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Processo n.º 676/12
2.ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa, a Relatora proferiu a Decisão Sumária n.º 513/2012:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que é recorrente A., S.A. e recorrida Anacom – Autoridade Nacional de Comunicações, foi interposto recurso, em 11 de maio de 2012 (fls. 1240 a 1253), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão proferido, em conferência, pela 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em 24 de abril de 2012 (fls. 1152 a 1220), através do qual foi pedido que se apreciasse a constitucionalidade:
i) «(…) da norma resultante da conjugação dos artigos 113.º n.º 1 alínea bbb) e 84.º n.º 1, ambos da REGICOM, no sentido de que da mesma se retira que constitui infração contraordenacional a possibilidade (prescindindo da prova da sua concretização) de existirem contactos com clientes em pré-seleção durante o período de guarda segundo o sistema e arquitetura de informação e a organização de base de dados da arguida» (cfr. § 42.º, a fls. 1248);
Bem como, a mero título subsidiário:
ii) «(…) da norma contida no artigo 84.º n.º 2 conjugada com o artigo 113.º n.º 1 alínea bbb) do REGICOM» (cfr. § 44.º, a fls. 1248);
E ainda:
iii) Da «(…) interpretação segundo a qual o artigo 75.º do RGCO atribui ao Tribunal da Relação o poder de alterar a qualificação jurídica dos factos sem conceder oportunidade prévia à decisão ao arguido para se pronunciar sobre a referida alteração da qualificação jurídica» (fls. 1252).
Na mesma data de interposição do referido recurso de constitucionalidade, foi arguida a nulidade do referido acórdão (fls. 1233 a 1239), pelo que o Relator junto do tribunal recorrido proferiu o seguinte despacho, em 26 de junho de 2012:
«(…)
3. Interposição de recurso para o Tribunal Constitucional a fls 1240: Será apreciada a sua admissibilidade só após a decisão em conferência da questão atinente à arguida nulidade do acórdão.
Oportunamente, após aquela, abra conclusão.» (fls. 1260)
2. Após indeferimento da arguição de nulidade, mediante novo acórdão, proferido, em conferência, pelo mesmo tribunal e secção, em 03 de julho de 2012 (fls. 1264 a 1267), a recorrente interpôs novo recurso para o Tribunal Constitucional, em 05 de setembro de 2012 (fls. 1299 a 1323), ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC.
A recorrente pretende que seja apreciada a constitucionalidade da norma extraída do artigo 75º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, quando interpretada no sentido de atribuir “ao Tribunal da Relação o poder de alterar a qualificação jurídica dos factos sem conceder oportunidade prévia à decisão ao arguido para se pronunciar sobre a referida alteração da qualificação jurídica – ou podendo discricionariamente escolher os casos em que tal pronúncia é justificável” (cfr. § 35.º, a fls. 1307), por violação do direito fundamental de defesa em processo contraordenacional, consagrado no artigo 32º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do princípio do contraditório em processo sancionatório que, na perspetiva da recorrente, decorre do n.º 5 do artigo 32º da CRP.
A título cautelar, a recorrente mais deu por reproduzido o outro requerimento de interposição de recurso, apresentado em 10 de maio de 2012 (fls. 1240 a 1253), tendo requerido que este Tribunal conhecesse da questão de inconstitucionalidade então colocada, mediante integral reprodução do teor daquele primeiro requerimento.
Na sequência deste novo requerimento de interposição de recurso, o Relator junto do Tribunal da Relação de Lisboa proferiu, em 25 de setembro de 2012, o seguinte despacho:
«1. A arguida A., SA interpôs para o Tribunal Constitucional [recursos] admissíveis e legítimos.
São, aparentemente, incidentes sobre questões idênticas.
Vão no entanto liminarmente admitidos, sem prejuízo da triagem que no TC se entenda dever ser feita nessa matéria.
2. Sobe de imediato nos autos com efeito suspensivo.» (fls. 1325)
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
3. Mesmo tendo o recurso sido admitido por despacho do juiz-relator junto do tribunal “a quo”, proferido a 25 de setembro de 2012 (cfr. fls.1325), com fundamento no n.º 1 do artigo 76º da LTC, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do n.º 3 do mesmo preceito legal, pelo que sempre seria forçoso apreciar o preenchimento de todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos artigos 75º-A e 76º, n.º 2, da LTC.
Sempre que o Relator constate que não foram preenchidos os pressupostos de interposição de recurso, pode proferir decisão sumária de não conhecimento, conforme resulta do n.º 1 do artigo 78º-A da LTC.
4. A título prévio, importa analisar das consequências jurídico-processuais resultantes da interposição de dois requerimentos de interposição autónomos, que foram ambos admitidos – ainda que sob reserva de ulterior apreciação por este Tribunal. Com efeito, por força do n.º 2 do artigo 70º da LTC, os recursos de constitucionalidade previstos na alínea b) – como é o caso dos presentes autos – apenas podem ser interpostos após se encontrar esgotado o poder jurisdicional do respetivo tribunal do qual se pretende recorrer.
Ora, na medida em que a recorrente deduziu um requerimento para arguição de nulidades – que, por conseguinte, obstou ao trânsito em julgado do acórdão proferido em 24 de abril de 2012 –, torna-se evidente que o recurso de constitucionalidade interposto em 11 de maio de 2012 ocorreu antes desse mesmo esgotamento do poder jurisdicional a exercer pelo tribunal recorrido. Razão pela qual se poderia justificar a sua não admissão, pois o prazo do recurso a interpor do acórdão originariamente proferido apenas iniciaria a sua contagem após a notificação do acórdão que conheceu da arguição de nulidade.
De qualquer modo, na medida em que o segundo recurso de constitucionalidade, interposto em 05 de setembro de 2012, reitera as mesmas e exatas questões normativas já colocadas pelo primeiro recurso – uma delas [a relativa à conjugação entre os artigos 113º, n.º 1, alínea bbb) e 84º, n.º 1, do Regime Jurídico das Comunicação Eletrónicas (REGICOM)] por via de reprodução integral, mediante remissão –, nada obsta a que o segundo recurso seja admitido, com consequente apreciação das questões por ele suscitadas.
5. Ao longo de extensas considerações tecidas pela recorrente quanto a uma alegada inconstitucionalidade de interpretação normativa extraídas dos artigos 113º, n.º 1, alínea bbb) e 84º, n.º 1, do REGICOM (cfr. §§ 16.º a 54.º, entre fls. 1243 a 1250, posteriormente reproduzidos pelo recurso interposto entre fls. 1299 a 1309), a recorrente insiste em tecer inúmeras considerações acerca das concretas circunstâncias fácticas que rodearam a questão jurídica decidida pelo tribunal recorrido, muitas vezes, permitindo que se suscitem dúvidas sobre a verdadeira dimensão normativa da questão de inconstitucionalidade que pretende ver agora apreciada por este Tribunal. Com efeito, este Tribunal apenas pode conhecer da constitucionalidade de “normas jurídicas” (artigo 277º, n.º 1, da CRP), pelo que se devem ter por irrelevantes todas as considerações tecidas que digam respeito a uma mera manifestação de discordância quanto ao juízo subsuntivo levado a cabo pelo tribunal recorrido.
Da sua intrincada exposição resulta que, no que diz estritamente respeito a uma alegada inconstitucionalidade normativa extraída da decisão recorrida, a recorrente pretende ver apreciada a constitucionalidade «(…) da norma resultante da conjugação dos artigos 113.º n.º 1 alínea bbb) e 84.º n.º 1, ambos da REGICOM, no sentido de que da mesma se retira que constitui infração contraordenacional a possibilidade (prescindindo da prova da sua concretização) de existirem contactos com clientes em pré-seleção durante o período de guarda segundo o sistema e arquitetura de informação e a organização de base de dados da arguida» (cfr. § 42.º, a fls. 1248).
Sucede, porém, que a decisão recorrida nunca afirmou ser admissível prescindir da prova acerca da manutenção de contactos com clientes durante o período de guarda a que a recorrente estava submetida. Ao invés, expressamente se afirmou que:
«E, finalmente, não esqueçamos o que o tribunal deu como provado quanto à matéria e de onde resulta claramente que aquelas normas de proteção e deliberações abrangiam:
(…)
- num total de 5008 contactos realizados, verificou-se existirem 1049 contactos efetuados durante o período de guarda,´
os contactos efetuados dentro do período de guarda respeitam a campanhas comerciais de venda de produtos ADSI (400 referentes ao concelho da Amadora e 392 referentes aos concelho de Matosinhos, num total de 792 contactos), STF (105 referentes ao concelho da Amadora e 103 referentes aos concelho de Matosinhos, num total de 208 contactos), planos de preços (19 referentes ao concelho da Amadora e 20 referentes aos concelho de Matosinhos, num total de 30 contactos) e indefinido (7 referentes ao concelho da Amadora e 3 referentes aos concelho de Matosinhos, num total de 10 contactos).» (fls. 1208 e 1029)
Pode assim concluir-se que a interpretação normativa que a recorrente extraiu dos artigos 113.º n.º 1 alínea bbb) e 84.º n.º 1, ambos do REGICOM, não corresponde, de modo algum, à interpretação normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida. Na medida em que o artigo 79º-C da LTC determina que este Tribunal só possa conhecer da inconstitucionalidade de normas (ou de interpretações normativas) que tenham sido alvo de efetiva aplicação pelos tribunais recorridos, torna-se legalmente impossível conhecer do objeto do recurso quanto a esta parte.
6. Quanto à pretendida inconstitucionalidade «(…) da norma contida no artigo 84.º n.º 2 conjugada com o artigo 113.º n.º 1 alínea bbb) do REGICOM» (cfr. § 44.º, a fls. 1248), importa apenas notar que a própria recorrente admite que a decisão recorrida não chegou a aplicá-la, apesar de a mesma ter servido de fundamento à aplicação de sanção contraordenacional, por decisão da recorrida.
Ora, na medida em que, por força do artigo 79º-C da LTC, este Tribunal apenas pode conhecer de normas (ou interpretações normativas) que tenham sido efetivamente aplicadas pelos tribunais recorridos, mais não resta do que não conhecer do objeto do recurso quanto a esta parte.
7. Por fim, regista-se uma divergência quanto ao modo e extensão com que a recorrente configurou a terceira questão de inconstitucionalidade normativa, relativa ao artigo 75º do RGIMOS. Com efeito, se no primeiro requerimento de interposição de recurso, a recorrente elegeu como objeto do recurso uma «(…) interpretação segundo a qual o artigo 75.º do RGCO atribui ao Tribunal da Relação o poder de alterar a qualificação jurídica dos factos sem conceder oportunidade prévia à decisão ao arguido para se pronunciar sobre a referida alteração da qualificação jurídica» (cfr. 67.º, a fls. 1252), já no segundo recurso interposto, a mesma recorrente acrescenta àquela dimensão normativa o seguinte segmento: “ou podendo discricionariamente escolher os casos em que tal pronúncia é justificável” (cfr. § 35.º, a fls. 1307). Na medida em que o primeiro recurso de constitucionalidade foi extemporaneamente interposto – pois o poder jurisdicional do tribunal recorrido ainda não se havia esgotado –, deve prevalecer o objeto processual tal como expressamente fixado pelo segundo recurso interposto, ou seja, incluindo o segmento “ou podendo discricionariamente escolher os casos em que tal pronúncia é justificável” (cfr. § 35.º, a fls. 1307).
Ora, mais uma vez, o modo como a recorrente configurou o objeto do presente recurso, quanto a esta terceira questão, também não corresponde à interpretação normativa efetivamente adotada pela decisão recorrida. Em boa verdade, a decisão recorrida nem se limitou a afirmar que o artigo 75º do RGIMOS a autorizava a dispensar, por si só, uma oportunidade de exercício do direito ao contraditório, nem tão pouco sustentou que poderia “discricionariamente escolher os casos em que tal pronúncia é justificável”. Bem pelo contrário, a decisão recorrida demonstrou que, apesar de a decisão de primeira instância se ter fundamentado no n.º 2 do artigo 84º do REGICOM, a recorrente teve oportunidade de antecipar e de contraditar a possibilidade de condenação por força do n.º 1 do mesmo preceito legal. Senão, veja-se:
«Mesmo a entender-se que deveria operar-se, ainda assim, se aplicável o processo de contraordenação, o mecanismo de sinalização para contraditório à semelhança do disposto no artº 358º nº 1 e 3 e 424º nº 3 do CPP, no caso concreto tal não seria justificável, porquanto despiciendo.
Na verdade, lendo a impugnação de recurso facilmente se atentará, sobretudo, no novel requerimento apresentado no início da audiência nesta Relação, para aplicação da lei mais favorável, à alusão pela arguida ao sentido útil da questão de que agora se diz ter sido «ignorada», como se lê, entre outros, por exemplo das posições sinalizadas nos nºs 14, 15, e sobretudo nos nºs 17 e 23 desse articulado, sendo certo que, afinal, para a tese da arguida a punição não operaria tanto por via do nº 2 do artº 84º, como pelo nº 1, como por outra norma qualquer.
Portanto, a defesa sempre esteve consciente plenamente desta questão, não lhe sendo legítimo vir agora piamente alegar «desconhecimento» de tema e controvérsia que sempre bem sabia e da sua posição assumida no processo bem o tornou patente. Foi aliás em parte com essa alusão que também o tribunal se permitiu ter atenção redobrada ao problema e por isso decidiu como se viu.» (fls. 1266 e 1267)
Deste excerto decorre que a decisão recorrida nunca adotou a interpretação normativa que a recorrida reputa de inconstitucional, antes tendo demonstrado que, em função da concreta atuação processual da recorrente nos autos, podia comprovar-se que a mesma já havia discutido a questão jurídica abarcada pela alteração da qualificação jurídica dos factos, pelo que, só por isso, não se justificava, naquele específico caso concreto, a abertura de uma nova fase de audição da recorrente.
Como tal, face à manifesta dissemelhança entre a interpretação normativa que a recorrente elegeu como objeto do recurso e aquela efetivamente aplicada, impõe-se concluir pela impossibilidade de conhecimento do objeto do recurso, também quanto a esta parte.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de fevereiro, decide-se não conhecer do objeto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7 UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.»
2. Notificada da decisão, a recorrente apresentou reclamação, cujos termos ora se resumem:
«(…)
III. FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO
49.º Analisando os argumentos invocados na Decisão Sumária, a PTC não pode deixar de salientar, a título introdutório, a referência ao “apego” da Recorrente ao caso concreto.
50.º Com efeito, vem, a título introdutório, indicar-se na Decisão Sumária que “a recorrente insiste em tecer inúmeras considerações acerca das concretas circunstâncias fácticas que rodearam a questão jurídica decidida pelo tribunal recorrido (…), pelo que se devem ter por irrelevantes todas as considerações tecidas que digam respeito a uma mera manifestação de discordância quanto ao juízo subsuntivo levado a cabo pelo tribunal recorrido”.
51.º Pela natureza das coisas, a censura que se impõe num recurso para o Tribunal Constitucional, cujo objeto é a interpretação normativa aplicada ao caso concreto e que, neste caso, foi feita pelo Tribunal do Comércio de Lisboa e pelo Tribunal da Relação de Lisboa, tem sempre subjacente uma censura do recorrente à atuação do Tribunal.
52.º E uma censura à atuação do Tribunal, na medida em que este aplicou ao caso concreto normas (ou interpretações normativas) que, no entender da Recorrente, não passam no crivo da constitucionalidade.
53.º Tal não significa, porém, que a Recorrente pretenda, por via do presente recurso, obter o reexame pelo Tribunal Constitucional das próprias decisões judiciais (com fundamento na sua violação direta da Constituição, dado que a Recorrente bem sabe que o nosso sistema de justiça constitucional não prevê o denominado “recurso de amparo”).
54.º Na verdade, como a PTC sempre defendeu, e demonstrou, o objeto do presente recurso não é a decisão do Tribunal, mas as normas subjacentes à mesma, mais concretamente, a interpretação e a aplicação que das mesmas foi feita quer pelo Tribunal de Comércio, quer pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em última instância.
(…)
55.º Por outro lado, e ainda a título introdutório, importa igualmente salientar que, caso tivesse sido seguida uma interpretação conforme à Constituição das normas aplicadas, a solução do caso concreto teria sido diferente e a PTC não teria sido sancionada,
56.º pelo que a procedência do presente recurso teria, portanto, o efeito útil de repor a justiça que não foi feita em última instância, porque não se consideraram os princípios constitucionais mais básicos na interpretação normativa que se aplicou para decisão do caso concreto.
(…)
57.º Vejamos então os argumentos avançados na Decisão Sumária com os quais a PTC não concorda, crendo que, após os esclarecimentos de seguida apresentados, a decisão de não admissão do seu recurso será revertida.
58.º A primeira questão de inconstitucionalidade suscitada pela PTC foi a decorrente da interpretação normativa segundo a qual não é necessário efetuar a prova de que os contactos a clientes em pré-seleção durante o período de guarda tenham ocorrido com as finalidades constantes das deliberações do ICP-ANACOM em matéria de winback, preenchendo-se o tipo contido nos artigos 113.º n.º 1 alínea bbb) e 84.º n.º 1 ambos do REGICOM com a mera possibilidade de existirem tais contactos segundo o sistema e a arquitetura de informação e a organização de base de dados da Arguida.
59.º Entendeu-se na Decisão Sumária sobre esta questão que “a decisão recorrida nunca afirmou ser admissível prescindir da prova acerca da manutenção de contactos com clientes durante o período de guarda a que a recorrente estava submetida”,
60.º na medida em que constaria do texto do Acórdão Recorrido que o Tribunal teria dado como provado que “num total de 5008 contactos realizados, verificou-se existirem 1049 contactos efetuados durante o período de guarda”.
61.º É verdade que o Acórdão do Tribunal da Relação refere isto mesmo.
62.º Contudo, tal Acórdão não diz que tenham ficado provados quaisquer factos – porque, efetivamente, não foram dados como provados quaisquer factos sobre esse tema – sobre a finalidade dos contactos realizados.
63.º Sucede, porém, que o ilícito pelo qual a PTC foi acusada e condenada respeita ao alegado incumprimento das obrigações decorrentes das deliberações do ICP-ANACOM que impõem que a empresa com poder de mercado significativo não realize contactos com clientes com a finalidade de lhes venderem serviço fixo de telefone durante o período de guarda, não impedindo outros contactos nesse período, com diferentes finalidades, nem impede que os próprios clientes, por sua iniciativa, contactem a referida empresa.
64.º Ora, muito embora conste que foram provados pelo Tribunal do Comércio contactos de diversos tipos com clientes em pré-seleção, não ficou provado que tais contactos tenham sido efetuados com a finalidade de recuperar clientes e, portanto, como sendo proibidos pelas deliberações do ICP-ANACOM, em matéria de winback.
65.º E foi nesta matéria que, efetivamente, o Tribunal da Relação prescindiu da prova de factos que são integradores do tipo contraordenacional.
18.º Com efeito entendeu o Tribunal da Relação de Lisboa, ao contrário do que se refere na Decisão Sumária, que “tendo em conta as deliberações em causa e a preservação dos mecanismos de cumprimento, não seria de todo necessário saber, ao contrário do que diz a recorrente, se houve clientes (e quantos) em pré-seleção e período de guarda contactados, mas no mínimo se essa possibilidade existia segundo o sistema e arquitetura de informação e a organização de base de dados da arguida. Seria de todo impensável que a não prova do tipo de contactos (para outro tipo de ações comerciais) dada a sua tipologia e confidencialidade pudesse obstacularizar a inspeção ao cumprimento das deliberações ICP-ANACOM)” (destacado nosso).
66.º Ora, é esta interpretação que a Recorrente não pode aceitar, não só por ser violadora do princípio da tipicidade – porque a finalidade do contacto integra o tipo contraordenacional -
67.º como também o princípio da presunção de inocência dado que o Tribunal da Relação até admite literalmente que “Seria de todo impensável que a não prova do tipo de contactos (para outro tipo de ações comerciais) dada a sua tipologia e confidencialidade pudesse obstacularizar a inspeção ao cumprimento das deliberações ICP-ANACOM)”.
68.º Ou seja, segundo este Tribunal da Relação, seria impensável a acusação ter de provar que o contacto foi feito com a finalidade que a lei proíbe quando o tipo contraordenacional é efetuar contactos com finalidades comerciais de recuperação de clientes, com venda de serviço fixo de telefone.
69.º Não se deixe este Tribunal Constitucional iludir quanto à referência da suposta confidencialidade do tipo de contactos que é invocada pelo Tribunal da Relação, porquanto bastaria ter perguntado à Arguida e às testemunhas ouvidas a finalidade de cada contacto para a questão ser respondida.
70.º Não existe qualquer norma que impeça a PTC ou as testemunhas de informar os Tribunais sobre as finalidades de cada contacto efetuado para cada concreto cliente.
71.º É por todas estas razões que a interpretação do Tribunal da Relação da norma resultante da conjugação dos artigos 113.º n.º 1 alínea bbb) e 84.º n.º 1 ambos do REGICOM, no sentido de que da mesma se retira que constitui infração contraordenacional a possibilidade (prescindindo da prova da sua concretização) de existirem contactos com clientes em pré-seleção durante o período de guarda segundo o sistema de arquitetura de informação e a organização de base de dados da Arguida,
72.º corresponde a uma interpretação inconstitucional por consistir na violação do artigo 29.º n.º 1 da CRP.
73.º Não se conforma também a PTC com a argumentação aduzida na Decisão Sumária sobre a questão de inconstitucionalidade do artigo 75.º do RGCO.
74.º Entendeu-se nessa Decisão que a interpretação normativa efetivamente adotada no Acórdão do Tribunal da Relação não permitiria suscitar a questão de inconstitucionalidade como o fez a PTC, por considerar que o Tribunal da Relação justificou o facto de não ter dada oportunidade à PTC para se pronunciar sobre a alteração da qualificação jurídica.
75.º Porém, não pode a PTC aceitar que tal justificação invalide a necessidade de previamente dever ter sido dada à PTC a possibilidade de se pronunciar expressamente sobre a nova qualificação jurídica (como a lei expressamente impõe) ainda que a PTC tenha aflorado a hipótese de poder estar em causa a suposta violação do n.º 1 do artigo 84.º do REGICOM e não do n.º 2,
76.º tanto mais que nos parece que não bastaria uma mera informação de que o Tribunal da Relação pretenderia qualificar de forma diferente o comportamento da PTC, sendo necessário fundamentar esse seu juízo de alteração da qualificação jurídica para que a Arguida sobre ele pudesse pronunciar-se.
77.º Aliás, foi por manter a sua perspetiva quanto à inconstitucionalidade de tal norma, ainda que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha considerado que a PTC tinha tido oportunidade de contraditar a possibilidade de condenação do n.º 1 do artigo 84.º do REGICOM, que a PTC aditou a expressão “discricionariamente escolher os casos em que tal pronúncia é justificável”.
78.º Na verdade, foi isso mesmo que o Tribunal da Relação fez: decidiu discricionariamente que no caso em apreço a Arguida não tinha de ser notificada para se pronunciar previamente à decisão que lhe pretendia aplicar uma coima com base numa qualificação jurídica nova.
79.º Só que a lei não admite que seja o Tribunal a escolher em que situações é que deve ser concedida a oportunidade ao arguido para se pronunciar sobre a alteração da qualificação jurídica, antes impondo sempre e sem exceções que tal notificação seja efetuada porque assim o impõe, naturalmente, o direito constitucional de defesa e o direito ao contraditório do arguido (artigo 32.º n.ºs 5 e 10 da Constituição da República Portuguesa).
70.º Nessa medida, julga a PTC que fica demonstrado claramente que o Tribunal da Relação aplicou o artigo 75.º do RGCO e aplicou-o sem conceder previamente à Recorrente a oportunidade processual de se pronunciar sobre a alteração da qualificação jurídica.
71.º Note-se que é necessário apenas que a questão de inconstitucionalidade tenha sido suscitada e que o Tribunal aplique a norma cuja inconstitucionalidade se invocou (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 108.º a 296.º”, Volume II, 4.ª Edição Revista, Coimbra, Coimbra Editora, Lda., agosto de 2010, p. 944).
72.º Se a apreciação de um recurso pelo Tribunal Constitucional dependesse de o Tribunal Recorrido apreciar e decidir expressamente a questão da inconstitucionalidade, bastaria que os Tribunais não decidissem expressamente as questões para, por se estar em última instância, se tornar impossível aceder ao Tribunal Constitucional,
73.º o que, além do mais, constituiria violação do disposto no artigo 13.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
74.º Por último, atento o facto de “[a]o contrário da fiscalização abstrata, a fiscalização concreta é desconcentrada, cabendo a todos os tribunais (art. 204º). De resto, na fiscalização concreta, o TC só intervém a título de instância de recurso das decisões de outros tribunais (…). Não existe um recurso direto de inconstitucionalidade para o TC. É necessária a intermediação de outro tribunal, aliás a título sempre incidental”, (cfr. J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa Anotada – Artigos 108.º a 296.º”, Volume II, 4.ª Edição Revista, Coimbra, Coimbra Editora, Lda., agosto de 2010, p. 940)
75.º vem requerer-se que esse Alto Tribunal aprecie as questões de constitucionalidade suscitadas pela PTC.
76.º A nível nacional, o guardião dos direitos fundamentais é o Tribunal Constitucional, pelo que se espera que este Tribunal aprecie o presente recurso por estarem em causa princípios fundamentais, erigidos, aliás, como princípios universais nos artigos 6.º e 7.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem que aqui deve ser tida em conta considerando igualmente a jurisprudência que aplica estes artigos no sentido proposto pela Arguida.»
3. Devidamente notificada para o efeito, a recorrida apresentou a seguinte resposta à reclamação:
«A recorrente suscitou 3 questões de constitucionalidade e recorreu para este Tribunal, uma vez antes, e outra depois, do trânsito em julgado do acórdão do Tribunal recorrido.
a) A primeira questão seria a «(…) da norma resultante da conjugação dos artigos 113.º n.º 1 alínea bbb) e 84.º n.º 1, ambos da REGICOM, no sentido de que do mesma se retira que constitui infração contraordenacional a possibilidade (prescindindo da prova da sua concretização) de existirem contactos com clientes em presseleção durante o período de guarda segundo o sistema e arquitetura de informação e a organização de base de dados da arguida».
A ideia de que o Tribunal recorrido se bastou com a possibilidade de existirem contactos sem que se tivesse provado um único (prescindindo da prova de que esses contacto tenham existido, diria a reclamante) só se explica por um lapso manifesto desta.
É que se provaram 1049 contactos durante o período de guarda. (cfr. acórdão recorrido a fls. 58 / fls. 1208 dos autos.
1049 contactos provados e a reclamante afirma que não se provou nenhum (ou, se assim se preferir, mas é o mesmo — qua a decisão recorrida dispensou a prova do facto ilícito por via de uma sua bizarra interpretação normativa contrária à constituição).
Sobre esta primeira questão lê-se a fls. 6 na decisão reclamada o seguinte:
“Sucede, porém, que a decisão recorrida nunca afirmou ser admissível prescindir da provo acerca da manutenção de contactos com clientes durante o período de guarda a que a recorrente estava submetida. Ao invés, expressamente afirmou [...]. Pode assim concluir-se que a interpretação normativa que a recorrente extraiu […] não corresponde, de modo algum, à interpretação normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida.
Ou seja, aquela interpretação de que a recorrente recorre é uma construção mental sua. Não existe tal coisa na sentença. O recurso não poderia pois quanto a esta parte ser admitido.
Agora, na sua reclamação esclarece que, o que afinal estava em causa, seria a não verificação da previsão da norma ordinária, ou seja há afinal, um pretenso erro de julgamento que, devidamente torcido, se transmuta em interpretação normativa inconstitucional.
Concretamente, a violação da presunção da inocência e da tipicidade resultariam do Tribunal ter prescindido da prova de factos integradores do tipo (de acordo com o particular entendimento da recorrente do que devam ser esses atos integradores), o que redunda em suposto erro judiciário se a interpretação de norma ordinária dever ser aquela que a recorrente defende, mas não em inconstitucionalidade por não ser ver um lugar algum do douto acórdão qualquer pronúncia que permita concluir que o Tribunal tenha agido na convicção de ter a competência para prescindir da prova de factos típicos de contraordenações (cfr. Art.s 73.º e ss. da reclamação).
E se tal interpretação não ocorre no acórdão não pode este Tribunal apreciá-la. Não se pode apreciar o que não existe.
b) A segunda questão resultaria da interpretação «(…) da norma contida no artigo 84.º n.º 2 conjugada com o artigo 113.º n.º 1 Alínea bbb) do REGICOM».
Mas tal norma não só não foi aplicada pelo Tribunal recorrido, como o próprio Tribunal recorrido se pronunciou sobre a sua aplicabilidade ao caso, concluindo que a mesma não era aplicável.
E nem consta que em algum momento a ora recorrente haja reclamado a aplicação daquela norma pelo que não se imagina sequer como pode este Tribunal pronunciar-se sobre uma “interpretação normativa” do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa de uma norma que este tivesse aplicado, se este expressamente considerou que tal norma inaplicável e não a aplicou.
Mais uma vez, a recorrente propõe um objeto de recurso impossível, a que já não alude na sua reclamação, parecendo que se conformou com a decisão reclamada nessa parte.
c) A terceira questão resultaria da «(...) interpretação segundo a qual o artigo 75.º do REGICOM atribuir ao Tribunal da Relação o poder de alterar a qualificação jurídica dos factos sem conceder oportunidade prévia à decisão ao arguido paro se pronunciar sobre a referida alteração da qualificação jurídica».
Debalde se procurará alguma pronúncia do Tribunal recorrido em que se defenda tal doutrina, porque também a não há.
Muito pelo contrário, o que resulta é que o Tribunal entendeu ser-lhe necessário verificar se a arguida tivera já oportunidade de se pronunciar sobre essa alteração, tendo constatado que, espontaneamente, a arguida o tinha já feito, alterou a qualificação jurídica dos factos sem ter querido ouvir, outra vez, a arguida e ora recorrente.
Se o Tribunal entendeu existir esta necessidade de contraditório prévio à alteração da qualificação jurídica, se se pronunciou no sentido de considerar verificado esse contraditório antes de se permitir a referida alteração de qualificação, fica sem se entender como é que a ora recorrente logrou concluir que a interpretação normativa do Tribunal fosse aquela que esta lhe assaca.
Este objeto de recurso é também, como os demais, um objeto inexistente, pelo que a decisão sumária da senhora Juíza Conselheira Relatora nunca poderia ser diferente daquilo que foi.
Na sua reclamação a reclamante vem ainda trocar um objeto inexistente por outro objeto inexistente, esclarecendo, no Art. 85.º da sua reclamação que “Aliás, foi por manter a sua perspetiva quanto à inconstitucionalidade de tal norma, ainda que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha entendido que a PTC tenha tido oportunidade de contraditar a possibilidade de condenação do n.º 1 do artigo do REGICOM, que o PTC aditou a expressão “discricionariamente escolher os casos em que tal pronúncia é justificável”.
De modo algum aquele Tribunal se permitiu não ouvir a arguida previamente à decisão ou defendeu que poderia discricionariamente escolher os casos em que a poderia, ou a qualquer arguido, ouvir ou no ouvir — o que fez, foi escolher o modo como essa audição se poderia processar. Ora, escolher o modo como algo se faz é, querer que algo se realize.
Continua pois a reclamante a edificar realidades alternativas...
Aqui chegados, conclui-se que a recorrente tem um entendimento peculiar sobre o que seja uma interpretação normativa inconstitucional que se enquadra mal com o disposto nos Art.s 70.º n.º. 1 e 79.º.C da Lei 28/82, de 15 de novembro.
Como pode a reclamante afirmar que “caso tivesse sido seguida uma interpretação conforme à Constituição das normas aplicadas, a solução do caso teria siso diferente e a PTC não teria sido sancionada” (cit. Art. 59.º da reclamação), se as supostas desconformidades que indica não se encontram na sentença? Terão sido outras as inconstitucionalidades? Então quais?
O que parece, com o devido respeito, é que a reclamante não admitindo que uma decisão que lhe fosse desfavorável pudesse ser menos que violadora da constituição, não admitindo que uma interpretação das normas que divergisse da sua no fosse desconforme à constituição, tem por certo e seguro que a constituição foi violada pois que lhe foram desfavoráveis quer a decisão final quer a decisão sobre a reclamação de nulidade para o Venerando Tribunal recorrido.
Só assim se entende a presente reclamação em que como demonstração da pretensa inconstitucionalidade das normas nada melhor a reclamante tenha entendido alegar que pretensos erros de julgamento por violação de direito ordinário e as mesmas pretensas nulidade, que estendeu agora à própria relatora, afastando-se ainda mais, de qualquer vestígio de discussão sobre interpretações inconstitucionais de normas.» (fls. 1358 a 1364)
Posto isto, importa apreciar e decidir.
II – Fundamentação
4. Tendo em conta que a ora reclamante não deduz qualquer pedido de alteração da decisão sumária quanto à decisão relativa à (manifesta) ausência de aplicação de alegada interpretação inconstitucional extraída do artigo 84º, n.º 2, conjugado com o artigo 113º, n.º 1, alínea bbb), do REGICOM (cfr. § 44.º, a fls. 1248), vejamos qual a procedência dos argumentos ora apresentados com vista à reforma da decisão sumária, apenas quanto às primeira e terceira questões de inconstitucionalidade normativa que constituem objeto do presente recurso.
Note-se, antes de mais, que, em sede de reclamação para a conferência, vem a reclamante acrescentar uma dimensão interpretativa que não consta do requerimento de interposição de recurso. Com efeito, ali se fixou o objeto do presente recurso em torno de saber se padeceria de inconstitucionalidade uma interpretação «(…) da norma resultante da conjugação dos artigos 113.º n.º 1 alínea bbb) e 84.º n.º 1, ambos da REGICOM, no sentido de que da mesma se retira que constitui infração contraordenacional a possibilidade (prescindindo da prova da sua concretização) de existirem contactos com clientes em pré-seleção durante o período de guarda segundo o sistema e arquitetura de informação e a organização de base de dados da arguida» (cfr. § 42.º, a fls. 1248) por via da presente reclamação, vem agora a recorrente acrescentar que o que pretendia ver sindicada era uma interpretação daqueles preceitos legais no sentido de que “muito embora conste que foram provados pelo Tribunal do Comércio contactos de diversos tipos com clientes em pré-seleção, não ficou provado que tais contactos tenham sido efetuados com a finalidade de recuperar clientes e, portanto, como sendo proibidos pelas deliberações do ICP-ANACOM, em matéria de winback” (cfr. § 64).
Em primeiro lugar, esta nova configuração do objeto do recurso nem sequer se afigura como puramente normativa e denuncia, aliás, o reiterado apego da reclamante a questões de prova de factos, cujo conhecimento, por via de recurso de constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional. Em segundo lugar, se a reclamante pretendia que este Tribunal apreciasse uma interpretação normativa extraída dos artigos 84º, n.º 1, e 113º, n.º 1, alínea bbb) do REGICOM, no sentido de que o tribunal competente para conhecer da impugnação da sanção contraordenacional podia prescindir da prova da finalidade específica e individualizada de cada contacto com os clientes, deveria tê-lo feito na sua sede própria, ou seja, no requerimento de interposição de recurso. Não pode, depois de ter disposto da oportunidade e liberdade processual, de fixar o objeto do recurso, vir, mais tarde, em sede de reclamação, alterá-lo. Em terceiro e último lugar, mesmo que se admitisse esta nova configuração do objeto do recurso – o que não se concede e por mera exaustão de fundamentação se pondera –, sempre se diria que nem sequer corresponde à tramitação vertida nos autos recorridos que a decisão recorrida não tenha dado por provada a finalidade de contacto com os clientes. O que sucede foi que a decisão recorrida considerou provada essa finalidade específica com base no “princípio da livre apreciação da prova” (artigo 127º do CPP), de acordo com o qual o tribunal competente pode formar a sua convicção acerca da prova dos factos com recurso às habituais regras da experiência. Ora, a decisão recorrida, partindo das condições específicas do “sistema e arquitetura de informação e a organização de base de dados da arguida”, concluiu que havia uma possibilidade suficientemente forte que justificava a prova dos factos que lhe foram imputados.
Em suma, reitera-se que a primeira interpretação normativa não corresponde à que foi acolhida pela decisão recorrida, visto que ela nunca considerou ser admissível prescindir da prova da existência de contactos proibidos com os anteriores clientes da reclamante. Por isso, ao abrigo do artigo 79º-C da LTC, mais nada resta que concluir pela impossibilidade de conhecimento daquele objeto do recurso.
5. Quanto à segunda questão, é a própria reclamante quem, no § 77º da respetiva reclamação vem admitir que o tribunal recorrido entendeu que a mesma não podia deixar de ser ouvida: “Aliás, foi por manter a sua perspetiva quanto à inconstitucionalidade de tal norma, ainda que o Tribunal da Relação de Lisboa tenha considerado que a PTC tinha tido oportunidade de contraditar a possibilidade de condenação do n.º 1 do artigo 84.º do REGICOM, que a PTC aditou a expressão “discricionariamente escolher os casos em que tal pronúncia é justificável” (com sublinhado nosso). No fundo, trata-se de uma mera divergência quanto ao momento específico em que a reclamante deveria ter sido ouvida pelo tribunal recorrido, mas não de um problema de recusa de direito ao contraditório.
Conforme já demonstrado pela decisão ora reclamada, a decisão recorrida nunca adotou a interpretação normativa reputada de inconstitucional, já que apenas considerou que, em função da concreta atuação da reclamante nos autos recorridos – pois a mesma teria tido oportunidade de pronunciar-se sobre as mesmas e exatas questões que foram objeto de alteração da qualificação jurídica –, não se justificaria a abertura de uma nova fase de audição, em homenagem ao “princípio da dispensa de atos processuais inúteis”. Por conseguinte, quanto à terceira questão de inconstitucionalidade normativa, conclui-se nos mesmos termos da decisão reclamada, ou seja, no sentido de que ela não pode ser conhecida por não corresponder à interpretação normativa efetivamente aplicada pela decisão recorrida (artigo 79º-C da LTC).
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de outubro.
Lisboa, 31 de janeiro de 2013. – Ana Maria Guerra Martins – João Cura Mariano – Joaquim de Sousa Ribeiro
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