abril de 2013 –, quer por falta de suscitação processualmente adequada, conforme determina o artigo 72º, n.º 2, da LTC, seja em sede de alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja nos subsequentes incidentes processuais por si deduzidos:
ii) Sobre a possibilidade de não conhecimento do objeto do recurso interposto ao abrigo do artigo 20º da CRP, do artigo 47º da CDFUE e do artigo 6º da CEDH, por o objeto daquele recurso não incidir sobre qualquer norma jurídica (seja de natureza infraconstitucional ou outra), conforme determina o artigo 277º, n.º 2, da CRP).
Notifique-se.» (fls. 487 e 488)
Notificado desse despacho, o recorrente veio pronunciar-se no seguinte sentido:
«A notificação do douto despacho apenas cumpre o desiderato de anunciar ao reclamante a possibilidade (probabilidade) de vir a ser proferida uma decisão igualmente desfavorável, embora não pelos fundamentos constantes da decisão reclamada, dessa forma prevenindo previamente o reclamante de tal, para evitar que a decisão que será proferida constitua para si uma 'decisão surpresa'.
Todavia, a notificação em causa não possibilita o exercício pleno e eficaz do contraditório por parte do reclamante.
Com efeito, o anúncio da prolação de uma decisão com fundamentos diversos da reclamada significa que a argumentação expendida pelo reclamante com vista á modificação da decisão proferida já esgotou a sua utilidade, pois demonstra que lhe assistia razão ao discordar dos fundamentos da decisão reclamada.
Assim, o esgotamento da argumentação expendida pelo reclamante, por causas que lhe não são imputáveis (pois não lhe é imputável a falta de razão da argumentação usada pela decisão reclamada, nem lhe era - nem é - exigível que argumente contra uma fundamentação que desconhece), não pode coartar a faculdade de poder argumentar contra uma decisão que lhe será desfavorável.
No entanto, para o poder fazer, é necessário que seja dado conhecimento ao reclamante dos novos fundamentos que o tribunal entende que devem determinar a confirmação da decisão reclamada. Pois sem conhecer esses fundamentos (e a respetiva argumentação) o exercício do contraditório não é efetivo, porquanto o reclamante está impedido de expor e de fundamentar as razões da sua eventual discordância,
Aliás, não é de mais notar que a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional foi devidamente fundamentada pelo reclamante (tal como o exigem as normais procedimentais aplicáveis). De modo que, sem conhecer os novos fundamentos da decisão que é projetada proferir, o reclamante nada poderá dizer, para além do que já disse.
Na verdade, o douto despacho em causa apenas enuncia as questões relativamente às quais entende existirem fundamentos, diversos dos da decisão reclamada, que determinam o inêxito da pretensão do reclamante, mas não os concretos fundamentos que, no âmbito dessas questões, são suscetíveis de determinar a decisão desfavorável projetada.
Sendo certo que, tratando-se de questões sobre as quais o reclamante já se pronunciou no seu requerimento de interposição de recurso, apenas terá utilidade a notificação de um despacho que concretize e fundamente as razões, diversas das invocadas pelo tribunal reclamado, pelas quais entende que a decisão deve ser desfavorável ao reclamante.
Aliás, as manifestações legislativas mais recentes apontam precisamente no sentido ora propugnado pelo reclamante, das quais é exemplo o Artigo 117.º do Código do Procedimento Administrativo, ao exigir que, nas situações desfavoráveis aí previstas, haja fundamentação - e não mera indicação das questões - e que a audiência dos interessados tenha lugar, em regra, sobre o respetivo projeto.
Também no caso dos autos tal se justifica plenamente, uma vez que, como ficou demonstrado, os argumentos com base nos quais o reclamante discordou da decisão reclamada já se encontram Ultrapassados. o mesmo é dizer que o reclamante como que voltou à 'estaca zero', só que desta vez não conhece os fundamentos da decisão que contra si é projetada proferir, o que impede que contra ela possa concretamente argumentar (pelo menos com conteúdo útil).
Pelo exposto, requer que seja repetida a notificação efetuada, acompanhada do projeto da decisão a proferir, e que seja concedido ao reclamante um prazo razoável para sobre o mesmo se poder pronunciar.» (fls. 496 e 497)
Por sua vez, igualmente notificado do mesmo despacho, o recorrido veio pronunciar-se no seguinte sentido, que ora se sintetiza:
«4. Quanto ao primeiro motivo, seria «quer por as normas que o integram, não terem sido aplicadas pela decisão recorrida – in casu, o acórdão proferido, em conferência, pela 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, em 11 de abril de 2013 -, quer por falta de suscitação processualmente adequada, conforme determina o artigo 72º, nº 2, da LTC, seja em sede de alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja nos subsequentes incidentes processuais por si deduzidos».
Considera o Ministério Público que assiste razão à Ilustre Conselheira Relatora sobre ambos os aspetos, o primeiro dos quais igualmente referido por este Ministério Público, na sua resposta à reclamação por não admissão de recurso apresentada pelo interessado (cfr. fls. 484-485 dos autos).
Quanto ao segundo aspeto salientado, basta cotejar as conclusões de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentadas pelo reclamante (cfr. fls. 206-292 dos autos), maxime na conclusão 43ª (cfr. fls. 285 dos autos), para se poder concluir pela «falta de suscitação processualmente adequada» da inconstitucionalidade das normas escolhidas, pelo interessado, para submeter à apreciação deste Tribunal Constitucional.
5. Quanto ao segundo fundamento para não conhecimento do objeto do recurso, também se concorda com o facto de «o objeto daquele recurso não incidir sobre qualquer norma jurídica (seja de norma infraconstitucional ou outra)».
Com efeito, lendo o fundamento do recurso nesta parte (cfr. fls. 432 dos autos), facilmente se conclui não estar em causa nenhuma norma jurídica, mas antes um procedimento do Supremo Tribunal de Justiça, que entendeu não se encontrarem reunidas as condições, no caso concreto, para a utilização do mecanismo do reenvio prejudicial.
Ora, uma tal atividade subsuntiva, escapa à fiscalização deste Tribunal Constitucional.
6. Aliás, uma tal argumentação apenas confirma as manifestas manobras dilatórias, utilizadas à outrance nos presentes autos, para evitar que os autos possam chegar ao fim e assegurar-se o pagamento da indemnização devida à vítima, por um acidente de viação ocorrido em 1989.
7. Nestes termos, o Ministério Público considera que o presente recurso de constitucionalidade não deverá ser conhecido e apreciado por este Tribunal Constitucional, pelas razões invocadas pela Ilustre Conselheira Relatora no seu despacho de 4 de novembro de 2013.»
Posto isto, cumpre agora apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
6. A título prévio, importa começar por apreciar a alegação do reclamante de que o despacho proferido pela Relatora, em 04 de novembro de 2013, não lhe permitiria exercer, de modo pleno e esclarecido, o seu direito de contraditar os possíveis novos fundamentos de não conhecimento do objeto do pedido. Ora, com efeito, a jurisprudência constante neste Tribunal tem sempre afirmado a “proibição da indefesa”, garantindo que os sujeitos processuais podem exercer o seu direito de acesso à Justiça, de forma esclarecida. Aliás, foi precisamente por isso que o despacho referido foi proferido, ou seja, para permitir que o reclamante pudesse antecipar e rebater os novos fundamentos de não conhecimento do objeto.
Recorde-se que, através desse despacho – supra transcrito – expressamente se individualizaram duas questões de inconstitucionalidade normativa, para depois se esclarecer, quanto à primeira, que as normas que integram o objeto do recurso interposto não foram efetivamente aplicadas pelo tribunal recorrido e que a referida inconstitucionalidade nem sequer tinha sido adequadamente suscitada perante tribunal recorrido, “seja em sede de alegações de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, seja nos subsequentes incidentes processuais por si deduzidos”.
Ora, o despacho é inequívoco ao afirmar que se iria equacionar a não aplicação da interpretação normativa que constitui objeto (parcial) do recurso. Portanto, o reclamante passou a saber que se iria equacionar essa falta de aplicação como fundamento para o não conhecimento, pelo que lhe competia demonstrar, em sede de pronúncia, que a interpretação normativa em causa tinha sido efetivamente aplicada. Por outro lado, quanto à falta de suscitação processualmente adequada, o despacho também é esclarecedor, pois informou o reclamante de que se entenderia não ter ocorrido uma confrontação do tribunal recorrido com a suscitação de qualquer questão de constitucionalidade normativa. Caberia, por conseguinte, ao reclamante demonstrar que ela teria ocorrido, não só identificando a peça processual e a passagem comprovativa da mesma, como demonstrando que, por esse meio, se tinha individualizado uma verdadeira questão de inconstitucionalidade de uma concreta e determinada norma jurídica.
Por fim, o despacho também não deixa margem para dúvidas quando demonstra haver razões para considerar que o objeto do recurso – que, recorde-se, foi (alegadamente) interposto ao abrigo do artigo 20º da CRP, do artigo 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (CDFUE) e do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH) – não é passível de conhecimento, na medida em que o requerimento de interposição de recurso não incide sobre a inconstitucionalidade de uma concreta norma jurídica, mas antes pretende colocar em crise a própria “decisão jurisdicional”, que optou por não proceder à colocação de uma questão prejudicial perante o Tribunal de Justiça da União Europeia. Assim sendo, bastaria que o reclamante tivesse identificado qual a concreta norma jurídica infraconstitucional ou internacional que teria sido aplicada de modo desconforme à Constituição.
Não o fez, porém. E só não o fez porque não o quis fazer; não porque, objetivamente, tivesse sido impedido de o fazer. Com efeito, todos os elementos essenciais que sustentariam uma possível decisão de não conhecimento estavam perfeita e percetivelmente identificados pelo despacho proferido pela Relatora. Razão pela qual vai indeferido o pedido de notificação prévia de um “projeto de decisão”. Ato processual esse que, aliás, se encontra vedado a este Tribunal, na medida em que ele só pode praticar os atos processuais que se encontrem expressamente previstos na lei processual constitucional, nela não se encontrando tal habilitação legal.
Esclarecido este ponto, passar-se-á, então, à apreciação da admissibilidade do recurso de constitucionalidade interposto perante o Supremo Tribunal de Justiça.
7. Quanto à primeira questão de inconstitucionalidade normativa, torna-se evidente que a decisão recorrida – isto é, o acórdão proferido em 11 de abril de 2013 – simplesmente não teceu quaisquer considerações sobre a eventual inconstitucionalidade das normas extraídas do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 522/85, de 31 de dezembro (na redação do Decreto-Lei n.º 394/87, de 31 de dezembro) e dos artigos 496º, n.º 3, e 566º, n.ºs 2 e 3 do Código Civil, porque concluiu num sentido que prejudicaria o interesse processual da apreciação daquelas questões. É isso que resulta do seguinte trecho dessa decisão:
«VI - A não referência a questões de constitucionalidade teve razão de ser na sua prejudicialidade. Como enunciámos no ponto XIV do acórdão e resulta do nº 43 das conclusões das alegações de recurso, a não retroação do valor dos montantes indemnizatórios vincularia o tribunal a discorrer sobre tal matéria.
Como se acolheu tal pretensão, surgiu a mesma prejudicialidade.» (fls. 423)
Acresce a isto a circunstância de o ora reclamante nunca ter confrontado o tribunal recorrido com qualquer questão de inconstitucionalidade de uma específica norma ou conjugação de normas, antes tendo optado por tecer considerações genéricas – ao longo do § 43 das alegações de recurso (fls. 254 a 258) – sobre “princípios gerais de direito e valores constitucionalmente protegidos”. Porém, em nenhum momento, logrou o reclamante imputar uma concreta violação de preceitos constitucionais por parte de uma certa norma jurídica ou interpretação normativa. A mera invocação de princípios constitucionais, sem a imputação concreta de uma determinada inconstitucionalidade normativa, não logra preencher o ónus de prévia e adequada suscitação da questão de inconstitucionalidade.
Por fim, quanto ao recurso interposto ao abrigo do artigo 20º da CRP, do artigo 47º da CDFUE e do artigo 6º da CEDH, impõe-se notar que o ora reclamante não identificou qualquer norma jurídica infraconstitucional (ou outra) que padeça de inconstitucionalidade. Pelo contrário, o reclamante limitou-se a sustentar que a própria decisão de não reenvio prejudicial – ou seja, o “ato jurisdicional” em si – teria desrespeitado deveres jurídicos decorrentes de normas de fonte internacional. Ora, como é bem evidente, essa questão não se reconduz à fiscalização de “normas jurídicas”, pelo que o Tribunal Constitucional, em estrita observância do artigo 277º, n.º 1, da CRP, não pode dela conhecer.
III – DECISÃO
Nestes termos, pelos fundamentos supra expostos e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 28 de novembro de 2013. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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