|
Processo n.º 153/13
1.ª Secção
Relator: Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), de acórdão daquele Tribunal.
2. Pela Decisão Sumária n.º 197/2013 decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento do objeto do recurso interposto. Tal decisão, no que agora releva, tem a seguinte fundamentação:
“4. Para que ocorra uma suscitação processualmente adequada da questão da inconstitucionalidade é necessária a sua enunciação, de forma clara, expressa, direta e percetível, bem como a sua fundamentação, em termos minimamente concludentes, de forma a permitir que o Tribunal recorrido se pronuncie sobre a questão de inconstitucionalidade levantada.
Ora, no entender do recorrente, a interpretação normativa em causa dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 410.º do CPP, alegadamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça conduziria à negação ao arguido do «direito à apreciação de decisão condenatória proferia pelo Tribunal da Relação que pela primeira vez (como decisão de primeira instância) foi além da pronúncia e proferiu decisão condenatória que enferma de nulidades que tornam impossível a prolação da decisão de direito» (sublinhado nosso) [cfr. fls. 136 dos autos].
Acontece, porém, que não foi esta a questão de constitucionalidade colocada pelo reclamante na reclamação dirigida ao Presidente do STJ.
Com efeito, e tal como resulta da leitura do recurso apresentado para o STJ, o recorrente pretendia que lhe fosse admitido o recurso interposto da decisão do TRL que, embora reduzindo a pena, confirmou a condenação proferida em 1.ª instância, por «o aresto em causa padece[r] de nulidades absolutas, as mesmas de que enfermava a decisão de 1ª Instância consubstanciadas em insuficiência para a decisão de direito da matéria de facto provada, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, insuficiente fundamentação da decisão, erro notório na apreciação da prova, e excesso de pronúncia» (sublinhado nosso) [cfr. fls. 3 dos autos]. O mesmo é afirmado na reclamação do despacho de não admissão do recurso, onde se refere que «o conhecimento em recurso desta matéria não está abrangido pela dupla conforme, sob pena de inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), na interpretação que considerasse inadmissível o recurso relativamente a factos novos, fixados pela 1.ª instância em excesso de pronúncia, factos esses valorados também pelo acórdão recorrido» (fls. 93 dos autos).
Bem se vê que a questão colocada no recurso e na reclamação apresentada da não admissão do recurso para o STJ, e que daria origem à decisão ora sob recurso, não foi, pois, a interpretação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 410.º do CPP, segundo a qual não é admissível recurso para o STJ do Acórdão do Tribunal da Relação que confirma sentença condenatória da primeira instância, mesmo que o Acórdão da Relação enferme de nulidades de conhecimento oficioso verificadas, pela primeira vez, na decisão que conheceu do recurso, como se de decisão de primeira instância se tratasse.
Nesse sentido, nunca se permitiu que o Tribunal recorrido se pronunciasse sobre a questão ora objeto de recurso de constitucionalidade. Nesta medida, esse requisito não se encontra preenchido.
5. Por outro lado, o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da CRP e na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, apenas pode traduzir-se, assim, numa questão de (in)constitucionalidade da(s) norma(s) de que a decisão recorrida haja feito efetiva aplicação ou que tenha constituído o fundamento normativo do aí decidido.
Trata-se de um pressuposto específico do recurso de constitucionalidade cuja exigência resulta da natureza instrumental (e incidental) deste recurso, tal como o mesmo se encontra recortado no nosso sistema constitucional, de controlo difuso da constitucionalidade de normas jurídicas pelos vários tribunais, bem como da natureza da própria função jurisdicional constitucional (cf. J. M. M. Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª edição revista e atualizada, 2007, pp. 31 e ss.).
Na verdade, a resolução da questão de constitucionalidade deverá, efetivamente, refletir-se na decisão recorrida, implicando a sua reforma, no caso de o recurso obter provimento, o que apenas sucede quando a norma cuja constitucionalidade o Tribunal Constitucional aprecie haja constituído a ratio decidendi da decisão recorrida, ou seja, o fundamento normativo do aí decidido.
Ora, como referimos, no caso dos autos, pretende o recorrente que o Supremo Tribunal de Justiça teria aplicado a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do CPP, na interpretação segundo a qual se impede a admissão de recurso do Tribunal da Relação, mesmo que o acórdão deste último tribunal enferme de nulidades de conhecimento oficioso como a insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, o erro notório na apreciação da prova, ou a insuficiente fundamentação da decisão ou excesso de pronúncia. No entender do recorrente, a interpretação normativa em causa, alegadamente aplicada pelo Supremo Tribunal de Justiça conduziria à negação ao arguido do «direito à apreciação de decisão condenatória proferida pelo Tribunal da Relação que pela primeira vez (como decisão de primeira instância) foi além da pronúncia e proferiu decisão condenatória que enferma de nulidades que tornam impossível a prolação da decisão de direito» (sublinhado nosso) [cfr. fls. 136 dos autos].
Acontece, porém, que não foi esta a interpretação que foi aplicada na decisão recorrida. Com efeito, a este respeito pode ler-se no despacho recorrido que «no plano constitucional a garantia do direito ao recurso prevista no n.º 1 do art. 32.º da Constituição tem como dimensão apenas a exigência de um único grau que, no caso, foi garantido através do recurso interposto para a Relação pelo reclamante» (cfr. fl. 125 dos autos).
6. Sendo assim, inevitável será concluir que o despacho recorrido não aplicou, efetivamente, os preceitos referidos na interpretação ora reputada de inconstitucional pelo recorrente, nem este suscitou diante do tribunal recorrido a questão de constitucionalidade que ora pretende ver apreciada.
Não se cumprem portanto, estes requisitos legais para a admissão do recurso.”
3. Daquela decisão sumária vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 78.º-A da LTC.
Como fundamento da reclamação, para além de reiterar as razões de discordância relativamente ao decidido pelo tribunal recorrido, limita-se a indicar que “A questão de inconstitucionalidade foi suscitada de forma clara, objetiva e fundamentada no recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentado no Tribunal da Relação de Lisboa, e ainda na reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça”, insistindo nos argumentos anteriormente apresentados nas referidas peças processuais como fundamento da inconstitucionalidade invocada.
4. O Exmo. Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
II – Fundamentação
5. Nos presentes autos foi proferida decisão de não conhecimento do objeto do recurso, por não se poder dar por verificado o requisito da suscitação prévia e de forma adequada da questão de inconstitucionalidade posta a este Tribunal, bem como, por não aplicação efetiva, no despacho recorrido, dos preceitos referidos na interpretação reputada de inconstitucional.
A presente reclamação em nada contraria aqueles fundamentos.
Na reclamação apresentada o reclamante sustenta apenas que a questão de inconstitucionalidade «foi suscitada de forma clara, objetiva e fundamentada».
O fundamento da decisão reclamada não foi a falta de clareza ou fundamentação da questão colocada, ou sequer a não satisfação de qualquer dos requisitos do artigo 75.º-A da LTC.
Com efeito, a primeira razão para o não conhecimento do recurso indicada na decisão de que ora se reclama foi a falta de suscitação prévia, perante o tribunal recorrido, da mesma dimensão normativa que viria a ser identificada no requerimento de aperfeiçoamento do recurso. Como demonstrado na Decisão sumária n.º 197/2013, a dimensão normativa identificada no recurso é substancialmente diferente da anteriormente enunciada pelo recorrente, designadamente na reclamação dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça e que esteve na origem da decisão agora recorrida para o Tribunal Constitucional.
Com efeito, quando reclamou para o STJ do despacho de não admissão do recurso do acórdão proferido no Tribunal da Relação, o então reclamante expressou o entendimento de que o conhecimento, em recurso, da matéria em questão, «não está abrangido pela dupla conforme, sob pena de inconstitucionalidade do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), na interpretação que considerasse inadmissível o recurso relativamente a factos novos, fixados pela 1.ª instância em excesso de pronúncia, factos esses valorados também pelo acórdão recorrido» (fls. 93 dos autos).
Por seu lado, no recurso interposto para o Tribunal Constitucional, depois de convidado a indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada, apresentou um requerimento através do qual se extrai que o objeto do recurso de constitucionalidade incide sobre a interpretação dos artigos 400.º, n.º 1, alínea f), e 410.º do Código de Processo Penal, no sentido de impedir «a admissão de recurso do Tribunal da Relação para o S.T.J., «mesmo que o Acórdão da Relação enferme de nulidades (…) de conhecimento oficioso, de insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, erro notório na apreciação da prova, insuficiente fundamentação da decisão e excesso de pronúncia» verificadas na «decisão condenatória proferida pelo Tribunal da Relação, que pela primeira vez» (como decisão de primeira instância) foi além da pronúncia e (…) enferma de nulidades que tornam impossível a prolação da decisão de direito».
São, portanto, dimensões normativas não coincidentes, não tendo havido oportunidade para o tribunal recorrido se pronunciar sobre a questão ora objeto de recurso de constitucionalidade. Nesta medida, confirma-se a falta de verificação deste requisito de conhecimento do recurso.
Acresce o segundo fundamento de não conhecimento do recurso invocado na decisão sumária e consistente na falta de aplicação efetiva, pelo despacho recorrido, dos preceitos referidos na interpretação reputada de inconstitucional, relativamente ao qual o reclamante nada refere na reclamação ora apresentada.
Afigurando-se incontestável também a verificação da falta deste pressuposto de conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto, resta confirmar a decisão reclamada.
III - Decisão
6. Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 28 de junho de 2013. – Maria de Fátima Mata-Mouros – Maria João Antunes – Maria Lúcia Amaral.
|