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Processo n.º 592/12
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Fernando Ventura
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Notificado do Acórdão n.º 614/2012, que julgou improcedente o recurso interposto, veio o recorrente A. peticionar a sua aclaração, nos seguintes termos:
“A., recorrente nos autos supra referenciados e neles melhor identificado, tendo sido notificado do Acórdão nº 614/2012, vem pedir esclarecimentos nos termos e com os seguintes fundamentos:
A ilegitimidade constitucional que o recorrente pôs à consideração do Tribunal Constitucional assentava, exclusivamente, no plano dos efeitos produzidos após a declaração do procedimento de excecional complexidade e a dualidade de critérios do legislador neste plano.
Os efeitos produzidos com a declaração do procedimento de excecional complexidade é que, no modesto entendimento do recorrente, são desiguais e desproporcionais e refletem “dois pesos e duas medidas”
É neste plano que, no modesto entendimento do recorrente, se verifica a violação do princípio da igualdade, direito ao recurso e de um processo equitativo.
Na verdade, com a declaração da excecional complexidade, o arguido preso preventivamente vê, de forma automática, os prazos de duração da prisão preventiva substancialmente agravados, e que no limite poderá levar o arguido a cumprir prisão preventiva até quatro anos (215 nº 3 e 5 do CP.P.).
Portanto, no plano da produção dos efeitos, o legislador, com a declaração da excecional complexidade, imputa na esfera do arguido preso preventivamente automaticamente uma série de efeitos gravosos que implicam a limitação e restrição de direitos e garantias mais elementares do arguido e, em contrapartida, não estabelece, de forma equitativa, igual e automática, um conjunto de direitos que salvaguardem um equilíbrio manifesto entre aqueles direitos restringidos e os direitos de defesa que o arguido preso preventivamente tem ao seu dispor, limitando-se a “conceder” ao arguido a possibilidade de requerer o alargamento dos prazos referidos no disposto do artigo 107, nº 6 do C.P.P, mas para tal tendo que requerer tal prolongamento através de um impulso processual.
Assim, a automaticidade e desigualdade reivindicada pelo recorrente, situa-se ao nível da produção dos efeitos após a declaração da excecional complexidade.
Ora, da leitura do Acórdão a aclarar resulta desde logo que o plano de ilegitimidade constitucional questionado não se encontra na automaticidade da elevação dos prazos de prisão preventiva decorrente do preceituado nos nº 3 e 4 do artigo 215º do CP.P. cfr página 7
Mais no seu ponto 12 da página 14 o Acórdão a aclarar rejeita a automaticidade na declaração do procedimento de excecional complexidade alegando que esta pressupõe sempre uma decisão judicial, adquirindo-se ope judicis e não ope legis, como, no entender do Acórdão, pressupõe o recorrente.
Aqui reside, de facto, a ambiguidade e obscuridade do Acórdão.
O recorrente nunca pôs em causa o processo de declaração de excecional complexidade que, de facto, pressupõe uma decisão judicial e o contraditório do arguido.
A automaticidade reivindicada pelo recorrente e a necessidade de “impulso processual” – requerimento - é ao nível dos efeitos produzidos após a declaração de excecional complexidade e não relativamente ao processo de excecional complexidade em si.
Pelo que o Acórdão a aclarar fundamentou, aparentemente, e salvo o sempre devido respeito, a sua Decisão no âmbito da aquisição processual do regime do procedimento de excecional complexidade, quando a inconstitucionalidade reivindicada nas Alegações pelo recorrente se situava no âmbito dos EFEITOS produzidos APÓS a declaração do regime do procedimento de excecional complexidade e a dualidade de critérios que presidem a tal declaração.
Assim, o Acórdão ao delimitar o objeto do recurso à aquisição processual do regime do procedimento de excecional complexidade, esvaziou todo o mérito das Alegações apresentadas pelo recorrente e destituiu de sentido o pedido de ilegitimidade inconstitucional originariamente formulado.
Finalmente, e sempre com o devido respeito, a única fundamentação que o recorrente descortina no Acórdão relativamente ao afastamento da oficiosidade na prorrogação do prazo de recurso radica no “racional de autorresponsabilização do titular do direito na gestão da defesa dos seus interesses processuais, conferindo-lhe o ÓNUS de requerer a prorrogação dos prazos em seu benefício previstos no nº 6 do artigo 107º, mormente o prazo de recurso” (sublinhado nosso) e no princípio da realização em tempo útil da justiça penal.
Ora, esta fundamentação, e salvo o devido respeito, só abona a favor das pretensões do recorrente.
Na verdade, o arguido preso preventivamente, para além de ver os seus prazos de duração da prisão preventiva substancialmente agravados com a declaração de excecional complexidade do processo, ainda tem o ÓNUS, O DEVER, A OBRIGAÇÃO, O ENCARGO E O PESO de requerer, querendo, a prorrogação dos prazos em seu benefício.
Não constitui tal prerrogativa, de facto, um DIREITO, mas sim um ónus.
O arguido não se encontra numa situação de igualdade de armas, e por isso é que o processo não é equitativo, conforme as Alegações do recorrente, o que leva a que o arguido, sentindo-se injustiçado e preso preventivamente há mais de dois anos e meio, recorra até às últimas instâncias, pondo, também, por isso em causa o princípio da realização em tempo útil da justiça penal.
Assim,
Em face daquela aparente contradição entre a inconstitucionalidade invocada pelo recorrente no âmbito dos efeitos produzidos pela declaração da excecional complexidade do processo e a fundamentação do Acórdão a aclarar que, delimitando o recurso, se cingiu ao âmbito da aquisição processual do regime do procedimento de excecional complexidade, que esvaziou todo o mérito das Alegações apresentadas pelo recorrente e destituiu de sentido o pedido de ilegitimidade inconstitucional originariamente formulado;
Em face da ambiguidade e obscuridade da fundamentação do Acórdão a aclarar, em virtude da contradição supra referida e da própria fundamentação ambígua do Acórdão que fundamenta o impulso processual exigido por lei – requerimento - como mais um ónus resultante da declaração de excecional complexidade, dando assim razão ao recorrente quando afirma a dualidade de critérios no âmbito da produção dos efeitos (“dois pesos e duas medidas”), impõe-se que seja devidamente esclarecido com a indispensável clareza e fundamentação, de facto e de direito, se do texto do Acórdão a aclarar se pode retirar e entender que a fundamentação se situa no plano da aquisição processual do regime de procedimento de excecional complexidade, ou, se pelo contrário a fundamentação também se situa no plano dos efeitos produzidos após a declaração da excecional complexidade, conforme pretende o recorrente e no âmbito do qual vislumbra a inconstitucionalidade invocada, e, neste caso, deverá discriminar a fundamentação concreta do Acórdão que se debruça sobre a matéria invocada pelo recorrente e pronunciar-se sobre a alegada ambiguidade na fundamentação supra referida e explicitar, com clareza, os fundamentos que afastam a inconstitucionalidade invocada, e, em último caso, caso se mostre necessário, em face da supra alegada contradição, deverá o Acórdão ser reformado em conformidade.”
2. O Ministério Público tomou posição pelo indeferimento do pedido de aclaração, dizendo:
1º
“O exaustivamente fundamentado Acórdão n.º 614/2012, é perfeitamente claro.
2º
O ponto 12 do Acórdão, limita-se a dar resposta à afirmação que o recorrente faz, nas Alegações:
“(…) o arguido preso preventivamente que vê os prazos de prisão preventiva substancialmente agravados, de forma automática (…)”
3º
Ora, o que se diz no Acórdão é que não se pode falar de prazos substancialmente agravados de forma automática, quando, para ocorrer o agravamento dos prazos, o procedimento tem de ser previamente qualificado como de excecional complexidade, por decisão judicial, fundamentada.
4.º
Acresce que no Acórdão, imediatamente a seguir, no ponto 13, começa por se dizer: “mesmo que assim não fosse e se reconhecesse a presença de situações iguais tratadas de modo diferente (…)”.
5.º
Concluiu-se, seguidamente, que essa diferença não se mostrava violadora do princípio da igualdade.
6.º
Ou seja, mesmo aceitando a tese do recorrente, sempre a decisão seria uma decisão negativa de inconstitucionalidade.”
Cumpre decidir.
II. Fundamentação
3. O recorrente A. veio pedir o esclarecimento do acórdão n.º 614/2012, o qual conheceu do recurso de constitucionalidade e decidiu pela sua improcedência, pois, na sua ótica, padece de ambiguidade e de obscuridade.
4. De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do artigo 69.º, da Lei 28/82, de 15/11, pode qualquer das partes requerer no tribunal que proferiu a sentença, o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade da decisão ou dos seus fundamentos.
Ocorre obscuridade da decisão quando o seu sentido, em todo ou em parte, for ininteligível, confuso ou de difícil interpretação, ou seja, quando o enunciado não permite descortinar e apreender inequivocamente o que o Tribunal quis dizer.
Por seu turno, a ambiguidade tem lugar quando à decisão, no segmento considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes.
5. O recorrente aponta ambiguidade e obscuridade ao Acórdão n.º 614/2012 a partir da consideração de que não foi equacionada e devidamente apreciada a questão colocada à apreciação do Tribunal Constitucional, na dimensão dos efeitos produzidos pela declaração de excecional complexidade. Nessa leitura dos fundamentos exarados por este Tribunal, haveria “aparente contradição entre a inconstitucionalidade invocada pelo recorrente no âmbito dos efeitos produzidos pela declaração de excecional complexidade do processo e a fundamentação do Acórdão”, contradição geradora de ambiguidade e obscuridade da fundamentação.
Suscita-se, então, contradição extrínseca, tomando como polos o Acórdão n.º 614/2012 e realidade exterior ao seu enunciado, a saber, a visão do recorrente sobre o sentido da questão normativa formulada. Afasta-se, assim, o recorrente da afirmação de incognoscibilidade dos fundamentos, ou sequer de dificuldade interpretativa decorrente dos termos da decisão, mormente por inconciliabilidade entre asserções, impercetibilidade ou duplicidade de sentidos, seja no plano da decisão, seja no plano dos fundamentos.
6. Ora, assim colocado, o pedido de esclarecimento não se dirige à clarificação dos termos da decisão ou dos seus fundamentos; procura, sim, procura interpelar o Tribunal quanto ao mérito da decisão do recurso e suscitar a sua reapreciação, em busca de outro resultado, pretensão que escapa à previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 669.º, do Código de Processo Civil e encontra o obstáculo decorrente do esgotamento do poder jurisdicional quanto à matéria da causa (artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
7. Aliás, para além da cautelar qualificação da contradição avançada como “aparente”, o recorrente reconhece que encontra resposta no Acórdão proferido a todas as dimensões do sentido normativo questionado, em termos que compreendeu e interiorizou sem dificuldade, embora sem adesão, quando escreve:
“Finalmente, e sempre com o devido respeito, a única fundamentação que o recorrente descortina no Acórdão relativamente ao afastamento da oficiosidade na prorrogação do prazo de recurso radica no ‘racional de autorresponsabilização do titular do direito na gestão da defesa dos seus interesses processuais, conferindo-lhe o ÓNUS de requerer a prorrogação dos prazos em seu benefício previstos no nº 6 do artigo 107º, mormente o prazo de recurso’ (sublinhado nosso) e no princípio da realização em tempo útil da justiça penal.
Ora, esta fundamentação, e salvo o decido respeito, só abona a favor das pretensões do recorrente.”
8. Em suma, porque o mecanismo do n.º 1 do artigo 669º, do Código de Processo Civil, permite tão somente obter o esclarecimento de qualquer obscuridade ou ambiguidade que a decisão contenha nos seus termos, e não pode ser utilizado para discutir a bondade da decisão, como aqui pretendido pelo recorrente, cumpre indeferir o pedido.
III. Decisão
9. Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o esclarecimento peticionado pelo recorrente A..
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Notifique.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2013.- Fernando Vaz Ventura – Pedro Machete – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro.
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