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Processo n.º 409/13
2ª Secção
Relator: Conselheiro Pedro Machete
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A. interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (adiante referida simplesmente como “LTC”) do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2013 que julgou manifestamente infundado o recurso de revisão que havia deduzido (fls. 227 e seguintes), mantendo-se, por conseguinte, a anterior condenação do arguido em pena de sete anos e nove meses de prisão pela prática de um homicídio qualificado na forma tentada, p.p. nos termos dos artigos 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, alínea g) do Código Penal (na redação da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro), e 22.º, 26.º e 68.º do referido Código.
Pelo despacho de fls. 230, proferido em 30 de abril de 2013, o conselheiro relator no Supremo Tribunal de Justiça rejeitou o recurso de constitucionalidade com os seguintes fundamentos:
« O art.º 75.º A, da Lei 28/82, de 15 de Novembro, obriga, no seu n.º 1, para além da indicação da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, a que se indique a alínea do n.º 1 do art.º 70.º, da mesma Lei, ao abrigo da qual o recurso é interposto.
O recorrente indicou a al. b) do n.º 1 daquele art.º 70.º. Segundo esta norma importa que a decisão recorrida tenha aplicado “norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
Ninguém levantou a questão de inconstitucionalidade do art.º 449.º n.º 1 do C.P.P. antes da interposição do presente recurso que é pois de indeferir.»
Inconformado, o recorrente vem agora, sob invocação do artigo 405.º do Código de Processo Penal, reclamar nos termos seguintes:
« O Supremo Tribunal de Justiça, mediante despacho, veio a indeferir o recurso interposto pelo ora requerente com o fundamento de que não foi cumprido o nº. 1 do art. 75º da Lei 28/82, de 15 de Novembro e que não foi levantado a inconstitucionalidade nos termos do artigo 449º nº. 1 do C.P.P.
Acontece que foi referido a ilegalidade na interpretação da lei.
O reclamante pretende ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 449.º n.º l do Código de Processo Penal, no sentido de que a não audição dos arguidos no recurso de revisão que se mostrem já separados nos autos como testemunhas contraria o princípio postulado no normativo legal.
Da mesma forma que não tendo sido realizada uma perícia que deveria ser e que possa pôr em causa o apuramento da verdade material demonstra o princípio da “res judicata por veridete nebete”
Termos em que deve o Senhor Presidente do Tribunal Constitucional atender à reclamação, e não confirmar o despacho proferido, com o que fará justiça.
A presente reclamação deve ser instruída com as seguintes peças processuais:
1 – Alegações de recurso extraordinário;
2- Decisão do Supremo Tribunal de Justiça» (cfr. fls. 3 e 4).
2. No seu visto, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de a reclamação não dever merecer provimento, uma vez que, conforme decidido pelo despacho reclamado, no requerimento de interposição do recurso extraordinário de revisão não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade, tendo apenas sido referido o artigo 449.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal (cfr. fls. 11-14).
Cumpre apreciar e decidir
II. Fundamentação
3. Assinale-se, em primeiro lugar, que, não obstante o recorrente apresentar a sua reclamação com fundamento no artigo 405.º do Código de Processo Penal, o mecanismo legalmente previsto para a impugnação de despachos de não admissão do recurso de constitucionalidade é o previsto no artigo 76.º, n.º 4 da LTC. Deste modo, a impugnação apresentada pelo recorrente deve ser tramitada nos termos previstos no artigo 77.º daquele diploma.
4. Em sede de reclamações de despachos de não admissão de recursos de constitucionalidade proferidos pelo tribunal recorrido, compete ao Tribunal Constitucional averiguar se se encontram reunidos os pressupostos necessários à admissão e conhecimento desses recursos.
No caso dos presentes autos, a reclamação é manifestamente improcedente, pois verifica-se que o recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade. Ora, o recurso que tentou interpor para este Tribunal tem por objeto, precisamente, a inconstitucionalidade normativa que haja sido suscitada durante o processo, isto é, antes que seja proferida a decisão final, conforme decorre dos artigos 280.º, n.º 1, alínea b), e 70.º, n.º 1, alínea b), respetivamente, da Constituição e da LTC.
Como se refere no Acórdão deste Tribunal n.º 560/94 (disponível em http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/) – e constitui jurisprudência uniforme e constante:
«[7.] O recurso da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica (ou de um seu segmento ou de certa interpretação dela) e que, não obstante a acusação de ilegitimidade constitucional que lhe foi feita, a decisão recorrida a tenha aplicado no julgamento do caso.
[…]
De facto, a inconstitucionalidade de uma norma jurídica só se suscita durante o processo, quando tal questão se coloca perante o tribunal recorrido a tempo de ele a poder decidir e em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver - o que, obviamente, exige que quem tem o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade a coloque de forma clara e percetível.
Bem se compreende que assim seja, pois que, se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex novo.»
No recurso de revisão, o recorrente limitou-se a invocar o artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, por forma a fundamentar a pertinência de um recurso extraordinário no caso em apreço. Disse, então, o seguinte:
« A realização de tal exame [pericial] é o único meio de prova idóneo para fazer o Tribunal decidir se foi ou não o ora Recorrente quem os praticou [os factos]. Este meio de prova ora requerido, de per si, suscitará graves dúvidas sobre a justiça da condenação, já que será o único meio de prova eficaz para provar que não foi o Arguido quem cometeu tal crime. É um meio de prova legal. É, aliás, o meio de prova mais adequado para se realizar em casos desta natureza. Deveria, portanto, ter sido utilizado, aquando das diligências de prova. Não o foi. Também pelos mesmos motivos devem ser ouvidos tanto as testemunhas ora arroladas como o recorrente e bem assim o ofendido. Suscitará, por isso, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artº 449º do CPP, graves dúvidas sobre a justiça da condenação a que o Arguido foi sujeito.» (fls. 8).
O problema de constitucionalidade apenas é aflorado posteriormente no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade. Esse não é, contudo, o momento adequado para a suscitação, ex novo, de um problema deste tipo de modo a que se possa acautelar a futura interposição de uma fiscalização concreta junto do Tribunal Constitucional, uma vez que já se encontrava esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo. Sendo o recurso de constitucionalidade um meio impugnatório que permite a intervenção deste Tribunal na apreciação, em via de recurso, da inconstitucionalidade de normas, o mesmo pressupõe que sobre tais questões o tribunal a quo tenha já tomado a sua posição, apreciando-as e decidindo-as face ao acesso direto à ordem constitucional que a nossa Lei Fundamental concede a todos os tribunais, nos termos do artigo 204.º da Constituição. Para tanto, é necessário que o tribunal tenha sido constituído em tal dever de decisão ou pronúncia o que não sucede quando, como ocorreu in casu, tal instância não tenha sequer sido confrontada com qualquer problema de inconstitucionalidade.
5. Na reclamação apresentada do despacho que não admitiu o recurso de constitucionalidade, o reclamante refere apenas que “foi referido a ilegalidade na interpretação da lei” (fls. 3). Tal só vem demonstrar que não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade – a “ilegalidade na interpretação da lei” não integra, com efeito, a jurisdição deste Tribunal Constitucional, não lhe competindo, de qualquer modo, apreciar a forma como, no plano infraconstitucional, com exceção do previsto quanto à fiscalização da situações de ilegalidade enumeradas nas alíneas c), d), e), f) e g) do n.º 1 do artigo 70.º, da LTC, os tribunais comuns apreciam e aplicam o direito. Tal matéria não configura, na realidade, um objeto idóneo do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC – o qual, relembre-se, foi o meio impugnatório de que o recorrente se tentou socorrer.
III. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC, ponderados os critérios estabelecidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (cfr. o artigo 7.º do mesmo diploma).
Lisboa, 17 de junho de 2013. – Pedro Machete – Fernando Vaz Ventura – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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