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Processo n.º 918/13
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), da decisão daquele Tribunal de 11 de julho de 2013.
2. Pela Decisão Sumária n.º 544/2013, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Deduzida reclamação ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC, a mesma foi indeferida através do Acórdão n.º 720/2013, com a seguinte fundamentação:
«1. Foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso interposto, por não se poder dar como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada da norma cuja apreciação foi requerida por referência ao artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
O reclamante em nada contraria este fundamento, ao destacar que era na reclamação que «tinha cabimento a alegação da inconstitucionalidade da norma». A decisão de não conhecimento do objeto do recurso fundou-se na forma como foi questionada a norma perante o tribunal recorrido e não no momento em que tal ocorreu. E quanto ao fundamento da decisão sumária nada é dito pelo reclamante.
De facto, na reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, o recorrente apenas sustentou que «se estivesse em causa a reapreciação do mérito do recurso interposto para a Relação e a sua decisão, a situação sempre caberia no disposto na alínea e) do mesmo artº 400º, devendo considerar-se inconstitucional o disposto na sua alínea f) ao conflituar com aquela alínea e)». O que obsta a que se dê como verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada de uma questão de inconstitucionalidade, uma vez que não se enuncia «um critério normativo suscetível de generalização” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 501/2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
2. Foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso também com fundamento na circunstância de o recorrente ter pedido a apreciação de uma decisão judicial – e só normas podem constituir o objeto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC –, quando invocou, ao identificar o objeto do recurso, que pretendia demonstrar a «violação do n.º 1, parte final, do artº 32º da Constituição da República», «a violação do princípio da inocência estabelecido no n.º 2 do artº 32º da Const. da República» e a «violação do princípio da separação de poderes».
A presente reclamação em nada contraria o já decidido. Tal como já havia sucedido no requerimento de interposição de recurso, o reclamante não identifica uma qualquer questão de inconstitucionalidade normativa a apreciar por referência àqueles parâmetros. O que parece resultar daquele requerimento e da reclamação é que para o recorrente o recurso de constitucionalidade pode ter como objeto quer normas quer princípios constitucionais (cf. pontos 14., 17. e 18. do requerimento de interposição de recurso).
Há que confirmar, pois, também nesta parte, a decisão que é objeto de reclamação».
3. Notificado desta decisão, o reclamante vem agora:
«a) Pedir a sua aclaração.
b) Arguir a sua inconstitucionalidade no que tocante à sua condenação em custas.
Quanto ao pedido de aclaração
1. Diz-se no douto acórdão que “Na reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça o recorrente sustentou apenas que (...)”.
Com o respeito devido, esta afirmação não corresponde à realidade, porquanto logo a seguir, no nº 13º da reclamação, se diz “com efeito, teria de considerar-se que violaria o princípio constitucional da igualdade de tratamento, ao permitir-se que ao arguido que viu, por ex. a sua pena de 7 anos de prisão reduzida para 6 anos pelo acórdão da Relação em matéria de recurso da 1ª Instância, e se lhe negasse só porque lhe foi mantida a mesma pena de 6 anos em que foi condenado em 1ª Instância” e, no seu nº “14. não são iguais perante a lei os tratamentos dispensados a dois arguidos que (. ..)”.
Ficou assim de claro, que (ta1 como aliás o entendeu o Exmº Presidente do STJ), que o recorrente pretendia arguir a inconstitucionalidade da alínea f) “ao conflituar com aquela alínea e)” (do artº 400º do CPP), pelas razões que expandiu nos nºs 13 e 14 da mesma reclamação.
As passagens transcritas deram lugar à seguinte apreciação pelo Exmº Presidente do STJ “4. O Reclamante alega que deve considerar-se inconstitucional o disposto no artº 400º nº 1 alínea f) do CPP ao conflituar com a alínea e) do mesmo artigo, por violação do princípio da igualdade de tratamento. Mas sem fundamento. (...) ”.
2. Do que fica dito e transcrito, resulta claramente que o recorrente não se limitou apenas a escrever o que se diz no douto acórdão, mas que questionava a inconstitucionalidade da alínea f) do nº 1 do artº 400º por conflituar com o disposto na alínea e) e o princípio da igualdade de tratamento, tal como o Emº Presidente do STJ o entendeu.
Perante a referida passagem do douto acórdão fica-se sem se saber se Vªs Exªs não leram as passagens que ficam transcritas da reclamação para o Exmº Presidente do STJ, dadas como reproduzidas no recurso interposto para este Tribunal, ou se simplesmente as consideraram inócuas – o que se pretende ver esclarecido.
3. Por outro lado, sendo jurisprudência deste Tribunal que a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça ainda constitui recurso ordinário, fica-se sem se saber por que se afirma no douto acórdão que a questão da inconstitucionalidade não foi adequadamente suscitada perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, apesar de o momento oportuno para essa questão ser suscitada só ter surgido após o acórdão da Relação que não admitiu o recurso.
Quanto à inconstitucionalidade da condenação em custas:
4. Vem ainda o recorrente arguir a inconstitucionalidade do douto acórdão, quanto à sua condenação em custas, por violação do princípio constitucional do acesso ao direito e do princípio da proporcionalidade, ao condená-lo em custas no montante de 20 Ucs, a que acrescem as 7 Ucs pela decisão sumária.
Nos tempos atuais e com o país em crise, tão pesadas penas fecham a porta do acesso ao direito à generalidade dos cidadãos, nomeadamente àqueles que, no limite, não possam valer-se do apoio judiciário.
27 Ucs correspondem quase a 6 salários mínimo nacionais, ou seja, por duas decisões que nem são complexas, nem trabalhosas, nem extensas, nem morosas, implicariam para a generalidade dos cidadãos deste pobre país um esforço de quase 6 meses de trabalho!!! Por outro lado, pode ainda invocar-se, a título de exemplo, o acórdão 717/2013 de 16/10, bem mais complexo e trabalhoso que o ora em discussão, assim como o acórdão 716/2013 da mesma data, também em caso bem mais complexo, e ainda o acórdão 707/2013 de 15 do corrente, também mais complexo que o caso dos autos.
No tocante a decisões sumárias pode citar-se a nº 129/2013 de 12 de Março, da 2ª Secção.
Por outro lado, havendo necessariamente casos muito mais trabalhosos e complexos que o dos autos, é manifesta a violação do princípio da proporcionalidade, e até desumana, a condenação em custas quase pelo máximo no tocante à decisão sumária e pelo máximo pelo acórdão em causa, permitida pelo artº 6º do Dec. Lei 303/98 de 7/10.
Não pomos em causa a dignidade deste Tribunal, mas sim a justiça das suas decisões e condenações».
4. Notificado da reclamação, o Ministério Público veio dizer o seguinte:
«1º
Notificado do Acórdão n.º 720/2013, que indeferiu a reclamação da Decisão Sumária n.º 544/2013, que não conheceu do objeto do recurso, o recorrente vem pedir a sua aclaração.
2º
O Acórdão é perfeitamente claro e insuscetível de dúvida objetiva, quer quanto à decisão, quer quanto aos fundamentos que levaram ao indeferimento da reclamação.
3º
Para concluir pela não suscitação adequada da questão de constitucionalidade, teve-se em consideração a totalidade do conteúdo da reclamação dirigida ao Senhor Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (artigo 405.º do CPP), mas apenas se transcrevendo a parte considerada mais pertinente, o que é perfeitamente natural.
4.º
Quanto à “inconstitucionalidade da condenação em custas”, o que o recorrente questiona é o montante da taxa de justiça fixado, considerando-o exagerado.
5.º
Assim, deverá entender-se que o afirmado traduz um pedido de reforma quanto à condenação em custas.
6.º
Independentemente de não ter sido pedida a reforma quanto à condenação em custas que consta da Decisão Sumária quando esta foi objeto da reclamação para a conferência, sempre diremos que não assiste razão ao recorrente.
7.º
Na verdade, a taxa de justiça fixada nas duas decisões em causa (Decisão Sumária n.º 544/2013 e Acórdão n.º 720/2013), encontra-se dentro dos limites legais (artigo 6.º, n.º 2 e 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro) e está em plena consonância com os critérios jurisprudenciais que este Tribunal Constitucional vem reiteradamente seguindo, em situações idênticas à dos autos.
8.º
Pelo exposto, deve indeferir-se o pedido de aclaração e o pedido de reforma quanto a custas».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Decorre da lei processual civil, aplicável por força do disposto no artigo 69.º da LTC, que, proferida decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo, porém, lícito ao juiz retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a decisão, nos termos dos artigos 614.º a 618.º (artigo 613.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
O requerente começa por discordar do já decidido quanto ao não conhecimento do objeto do recurso de constitucionalidade interposto, nada alegando no sentido de estarmos perante um incidente pós-decisório legalmente admissível. É o que decorre do teor do Acórdão n.º 720/2013 e do conteúdo do presente requerimento.
O requerente discorda também do montante das custas em que foi condenado na Decisão Sumária n.º 544/2013 e no Acórdão n.º 720/2013, alegando violação do princípio constitucional do acesso ao direito e do princípio da proporcionalidade, o que manifestamente extravasa o âmbito dos incidentes pós-decisórios legalmente admissíveis.
Admitindo que estamos perante um pedido de reforma quanto a custas relativamente à última decisão – o recorrente ainda estava em tempo de o deduzir, ao abrigo do que dispõe o n.º 1 do artigo 616.º do Código de Processo Civil –, é de concluir que a taxa de justiça – 20 UC – foi determinada de harmonia com o disposto nos artigos 7.º e 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro, não coincidindo com o limite máximo legalmente previsto (50 UC).
Diga-se, ainda, que a taxa de justiça nas decisões sumárias é fixada entre 2 UC e 10 UC (artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 303/98) e que relativamente à concretamente determinada – 7 UC – nenhum pedido de reforma foi deduzido tempestivamente.
É de indeferir, pois, o requerido.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir o requerido.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 unidades de conta.
Lisboa, 25 de novembro de 2013. – Maria João Antunes – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria Lúcia Amaral.
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