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Processo n.º 282/2013
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para a conferência ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer do objeto do recurso de constitucionalidade interposto.
2. A reclamação tem o seguinte teor:
«(...)
A., notificado que foi da decisão sumária contra si proferida, nos termos do artigo 78º-A da Lei do TC, vem deduzir a presente RECLAMAÇÃO, o que faz com os fundamentos seguintes:
O recorrente sabe que tem o ónus de prevenção das questões de constitucionalidade e de indicar a peça processual onde tal foi efetuado.
Eis o que decorre dos artigos 70.º, n.º 1, b) e 75.º-A, n.º 2 da Lei do TC.
A exceção a este regime são as decisões-surpresas, aquelas que o recorrente não esperava, dentro de uma razoável probabilidade de interpretação das normas jurídicas cuja inconstitucionalidade esteja em causa, aquele problema de conformidade com a Lei Fundamental que tem de enfrentar.
Vejamos no caso, pois que a decisão sumária considera que não ocorreu a prevenção exigível.
O recorrente foi condenado pela primeira instância em pena suspensa; a Relação, em sede de recurso interposto pelo MP, condenou-o na pena (diversa em espécie e altamente gravosa) de proibição do exercício de profissão/atividade.
Ao interpor recurso para o STJ, o ora reclamante consignou na petição respetiva, integrada na motivação, que o fazia por entender que se tratava de decisão recorrível e citou em abono de tal asserção (i) os artigos 399º e 432º, n.º 1 do CPP, aditando que a tal não obstava o estatuído no artigo 400º, n.º 2, e) do CPP por se tratar de norma que «na sua formulação (vedando o recurso aos casos em que a Relação decreta em recurso pena não privativa de liberdade) emerge de Lei, a Lei n.º 48/07, que entrou em vigor após o início dos presentes autos», mais dizendo: «não havendo lugar a ultractividade de lei mais desfavorável, sob pena de inconstitucionalidade material daqueles normativos».
Ao emitir parecer sobre o recurso em causa o MP junto do STJ veio considerar que o estávamos ante “procedimento incidental novo” – terminologia que passara a fazer escola a partir de um controverso caso em matéria de escutas telefónicas de cuja destruição se tratava – pelo que passível de seguir o regime legal de irrecorribilidade decorrente da Lei n.º 48/07, em lógica de aplicação imediata e não ultractiva.
Ante este parecer o ora reclamante desde logo preveniu a inconstitucionalidade do mesmo, na resposta que ofereceu a tal peça processual, ao consignar que: «o artigo 371ºA do CPP quando entendido como se previsse um procedimento incidental novo e, por isso, quando, em articulação com o artigo 400º, n.º:1, c) do CPP, preveja a irrecorribilidade da decisão que, a final, conheça da pena aplicável em sede de reabertura de audiência, revogando suspensão de pena, primitivamente aplicada, em favor de pena de suspensão de profissão/atividade, consubstanciam uma dimensão normativa concreta que é materialmente inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5 da CRP, por porem em crise de modo desproporcionado o direito ao recurso e a estrutura acusatória do processo».
Ao decidir, prolatando a decisão recorrida o STJ, veio confirmar a tese da irrecorribilidade através de uma formulação que, embora ampliando a que fora expendida pelo MP junto daquele Tribunal, acolhe o essencial da doutrina ali subjacente, ou seja, o facto de haver que aplicar-se o regime geral de irrecorribilidade decorrente da Lei n.º 48/07, por ser o vigente à data da prolação da decisão recorrida.
Por isso, ao recorrer para o TC, o ora reclamante especificou a norma cuja inconstitucionalidade material suscitou e fê-lo nos termos em que a mesma havia sido aplicada pelo STJ ao ter rejeitado o recurso, isto é, através da consideração do recurso como sendo sobre o referido incidente procedimental novo, regido não pela lei em vigor à data do início do procedimento criminal, sim pela lei em vigor à data da emissão da decisão recorrida.
Permitimo-nos supor, por isso, que a questão havia sido prevenida e por duas vezes numa dupla dimensão: (i) primeiro, na petição de recurso, ao considerar que a irrecorribilidade que viesse a ser esgrimida contra o recurso seria inconstitucional por se tratar de aplicação de lei posterior mais desfavorável (ii) segundo, na resposta ao parecer, quando foi aflorado que se tratava de incidente procedimental novo, a seguir a lei então vigente em regime de aplicação imediata.
Não se aceita pois que seja convocável [como o pretende a decisão sumária], no que à decisão do STJ respeita, tratar-se, de decisão-surpresa, pois as surpresas que poderia conter foram enfrentadas pelo ora reclamante, que preveniu as questões de inconstitucionalidade que se poderiam colocar.
Mais: preveniu-o ao recorrer e preveniu-o quando o MP junto do STJ emitiu parecer.
Enfim, não se aceita que se possa invocar «não ter sido a dimensão normativa contestada ratio decidendi da decisão recorrida».
É que este argumento – já usual na tradição de rejeição de recursos junto do TC em que a coincidência geométrica dos dois círculos normativos, o aplicado e o invocado, é usualmente convocada – na expressão da decisão sumária é apenas uma asserção sem fundamentação, pois não se diz onde é que se encontra essa não identidade.
(...)»
3. Notificado, o Ministério Público pugnou pelo indeferimento da reclamação apresentada.
II. Fundamentação
4. A decisão sumária objeto de reclamação tem a seguinte redação:
«(...)
1. A. (doravante, primeiro recorrente) e B. (doravante, segundo recorrente), melhor identificados nos autos, recorrem para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de fevereiro de 2013, que rejeitou os recursos interpostos por ambos os recorrentes.
2. No requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, esclarece o primeiro recorrente que pretende ver apreciada a inconstitucionalidade:
«(...)
(D)o artº 371º-A do CPP, quando entendido como se previsse um “procedimento incidental novo” e, por isso, quando, em articulação com o artº 400º, n.º 1, c) do CPP, preveja a irrecorribilidade da decisão que, a final, conheça da pena aplicável em sede de reabertura de audiência, revogando a suspensão da pena, primitivamente aplicada, em favor de pena de suspensão/atividade.
(...)»
Já o requerimento de recurso do segundo recorrente tem o seguinte teor:
«(...)
2. Pondo-se em crise a suposta constitucionalidade das seguintes normas (com redação que as mesmas tinham à data da respetiva aplicação):
a) Artºs 50º do Cód. Penal e 375º/1 e 379º/1/c), ambos do CPP, na medida em que preveem que a suspensão da pena não deva ser decretada em sede de Recurso, sempre que não haja sido concretamente suscitada pelo Recorrente na motivação, tendo suscitado a questão da espécie de pena;
b) Artºs 400/1/e) e 401º/1/b), ambos do CPP, quando preveem que o Recorrente não possa recorrer para o STJ de decisão judicial (que não do Acórdão da Relação) subsequente, da mesma Relação, na qual é indeferida uma Nulidade, arguida relativamente ao Acórdão condenatório da referida Relação.
c) Dos Artigos acima citados, quando preveem que, não havendo ainda decisão judicial já transitada que dê como excluído do objeto do processo um crime punido com prisão de dosimetria abstrata inferior a cinco anos de prisão, não possa o Arguido recorrer da decisão judicial prolatada pela Relação em ato judicial subsequente a Acórdão pelo qual alterou a punição do Arguido, suspendendo-lhe a Pena, decisão essa recorrida pelo MºPº e alterada por Acórdão da Relação.
d) Quando não é de excluir que, por via do funcionamento do Artº 410º/2 do CPP ou, por haver Recursos pendentes que o suscitam do decretar da inconstitucionalidade de norma jurídica aplicável, não venha ocorrer anulação que reponha como objeto do processo, aqueles crimes;
3. Consideram-se violadas as seguintes normas constitucionais:
A) Quanto ao referido em a) supra, os Artºs 1º e 13º, na medida em que negam a valoração de elementos atinentes à personalidade de uma pessoa; Artº 2º, na medida em que inviabiliza a sociabilidade e a liberdade, quando estas são possíveis; Artº 32º/1, ao tornar processualmente irrelevantes factos e elementos que militem me favor de um arguido, para efeitos da aplicação de uma pena substituta e Artº 205º/1 por falta de fundamentação relativamente a matéria de conhecimento obrigatório.
B) Quanto ao aduzido em b), igualmente supra, o Artº 32º/1, por limitação desproporcionada, o direito ao recurso em matéria penal.
C) O mesmo Artº 32º/1 da CRP
4. As normas em causa foram aplicadas:
A) Quanto às referidas em a) e A) supra, no Acórdão da Primeira Instância, na medida em que aplicou a Suspensão da Pena e
B) Naquele que, na Relação do Porto conheceu do Recurso interposto pelo Ex.mo. Procurador do Tribunal de Ovar, denegando a Suspensão e impondo, infundadamente (ou com fundamento conjunto com outros coarguidos) o cumprimento do resto da pensa;
C) Quanto às aduzidas em b) do nº 2 e B) do n.º 3 supra e, bem assim, as demais, na decisão que conheceu do Recurso interposto para o STJ decidindo da irrecorribilidade do Acórdão da Relação.
5. Quanto à prevenção da questão, a matéria da inconstitucionalidade foi prevenida, quanto a 2.a) e 3.A), na motivação do Recurso e, ainda, na petição de Recurso para o STJ.
3. Os recorrentes foram condenados, por acórdão proferido em 19 de novembro de 2003 pelo Juízo de Instância Criminal de Ovar – Comarca do Baixo Vouga, numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão e de 4 anos e 6 meses de prisão, respetivamente. Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que, em acórdão de 13 de julho de 2005, já transitado em julgado, confirmou as penas aplicadas pela primeira instância.
Ora, os mesmos arguidos vieram depois requerer a reabertura da audiência ao abrigo do preceituado no artigo 371.º-A, do CPP, introduzido pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, e das alterações resultantes da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro. Por conseguinte, em acórdão de 25 de novembro de 2011, o Tribunal da Relação do Porto decretou a suspensão da execução da pena dos recorrentes. Tendo o Ministério Público interposto recurso desta decisão, os juízes da 2.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em decisão datada de 3 de outubro de 2012, determinaram a revogação da suspensão da pena aplicada a B. e a substituição da pena de prisão aplicada a A. pela pena de proibição do exercício da profissão/atividade em cujo exercício foi cometido o crime.
Os recorrentes interpuseram, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. O primeiro recorrente conclui o seu requerimento de recurso nos seguintes termos:
«(...)
1.ª A decisão recorrida enferma nulidade por falta de fundamentação, prevista nos artigos 374º, n.º 2 e 375º, n.º 1 do CPP, porque decide revogar a suspensão da pena que havia sido decretada, substituindo-a por uma pena de proibição de exercício de profissão/atividade sem explicar as razões de facto e de Direito que pressupõem uma tal decisão.
2.º A decisão recorrida, além disso, enferma de erro de Direito, na interpretação e aplicação do artigo 43º, n.º 3 do Código Penal, porquanto decreta a aplicação de uma pena de substituição, no caso a proibição de exercício de profissão/atividade, sem que tenha factos concretos de onde possa resultar que estão reunidos os pressupostos dessa medida punitiva os quais são, para além da circunstância de o crime ter sido cometido no exercício da profissão por este meio se realizam “de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
3.º A decisão recorrida enferma de nulidade, por omissão de pronúncia, nulidade prevista no artigo 379º, n.º 1, c) do CPP, já que nada decidiu quanto a questões que o recorrente havia colocado quando requereu a reabertura da audiência como critérios relevantes para a decisão final, nomeadamente, no sentido da suspensão da pena e que foram pura e simplesmente olvidados.
Nestes termos deve ser revogada a decisão proferida e substituída por outra que decrete a suspensão da execução da pena de prisão e não a proibição de exercício de profissão/atividade.
(...)»
Já o segundo recorrente fê-lo do seguinte jeito:
«(...)
A) o Recorrente é Arguido nos Autos, sendo certo que, na sequência da reabertura da Audiência, que peticionou, foi determinada a suspensão da sua pena de Prisão. Sucede que,
B) Não se conformando com tal deliberação, recorreu o Ilustre Procurador junto da Comarca de Ovar, tendo sido determinado pelo Tribunal da Relação do Porto, a alteração da Suspensão e determinando que o Arguido aqui recorrente, cumpra a pena de prisão que lhe foi aplicada. Ora,
C) A Lei faculta a possibilidade de suspensão das penas de Prisão até cinco anos, tendo sido alargado prazo anterior que era de três anos, o que teve em vista o reiterar das características ressocializadoras da legislação penal nacional e a recorrente chamada de atenção para a opção preferencial por medidas punitivas não cerceadoras da liberdade.
D) Assim sendo, como é, menos se entende a tomada de posição assumida pelo D.mos. Desembargadores da 2º Secção do TR Porto, ao deliberarem como o fizeram. Com efeito,
E) Consta do Acórdão recorrido que “Quanto aos Arguidos B. (...) verifica-se que todos eles já responderam em tribunal (...)”. Mais consta,
F) Face ao exposto (...) é de concluir que, face às exigências de prevenção geral e especial, a execução da pena de prisão se mostra indispensável, não havendo lugar à suspensão da execução das penas de prisão aplicadas a estes arguidos”. Consta por fim,
G) Acresce que os arguidos B. (...), atento o tempo de prisão que já cumpriram, à ordem dos presentes autos, estão em condições de poderem beneficiar do regime de liberdade condicional, previsto no Artº 61º do Código Penal, sendo que a execução da pena de prisão se mostra mais favorável do que a suspensão da execução de tais penas, por prazo mais alargado e condicionada ao pagamento do imposto e acréscimos legais. Ora,
H) Sempre com o máximo respeito, não pôde o Recorrente concordar com tais considerações. Desde logo, porque a única vez em que o Recorrente respondeu em tribunal, ocorreu por factos que nada têm que ver com a matéria versada nestes autos,
I) Antes se tendo tratado de assunto relativo a um veículo automóvel de que foi proprietário e relativamente ao qual se suscitaram problemas no seu percurso de importação da República federal da Alemanha.
J) Pelo que as suas condições específicas, nada têm que ver com as dos restantes coarguidos, que o TRP entendeu “tratar” em conjunto. Depois,
K) Porque (salvo sempre o respeito devido) melhor saberá o Arguido qual o regime que pretende optar.
L) Donde, segundo se crês, a manifesta ilegalidade e infundado da deliberação ora posta em crise.
(...)»
O recurso foi admitido pelo tribunal recorrido (fls. 2468), mas o Supremo Tribunal de Justiça, na sequência de Parecer do Ministério Público, decidiu rejeitar o recurso em causa com fundamento em inadmissibilidade legal. Considerou o Tribunal o seguinte:
«(...)
A decisão recorrida insere-se no âmbito do artº 371º-A do CPP, que dispõe:
“Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.”
Daqui poderá resultar que, sendo a decisão resultante da aplicação do novo regime posterior à decisão final condenatória, a que julgou o pleito, não se confunde com ela, e, por conseguinte, já se entendeu que a decisão posterior não é uma decisão que pôs termo à causa, conforme jurisprudência citada no douto Parecer do Dig.mo Magistrado do MºPº junto deste Supremo.
Decisão que pôs termos à causa, ou decisão final, terá sido o acórdão condenatório, proferido em 19 de novembro de 2003, e após recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, decidido por Acórdão de 13 de julho de 2005, que transitou em julgado, sendo aí que se apreciou o pleito, isto é, o objeto do processo definido pela acusação/pronúncia.
Por isso, nessa ordem de ideias, a decisão de que se pretende recorrer é uma decisão que não conheceu do objeto do processo, limitando-se a apreciar a pretensão de aplicação de lei nova mais favorável, com incidência nas penas aplicadas, perante a decisão condenatória havida.
E, de harmonia com o disposto no art.º 400º do CPP
1. Não é admissível recurso:
(...)
c) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo.
(...)
Donde, por tal fundamento, em tal ótica, não ser admissível recurso do acórdão recorrido para o Supremo Tribunal de Justiça.
Porém, em outra perspetiva, de que o acórdão resultante da reabertura da audiência, ao retificar as penas, na sua natureza, espécie, ou medida, no âmbito do artº 371-A do CPP passaria a constituir a decisão final em relação à decisão originária, na parte alterada, nem por isso seria também admissível, in casu, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
É que, o acórdão recorrido, de 3 de outubro de 2012, reporta-se ao acórdão de 25 de novembro de 2011, na sequência da reabertura da audiência ao abrigo do disposto no artigo 371º-A do Código de Processo Penal, introduzido pela Lei nº 48/2007, de 29 de agosto e das alterações resultantes da Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro.
(...)
A lei reguladora da admissibilidade do recurso – e, por consequência, da definição do tribunal de recurso – será assim, a que vigorar no momento em que ficam definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso (seja na integração do interesse em agir, da legitimidade, seja nas condições objetivas dependentes da natureza e conteúdo da decisão: decisão desfavorável, condenação e definição do crime e da pena aplicável), isto é, no momento em que primeiramente for proferida uma decisão sobre a matéria em causa, ou seja, a da 1.ª instância, salvo se lei posterior for mais favorável para o arguido – v. Ac. deste STJ de 18-06-2008, Proc. n.º 1624/08 – 3.ª.
A decisão final da 1. ª instância é o acórdão de 21 de novembro de 2011, no domínio da lei nova, de que foi interposto recurso e que originou a decisão ora recorrida, que deu início à fase de recurso, possibilitando ao arguido a inscrição nas suas prerrogativas de defesa o direito a todos os graus de recurso que a lei processual lhe faculta nesse momento.
(...)
Anteriormente à vigência da Lei n.º 48/2007, não havia dúvida de que não era admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que tivesse por objeto crime a que em abstrato correspondesse pena não superior a 5 anos de prisão.
Mas, a mesma filosofia legal se manteve a pós a vigência da Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, e que a lei n.º 26/2010, de 30 de agosto não contrariou, havendo recurso para o Supremo, conforme al. c) do artº 432º já supra referida. “De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.”
(...)
Ou seja, o legislador, ao arredar da competência do Supremo o julgamento dos recursos de acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade, quis implicitamente significar, de harmonia com o art.º 9.º do Código Civil, quanto a penas privativas da liberdade, que, sendo admissíveis recurso para o Supremo de acórdãos do Coletivo que tenham por objeto pena superior a cinco anos de prisão, uma vez que as penas inferiores a cinco anos de prisão caem na competência do juiz singular e não há recurso de decisões do tribunal singular para o Supremo Tribunal de Justiça, apenas é admissível recurso do acórdão da Relação para o Supremo quando a Relação julgar recurso de decisão do Tribunal Coletivo, ou de júri, em que estes tribunais tivessem aplicado pena superior a 5 anos de prisão.
(...)
Uma vez que in casu a pena de prisão aplicada não excede 5 anos de prisão, não é admissível recurso para o Supremo da decisão da Relação, face à interpretação teleológica do disposto na alínea e) do artº 400º do CPP tendo em conta, a harmonia do sistema, e, o regime dos recursos em processo penal, cujo preâmbulo nomeadamente refere: “procurou-se simplificar todo o sistema, abolindo-se concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso. Por isso, os tribunais de relação passam a conhecer em última instância das decisões finais do juiz singular e das decisões interlocutórias do tribunal coletivo e do júri (...)” e, visto o disposto na referida alínea c) do artº 432º do CPP.
(...)
A situação jurídica exposta não traduz qualquer diminuição das garantias de defesa nem prejudica o arguido, nem limita o exercício do direito ao recurso, pela recorrente, uma vez que a Lei nova ao não ampliar o direito ao recurso, também não o restringiu, mantendo-se o âmbito legal do direito ao recurso, como vinha sendo entendido, sendo que, por outro lado, o artº 32º da Constituição da República, não garante a existência de um duplo grau de recurso, mas sim o recurso, que foi efetivamente exercido pelo arguido, em que se garantiu o contraditório na apreciação pelo tribunal de recurso, o Tribunal da Relação.
(...)
O acórdão da Relação de que foi interposto o presente recurso e, pelo exposto, irrecorrível, pelo que não devia ter sido admitido (artº 414º nº 2 do CPP).
(...)»
Seguiu-se o recurso de constitucionalidade que agora se aprecia, admitido pelo tribunal recorrido em despacho de fls. 2567. Contudo, em face do disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
4. Sendo o presente recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC, necessário se mostra que se achem preenchidos um conjunto de pressupostos processuais. A par do esgotamento dos recursos ordinários tolerados pela decisão recorrida, exige-se que o recorrente tenha suscitado, durante o processo e de forma adequada, uma questão de constitucionalidade, questão essa que deverá incidir sobre normas jurídicas que hajam sido ratio decidendi daquela decisão.
Acontece, porém, que in casu os recorrentes não suscitaram tempestivamente as questões de constitucionalidade agora enunciadas no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional. Tal requisito, recorde-se, vem sendo entendido pela jurisprudência constitucional num sentido funcional, e não meramente formal, de tal forma que o levantamento da questão de constitucionalidade, atenta a teleologia subjacente ao processo de fiscalização concreta, deverá ter tido lugar durante o processo, isto é, num momento em que o tribunal recorrido ainda pudesse dela ter conhecido (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 352/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Não se configurando a decisão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de fevereiro de 2013, como uma “decisão surpresa”, leia-se, como uma decisão insólita ou surpreendente, e tendo em conta o apertado critério sufragado pela jurisprudência constitucional nesta matéria (cfr. o Acórdão n.º 601/2007, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), deflui que os recorrentes deveriam ter arguido a inconstitucionalidade das normas (e interpretações normativas) em crise no requerimento de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – algo que não sucedeu.
Mesmo que se entendesse que o primeiro recorrente cumpriu o ónus de suscitação prévia relativamente à interpretação normativa agora vertida no recurso de constitucionalidade (cfr. fls. 2387 e 2388), sempre seria de rejeitar um tal recurso, por não ter sido a dimensão normativa contestada ratio decidendi da decisão recorrida. A partir desta, confirma-se, com efeito, que até na eventualidade de se considerar a reabertura da audiência como a decisão final do processo, e não como um “procedimento incidental novo”, o recurso interposto pelos recorrentes junto do Supremo Tribunal de Justiça não seria de admitir, por soçobrarem fundamentos alternativos à sua inadmissibilidade, fundamentos esses cuja conformidade com o parâmetro de controlo os recorrentes não lograram impugnar em nenhum momento da sua intervenção processual.
Destarte, somos levados a concluir pelo não preenchimento dos pressupostos processuais de que se acha dependente o presente recurso de constitucionalidade.
(...)»
5. A reclamação apresentada pelo reclamante não coloca em crise a decisão sumária proferida. Desta apenas reclama, aliás, o primeiro recorrente. Não restam dúvidas de que, ao contrário do que, por lapso, consta da decisão sumária, este suscitou adequada e tempestivamente a questão de constitucionalidade que constitui objeto do presente recurso. Com efeito, em resposta ao parecer do Ministério Público, pode ler-se, a fls. 2507, o seguinte: «O artigo 371.º-A, do CPP, quando entendido como se previsse um “procedimento incidental novo” e, por isso, quando, em articulação com o artigo 400.º, n.º 1, c) do CPP, preveja a irrecorribilidade da decisão que, a final, conheça da pena aplicável em sede de reabertura de audiência, revogando suspensão de pena, primitivamente aplicada, em favor de pena de suspensão se profissão/atividade, consubstanciam uma dimensão normativa concreta que é materialmente inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5 da CRP, por porem em crise de modo desproporcionado o direito ao recurso e a estrutura acusatória do processo criminal.”
Sucede que, talqualmente resulta da decisão sumária reclamada, a decisão recorrida - o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de fevereiro de 2013 – assentou em fundamentos que extravasam a questão de constitucionalidade arguida pelo reclamante nos termos excogitados supra, o que significa que tal questão não foi fundamento determinante daquela. Vejamos.
Um dos fundamentos mobilizados pelo STJ para rejeitar os recursos interpostos pelos recorrentes foi o de que a decisão resultante da aplicação do disposto no artigo 371.º-A do CPP é um procedimento incidental novo, que não põe termo à causa, não conhecendo do objeto do processo, sendo nessa medida irrecorrível, por força do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP. No entanto, o tribunal a quo não deixa de sublinhar que, mesmo que a perspetiva adotada fosse outra – entenda-se, mesmo que se considerasse que o acórdão resultante da reabertura de audiência, ao retificar as penas, na sua natureza, passaria a constituir a decisão final do processo (cfr. fls. 2527) – o recurso deveria, ainda assim, ser rejeitado, já não for por força da alínea c), do n.º 1, do artigo 400.º, do CPP, mas em virtude de uma certa interpretação normativa da alínea e), do n.º 1, do mesmo preceito, em conjugação com o disposto no artigo 432.º, n.º 1, alínea c), também do CPP. Neste sentido, consta da decisão recorrida o seguinte:
«(...)
Há assim que fazer uma interpretação restritiva do literalismo da norma do art.º 400º, n.º 1, e) do CPP, em conjugação com a teleologia definida pela norma da alínea c) do art.º 432.º do CPP, tendo em conta a harmonia na unidade do sistema.
Neste sentido tem vindo o Supremo a decidir “de forma reiterada e uniforme”, como bem assinala o Exmo Magistrado do Ministério Público neste Supremo, em seu douto Parecer, ali citando alguma jurisprudência,
(...)
Uma vez que in casu a pena de prisão aplicada não excede 5 anos de prisão, não é admissível recurso para o Supremo da decisão da Relação, face à interpretativa teleológica do disposto na alínea e) do art.º 400.º do CPP tendo em conta, a harmonia do sistema, e o regime dos recursos em processo penal, cujo preâmbulo nomeadamente refere: “procurou-se simplificar todo o sistema, abolindo-se concretamente a existência, por regra, de um duplo grau de recurso. Por isso, os tribunais da relação passam a conhecer em última instância das decisões finais do juiz singular e das decisões interlocutórias do tribunal coletivo e do júri (...) “e, visto o disposto na referida alínea c) do art.º 432.º do CPP.
(...)».
Sem cuidar da legitimidade de uma tal interpretação normativa, certo é que ela constituiu fundamento da decisão recorrida, corroborando na rejeição do recurso interposto na eventualidade de se ver no acórdão do Tribunal da Relação do Porto a decisão final do processo. Pelo que, sendo possível descortinar no acórdão do STJ um fundamento alternativo, que sempre suportaria o juízo naquele vertido mesmo que se apurasse da inconstitucionalidade do entendimento normativo objeto do presente recurso, há que concluir – talqualmente fez a decisão sumária reclamada – não estarem preenchidos os pressupostos processuais de que se acham dependentes os recursos de constitucionalidade interpostos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC.
III. Decisão
6. Atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a reclamação apresentada, e, por conseguinte, confirmar a decisão sumária reclamada.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 27 de junho de 2013. – José da Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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