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Processo n.º 281/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 222/2013:
«I – Relatório
1. Nos presentes autos, em que são recorrentes A. e B. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso, em 01 de abril de 2013 (fls. 175 a 177), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 280º da Constituição e da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do despacho proferido pelo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em 19 de março de 2013 (fls. 166 a 169), que indeferiu reclamação de despacho do Juiz-Relator junto da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que não admitiu o recurso ali deduzido, para que seja apreciada a constitucionalidade da “interpretação de que não é suscetível de recurso qualquer decisão nos termos do artº 400º, nº 1, al. f), do CPP, mesmo que o recurso interposto não se diri[j]a à decisão de mérito, mas sim à nulidade da decisão” (fls. 176), por violação do direito ao recurso e do direito ao contraditório, previstos, respetivamente, nos n.ºs 1 e 5 do artigo 32ºda Constituição da República Portuguesa (CRP).
Tudo visto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
2. A lei processual constitucional determina que o Relator pode proferir decisão sumária sobre o mérito da questão de constitucionalidade normativa apresentada sempre que a mesma se revele “simples”, designadamente quanto a mesma já tenha sido objeto de prévia jurisprudência do Tribunal Constitucional (cfr. artigo 78º-A, n.º 1, da LTC).
Sucede que a questão ora em apreço – que pressupõe avaliação da possibilidade de extensão do direito ao recurso e do exercício do contraditório de decisões jurisdicionais inimpugnáveis quanto ao mérito, por força de expressa previsão legal, ainda que apenas circunscrita à alegada nulidade das mesmas –, tem vindo a ser, sucessivamente, apreciada por este Tribunal. Com efeito, através do Acórdão n.º 659/2011, proferido por esta 2ª Secção, já foi afirmado que:
«Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de 1.ª instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.
(…)
Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição e conhecimento das nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que a proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (cfr. artigos 379.º, n.º 2, e 414.º, n.º 4, do Código de Processo Penal).
Ora, sendo certo, conforme se disse, que o artigo 32.º, n.º 1, da Lei Fundamental, não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição em relação a quaisquer decisões penais condenatórias, resta verificar se, nos casos em que o Tribunal da Relação profere acórdão em que mantém a decisão condenatória da 1.ª instância e é arguida a nulidade de tal acórdão, se mostra cumprida a garantia constitucional do direito ao recurso, quando exige que o processo penal faculte à pessoa condenada pela prática de um crime a possibilidade de requerer uma reapreciação do objeto do processo por outro tribunal, em regra situado num plano hierarquicamente superior.
Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso.
Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.
O Acórdão do Tribunal da Relação constitui, assim, já uma segunda pronúncia sobre o objeto do processo, pelo que não há que assegurar a possibilidade de aceder a mais uma instância de controle, a qual resultaria num duplo recurso, com um terceiro grau de jurisdição.
Por outro lado, existindo sempre a possibilidade de arguir as referidas nulidades perante o tribunal que proferiu a decisão, mesmo quando esta seja irrecorrível, a apreciação de nulidades do acórdão condenatório não implica a necessidade de existência de mais um grau de recurso, tanto mais em situações, como a dos autos, em que existem duas decisões concordantes em sentido condenatório (uma vez que o Tribunal da Relação confirmou a decisão da 1ª instância nesse sentido).
Acresce que, se fosse entendido que a arguição da nulidade de um acórdão proferido em recurso implicaria, sempre e em qualquer caso, com fundamento no direito ao recurso em processo penal, a abertura de nova via de recurso, ter-se-ia de admitir também o recurso do acórdão proferido na terceira instância, com fundamento na sua nulidade, e assim sucessivamente, numa absurda espiral de recursos.
Impõe-se, pois, concluir que não é constitucionalmente censurável, neste caso, a exclusão do terceiro grau de jurisdição e que a interpretação normativa objeto de fiscalização não viola o disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição.»
Esta orientação jurisprudencial tem vindo a ser seguida, sem divergências, pelas várias Secções do Tribunal Constitucional, conforme bem demonstra o Acórdão n.º 194/2012, proferido em conferência, pela 3ª Secção, que aderiu à fundamentação daquele primeiro aresto.
Assim sendo, na medida em que se corrobora, integralmente, o teor e sentido da fundamentação acolhida no Acórdão n.º 659/2011, mais não resta que concluir pela não inconstitucionalidade da norma extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido “de que não é suscetível de recurso qualquer decisão (…), mesmo que o recurso interposto não se diri[j]a à decisão de mérito, mas sim à nulidade da decisão”.
III – Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC, decide-se, mediante remissão para a fundamentação constante dos Acórdãos n.º 659/2011:
a) Negar provimento ao recurso interposto;
b) Não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, quando interpretada no sentido “de que não é suscetível de recurso qualquer decisão (…), mesmo que o recurso interposto não se diri[j]a à decisão de mérito, mas sim à nulidade da decisão”.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Inconformados com a decisão proferida, os recorrentes vieram deduzir a seguinte reclamação, cujos termos ora se sintetizam:
«5 -Os recorrentes não olvidam o que dispõe o artº 400º, nº 1, aI. f), do CPP.
6 -Porém, convocam para sua defesa, a literalidade, e, também, o espírito da própria Lei, quando nos artigos 433º do (PP, se dispõe: 'Recorre-se ainda para o Supremo Tribunal de Justiça noutros casos que a lei especialmente preveja', e, 379º, nºs 1, al. c), e 2, do CPP -'1. É nula a sentença:...quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ... '. 2. As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artº 414º'.
7 -Ora, tendo o STJ remetido o requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, não suprindo tais nulidades invocadas pelos recorrentes, não cabe aqui, salvo o elevado respeito pelo melhor juízo de V. Exas., a argumentação do Acórdão nº 659/2011, da 2' Secção desse Tribunal, quando diz: 'Também no caso dos autos, tendo sido assegurado aos arguidos um duplo grau de jurisdição (uma vez que tiveram a possibilidade de, face à mesma imputação penal, defender-se perante dois tribunais: o tribunal de l' instância e o tribunal da Relação), a questão que se coloca é a de saber se, tendo sido arguidas nulidades do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, é, inconstitucional limitar a possibilidade de um triplo grau de jurisdição, por aplicação da regra da dupla conforme, prevista na alínea f) do nº 1 do artº 400ª do CPP ( ... ) Importa, antes de mais, ter em consideração o regime de arguição de nulidades em processo penal, que garante, mesmo em caso de irrecorribilidade, a possibilidade de serem arguidas nulidades da decisão perante o tribunal que as proferiu (como, aliás, aconteceu no presente caso), tendo este poderes para suprir as eventuais nulidades cuja existência reconheça (dr. artigos 379º, nº 2 e 414º, nº 4, do CPP).' -fim de citação.
8 -Ora, o que os reclamantes entendem, é que desde o início da arguição das nulidades, que fizeram, em recurso perante a Relação mas dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, tanto este alto Tribunal, como o Tribunal Constitucional, insistem em recusar o triplo grau de jurisdição, com base na possibilidade de arguição de nulidades perante o tribunal recorrido: porém, aquilo que desde o início os reclamantes defendem, é que não recorrem por entenderem que as nulidades têm origem no mérito da decisão, ao contrário do que o STJ e o TC defendem; antes, recorrem e invocaram as nulidades, por entenderem que o tribunal recorrido
' ... deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ... ', e, se não as aprecia, que é que as vai apreciar?
9 -E, sobre isto, é claro o artigo 379º, nº 2, do CPP: ''As nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em RECURSO, sendo lícito ao tribunal supri-las, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no nº 4 do artº 414º do CPP'.
10-Não tendo o Tribunal recorrido suprido as nulidades, nem sobre tal questão se pronunciado, antes tendo, de imediato rejeitado o recurso com base na aplicação do disposto no artº 400º, nº 1, al. f, do CPP, então, não pode colher a argumentação de estamos perante um terceiro grau de jurisdição; antes é lícito exigir que, em recurso, o Supremo Tribunal de Justiça possa decidir se o Tribunal da Relação deixou de se pronunciar sobre questões que deveria apreciar, e, não que conheça do mérito da decisão, ou, dos factos no seu mérito, mas antes, se se quiser, na quantidade ou identidade de questões.
11 -Será, com o devido respeito a V. Exas, no nosso entendimento, permitir uma grave lacuna no direito processual penal que afeta em definitivo os reclamantes, não permitir que o STJ decida se o Tribunal da Relação deixou de se pronunciar sobre questões que devia conhecer.
12 É que, a lei não prevê que se invoquem nulidades perante o tribunal que tomou a decisão; o que a lei prevê, salvo melhor juízo, -artºs 433º e 379º do CPP -, é que, em qualquer daquelas situações seja sempre possível convocar o Supremo Tribunal de Justiça ( no caso ) para decidir, se o tribunal recorrido não supriu as nulidades, ou, até, se nem se pronunciou sobre elas.
13 -Assim, entendem os reclamantes que a decisão sumária de que ora se reclama, colide frontalmente com os princípios constitucionais da igualdade –artº 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP) -e com os direitos de defesa do arguido em processo penal, ou seja, o recurso, consagrado no artº 32º, nº 1 da CRP, e ainda o direito ao contraditório –nº 5 desta mesma disposição legal.
14 -Face ao exposto, ao 'negar provimento ao recurso e ao não julgar inconstitucional a norma extraída da alínea f) do nº 1 do artº 400º do CPP, quando interpretada no sentido 'de que não é suscetível de recurso qualquer decisão (...) mesmo que o recurso interposto não se dirija à decisão de mérito, mas sim à nulidade da decisão, violou a, aliás, douta, decisão sumária, os artigos, 379º e 433º do CPP, e, os artigos 13º e 32º, nºs 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.» (fls. 191 a 194)
3. Notificado para o efeito, o Ministério Público veio responder nos seguintes termos:
«1º
Pela douta Decisão Sumária n.º 222/2013, negou-se provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional por A. e B..
2º
Na Decisão remetendo-se para a jurisprudência do Tribunal Constitucional - transcrevendo-se, até, a propósito, parte do Acórdão n.º 659/2011 –, não se julgou inconstitucional a norma extraída da alínea f) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, quando interpretada no sentido “de que não é suscetível de recurso qualquer decisão (…) mesmo que o recurso interposto não se dirija à decisão de mérito, mas sim à nulidade da decisão”
3º
Efetivamente, a dimensão normativa que vem questionada, corresponde, no essencial, àquelas que foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional nos Acórdãos referidos na douta Decisão Sumária.
4º
Por exemplo, e respondendo ao que os recorrentes dizem na reclamação, em relação ao que foi decidido pelo Acórdão n.º 659/2011, a única diferença entre as circunstâncias que se verificavam no processo onde foi proferido aquele Acórdão e as que se verificam nestes autos, consiste em, naquele, ter sido arguida a nulidade do Acórdão da Relação antes de se interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto nestes o recurso para o Supremo Tribunal foi interposto após ter sido indeferido um pedido de aclaração.
5.º
Ora, arguir-se ou não a nulidade do acórdão da Relação é irrelevante para a questão da inconstitucionalidade, dizendo-se expressamente no Acórdão n.º 659/2011:
“Com uma reapreciação jurisdicional, independentemente do seu resultado, revela-se satisfeito esse direito de defesa do arguido, pelo que a decisão do tribunal de recurso já não está abrangida pela exigência de um novo controle jurisdicional. E o facto de, na sequência dessa reapreciação, terem sido arguidas nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não constitui motivo para se considerar que estamos perante uma primeira decisão sobre o thema decidendum, relativamente à qual é necessário garantir também o direito ao recurso”.
“Com efeito, a circunstância de os recorrentes terem arguido nulidades do acórdão do Tribunal da Relação não modifica o objeto do processo uma vez que, tal como a decisão da 1.ª instância, o acórdão do Tribunal da Relação que sobre ela recai limita-se a verificar se o arguido pode ser responsabilizado pela prática do crime que estava acusado e, na hipótese afirmativa, a definir a pena que deve ser aplicada, o que se traduz num reexame da causa.”
6.º
O recorrente, quer “durante o processo”, quer agora, na reclamação, não adianta quaisquer (novos) fundamentos para além dos já apreciados pelo Tribunal Constitucional nos arestos anteriormente proferidos.
7.º
Pelo exposto, deve indeferir-se a reclamação.»
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
4. Não se justifica qualquer reforma da decisão reclamada, visto que se mantém plena concordância com o teor da jurisprudência consolidada neste Tribunal, para a qual a referida decisão remeteu. Com efeito, a circunstância de o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não ter conhecido da questão da (alegada) nulidade da decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa não invalida, de modo algum, a fundamentação decorrente do Acórdão n.º 659/2011, na medida em que, por um lado, aquele aresto refere-se à possibilidade de o tribunal que teria cometido a pretensa nulidade conhecer desse vício – e não o tribunal para quem se recorre – e que, por outro lado, o direito fundamental ao recurso (cfr. artigo 32º, n.º 1, da CRP) apenas compreende o direito a uma única reapreciação jurisdicional, restrita ao mérito da causa.
Por conseguinte, mais não resta do que reiterar o teor da fundamentação já acolhida pela decisão reclamada, assim se indeferindo a reclamação ora deduzida.
III - DECISÃO
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 15 de julho de 2013. – Ana Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro
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