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Processo n.º 736/13
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante designada por LTC), identificando, como decisão recorrida, o “acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de que foi notificado”.
2. A., aqui recorrente, foi condenado, em 1.ª Instância, pela prática de dois crimes de homicídio qualificado e agravado, previstos e punidos pelos artigos 131.º e 132.º, n.os 1 e 2, alínea j), do Código Penal e artigo 86.º, n.º 3, da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação da Lei n.º 12/2011, de 27 de abril, em cúmulo jurídico, na pena única de vinte e cinco anos de prisão.
Notificado desta decisão, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 29 de janeiro de 2013, lhe negou provimento, confirmando na íntegra a decisão condenatória da 1.ª Instância.
Inconformado, o referido arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por decisão sumária de 20 de junho de 2013, no Supremo Tribunal de Justiça, a Juíza Conselheira relatora rejeitou o recurso interposto.
O arguido, aqui recorrente, foi notificado de tal decisão sumária, por carta registada, dirigida à sua Defensora, e expedida em 21 de junho de 2013.
Em 4 de julho de 2013, o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional.
Por decisão de 5 de julho de 2013, proferida pela relatora do Supremo Tribunal de Justiça, tal recurso não foi admitido.
Para fundamentar a não admissão, o tribunal referiu que o recorrente “[p]or manifesto lapso, não atendeu a que a decisão de que interpõe recurso é uma decisão sumária, proferida nos termos do n.º 6 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, e não um acórdão”, concluindo que não é admissível recurso para o Tribunal Constitucional de decisão sumária.
É desta decisão, proferida a 5 de julho de 2013, que o recorrente presentemente reclama.
3. Na reclamação apresentada, refere o reclamante que o que “pretendia ver apreciado nas alegações apresentadas para o STJ era a questão de saber se as perícias a que faz alusão o artº 151º do CPP são ou não obrigatórias”, ou seja “se o Tribunal pode ou não mandar realizar as mesmas ou se está vinculado a fazê-lo quando houver requerimento nesse sentido”. Acrescenta que não obteve resposta a tal questão nem na 1.ª Instância, nem na Relação ou no Supremo Tribunal de Justiça.
Mais refere o reclamante que, na sua perspetiva, a perícia é obrigatória, pelo que a sua não realização consubstancia uma nulidade insanável.
Conclui, nestes termos, que “[s]e a norma for interpretada no sentido de que pode o Juiz entender que não é necessária a perícia, então estamos perante uma inconstitucionalidade, porque os direitos de defesa do arguido não foram devidamente acautelados pelo Tribunal, inconstitucionalidade essa prevista no artº 32º nº1 da Constituição da República Portuguesa.”
Pelo exposto, peticiona que seja dado provimento à sua reclamação, considerando-se admissível o recurso interposto.
4. O Ministério Público pugna pelo indeferimento da reclamação.
Fundamenta a sua posição na circunstância de o recorrente, em violação do disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 70.º da LTC, não ter esgotado os meios impugnatórios ordinários, que o ordenamento jurídico prevê, relativamente à decisão recorrida, antes de interpor recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento na alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 70.º da LTC.
De facto, a decisão recorrida corresponde a decisão sumária de rejeição do recurso, proferida nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, pelo que era suscetível de impugnação através do meio processual previsto no n.º 8 do mesmo artigo 417.º: reclamação para a conferência.
No caso, o recorrente não acionou tal meio processual impugnatório, igualmente não se verificando qualquer das situações previstas no n.º 4 do artigo 70.º da LTC. O recorrente não emitiu qualquer declaração de renúncia a reclamar, nem o prazo de utilização de tal reação processual se esgotou antes do recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim, por não cumprimento do requisito de exaustão dos meios impugnatórios ordinários, mostra-se o presente recurso inadmissível, o que deve conduzir ao indeferimento da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
5. Previamente, cumpre precisar que o julgamento da reclamação cabe à conferência, a que se refere o n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC (ex vi artigo 77.º, n.º 1, do mesmo diploma).
Porém, não obsta à apreciação da reclamação a circunstância de o reclamante dirigir a respetiva peça processual ao Presidente do Tribunal Constitucional. Como se refere no Acórdão n.º 569/95 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt, onde poderão ser encontrados os arestos doravante referidos), “haverá que tratar a referência do reclamante a Presidente deste tribunal como mera imprecisão terminológica que de modo algum preclude o conhecimento da reclamação”.
6. A decisão reclamada julgou o recurso inadmissível, por a decisão recorrida corresponder a uma decisão sumária, proferida nos termos do artigo 417.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, e não a um acórdão.
Vejamos se lhe assiste razão.
Nos termos do n.º 2 do artigo 70.º da LTC, a admissibilidade dos recursos, previstos na alínea b) do n.º 1 do mesmo normativo, depende do esgotamento dos recursos ordinários.
A consagração do requisito de admissibilidade em análise corresponde à adoção do princípio da exaustão das instâncias, que visa restringir o acesso ao Tribunal Constitucional, limitando-o apenas às pretensões que já tenham sido previamente analisadas pela hierarquia judicial correspondente, o que redundará no resultado de o objeto de recurso de constitucionalidade ser circunscrito à decisão definitiva, à última pronúncia dentro da ordem jurisdicional a que pertence o tribunal a quo.
O pressuposto da prévia exaustão dos recursos ordinários apenas se verifica quando a decisão recorrida já não admita recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização da jurisprudência, entendendo-se que se encontram esgotados todos os recursos ordinários, para este efeito, quando tenha havido renúncia, haja decorrido o respetivo prazo sem a sua interposição ou os recursos interpostos não possam ter seguimento por razões de ordem processual, nos termos do n.º 4 do artigo 70.º da LTC.
Dispõe, por sua vez, o n.º 3 do mesmo artigo 70.º da LTC, que “são equiparadas a recursos ordinários (…) as reclamações dos despachos dos juízes relatores para a conferência”.
Ora, no caso concreto, o arguido, aqui reclamante, foi notificado da decisão sumária, proferida em 20 de junho de 2013, nos termos do n.º 6 do artigo 417.º do Código de Processo Penal, por carta registada, dirigida à sua Defensora, expedida a 21 de junho de 2013. Por força do disposto no artigo 113.º, n.os 1, alínea b), 2, 10 e 11, do Código de Processo Penal, o arguido considera-se notificado no dia 26 de junho de 2013.
O prazo legal de dez dias para o arguido reclamar da decisão sumária, nos termos do artigo 417.º, n.º 8, do Código de Processo Penal, apenas terminaria a 8 de julho de 2013.
No dia 4 de julho de 2013, quando ainda não se encontrava esgotado o prazo para utilizar o meio impugnatório de reclamação para a conferência e sem que o reclamante tenha declarado renunciar a tal utilização, veio o mesmo interpor recurso para o Tribunal Constitucional.
Assim, conclui-se que, à data da interposição do recurso de constitucionalidade – data relevante para aferição dos respetivos pressupostos de admissibilidade – a decisão recorrida não se apresentava como definitiva, por não estarem ainda esgotados os meios impugnatórios legalmente previstos, no âmbito da ordem jurisdicional respetiva.
Face às considerações expendidas, tendo o recurso sido interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, dependendo a respetiva admissibilidade, como se explicitou, da prévia exaustão dos recursos ordinários, (n.º 2 do artigo 70.º da LTC), conclui-se, in casu, pela inadmissibilidade do recurso interposto.
Como referiu a decisão reclamada, a decisão sumária proferida não era passível de recurso para o Tribunal Constitucional, nas descritas circunstâncias.
Os argumentos aduzidos na reclamação em nada infirmam o sentido da decisão reclamada.
Nestes termos, conclui-se pela improcedência da reclamação.
III – Decisão
7. Pelo exposto, decide-se julgar inadmissível o recurso de constitucionalidade interposto e, em consequência, julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 6 de agosto de 2013. – Catarina Sarmento e Castro – Lino Rodrigues Ribeiro – Maria Lúcia Amaral.
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