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Processo n.º 187/13
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam, em conferência, na 2ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, com o n.º 187/13, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei 28/82, de 15 de novembro (LTC), do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto proferido em 28 de novembro de 2012.
2. Por decisão sumária, proferida ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decidiu-se não tomar conhecimento do objeto do recurso, por não se mostrar colocada questão de normativa suscetível de sindicância pelo Tribunal Constitucional.
3. Inconformado, o recorrente reclama da decisão sumária para a conferência, nos seguintes termos:
“1.º O Recorrente, à semelhança das anteriores decisões recorridas, mais uma vez se não conforma com a ora preferida, pelas seguintes razões:
2.º O arguido vem ab initio pugnando para que se faça justiça, não apenas no seu caso concreto, mas no âmbito do processo principal de que estes autos derivam.
3.º Pela Primeira Instância foi proferida uma decisão, que, erradamente e no modesto entendimento do Recorrente, não vincula as demais instâncias.
4.º Decisão essa que se consubstanciou na admissão dos recursos interpostos pelos diversos arguidos após uma prorrogação do prazo, em processo de especial complexidade e que a todos aproveitou.
5.º Decisão essa que, legitimamente, criou em todos os arguidos uma legítima expectativa, porque admitida, não contestada, nem reclamada pelo próprio Ministério Público.
6.º Em todas as peças processuais que instruem o presente recurso para este Venerando Tribunal Constitucional, o Recorrente, de forma clara, menciona expressamente quais as razões de ciência da sua reação.
7.º Entende o Recorrente que as sucessivas rejeições para apreciação dos recursos interpostos são ilegais e inconstitucionais.
8.º Expressamente menciona as normas jurídicas constitucionalmente violadas, bem assim como quais os princípios violados.
9.º A reação do arguido estriba-se, aliás, na Jurisprudência, aliás até muito recente, de que o legislador não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recurso.
10.º Aliás, quando está em causa uma condenação penal, deve assegurar-se garantidamente ao arguido um efetivo direito de recurso.
11.º Na mesma senda, o CEDH “qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a sua declaração de culpabilidade ou condenação...”.
12.º In casu, tem-se limitado e dificultado excessivamente a capacidade de reação do arguido.
13.º Restrições estribadas em aspetos burocráticos e desproporcionalmente intoleráveis.
14.º Das decisões que acompanham o presente recurso, mormente do TRP, em voto de vencido resulta expressamente esta intolerância relativamente a este processo, salientando-se que em situações semelhantes, decisões diversas houveram, permitindo-se e alargando-se o âmbito de defesa do arguido.
15.º Na presente reclamação, saldo o devido respeito, que muitíssimo é, plasma-se a indignação do Recorrente.
16.º Sendo certo que, in casu, não se pretende se profira uma decisão sobre o mérito ou demérito do objeto ou matéria em discussão.
17.º Apenas se pretende ver declarada ilegal e inconstitucional uma interpretação da norma jurídica – art.º 107.º, n.º 6, conjugada com o art.º 411.º, n.º 1, 3 e 4 do CPP, por violação dos art.s 203, 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Lei Fundamental, aliás em conformidade com o art.º 6.º da CEDH.
18.º Admite-se que, provavelmente por uma questão de estilo na delimitação e colocação do texto, se não exprima cabal e claramente qual o sentido e alcance do pretendido recurso e a pretensão do Recorrido tenha sido imperfeitamente expressa.
19.º Erro que só à forma de escrita do Mandatário se pode imputar, e do qual desde já se penitencia.
20.º Porém, em todas as peças processuais pelo Recorrente apresentadas vão claramente mencionadas quais as normas jurídicas e princípios violados.
21.º A verdade é que, o Tribunal da Relação do Porto faz uma errada e inconstitucional interpretação da norma jurídica.
22.º Interpretação errada que se vem alegando desde o início, provavelmente em linguagem não tão clara ou formalista como a que se pretende.
23.º Mas que não pode nem deve desfavorecer o Recorrente.
24.º Inquestionável é que estamos perante uma ilegalidade e uma inconstitucionalidade.
25.º Ao não admitir-se o recurso com fundamento na extemporaneidade está a violar-se a al. b) do art.º 6.º do CEDH.
26.º Decidindo o Tribunal Constitucional pelo não conhecimento do presente recurso, está-se a denegar justiça ao Recorrente, sabendo-se de antemão da existência de uma decisão ilegal e inconstitucional, porque de uma errónea interpretação da norma jurídica se valeu o TRP.
27.º Decidindo-se pelo não conhecimento do presente recurso, penaliza-se o Recorrente pela imperfeição do texto nas suas alegações.
28.º Facto que, com o devido respeito, sempre poderia ser salvaguardado, uma vez que a LTC prevê disposição para o convite ao aperfeiçoamento.
29.º Convite que o Recorrente humildemente entenderia e acederia e que, para os devidos e legais efeitos, aqui desde já se expressa.
30.º “Na verdade, o recorrente, no seu requerimento de resposta ao Ministério Público junto deste Venerando Tribunal (11/04/2012), bem assim como Reclamação para a Conferência (02/07/2012) da Decisão Sumária proferido a fls. 7208 a 7213 deste Tribunal da Relação do Porto, invocou que as tecidas considerações no sentido da extemporaneidade dos Recursos interpostos do Acórdão condenatório proferido pelo Tribunal Judicial de Penafiel configuram uma inconstitucionalidade no sentido de uma flagrante e manifesta violação à lei, um desrespeito pela segurança jurídica, uma deslealdade processual e uma violação do art. 2.º, 18.º, n.º 2 e 3, 20.º e 32.º da CRP e do disposto no art.º 6.º, al. b) da CEDH, bem assim como o Princípio da Confiança na boa ordenação processual e Princípio da Proporcionalidade, constitucionalmente consagrados e subjacentes à ideia de Estado de direito democrático”.
31.º O que se pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade da norma do art.º 107.º, n.º 6 do CPP, conjugada com os art.ºs 103.º, n.º 1 e 2, art.º 104.º, art.º 411.º. n.º 1 al. a), 2, 3 e 4 do CPP, art.º 144, n.º 1 e 2, 145.º, n.º 3 e 677 do CPC, no entendimento que o Tribunal da Relação do Porto faz no sentido de que o recurso interposto deva ser rejeitado, por inadmissibilidade, nos termos do art.º 414.º, n.º 2, 417.º, n.º 6, al. b) e 420.º, n.º 1 al. b) do CPP, por entender que a comunicação feita aos arguidos nos termos do disposto nos art.ºs 358.º e 359.º do CPP não vincula os demais arguidos.
32.º Ora, ao interpretar as normas referidas nesse sentido somos a considerar que tal entendimento é inconstitucional por violação dos Princípios Constitucionais de Proteção da Confiança e do Processo Equitativo, bem como do Direito ao recurso e das garantias de defesa consagradas nos art.ºs 203.º, 20.º, n.º 1 e 32.º, n.º 1 da Lei Fundamental.
33.º Se é certo que o direito de recurso deve respeitar as condições e pressupostos de que depende, em concreto o prazo de interposição, menos certo não será contudo que todos os pressupostos e requisitos foram respeitados pelo Recorrente, tendo sempre por base o princípio base na confiança da tutela jurisdicional e nas decisões dos Tribunais, nomeada e concretamente na decisão da 1.ª Instância que prorrogou o prazo dos recursos e com base nessa prorrogação os admitiu.
34.º O Tribunal Constitucional é unânime e magnânimo no sentido de que o disposto no art.º 32.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, a Lei Fundamental, consagra o direito ao recurso em processo penal, como a maior e maios basilar garantia de defesa dos arguidos.
35.º Evidentemente, tudo pelo maior respeito direito consagrado, abstraindo-se de critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados.
36.º In casu, apela-se ao bom senso jurisdicional, à tutela pela defesa dos direitos, liberdades e garantias dos arguidos e à proteção da Constituição, mediante instrumentos de razoabilidade, proporcionalidade e sobretudo de justiça.
Nestes termos e nos melhores de direito que V. Ex.as doutamente suprirão requer-se seja conhecida a referida inconstitucionalidade, pelos motivos e com base nos fundamentos supra alegados, seja a presente decisão sumária, substituída por outra que admita o recurso interposto, seguindo-se os ulteriores trâmites processuais.”
4. O Ministério Público tomou posição, no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
5. Confrontado com a decisão sumária de não conhecimento do recurso, fundada na inidoneidade do objeto do recurso de constitucionalidade, vem o recorrente reclamar para a conferência e formular o pedido de prosseguimento do recurso, argumentando, em síntese, que nas peças processuais que instruem o recurso são mencionadas as normas jurídicas e princípios violados e que o Tribunal da Relação do Porto fez errada e inconstitucional interpretação da norma jurídica impugnada, esclarecendo paralelamente a pretensão de ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 107.º, n.º 6 do CPP, conjugado com os art.ºs 103.º, n.ºs 1 e 3, 104.º, 411.º, n.ºs 1, alínea a), 2, 3 e 4 do CPP e com os art.ºs 144.º, n.ºs 1 e 2, 145.º, n.º 3 e 677.º do CPC.
Sem razão.
6. Em primeiro lugar, importa referir que não assiste razão ao reclamante quando sustenta que lhe deveria ter sido dirigido convite ao aperfeiçoamento, nos termos previstos nos n.ºs 5 e 6 do artigo 75º-A da LTC.
A decisão de não conhecimento constante da decisão sumária reclamada não assentou em ausência ou imperfeição na indicação de qualquer das menções impostas pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 75º-A da LTC, tornando a delimitação do objeto do processo operada pelo requerimento de interposição de recurso omissa, ambígua ou obscura. Não se tratou, ao invés do referido pelo recorrente, de falta de clareza ou imperfeição de expressão e muito menos de uma questão de estilo na formulação do recurso e na indicação do critério normativo questionado no plano da constitucionalidade.
Na verdade, a decisão reclamada considerou que o objeto do recurso de constitucionalidade era percetível mas que, pelos seus termos, a pretensão formulada escapava ao âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade de decisões judiciais, fixado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 280.º da Constituição, traduzido para o ordenamento legal pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, circunscrita ao controlo normativo da constitucionalidade.
Simplesmente, e com boas razões, considerou-se que o pedido constante desse requerimento visava a decisão judicial, na sua dimensão de conformidade com o ordenamento legal, e não de qualquer questão normativa de constitucionalidade, com referência a critério determinante do julgado.
7. Na reclamação em apreço, o recorrente ensaia a formulação de questão de constitucionalidade, a partir da norma do artigo 107.º, n.º 6 do CPP e conjugada com uma pluralidade de preceitos, objeto de que, porque inteiramente ausente do requerimento de interposição de recurso – peça processual que, de acordo com jurisprudência uniforme, não pode o recorrente ampliar ulteriormente –, sempre estaria vedado conhecer.
Diga-se, ainda assim, que o reclamante persiste em apontar a impugnação à conformidade da operação subsuntiva constante da decisão recorrida com o ordenamento infraconstitucional pertinente, mormente com a normação apontada, e não à ilegitimidade constitucional de interpretação normativa comportada nos preceitos legais apontados. Assim decorre, da afirmação de “interpretação errada” e “ilegalidade”, assim como, em termos particularmente claros, da impugnação dirigida à decisão, em si mesma, enquanto ato de julgamento, traduzida na conclusão de “existência de decisão ilegal e inconstitucional, porque de uma errónea interpretação da norma jurídica se valeu o TRP”.
Não se trata, então, e como bem se considerou na decisão sumária reclamada, de recurso dirigido à apreciação de norma, ou interpretação normativa, mas sim de pretensão de reapreciação de decisão judicial por discordância quanto à aplicação que nela se fez, perante as singularidades do caso em presença, do direito infraconstitucional.
Ora, esse objeto não se inscreve no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade acolhida na Constituição.
8. É, pois, de confirmar a decisão sumária que, com fundamento na sua inidoneidade, não conheceu do objeto do recurso de constitucionalidade interposto por A..
III. Decisão
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação e confirmar a decisão sumária reclamada.
10. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, tendo em atenção os critérios seguidos por este Tribunal e a dimensão do impulso desenvolvido pelo reclamante.
Notifique.
Lisboa, 10 de abril de 2013. – Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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