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Processo n.º 1038/2013
2.ª Secção
Relator: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos da Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 606/2013:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (de ora em diante, LTC), foi interposto recurso, em 23 de setembro de 2013 (fls. 901 a 903), de acórdão proferido pela Secção Penal do Tribunal da Relação de Guimarães, em 09 de setembro de 2013 (fls. 894 a 896), que indeferiu requerimento para arguição de nulidade de acórdão anteriormente proferido, pelo mesmo Tribunal e Secção, em 17 de junho de 2013 (fls. 822 a 864), para que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída da conjugação entre os artigos 374º, n.º 2, 379º, n.º 1, alínea a), e 425º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal (CPP), quando interpretados no sentido de “ser suficiente para cumprimento [do disposto naqueles artigos] a elaboração e fundamentação do douto Acórdão e respetiva decisão, com meras reproduções doutrinais e formulações tabelares e genéricas, por violação dos imperativos constitucionais plasmados nos artigos 32º e 205º da Constituição da República Portuguesa” (fls. 904).
Cumpre, então, apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do tribunal “a quo”, proferido a 30 de setembro de 2013 (fls. 906), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que importa apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC. Sempre que o Relator constate que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
3. O Tribunal Constitucional apenas pode conhecer da constitucionalidade de normas ou de interpretações normativas que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, conforme resulta do artigo 79º-C da LTC. Resulta da análise da decisão recorrida que a mesma não aplicou, de modo algum, a interpretação normativa que o recorrente fixou como objeto do presente recurso.
Em boa verdade, a decisão recorrida nunca afirma que fosse admissível fundamentar uma decisão confirmativa de condenação penal apenas mediante recurso a “meras reproduções doutrinais e formulações tabelares e genéricas”. Bem pelo contrário, a decisão recorrida expressamente adere às considerações tecidas pelo recorrente, demonstrando que:
«Concorda-se com o requerente quando afirma que “Os arguidos têm que ter uma resposta às questões de facto e de direito por si colocadas, pois é exatamente de uma resposta que os sujeitos processuais esperam do tribunal e é essa resposta que é imposta ao tribunal (…).
Concorda-se igualmente com o teor das considerações doutrinais e jurisprudenciais que acompanham o requerimento de arguição de nulidade e que, de resto, foram extraídas de outro acórdão relatado pelo mesmo relator do presente.
Mas os arguidos tiveram a devida resposta.» (fls. 895)
Além disso, a decisão recorrida demonstrou ter indicado os meios de prova tidos em consideração e procedido ao exame crítico dessa mesma prova, expondo as razões da opção tomada e justificando os motivos que conduziram a concluir pela credibilidade da acusação deduzida.
Assim sendo, torna-se evidente que a decisão recorrida nunca considerou ser bastante uma fundamentação assente em “meras reproduções doutrinais e formulações tabelares e genéricas”, pelo que, não tendo sido efetivamente aplicada a interpretação normativa que constitui objeto do presente recurso, fica assim precludida a possibilidade de conhecimento do mesmo.
III – Decisão
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformado com a decisão proferida, o recorrente veio deduzir a seguinte reclamação:
«O presente recurso fundava-se - e funda-se - no disposto na alínea b) do n. ° 1 do artigo 70º acima invocado, sendo certo que o recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido em termos de estar obrigado a dela conhecer - cfr. artigo 72°, n. ° 2 da mesma Lei Orgânica.
Na verdade o recorrente invocou nos termos e pelos fundamentos infra invocados, e que aqui por brevidade se dão por integrados e reproduzidos para todos os efeitos legais, que o Venerando Tribunal da Relação de Guimarães ao elaborar e fundamentar o douto Acórdão e respetiva decisão com meras reproduções doutrinais e formulações tabelares e genéricas faz uma interpretação inconstitucional do disposto nas disposições conjugadas nos art.º 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 alínea a), por remissão do disposto no art.º 425° n.º 4, todos do Código de Processo Penal, por violação do preceituado nos artigos 32 n.º 1 e 205° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
Assim sendo e face ao exposto, o recurso não deveria ter sido rejeitado tendo o citado Acórdão violado, consequentemente o disposto nos art.º 32.º, n.º 1 e 205.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, bem como, o disposto nos citados artigos 374.º n.º 2 e 379° n.º 1 alínea a) por remissão do artigo 425° n.º 4, todos do Código de Processo Penal.
Parafraseando J. J. Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª edição revista e ampliada, 1.º volume, págs. 214 e 215 'A fórmula do n.º 1 - referindo-se ao n.º 1 do artigo 32° da CRP - é, sobretudo, uma expressão condensada de todas as normas restantes deste artigo, que todas elas são, em última análise, garantias de defesa. Todavia, neste preceito introdutório serve também de cláusula geral englobadora de todas as garantias que, embora não explicitadas nos números seguintes, hajam de decorrer do princípio da proteção global e completa dos direitos de defesa do arguido em processo criminal. «Todas as garantias de defesa» engloba indubitavelmente todos os direitos e instrumentos necessários e adequados para o arguido defender a sua posição e contrariar a acusação (... ) este preceito pode ser fonte autónoma de garantias de defesa. Em suma, a «orientação para a defesa» do processo penal revela que ele não pode ser neutro em relação aos direitos fundamentais (um processo em si, alheio aos direitos do arguido), antes tem neles um limite infrangível.'
Pelo exposto, deverá ser conhecido o objeto do recurso por esta conferência, sendo a final o recurso procedente e declarando-se inconstitucional a interpretação dada às disposições conjugadas nos artigos 374.º n.º 2 e 379.º n.º 1 alínea a) por remissão do artigo 425.º n.º 4, todos do Código de Processo Penal, no sentido de ser suficiente a fundamentação genérica e meras reproduções doutrinais e formulações tabelares e genéricas.»
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 606/2013, não se conheceu do objeto do recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A..
2º
Como claramente se demonstra na douta Decisão Sumária e nos parece também evidente, a interpretação normativa que o recorrente identificou como devendo constituir objeto do recurso não tinha sido a aplicada pela decisão recorrida - proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães -, faltando, pois, esse requisito de admissibilidade do recurso.
3º
Na reclamação agora apresentada, o recorrente invoca e sustenta que suscitou a questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o tribunal recorrido.
4º
Ora, como se viu, não foi com esse fundamento – o do não cumprimento do ónus de suscitação prévia e adequada da questão - que não se conheceu do objeto do recurso.
5º
Quanto ao fundamento que levou efetivamente ao não conhecimento, o recorrente nada diz.
6º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. O teor da reclamação deduzida centra-se na tentativa de demonstração de que teria ocorrido uma suscitação processualmente adequada da questão normativa que constitui objeto do recurso. Porém, a decisão reclamada nunca decidiu não conhecer do objeto do recurso com esse fundamento, mas antes se fundou na falta de identidade normativa entre aquele objeto e a interpretação normativa que foi efetivamente aplicada pelo tribunal recorrido (artigo 79º-C da LTC). Afigura-se assim desprovida de qualquer sentido útil a reclamação deduzida, pois esta não ataca, em momento algum, o fundamento da decisão reclamada, pelo que deve ser indeferida.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 28 de novembro de 2013. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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