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Processo n.º 694/2013
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria Lúcia Amaral
Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é recorrente A., foi proferida decisão sumária de não conhecimento do objeto do recurso com os seguintes fundamentos:
(…) O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional: LTC).
Nos termos do disposto pelo artigo 280.º, n.º 1, alínea b) da Constituição, e pelo artigo 70.º n.º 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, cabe recurso para este último das decisões dos tribunais que tenham aplicado norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo.
Compulsados aos autos, constata-se que no requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é indicado formalmente como objeto do recurso a interpretação feita pela decisão recorrida da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal. Não obstante, é manifesto que o que o recorrente verdadeiramente pretende controverter é a própria decisão do Supremo Tribunal de Justiça, por entender que a mesma é nula, para efeitos e nos termos do referido preceito, por omissão de pronúncia.
Ora, inexistindo entre nós a figura do recurso de amparo ou outra equivalente, não tem o Tribunal Constitucional competência para conhecer de recurso que tenha como objeto não uma questão de constitucionalidade normativa mas a própria decisão judicial.
É certo que, formalmente, aparece no requerimento de interposição de recurso recortada uma “norma”, cuja inconstitucionalidade se pede que o Tribunal aprecie. Tal sucede, na verdade, quando o requerente diz que vem questionar “a interpretação dada pela decisão da qual ora se recorre ao disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP, no sentido de que os tribunais não estão vinculados a pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelos arguidos” [itálico nosso]. Contudo, resulta à evidência que a decisão recorrida não aplicou tal norma, com a interpretação que o requerente lhe pretende conferir.
Tanto basta para que se não possa conhecer do presente recurso de constitucionalidade.
2. Notificado dessa decisão, A. veio reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), com os seguintes fundamentos:
(…)
O ora recorrente não pode concordar com tal argumentação dado que a mesma carece, “in casu” de fundamento, conforme se alcança, facilmente, da análise da motivação de recurso.
Do qual resulta clarividente que a desconformidade constitucional imputada pelo recorrente, não é a própria decisão jurisdicional, mas à interpretação que esta fez da norma ínsita na al. c) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal, interpretação esta que esbarra com a norma constitucional “in casu” n.º 1 do art.º 32.
***
Torna-se assim evidente que o recorrente cumpriu todos os requisitos de interposição do recurso para o TC, debruçando-se o mesmo sobre a ratio decidendi da decisão recorrida, motivo pelo qual o objeto do recurso deveria ter sido conhecido e não proferida decisão sumária.
3. O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio pugnar pelo indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Através da decisão sumária ora reclamada, o Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso com fundamento na sua inidoneidade, na medida em que o que o recorrente realmente pretendia controverter – apesar de ter formalmente recortado no requerimento de interposição do recurso, como objeto do mesmo, a interpretação normativa feita pelo STJ do artigo 379.º, n.º 1, c) do CPP – era, em substância, o próprio juízo efetuado pelo tribunal recorrido. E também porque resultava claro que a decisão recorrida não tinha aplicado tal norma.
Na presente reclamação, o reclamante começa por afirmar que a decisão sumária carece de fundamento, na medida em que decorre, do teor a motivação de recurso, que a desconformidade constitucional – com o artigo 32.º, n.º 1 da CRP – não se imputa à própria decisão jurisdicional, mas à interpretação que a mesma fez da norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP. Acrescentando que a norma impugnada foi aplicada pelo tribunal a quo, na decisão recorrida, como verdadeira ratio decidendi.
4.1. Desde logo, quanto à primeira questão, esclareça-se que como decorre do artigo 75.º-A, n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), é no requerimento de interposição que se delimita o objeto do recurso de constitucionalidade, através da identificação da norma ou da própria interpretação normativa, cuja validade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
No caso sub judicio, como se viu, o recorrente, ora reclamante, o que pretendia controverter era a própria decisão do STJ. Não obstante, no requerimento de interposição do recurso, recortou formalmente como objeto do mesmo a interpretação normativa do artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do CPP. Nos seus exatos termos, pretendia controverter:
A interpretação dada pela decisão da qual ora se recorre ao disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, no sentido de que os tribunais não estão vinculados a pronunciar-se sobre todas as questões suscitadas pelos arguidos, nomeadamente em recurso, é materialmente inconstitucional, por violação, pelo menos do n.º 1 do art.º 32.º da CRP, preceito violado.
Motivo pelo qual tal decisão violou as normas constantes dos artigos al. c) do n.º 1 do art.º 379.º do CPP, e ainda 32.º n.º 1 da CRP.
Já na presente reclamação recortou um objeto de recurso distinto, pois, o que se afirma é que “não é [da] própria decisão jurisdicional, mas [da] interpretação que esta fez da norma ínsita na al. c) do n.º 1 do art.º 400.º do Código de Processo Penal” que se recorre.
Ora, se o objeto do recurso se cristalizou no requerimento de interposição – que correspondia, portanto, à interpretação normativa do artigo 379.º, n.º 1, c) do CPP – não pode o reclamante proceder a uma alteração substancial do mesmo em sede de reclamação de decisão sumária. E não havendo nenhum fundamento novo suscetível de ponderação, no que respeita à inidoneidade do verdadeiro objeto do recurso, há que manter a decisão recorrida no que a este aspeto concerne.
4.2. Quanto à questão de saber se a norma foi verdadeira razão de decidir do tribunal a quo, cumpre notar que é indiferente que o reclamante se esteja a referir à norma alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP ou à norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do mesmo diploma, pois não resulta claro do texto da reclamação, a qual norma alude.
Vejamos.
Se estiver em causa a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, nada há a considerar, pois, como se viu não é este o objeto do recurso. Se o reclamante se estiver a referir à norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP [admitindo que a referência feita na reclamação ao artigo 400.º do CPP se trataria de um lapso], como também nada de novo acrescentou em sede de reclamação, cumpre, tão só reiterar o que já se disse na decisão sumária: como a decisão recorrida não aplicou a norma do artigo 379.º do CPP, não pode estar aberta a via de recurso – com fundamento do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – para o Tribunal Constitucional.
Por tudo o exposto, resta ao Tribunal confirmar a decisão sumária e indeferir a reclamação.
III – Decisão
5. Nestes termos, decide-se indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 19 de novembro de 2013. – Maria Lúcia Amaral –José da Cunha Barbosa – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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