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Processo n.º 735/12
3.ª Secção
Relatora: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que são recorrentes 1) A. 2) B., C., D., E., F. e G., e recorrido o MINISTÉRIO PÚBLICO, o primeiro vem interpor recurso, ao abrigo das normas dos «artigos 69.º, 70.º n.º 1 al. b), n.º 2 e 3, 71º, 75º e 75º-A», da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (LTC) e os demais recorrentes vêm interpor recurso ao abrigo do «artigo 70º n.º 1-b)» da mesma Lei, do acórdão proferido, em conferência, pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 14 de Agosto de 2012 (cfr. fls. 11650 a 11658).
2. Os recorrentes interpuseram recurso para este Tribunal com os seguintes fundamentos.
2.1 O primeiro recorrente, A., nos termos seguintes (cfr. fls. 11672 a a 11684):
«(…) 1 - A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a do artigo 107.° n.º 6 do Código de Processo Penal, conjugada com os arts. 103° nºs 1 e 2-a), 104°, e 411° n°s 1-b), 2, 3 e 4 do C.P.P.; 144° n°s 1 e 2, 145° n° 3, e 677° do C.P.C. e 12° e 122° n°s 1 e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), no entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de 1ª instância, ao abrigo do art. 107° no 6 do C.P.P., quando o Tribunal de recurso entenda que a 1ªinstância aplicou erroneamente tal norma legal, e entenda que mesmo com a prorrogação, o prazo máximo do recurso seria 30 das, tal entendimento é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo, bem como do direito ao recurso e das garantias de defesa consagradas nos art.°s 203.°, 20.° n.° 1 e 32.° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. (…)».
O recorrente afirma ainda que suscitou a questão de constitucionalidade no requerimento de fls. 11211 a 11219:
«(…) 34 – Face ao supra exposto, e por se entender que a interpretação do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra é inconstitucional ter sido arguida, tempestivamente, nomeadamente no requerimento de fls. 11211/11219, se requer que seja admitido o presente recurso, com as naturais consequências legais (…).».
2.2 O segundo e os demais recorrentes, B. e outros, nos termos seguintes (cfr. fls. 11700 a 11712):
«(…) I-CRONOLOGIA (…)
II - O ENTENDIMENTO NORMATIVO EM APREÇO
20º
Segundo o acórdão recorrido, o art. 107° n° 6 do C.P.P. limitar-se-ia a admitir a prorrogação do prazo de 20 dias previsto no art. 411° n° 1 e 3 do C.P.P. até 30 dias, querendo com isto dizer que só se poderia fixar no conjunto um prazo máximo de 30 dias. E que, havendo reapreciação da matéria de facto com recurso à prova gravada, o prazo também no poderia exceder 30 dias. Em qualquer caso, nunca o prazo poderia exceder 30 dias.
21°
Os Recorrentes entendem que a interpretação da lei, efetuada pelo acórdão recorrido, está errada, mas, como é evidente, não é isso que constitui o objeto do presente recurso,
22°
o qual, antes versa sobre uma dada interpretação normativa que viola — ressalvado o devido respeito, em termos até chocantes — princípios constitucionais elementares.
23°
No presente recurso, está em causa a interpretação normativa, adotada pelo acórdão recorrido da Re1aço de Coimbra, que decorre das passagens acima transcritas nos arts. 16° a 19° deste requerimento e de onde é extraída a tese da extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de 1a instância, ao abrigo do art. 107° n° 6 do C.P.P.
24°
Tal interpretação normativa — expressa ou implícita — dada aos arts. 103° nºs 1 e 2-a), 104°, 107° n° 6 e 411° nos 1-b), 2, 3 e 4 do C.P.P.; 144° n°s 1 e 2, 145° nº 3, e 677° do C.P.C., e 12° e 122° n°s 1 e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n° 3/99, de 13/01, conjugadamente considerados (total ou parcialmente), no sentido em que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de 1a instância, ao abrigo do art. 107° n° 6 do C.P.P., quando o tribunal de recurso entenda que a 1ª instância aplicou erroneamente tal norma legal, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo, bem como do direito ao recurso e das garantias de defesa consagradas no art. 32° n° 1 da CRP.
25°
Tal inconstitucionalidade foi arguida nos requerimentos dos Recorrentes supra referidos nos n°s 13 e 14, tal como já o tinha sido no recurso efetuado para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. supra n° l1).
26°
O acórdão recorrido não se pronuncia expressamente sobre a inconstitucionalidade arguida, mas é indubitável que o faz implicitamente, tendo em conta que a inconstitucionalidade fora suscitada e a Relação de Coimbra discorre abundamente sobre o texto constitucional, concluindo que, em nenhuma situação ou sob qualquer perspetiva, se pode adotar um entendimento normativo que valide um prazo fixado por despacho judicial que ultrapasse, para este efeito, um prazo máximo de 30 dias.
27°
É pois inequívoco que o entendimento adotado teve em conta a inconstitucionalidade tempestivamente arguida.
28°
Por mera cautela, caso assim se não entenda, então deve considerar-se arguida a nulidade do acórdão ora recorrido por omissão de pronúncia quanto a essa questão concretamente suscitada.
29°
O presente recurso é interposto ao abrigo do art. 70º n° 1-b) da LTC.
Termos em que o presente recurso deve ser admitido, com as legais consequências. (…)».
II - Fundamentação
3. Dos documentos juntos aos autos, tem-se por assente, com relevância para a decisão, o seguinte:
3.1 Por decisão proferida em 1.ª instância pelo Tribunal Judicial de Mangualde, o primeiro, o segundo e os demais recorrentes foram condenados nas seguintes penas: A. na pena única de dezassete anos de prisão, B. na pena conjunta de doze anos de prisão, C. na pena de três anos e oito meses de prisão, suspensa por igual período, D., E., Maria Alexandra Simões Guedes e G., cada um na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa por igual período.
3.2 Em resposta ao requerimento dos arguidos B., E. e outros, relativo ao alargamento do prazo de interposição de recurso (cfr. fls. 9858-9859 e 11239-11240), o tribunal de 1.ª instância decidiu, por despacho de 15/09/2010, não recorrido, o seguinte (cfr. fls. 9868 e 11238):
«(…) A excecional complexidade do processo foi declarada por despacho de fls. 5222/5223 (vol. XV), termos em que se fundamentou o alargamento do prazo máximo de duração da prisão preventiva do arguido A.. Os fundamentos desse qualificativo mantêm-se (número de arguidos, extensão da matéria de facto e do acórdão final, numerosas provas, seja documental ou testemunhal), pelo que, nos termos do disposto no art. 107º, n.º 6 do CPP, prorrogo de 20 para 30 dias o prazo de recurso previsto no art. 411º, n.º 1 e 3 do CPP, sem prejuízo do alargamento do prazo em mais 10 dias no caso de o recurso ter por objeto a reapreciação da prova gravada. (…)».
3.3 Os ora recorrentes interpuseram recurso da decisão condenatória para o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), o qual foi admitido.
O TRC, em 9/02/2011, proferiu Decisão Sumária pela qual rejeitou os recursos por intempestividade, considerando não ter sido interposto, nos termos legais, recurso para reapreciação da prova gravada, pelo que o prazo de interposição do recurso era de 30 dias – 20 dias nos termos do art.º 411.º, n.ºs 1 e 3 do CPP acrescido de 10 dias em conformidade com o despacho de 15/09/2010 (cfr. fls. 11010-11018).
Os arguidos e ora recorrentes reclamaram para a Conferência, tendo o TRC, por acórdão de 11/05/2011, indeferido a reclamação, com o fundamento (diverso) seguinte (cfr. fls.11407 a 11410):
« (…) No estádio atual do ordenamento jurídico nacional, o prazo máximo de recurso de qualquer decisão judicial nunca poderá exceder 30 (trinta) dias, como claramente resulta da dimensão normativa decorrente dos arts. 411.°, ns. 1, 3 e 4, e 107.°, n.º 6, do Código de Processo Penal1, já que est’último inciso (n.º 6 do art.° 107.°) apenas excecionalmente — quando o procedimento se revelar de excecional complexidade — permite a prorrogação até àquele — limite de 30 (trinta) dias dos prazos de 20 (vinte) dias prevenidos nos nºs. l e 3 do citado art.° 411.°, nenhuma outra modificação consentindo quanto ao especial, da mesma ordem de grandeza — de 30 (trinta) dias, já excecionalmente prolongado, atinente a recursos cujo objeto consista na impugnação do julgado factual, fundada em específico conteúdo probatório que se encontre gravado, em estrita conformidade com a disciplina jurídica-processual postulada pelos nºs. 1, 3 e 4, do C. P. Penal —, conferido pelo n.º 4 do mesmo dispositivo (art.° 411.°), cuja eventual/arbitrária alteração por decisão judicial, porque invasiva da exclusiva competência legislativa sobre a matéria da Assembleia da República, se haverá axiomaticamente por inconstitucional e juridicamente inexistente, [cfr., máxime, arts. 165.°, n.º 1, al. c), 203.° e 204.°, da Constituição Nacional].(…)».
3.4 Os arguidos interpuseram recurso do Acórdão do TRC de 11/05/2011 para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), o qual não foi admitido por despacho do TRC – tendo o processo sido, a partir daqui, dividido e seguido tramitação autónoma um, quanto ao ora primeiro recorrente (A.) e outro quanto aos ora segundo e demais recorrentes.
Da decisão não admissão proferida pelo TRC reclamaram os arguidos e ora recorrentes para o Presidente do STJ.
3.4.1 No processo do ora primeiro recorrente, a reclamação foi indeferida pelo Vice-Presidente do STJ, pelo que aquele recorreu desta decisão para o Tribunal Constitucional, o qual proferiu o Acórdão n.º 107/2012 (disponível, tal como os demais adiante citados, em http://www.tribunalconstitucional.pt).
Este acórdão, concedendo parcial provimento ao recurso, decidiu «(…) julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º n.º 1 da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1.ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão (…)».
3.4.2 No processo dos ora demais recorrentes, a reclamação foi igualmente indeferida pelo Vice-Presidente do STJ, pelo que aqueles interpuseram também recurso para este Tribunal, que proferiu o Acórdão n.º 191/2012.
Este Acórdão decidiu «estender à presente lide o efeito de caso julgado da decisão proferida no Acórdão n.º 107/2012», concedendo provimento ao recurso.
3.5 Em consequência dos Acórdãos n.ºs 107/2012 e 191/2012, o Vice-Presidente do STJ reformou as suas decisões anteriores, nos termos seguintes:
«Deste modo, no cumprimento nos seus precisos termos, da decisão do Tribunal Constitucional, reforma-se a decisão da Reclamação, decidindo em conformidade que a inadmissibilidade do recurso não poderia ter sido determinada sem ter sido dada ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório previamente à decisão de rejeição do recurso da 1.ª instância.
Consequentemente, em execução do acórdão do Tribunal Constitucional, o processo deve baixar à Relação para que proceda em conformidade com o julgamento de inconstitucionalidade».
3.6 Em cumprimento do decidido pelo Vice-Presidente do STJ, o Desembargador Relator no TRC, por despacho de 9/05/2012 (cfr. fls 11561-11562), mandou notificar os arguidos A. e B. (ora primeiro e segundo recorrentes) para se pronunciarem «(…) da eventualidade da Relação (re)ponderar a extemporaneidade dos respetivos recursos do acórdão condenatório por ultrapassagem do limite máximo dos correspondentes prazos legais, prevenidos pela dimensão normativa integrada pelos dispositivos ínsitos sob os arts. 411.°, nºs. 1, al. b) e c), 2, 3 e 4, e 107.°, n.º 6, do Código de Processo Penal (…)» e, por despacho de 18/07/2012, mandou notificar os restantes arguidos (e ora demais recorrentes), nos mesmos termos e para os mesmos efeitos (cfr. fls 11607-11608).
3.7 Os arguidos e ora recorrentes responderam nos termos seguintes.
3.7.1 O arguido A., ora primeiro recorrente, questionando o decidido pelo TRC ao considerar que, independentemente de ter havido, ou não, impugnação da matéria de facto, o prazo máximo do recurso nunca poderia exceder os trinta dias, mesmo que o processo tivesse sido qualificado com de especial complexidade, respondeu o seguinte (cfr. fls. 11200 a 11205):
«(…) 11 - Em 11 de Maio de 2011, foi proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra Douto Acórdão, que pasme-se, decidiu manter a Decisão de não admissão cio recurso por extemporâneo, não pelas razões supra referidas, dado que a matéria de facto havia sido impugnada devidamente, mas sim porque se entendeu que o prazo de recurso nunca poderia exceder os 30 dias, considerando a Decisão da Primeira Instância de fls. 9868 e juridicamente inexistente. Porquanto,
12 - Entendeu o Venerando Tribunal que independentemente de ter havido ou não impugnação da matéria de facto o prazo máximo de recurso, no nosso ordenamento jurídico, nunca poderia exceder os 30 dias.
13 - Ou seja, entendeu o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que o art.° 107.° n.° 6 do CPP limita-se a permitir a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias e que mesmo havendo reapreciação da matéria de facto o prazo de recurso não pode exceder os 30 dias (permitam-nos o desabafo, mas se ao invés de um prazo de 10 dias tivesse sido concedido pela Primeira Instância um prazo de 30 dias como dispõe claramente o artigo supra identificado, ficaríamos nesta situação - processo simples recurso da matéria de facto 30 dias, processo de especial complexidade em que é prorrogado o prazo por 30 dias, teria igualmente o mesmo prazo). No nosso entendimento, e salvo melhor opinião, esse entendimento é ilegal e inconstitucional! Entendimento esse que esperamos ver reformulado por V. Exas., uma vez que, e atendendo às normas legais, e ao direito constitucional do arguido de recorrer, nenhuma outra conclusão se pode retirar, se não a ora defendida.
14 - É sobejamente sabido que este preceito legal deve ser entendido como um acréscimo de prazo. Neste mesmo sentido tem decidido os nossos Tribunais vd. AC. Trib. Da Relação do Porto de 7/7/2010, no Proc. 736/03.4 TOPRT.P1, “As alterações introduzidas pela lei n.° 48/2007 de 29/08, mormente ao disposto nos artigos 107.°, n.º 6 e 411.° do CPP, traduzem uma opção deliberada do legislador no sentido de admitir a possibilidade de prorrogação do prazo previsto nos n.°s 1 e 3 do art. 411.° do CPP, em procedimentos que se revelem de especial complexidade (havendo prorrogação, o prazo e interposição de recurso pode, em abstrato, chegar ao máximo de 20 + 30 = 50 dias), o que não exclui as situações em que o recurso tem igualmente por objeto a reapreciação da prova gravada.
Mas não só,
15 - O que se tem entendido, designadamente ao nível da jurisprudência do Tribunal Constitucional, é que o legislador não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer.
16 - Porém, no que concerne ao arguido em processo penal e de modo a assegurar-lhe uma plena garantia de defesa, como se encontra consagrado, a partir da Lei Constitucional de 1/97, de 20 /Set., no art. 32.°, n.° 1, parte final, deve-se-lhe garantir um efetivo direito ao recurso, mormente quando está em causa a sua condenação numa reação penal.
17 - Aliás, a CEDH, no seu Protocolo n.° 7, mediante o seu art. 2.°, n.º 1 veio estabelecer o comando geral que “Qualquer pessoa declarada culpada de uma infração penal por um tribunal tem o direito de fazer examinar por uma jurisdição superior a sua declaração de culpabilidade ou condenação...”
18 - Da que não sejam admissíveis, numa perspetiva dos direitos de defesa, as rejeições formais que limitem intoleravelmente, dificultem excessivamente, imponham entraves burocráticos ou restringem desproporcionalmente tal direito. É exatamente, o que está a suceder no presente caso. Um individuo foi condenado a 17 anos de prisão pela Primeira Instância e por razões adjetivas/processuais (descabidas de previsão legal), está a ver o seu direito de recurso coarctado, impedindo-se desta forma, que tal Decisão seja examinada por um Tribunal Superior, neste caso V. Exas., Tribunal da Relação de Coimbra.
19 - Por isso e em sede interpretativa do citado art. 107°, n.º 6 e 411, n.º 1 e 3, afigure-se-nos que está vedado um entendimento ou interpretação mediante o qual se fixem preceitos tão restritivos que na prática, suprimem esse direito de recurso, quando essa faculdade está legalmente prevista, mormente quando se pretende assegura de modo pleno as garantias de defesa do arguido.
20 - Em qualquer caso, ao não admitir-se o recurso com fundamento na sua extemporaneidade estar-se-á a violar o disposto no artigo 6° b) na Convenço Europeia dos Direitos do Homem.
21 — Ao decidir-se de outra forma está-se a fazer uma ilegal e inconstitucional interpretação do art.° 107.° n.º 6, conjugada com o art.° 411.° n.ºs 1, 3 e 4 ambos do CPP, por violação dos art.°s 203.°, 20.° n.° 1 e 32.° n.° 1 da CRP e art.° 6.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, entendimento que por certo será alterado por V. Exas, atendendo também ao juízo proferido pelo Tribunal Constitucional.
22 — Ou seja, o que está em causa no presente caso é o entendimento que é dado em Acórdão datado de 11 de Maio de 2011, em que é dito a fls. 9868 o seguinte:
“No estádio atual do ordenamento jurídico nacional, o prazo máximo de recurso de qualquer decisão judicial nunca poderá exceder 30 (trinta) dias, como claramente resulta da dimensão normativa decorrente dos arts. 411º, n°s 1, 3 e 4, e 107°, n° 6 do Código de Processo Penal, já que este último inciso (n° 6 do art. 107°) apenas excecionalmente — quando o procedimento se revelar de excecional complexidade — permite a prorrogação até àquele limite de 30 (trinta) dias dos prazos de 20 (vinte) dias prevenidos os n°s 1 e 3 do citado art. 411º, nenhuma outra modificação consentindo quanto ao especial, da mesma ordem de grandeza — 30 (trinta) dias, já excecionalmente prolongado, atinente a recursos cujo objeto consista na impugnação do julgado factual, fundada em específico conteúdo probatório que se encontre gravado, em estrita conformidade com a disciplina jurídico-processual postulada pelos n°s 1, 3 e 4, do C. P. Penal —, conferido pelo nº 4 do mesmo dispositivo (art 411°), cuja eventual/arbitrária alteração por decisão/judicial, porque invasiva da exclusiva competência legislativa sobre a matéria da Assembleia da República, se haverá axiomaticamente por inconstitucional e juridicamente inexistente (cfr. maxime, arts. 165°, nº 1, c), 203° e 204°, da Constituição Nacional). Ora, esse entendimento, como já tivemos oportunidade de defender não é compatível com o direito constitucional ao recurso, plasmado no art.° 32.° n.º1 da CRP, muito menos no caso do ora recorrente que foi condenado a uma pena de 17 anos de prisão, que no limite pode ver essa decisão apreciada pelo STJ.
23 - O ora recorrente não teve essa garanta de defesa num duplo grau de jurisdição, o que se pede aqui não é um segundo grau de recurso, mas sim que a Decisão de Primeira Instância que condenou o ora recorrente a 17 anos de prisão seja apreciada por um Tribunal Superior, num primeiro grau de recurso. O ora recorrente interpôs recurso da Decisão de 1ª Instância dentro do prazo legal. A interpretação que é dada ao art.° 107.° n.º 6 do CPP, conjugada com a norma do art.° 411.° n.° 3 e 4 do CPP, e serve de fundamento para se considerar o recurso extemporâneo, é inconstitucional por violação do art.° 32.° n.º 1, 20.° e 202.°, todos da CRP.
24 — É certo que o direito ao recurso só pode ser cabalmente exercido uma vez verificados e cumpridos todos os pressupostos e condições de que depende (nomeadamente, prazo de interposição). Contudo, também é certo que tais pressupostos e requisitos foram cabalmente respeitados pelo ora recorrente, tendo sempre por base a confiança na tutela jurisdicional e nas Decisões dos nossos Tribunais, mormente na Decisão da 1ª Instância que prorrogou o prazo de recurso.
25- Por isso e em sede interpretativa do citado art. 107.°, nº 6 e 411, n.º 1 e 3, todos do Código de Processo penal, afigura-se-nos que está vedado um entendimento ou interpretação mediante o qual se fixem preceitos tão restritivos que, na prática, suprimem esse direito de recurso, quando essa faculdade está legalmente prevista, mormente quando se pretende assegura de modo pleno as garantias de defesa do arguido.
26 - O recurso é um instrumento de impugnação de Decisões Judiciais colocado à disposição de vários sujeitos processuais, através do qual lhes é dada a oportunidade de submeterem uma Decisão Judicial à apreciação de uma instância Judicial Superior, em ordem à sua correção. Nessa medida, o direito ao recurso constitui naturalmente uma garantia de defesa do arguido.
27 - A Jurisprudência do Tribunal Constitucional tem tido oportunidade para salientar, por diversas vezes, que o direito ao recurso constitui uma das mais importantes dimensões das garantias de defesa do arguido em processo penal.
28 - Essa é, seguramente, uma das razões pelas quais, no âmbito dos recursos em processo penal, o Tribunal Constitucional é sobretudo chamado a pronunciar- se sobre a constitucionalidade de normas que colidam com o direito ao recurso do arguido.
29 - O Tribunal Constitucional tem uma Jurisprudência consolidada no sentido de que no n.° 1 do artigo 32.° da Constituição se consagra o direito ao recurso em processo penal, com uma das mas relevantes garantias de defesa do arguido. Mas também que a Constituição no impõe, direta ou indiretamente, o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, cabendo na discricionariedade do Legislador definir os casos em que se justifica o acesso à mais alta jurisdição, desde que não consagre critérios arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados, que foi o que sucedeu no caso dos presentes autos.
30 — Assim, face ao supra exposto, deve o recurso apresentado pelo arguido A. ser admitido por V. Exas., por tempestivamente interposto, sob pena de violação da Constituição da República Portuguesa. (…)».
3.7.2 O arguido B., ora segundo recorrente, questiona também o decidido pelo TRC ao não considerar que o prazo de trinta dias nunca poderia ser ultrapassado, considera existir uma segunda razão para questionar o decidido por aquele Tribunal – o trânsito em julgado do despacho proferido em 1.ª instância que prorrogou o prazo de interposição de recurso que não pode ser posto em causa pelo tribunal de recurso por consubstanciar caso julgado formal – e formula a final uma questão de inconstitucionalidade (cfr. n.º 12), respondendo nos termos seguintes (cfr. fls. 11552 a 11558):
«(…) 5. O acórdão de 11 de Maio de 2011 da Relação de Coimbra — que foi objeto do acórdão do Tribunal Constitucional ora em cumprimento — não contesta que essa reapreciação da matéria de facto, com base em prova gravada, fora efetivamente pedida.
Porém, manteve a decisão que julgou os recursos extemporâneos, porque, em qualquer caso, o prazo do recurso nunca poderia exceder os 30 dias, considerando a decisão da 1ª instância de fls. 9868 inconstitucional e juridicamente inexistente (sic).
É PRECISAMENTE SOBRE A POSSIBILIDADE DA REPONDERAÇÃO DE TAL ENTENDIMENTO QUE O ARGUIDO FOI AGORA NOTTFICADO PARA SE PRONUNCIAR, ASSIM SE CUMPRINDO O CONTRADITÓRIO EXIGIDO PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL.
6. Isto é, para a decisão ora em reponderação, independentemente de ter havido ou não impugnação da matéria de facto, aquilo que determinaria a extemporaneidade dos recursos seria o facto de que no estádio atual do ordenamento jurídico nacional, o prazo máximo de recurso de qualquer decisão judicial nunca poderá exceder 30 dias (sic).
Segundo tal entendimento, o art. 107° n° 6 do C.P.P. limitar-se-ia a admitir a prorrogação do prazo de 20 dias previsto no art. 411° nº 1 e 3 do C.P.P. até 30 dias, querendo com isto dizer que só se poderia fixar no conjunto um prazo máximo de 30 dias. E que, havendo reapreciação da matéria de facto com recurso à prova gravada, o prazo também não poderia exceder 30 dias.
Em qualquer caso, nunca o prazo poderia exceder 30 dias.
7. Tal tese — ora em reponderação — está errada. Ressalvado o devido respeito.
Tal tese lê mal, manifestamente mal, o art. 107° n° 6 do C.P.P., quando entende que os prazos em causa só podem ser prorrogados de forma a no ser ultrapassado um prazo de 30 dias, quando aquilo que o legislador quis foi permitir o adicionamento de 30 dias (até 30 dias) ao prazo inicial. Admite-se que a letra da lei possa ser equívoca, mas a evolução histórica do preceito, bem como a sua ratio, não confere margem para dúvida. Basta que se compare a redação vigente do art. 107° n° 6 do C.P.P. com a precedente, que não abrangia a matéria de recursos e admitia a prorrogação até ao limite máximo de 20 dias de prazos que já eram de 20 dias —, para no pode subsistir qualquer dúvida quanto ao facto de que a expressão prorrogar permite que o prazo em apreço possa ser aditado até ao limite de 30 dias, pelo que, havendo prorrogação, o prazo de interposição pode, em abstrato, chegar ao máximo de 50 dias.
8. Essa é, de resto, a jurisprudência consagrada nos tribunais portugueses. Veja-se, a título de exemplo, como julgou o Tribunal da Relação do Porto (proc. 736/03.4TOPRT.PI), em acórdão de 7/07/2010, que pode ser consultado em www.dgsi.com: As alterações introduzidas pela Lei n° 48/2007, de 29/8, mormente ao disposto nos arts. 107, n° 6 e 411º do CPP, traduzem uma opção deliberada do legislador no sentido de admitir a possibilidade de prorrogação de prazo previsto nos n°s 1 e 3 do artº 411 do CPP, em procedimentos que se revelam de excecional complexidade (havendo prorrogação, o prazo de interposição de recurso pode, em abstrato, chegar ao máximo de 20 + 30 = 50 dias), o que não exclui as situações em que o recurso tem igualmente por objeto a reapreciação da prova gravada.
9. Não merece, pois, qualquer censura a decisão da 1ª instância de fls. 9868, sendo despropositada a qualificação que lhe é atribuída pelo acórdão recorrido de “inconstitucional e juridicamente inexistente”.
10. Mas há uma segunda razão que também aponta o manifesto erro da tese subjacente ao acórdão de 11 de Maio de 2011, ora em reponderação.
É que o despacho de fls. 9868 — na medida em que fixou um prazo suplementar — não foi impugnado e, por isso, transitou em julgado, não podendo, nesse segmento, ser posto em causa pelo tribunal de recurso, consubstanciando um caso julgado formal.
De resto, o entendimento de que o art. 420º do C.P.P. pode ser interpretado no sentido de ser admissível que o tribunal de recurso rejeite, por extemporâneo, o recurso interposto dentro de prazo no impugnado fixado pela 1ª instância, seria inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança.
11. Finalmente, mesmo que assim não fosse, uma vez fixado o prazo em apreço pelo tribunal de 1ª instância, não mais poderiam os Recorrentes — que nele confiaram — ser prejudicados por terem acreditado naquilo que o juiz do processo fixara.
É o que igualmente decorre de um princípio geral de proteção de confiança e de um outro de lealdade processual — derivado de um processo equitativo —, que sempre seriam de aplicar ao caso concreto.
Basta que se tenha em conta o disposto no art. 161° n° 6 do C.P.C., que estipula que os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. Se é assim com os erros e omissões dos funcionários judiciais, como não haveria de ser com os erros e omissões dos Senhores Juízes?
12. Por cautela, argui-se a inconstitucionalidade da interpretação dada aos arts. 103° nºs 1 e 2-a), 104°, 107º n° 6 e 411° n°s 1-b), 2, 3 e 4 do CP.P; 144° nºs 1 e 2, 145° n° 3, e 677° do C.P.C., e 12° e 122° n°s l e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n° 3/99, de 13/01, conjugadamente considerados (total ou parcialmente), no sentido em que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado pelo juiz de 1ª instância, ao abrigo do art. 107° n° 6 do C.P.P., quando o tribunal de recurso entenda que a 1ª instância aplicou erroneamente tal norma legal, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo.».
3.7.3 Os restantes arguidos e ora demais recorrentes pronunciaram-se nos exactos termos em que o arguido B. o havia feito (cfr. fls. 11638 a 11643, n.ºs 4 a 11).
3.8 O TRC, por acórdão de 14/08/2012, confirmou, com os mesmos fundamentos (do seu acórdão de 11/05/2011), o anteriormente decidido quanto à inadmissibilidade de recurso da decisão condenatória proferida em 1.ª instância (cfr. fls 11650 a 11658), nos termos seguintes:
«(…) 2 — Como oportunamente se ajuizou6, e ora firmemente se reitera, no estádio atual do ordenamento jurídico nacional, o prazo máximo de recurso de qualquer decisão judicial nunca poderá exceder 30 (trinta) dias, como claramente resulta da dimensão normativa decorrente da conjugada interpretação dos arts. 411.º, ns. 1, 3 e 4, e 107.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, já que est’último inciso (n.º 6 do art.º 107.º) apenas excecionalmente (quando o procedimento se revelar de excecional complexidade) permite a prorrogação — substantivo obviamente significativo de prolongamento, entendimento, alongamento, espaçamento, retardamento, continuação, etc., e nunca de adição/soma, como é de palmar entendimento de qualquer indivíduo minimamente conhecedor do idioma português (de Portugal)! — até àquele limite de 30 (trinta) dias dos prazos de 20 (vinte) dias prevenidos nos ns. 1 e 3 do citado art.º 411.º — e não a adição de mais trinta dias (!) —, nenhuma outra modificação consentindo quanto ao especial, da mesma ordem de grandeza — de 30 (trinta) dias, já excecionalmente prolongado, atinente a recursos cujo objeto consista na impugnação do julgado factual, fundada em específico conteúdo probatório que se encontre gravado, em estrita conformidade com a disciplina jurídico-processual postulada pelos ns. 1, 3 e 4, do art.º 412.º do C.P. Penal —, conferido pelo n.º 4 do mesmo dispositivo (art.º 411.º).
De facto, como é de expectável conhecimento de qualquer jurista, constituindo fundamental exigência do intérprete da lei a presuntiva assunção de que o competente legislador terá sábia, expressa e adequadamente sabido exprimir e consagrar o respetivo pensamento — e propósito — pelos precisos dizeres do próprio texto normativo, como postulado pelos ns. 2 e 3 do art.º 9.º do Código Civil, haver-se-á lógica/necessariamente que inteligir que a Assembleia da República, órgão legislativo exclusivamente competente para definir as regras de direito processual penal, inclusive as atinentes a prazos processuais de recurso e de respetiva resposta, [vide al. c) do n.º 1 do art.º 165.º da Constituição Nacional], ao restritivamente estabelecer no n.º 6 do art.º 107.º do Código de Processo Penal a possibilidade de prorrogação, ou seja, de prolongamento, entendimento, alongamento, até ao limite máximo de 30 (trinta) dias dos prazos gerais de 20 (vinte) dias prevenidos sob os ns. 1 e 3 do art.º 411.º do mesmo compêndio legal — em casos de excecional complexidade —, com omissão do especial de 30 (trinta) dias definido no n.º 4 deste mesmo dispositivo, em caso algum quis permitir a dilação de qualquer prazo de recurso para além de tal barreira de 30 (trinta) dias.
Por conseguinte, qualquer eventual e arbitrária criação judicial de nova suposta norma ou dimensão jurídica tradutora do alargamento de tais prazos para além do textualmente firmado nos respetivos preceitos legais, porque inadmissivelmente invasiva da esfera de correspetiva competência da Assembleia da República, sempre axiomaticamente se haverá por juridicamente inexistente e, logo, de nenhum efeito, (cfr., máxime, arts. 3.º, ns. 2 e 3, 111.º, 203.º e 204.º, da Constituição).
3 — Como assim, qualquer que seja a perspetiva por que se analise a instância recursória inerente ao presente processo — pela excecional complexidade e/ou pela natureza jurídico-processual do respetivo objcto (ou seja, se efetivamente atine — ou não — à impugnação do julgado factual, em rigorosa conformidade legal, o que, aliás, se irreconheceu na referida decisão-sumária quanto aos recursos dos id.ºs sujeitos- arguidos) —, quer por decorrência do despacho de fls. 9868 (24.º vol.), operante da excecional prorrogação prevenida no n.º 6 do art.º 1 07.º do C. P. Penal, ou por virtual reunião dos pressupostos de aplicabilidade do prazo especial/alargado conferido pelo referido n.º 4 do art.º 411.º, nunca poderia ter sido validamente equacionada e permitida a ultrapassagem de tal incontornável extensão temporal para a manifestação/processamento em juízo de quaisquer dos enunciados recursos, na respetiva medida, dessarte, juridicamente inexistente. (…)».
4 — Decorrentemente, considerando que o questionado acórdão condenatório foi depositado em 27/08/2010, (cfr. termo de fls. 9.834), e, outrossim, que o processo se revestia de natureza urgente, por efeito da situação de prisão preventiva do arguido A., [cfr. arts. 103.º, n.º 2, al. a), e 104ºº, n.º 2, do CPP], o termo final de tal prazo máximo de 30 (trinta) dias fixou-se, inequivocamente, em 27 de Setembro de 2010, segunda-feira, primeiro dia útil sequente ao 30.º dia do respetivo lapso temporal, 26/09/2010, domingo, (vd. n.º 2 do art.º 144.º do C. P. Civil).
Logo, havendo as manifestações de vontade de interposição dos recursos dos arguidos A.f, C., E., F. e G., e, bem assim, de apresentação da motivação do de B., [cuja declaração fora prontamente exarada em ata, (cfr. fls. 9832/9833)], sido noticiadas em juízo em 07/10/2010 (A., C., E., F. e G. — vd. fls. 10.058 e 10.060, e 9.078 e 10.165) e em 11-12/10/2010 (B. — vd. fls. 10.212 e 10.374), muito para além, pois, do limite final do referido prazo, ter-se-á, apodicticamente, que concluir pela respetiva extemporaneidade e, consequentemente, pela preclusão do inerente direito, e, no que lhes respeita, pelo trânsito-em-julgado do questionado acórdão condenatório naquela data-limite de 27 de Setembro de 2010, como incontrolavelmente resulta da dimensão normativa decorrente da conjugada interpretação dos arts. 103.º, ns. 1 e 2, al. a), 104.º, 107.º, n.º 6, e 411.º, ns. 1, al. b), 2, 3 e 4, do C. P. Penal; 144.º, ns. 1 e 2, 145.º, n.º 3, e 677.º, do C. P. Civil; 12.º e 122.º, ns. 1 e 3, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13/01.
Não obstante o TRC não ter respondido expressamente à questão de inconstitucionalidade mencionada pelos Réus nas suas respostas, do teor da fundamentação do Acórdão daquele Tribunal decorre que a interpretação normativa perfilhada das normas conjugadas, em especial dos artigos 107.º, n.º 6 e 411.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, quanto ao prazo máximo de interposição de recurso de decisão condenatória proferida em 1.ª instância afasta, ao menos implicitamente, qualquer outra interpretação normativa, incluindo a defendida pelos ora recorrentes.
3.9 Os presentes recursos de constitucionalidade (cfr. fls. 11672 a 11684 e fls. 11700 a 11712) vêm, pois, interpostos, daquele acórdão do TRC proferido em 14/08/2012 – tendo os mesmos sido admitidos por despacho do TRC de 26/09/2012 (cfr. fls.11728 a 11729).
3.9.1 O primeiro recorrente, A., colocou a questão de inconstitucionalidade nos termos acima definidos (Supra, I, 2, 2.1).
3.9.2. Os demais recorrentes colocaram a questão de inconstitucionalidade nos termos acima indicados (supra, I, 2, 2.2) e conforme o anterior enunciado constante do ponto 12 da sua resposta ao despacho do TRC de 9/05/2012.
3.10 Notificados para apresentar alegações, todos os recorrentes apresentaram alegações, com o seguinte teor.
3.10.1 O primeiro recorrente concluiu, nos termos seguintes (cfr. fls. 11753 a 11773):
« (…) CONCLUSÕES:
1 – A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a do artigo 107.º n.º 6 do Código de Processo Penal, conjugada com os arts. 103º nºs 1 e 2-a), 104º, e 411º nºs 1-b), 2, 3 e 4 do C.P.P.; 144º nºs 1 e 2, 145º nº 3, e 677º do C.P.C., e 12º e 122º nºs 1 e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), no entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de 1ª instância, ao abrigo do art. 107º nº 6 do C.P.P., quando o Tribunal de recurso entenda que a 1ª Instância aplicou erroneamente tal norma legal, e entenda que mesmo com a prorrogação, o prazo máximo do recurso seria 30 dias. Tal entendimento é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo, bem como do direito ao recurso e das garantias de defesa consagradas nos art.ºs 203.º, 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
2 - O que está em causa no presente caso é o entendimento que é dado pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por Acórdão de 14 de Agosto de 2012, onde se refere a fls. 5 e 6 da Douta Decisão o seguinte: “2 – Como oportunamente se ajuizou, e ora firmemente se reitera, no estádio actual do ordenamento jurídico nacional, o prazo máximo de recurso de qualquer decisão judicial nunca poderá exceder 30 (trinta) dias, como claramente resulta da dimensão normativa decorrente da conjugada interpretação dos arts. 411º, nºs 1, 3 e 4, e 107º, nº 6 do Código de Processo Penal, já que este último inciso (nº 6 do art. 107º) apenas excepcionalmente (quando o procedimento se revelar de excepcional complexidade) permite a prorrogação – substantivo obviamente significativo de prolongamento, estendimento, alongamento, espaçamento, retardamento, continuação, etc., e nunca de adição/soma, como é de palmar entendimento de qualquer indivíduo minimamente conhecedor do idioma português (de Portugal)! - até àquele limite de 30 (trinta) dias dos prazos de 20 (vinte) dias prevenidos os nºs 1 e 3 do citado art. 411.º - e não adição de mais trinta dias (!) - , nenhuma outra modificação consentindo quanto ao especial, da mesma ordem de grandeza – 30 (trinta) dias, já excepcionalmente prolongado, atinente a recursos cujo objecto consista na impugnação do julgado factual, fundada em específico conteúdo probatório que se encontre gravado, em estrita conformidade com a disciplina jurídico-processual postulada pelos nºs 1, 3 e 4, do art.º 412.º do C.P.Penal –, conferido pelo nº 4 do mesmo dispositivo (art. 411º).”
Ora, esse entendimento, na nossa modesta opinião, e salvo melhor e mais Douto entendimento, é incompatível com o direito constitucional ao recurso, plasmado no art.º 32.º n.º 1 da CRP.
3 - O Acórdão da Primeira Instância foi depositado no dia 27 de Agosto de 2010 e por ter sido declarada a especial complexidade nos presentes autos e após ter sido requerido nos termos do disposto no art.º 107.º n.º 6 do CPP, foi determinado, em relação a todos os arguidos, por Douto Despacho do Mmo. Juiz da Primeira Instância, datado de 15/09/2010 que “… nos termos do disposto no art.º 107.º, n.º 6 do CPP, prorrogo de 20 para 30 dias o prazo de recurso previsto no art.º 411.º, n.º 1 e 3 do CPP, sem prejuízo do alargamento do prazo em mais 10 dias no caso de o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada.”
4 - Assim sendo, em nosso entender e atendendo à segurança jurídica que todas as Decisões dos nossos Tribunais devem conter, o prazo de recurso terminou no dia 7 de Outubro de 2010 (20+10+10=40), uma vez que, o recorrente recorreu de matéria de facto e cumpriu os requisitos do art.º 412.º do CPP.
5 - A se entender que o prazo prorrogado (10 dias) deveria ser adicionado ao prazo de 20 dias que a lei concede para recurso da matéria de direito (art.º 411, n.º 1 do CPP), mais 10 dias se fosse impugnada matéria de facto, o que sucedeu, então inevitável é concluir que o ora recorrente tinha 40 dias para recorrer, o que sucedeu, não existindo aqui qualquer dúvida de interpretação do idioma português.
6 - Tal recurso, foi e muito bem, em nossa modesta opinião, admitido por Douto Despacho da Primeira Instância datado de 5 de Novembro de 2010, Despacho esse que faz referência à prorrogação de prazo concedida, nos termos do disposto no art.º 107.º n.º 6 do CPP.
7 - Sucede que, tendo sido enviado o recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, foi proferida Decisão Sumária datada de 9 de Fevereiro de 2011, que rejeitou o recurso do ora recorrente por extemporâneo, porquanto, não obstante não ter conhecido do mérito da causa, se entendeu que não havia sido impugnada a matéria de facto, bem como não havia sido suscitada a reapreciação da prova gravada, razão pela qual não seria de aplicar o acréscimo de 10 dias constante do art.º 411.º n.º 4 do CPP.
8 - Tendo em conta que, tal não correspondia à verdade e que efetivamente, não só se recorreu da matéria de facto, bem como se cumpriu escrupulosamente os requisitos constantes no art.º 412.º n.ºs 3 e 4 do CPP, não pôde o ora recorrente conformar-se com tal Decisão Sumária, tendo uma vez mais, no prazo legal, reclamado para a conferência conforme dita o art.º 417.º n.ºs 6, 7 e 8 do CPP, arguindo desde logo a inconstitucionalidade de tal entendimento. Pelo que,
9 - Na reclamação, o ora recorrente demonstrou que efetivamente havia também recorrido da matéria de facto e cumprido, tal como supra se referiu, todos os requisitos exigidos pela nossa LEI, mais precisamente n.ºs 3 e 4 do art.º 412.º do CPP, tendo inclusive o ora recorrente transcrito, embora a nossa Lei tal não o imponha, determinadas passagens por forma a facilitar a sua exposição e assim melhor demonstrar as razões de facto e de direito da discordância da Decisão proferida pela Primeira Instância. Acontece que,
10 - Em 11 de Maio de 2011, foi proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra Douto Acórdão, que pasme-se, decidiu manter a Decisão de não admissão do recurso por extemporâneo, não pelas razões supra referidas, dado que a matéria de facto havia sido impugnada devidamente, mas sim porque se entendeu que o prazo de recurso nunca poderia exceder os 30 dias, considerando a Decisão da Primeira Instância de fls. 9868 “inconstitucional e juridicamente inexistente”.
11 - Entendeu o Venerando Tribunal que independentemente de ter havido ou não impugnação da matéria de facto, o prazo máximo de recurso, no nosso ordenamento jurídico, nunca poderia exceder os 30 dias. Este entendimento é, no nosso modesto entendimento, inconstitucional pelo que se requer a V. Exas. Que apreciem da referida inconstitucionalidade da norma do art.º 107.º n.º6 do Código de Processo Penal, conjugada com a norma do art.º 411.º n.º 3 e 4 do mesmo código, no entendimento que é dado pelo Tribunal da Relação de Coimbra,
interpretação essa violadora do disposto nos art.º 20.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 203.º da Constituição da República Portuguesa.
12 – Não se conformando com tal Acórdão, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso esse que não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por considerar ser inadmissível tal recurso com base no art.º 400.º n.º 1 al. C) do CPP. Do referido Despacho de não admissão, reclamou o ora recorrente para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que desatendeu a reclamação, entendendo que não cabida recurso da Decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, por força do disposto no art.º 400.º n.º 1 al. C) do CPP.
13 – Do Despacho do Vice-presidente do STJ, recorreu o arguido para o Tribunal Constitucional, que por Douto Acórdão de 6 de Março de 2012, sob o n.º 107/2012, foi dado provimento ao recurso apresentado pelo arguido A. e decidiu julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º,n.º1, da CRP, a norma da alínea c) do n.º 1 do artigo 400.º do CPP, interpretada no sentido de não haver recurso para o STJ de Acórdão da Relação que, sem prévio contraditório, considera intempestivo o recurso, admitido na 1ª instância, de decisão que condena o arguido em pena de prisão igual ou superior a oito anos de prisão;
14 – Neste seguimento, os autos baixaram ao Supremo Tribunal de Justiça, que, por sua vez, ordenou a remessa dos mesmos ao Tribunal da Relação de Coimbra para proferirem nova decisão, tendo em conta o juízo de inconstitucionalidade proferido. Assim, e na interpretação que fizeram da Douta Decisão do Tribunal Constitucional, o Tribunal da Relação de Coimbra notificou o ora recorrente para, em 10 dias, se pronunciar sobre a eventualidade da Relação (re)ponderar a extemporaneidade do respetivo recurso do acórdão condenatório, por ultrapassagem do limite máximo dos correspondentes prazos legais, previstos pela dimensão normativa dos art.º 411.º n.º 1, al. B) e c), 2, 3 e 4, e 107.º n.º 6 do Código de Processo Penal. Tendo desta forma, no entender dos mesmos garantido o contraditório do arguido, que fazia parte do juízo de inconstitucionalidade formulado por V. Exas.
15 – Por conseguinte, o arguido, no decurso desse prazo, pronunciou-se, pugnando pela tempestividade do recurso por si interposto, e arguindo, à cautela, a inconstitucionalidade de outro entendimento que pudesse vir a ser tomado pela Relação de Coimbra, o que acabou por suceder no Douto Acórdão de que ora se recorre.
16 - Ou seja, entende o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que o art.º 107.º n.º 6 do CPP limita-se a permitir a prorrogação do prazo de recurso de 20 para 30 dias e que mesmo havendo reapreciação da matéria de facto, o prazo de recurso não pode exceder os 30 dias (permitam-nos o desabafo, mas se ao invés de um prazo de 10 dias tivesse sido concedido pela Primeira Instância um prazo de 30 dias como dispõe claramente o artigo supra identificado, ficaríamos nesta situação - processo simples recurso da matéria de facto 30 dias, processo de especial complexidade em que é prorrogado o prazo por 30 dias, teria igualmente o mesmo prazo).
17 - Este entendimento, no nosso entender, é ilegal e inconstitucional por violação das garantias de defesa do arguido, nomeadamente no direito ao recurso, consagrado no art.º 32.º da nossa Lei Fundamental, direito esse fundamental num Estado de Direito Democrático, principalmente se estivermos a falar de um individuo que foi condenado pelo Tribunal Judicial de Mangualde numa pena de 17 (dezassete) anos de prisão, e não consegue ver essa condenação ser apreciada por um Tribunal Superior, quando no limite teria sempre direito a recorrer inclusive para o Supremo Tribunal de Justiça.
18 – No nosso entendimento, este preceito legal ( art.º 107.º n.º 6 do Código de Processo Penal) deve ser entendido como um acréscimo de prazo. Neste mesmo sentido tem decidido os nossos Tribunais, vd. AC. Trib. Da Relação do Porto de 7/7/2010, no Proc. 736/03.4 TOPRT.P1.
19 - O que se tem entendido, designadamente ao nível da jurisprudência do Tribunal Constitucional, é que o legislador não poderá suprimir ou inviabilizar globalmente a faculdade de recorrer, que é o que está a suceder neste caso em concreto.
20 - O ora recorrente não teve essa garantia de defesa num único grau de recurso, o que se pede aqui não é um segundo grau de recurso, mas sim que a Decisão de Primeira Instância que condenou o ora recorrente a 17 anos de prisão seja apreciada por um Tribunal Superior, num primeiro grau de jurisdição. O ora recorrente interpôs recurso da Decisão de 1.ª Instância dentro do prazo legal. A interpretação que é dada ao art.º 107.º n.º 6 do CPP, conjugada com a norma do art.º 411.º n.º 3 e 4 do CPP, e serve de fundamento para se considerar o recurso extemporâneo, é inconstitucional por violação do art.º 32.º n.º 1, 20.º e 202.º, todos da CRP.
21 - No que concerne ao arguido em processo penal e de modo a assegurar-lhe uma plena garantia de defesa, como se encontra consagrado, a partir da Lei Constitucional de 1/97, de 20/Set., no art. 32.º, n.º 1, parte final, deve-se-lhe garantir um efetivo direito ao recurso, mormente quando está em causa a sua condenação numa reação penal.
22 - Daí que não sejam admissíveis, numa perspetiva dos direitos de defesa, as rejeições formais que limitem intoleravelmente, dificultem excessivamente, imponham entraves burocráticos ou restringem desproporcionalmente tal direito. É exatamente, o que está a suceder no presente caso. Um indivíduo foi condenado a 17 anos de prisão pela Primeira Instância e por razões adjetivas/processuais erradas e inconstitucionais (por interpretações inconstitucionais das normas), está a ver o seu direito de recurso coarctado, impedindo-se desta forma, que tal Decisão seja examinada por um Tribunal Superior, POR UM ÚNICO GRAU DE JURISDIÇÃO.
23 – É certo que o direito ao recurso só pode ser cabalmente exercido uma vez verificados e cumpridos todos os pressupostos e condições de que depende (nomeadamente, prazo de interposição). Contudo, também é certo que tais pressupostos e requisitos foram cabalmente respeitados pelo ora recorrente, tendo sempre por base a confiança na tutela jurisdicional e nas Decisões dos nossos Tribunais, mormente na Decisão da 1.ª Instância que prorrogou o prazo de recurso, bem como, da própria ratio da lei.
24 - Por isso e em sede interpretativa do citado art. 107.º, n.º 6 e 411, n.º 1 e 3, todos do Código de Processo Penal, afigura-se-nos que está vedado um entendimento ou interpretação mediante o qual se fixem preceitos tão restritivos que, na prática, suprimem esse direito de recurso, quando essa faculdade está legalmente prevista, mormente quando se pretende assegura de modo pleno as garantias de defesa do arguido.
25 - O Acórdão da Relação de Coimbra faz uma inconstitucional interpretação do art.º 107.º n.º 6, conjugada com o art.º 411.º n.ºs 1, 3 e 4 ambos do CPP, por violação dos art.ºs 203.º, 20.º n.º 1 e 32.º n.º 1 da Constituição da Republica Portuguesa.
26 – Inconstitucionalidade essa que foi arguida desde sempre, nomeadamente na peça apresentada pelo recorrente, quando lhe foi concedido o prazo de 10 dias para se pronunciar sobre a (re)ponderação da extemporaneidade do recurso, cumprindo assim a Decisão do Tribunal Constitucional.
27 - Face ao supra exposto, e por se entender que a interpretação do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra é inconstitucional e por tal inconstitucionalidade ter sido arguida, tempestivamente, nomeadamente no requerimento de fls. 11211/11219, se requer que seja dado provimento ao presente recurso, e em consequência ser declarada a inconstitucionalidade do art.º 107.º n.º 6, do Código de Processo Penal, por violação dos art.º 20.º e 32.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.».
3.10.2 O segundo e os demais recorrentes, nos termos seguintes (cfr. fls. 11774 a 11788):
«(…) II - O ENTENDIMENTO NORMATIVO EM APREÇO
20. Segundo o acórdão recorrido, o art. 107° no 6 do C.P.P. limitar-se-ia a admitir a prorrogação do prazo de 20 dias previsto no art. 411° n° 1 e 3 do C.P.P. até 30 dias, querendo com isto dizer que só se poderia fixar no conjunto um prazo máximo de 30 dias. E que, havendo reapreciação da matéria de facto com recurso à prova gravada, o prazo também não poderia exceder 30 dias. Em qualquer caso, nunca o prazo poderia exceder 30 dias.
21 Os Recorrentes entendem que a interpretação da lei, efetuada pelo acórdão recorrido, está errada, mas, como é evidente, não é isso que constitui o objeto do presente recurso.
22. O presente recurso versa sobre uma dada interpretação normativa que viola princípios constitucionais elementares.
23. No presente recurso, está em causa a interpretação normativa, adotada pelo acórdão recorrido da Relação de Coimbra, que decorre das passagens acima transcritas nos arts. 16° a 19° destas alegações e de onde é extraída a tese da extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de 1ª instância, ao abrigo do art. 107° n° 6 do C.P.P..
24. Tal interpretação normativa — expressa ou implícita — dada aos arts. 103° n°s 1 e 2-a), 104°, 107°n°6 e 411°n°s 1-b), 2, 3 e 4 do C.P.P.; 144°n°s 1 e2, 145°n°3, 677° do C.P.C., e 12° e 122° n°s 1 e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei no 3/99, de 13/01, conjugadamente considerados (total ou parcialmente), no sentido em que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do Juiz de 1ª instância, ao abrigo do art. 107° n° 6 do C.P.P., quando o tribunal de recurso entenda que a 1ª instância aplicou erroneamente tal norma legal, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo, bem como do direito ao recurso e das garantias de defesa consagradas no art. 32° n° l da CRP.
25. Tal inconstitucionalidade foi arguida nos requerimentos dos Recorrentes supra referidos nos n°s 13 e 14, tal como já o tinha sido no recurso efetuado para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. supra n° 11).
26. O acórdão recorrido no se pronuncia expressamente sobre a inconstitucionalidade arguida, mas é indubitável que o faz implicitamente, tendo em conta que a inconstitucionalidade fora suscitada e a Relação de Coimbra discorre abundamente sobre o texto constitucional, concluindo que, em nenhuma situação ou sob qualquer perspetiva, se pode adotar um entendimento normativo que valide um prazo fixado por despacho judicial que ultrapasse, para este efeito, um prazo máximo de 30 dias.
27. É, pois, inequívoco que o entendimento adotado teve em conta a inconstitucionalidade tempestivamente arguida.
28. E não podem restar quaisquer dúvidas quanto à inconstitucionalidade do entendimento normativo em pauta.
29. É que seria manifestamente incompatível com o princípio geral de proteção da confiança — ínsito à matriz de um Estado de Direito — e com o princípio de um processo equitativo — onde assenta o valor da lealdade processual que se admitisse que, fixado pela 1ª instância o prazo para a interposição o recurso — através de despacho no impugnado e por isso transitado em julgado —, pudesse o tribunal de recurso rejeitá-lo por extemporâneo, quando os Recorrentes o interpuseram no prazo fixado pelo tribunal a quo.
E daí decorre a vio1aço do direito ao recurso e do núcleo essencial das garantias de defesa que a CRP salvaguarda.
Tais princípios e valores esto igualmente consagrados na CEDH (cfr. art. 6° e art. 2° do protocolo n° 7).
30. Basta que se tenha em conta o disposto o art. 161° n.º 6 do C.P.C., que estipula que os erros e omissões dos atos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes. Se assim é com os erros e omissões dos funcionários judiciais, como não haveria de ser com os erros e omissões dos Senhores Juízes?
31. A tese de que os Recorrentes pudessem ser prejudicados por terem “acreditado” no prazo que o juiz — através de despacho não impugnado — fixou para o exercício do seu direito ao recurso chega a gerar estupefação, porque, a admitir-se tal doutrina, ficaria irremediavelmente comprometida a confiança das partes na ação do juiz (através de quem é exercido o poder judicial, um dos poderes em que assenta a soberania popular).
Não são precisas muitas palavras...
O entendimento normativo adotado pelo acórdão recorrido apouca direitos elementares de qualquer sujeito processual, sustentando uma tese que consubstancia uma grosseira deslealdade processual, que devia envergonhar quem respeita a justiça como um valor central de qualquer sociedade humana.
CONCLUSÔES
A) Segundo o acórdão recorrido, o art. 107° n° 6 do C.P.P. limitar-se-ia a admitir a prorrogação do prazo de 20 dias previsto no art. 41 1° n° l e 3 do C.P.P. até 30 dias, querendo com isto dizer que só se poderia fixar no conjunto um prazo máximo de 30 dias. E que, havendo reapreciação da matéria de facto com recurso à prova gravada, o prazo também não poderia exceder 30 dias. Em qualquer caso, nunca o prazo poderia exceder 30 dias.
B) Os Recorrentes entendem que a interpretação da lei, efetuada pelo acórdão recorrido, está errada, mas, como é evidente, não ó isso que constitui o objeto do presente recurso. O presente recurso versa sobre uma dada interpretação normativa que viola princípios constitucionais elementares.
C) No presente recurso, está em causa a interpretação normativa, adotada pelo acórdão recorrido da Relação de Coimbra, que decorre das passagens acima transcritas nos arts. 16° a 19° destas alegações e de onde é extraída a tese da extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de instância, ao abrigo do art. 107° n° 6 do C.P.P..
D) Tal interpretação normativa — expressa ou implícita dada aos arts. 103° nºs 1 e 2-a), 104°, 107° n° 6 e 411° nos 1-b), 2, 3 e 4 do C.P.P.; 144° n°s 1 e 2, 145° n° 3, e 677° do C.P.C., e 12° e 122° nos i e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n° 3/99, de 13/01, conjugadamente considerados (total ou parcialmente), no sentido em que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de 1ª instância, ao abrigo do art. 107° n° 6 do C.P.P., quando o tribunal de recurso entenda que a 1ªinstância aplicou erroneamente tal norma legal, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo, bem como do direito ao recurso e das garantias de defesa consagradas no art. 32° n° 1 da CRP.
E) Tal inconstitucionalidade foi arguida nos requerimentos dos Recorrentes supra referidos nos n°s 1 3 e 1 4, tal como já o tinha sido no recurso efetuado para o Supremo Tribunal de Justiça (cfr. supra n° 11).
F) O acórdão recorrido no se pronuncia expressamente sobre a inconstitucionalidade arguida, mas é indubitável que o faz implicitamente, tendo em conta que a inconstitucionalidade fora suscitada e a Relação de Coimbra discorre abundamente sobre o texto constitucional, concluindo que, em nenhuma situação ou sob qualquer perspetiva, se pode adotar um entendimento normativo que valide um prazo fixado por despacho judicial que ultrapasse, para este efeito, um prazo máximo de 30 dias.
G) E não podem restar quaisquer dúvidas quanto ã inconstitucionalidade do entendimento normativo em pauta. É que seria manifestamente incompatível com o princípio geral de proteção da confiança — ínsito à matriz de um Estado de Direito — e com o principio de um processo equitativo — onde assenta o valor da lealdade processual — que se admitisse que, fixado pela 1ª instância o prazo para a interposição o recurso — através de despacho no impugnado e por isso transitado em julgado —, pudesse o tribunal de recurso rejeitá-lo por extemporâneo, quando os Recorrentes o interpuseram no prazo fixado pelo tribunal a quo. E daí decorre a violação do direito ao recurso e do núcleo essencial das garantias de defesa que a CRP salvaguarda. Tais princípios e valores estão igualmente consagrados na CEDH (cfr. art 6° e art. 2° do protocolo n° 7).
H) A tese de que os Recorrentes pudessem ser prejudicados por terem acreditado no prazo que o juiz — através de despacho não impugnado — fixou para o exercício do seu direito ao recurso chega a gerar estupefação, porque, a admitir-se tal doutrina, ficaria irremediavelmente comprometida a confiança das partes na ação do juiz (através de quem é exercido o poder judicial, um dos poderes em que assenta a soberania popular).
I) O entendimento normativo adotado pelo acórdão recorrido apouca direitos elementares de qualquer sujeito processual, sustentando uma tese que consubstancia uma grosseira deslealdade processual, que devia envergonhar quem respeita a justiça como um valor central de qualquer sociedade humana.
Termos em que deve ser declarada a inconstitucionalidade do entendimento normativo em pauta, com as legais consequências.».
3.11 Notificado para apresentar alegações, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal apresentou contra-alegações, concluindo: pela inadmissibilidade e não conhecimento do recurso quanto ao recorrente A., por falta do requisito de suscitação adequada da questão de constitucionalidade “durante o processo” e de forma adequada (cfr. 3. Conclusões, 1 e 2); e, quanto aos demais recorrentes, pela inconstitucionalidade da norma que resulta da interpretação dos artigos 107.º, nº 6 e 411.º, n.ºs 1 3 e 4 do C.P.P. e 677.º do Código de Processo Civil, no sentido em que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos do prazo fixado pelo juíz de 1.ª instância, ao abrigo do art.º 107.º, n.º 6 do C.P.P., quando o tribunal de recurso entenda que a 1.ª instância aplicou erroneamente tal norma legal, por violação do princípio da confiança (artigo 2º da Constituição) em conjugação com as garantias de defesa do arguido em processo penal (artigo 32º, nº 1, da Constituição) e, em consequência, pela concessão de provimento ao recurso (cfr. 3. Conclusões, 3 a 8). E assim concluiu com os fundamentos seguintes:
«(…) 2. Questão prévia: inadmissibilidade do recurso, quanto ao recorrente A.
2.1. Este recorrente pretende ver apreciada a questão que, no requerimento recursório identificou e atrás transcrevemos (vd 1.12.).
O recorrente afirma que suscitou a questão quando da resposta que apresentou na sequência da notificação do despacho do Senhor Desembargador Relator (n.ºs 1.7 e 1.8).
Efectivamente, vendo o acórdão recorrido, o que foi posteriormente proferido mantendo a decisão anterior sobre a extemporaneidade do recurso (vd. n.º 1.11), esse seria o momento processual adequado para tal.
Vendo o que consta dessa peça processual, ali não vem enunciada a questão que agora o recorrente elege como objecto do recurso.
Efectivamente ali, fala-se da forma desarticulada, quer do prazo ter sido prorrogado na 1.ª instância, quer do prazo de trinta dias não poder ser ultrapassado, como entendeu a Relação.
Mencionam-se também princípios constitucionais, mas não se define com clareza uma interpretação normativa e, sobretudo, aquela que agora coloca à apreciação deste Tribunal Constitucional.
Quando de uma forma expressa adianta qual o entendimento que entende ser violador das garantias de defesa, transcreve um largo texto do acórdão da Relação, de 11 de Maio de 2011, o qual, lendo o seu conteúdo, não se pode considerar que constitua a suscitação de forma minimamente clara, precisa e processualmente adequada de uma questão de inconstitucionalidade normativa.
Não tendo, pois, sido suscitada “durante o processo” e de forma adequada a questão de inconstitucionalidade que o recorrente, agora, com o recurso para o Tribunal Constitucional, pretende ver apreciada por este Tribunal, falta um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
3. Apreciação do mérito do recurso interposto pelos restantes recorrentes
3.1. Com interesse para apreciação da questão de constitucionalidade temos, em síntese, os seguintes factos:
- o processo foi qualificado como de especial complexidade, o que levou ao alargamento do prazo da questão preventiva;
- os arguidos, após a 1.ª instância ter proferido o acórdão condenatório requereram, nos termos do artigo 107.º, n.º 6, do CPP, o alargamento do prazo de recurso, em dez dias;
- o Senhor Juíz, fundamentadamente, deferiu o pedido e prorrogou de 20 para 30 dias o prazo do recurso previsto no artigo 411.º, n.ºs 1 e 3 do CPP, sem prejuízo do prazo em mais dez dias no caso de o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada (fls. 11.238);
- como, na sua perspectiva, o recurso interposto tinha por objecto a reapreciação da prova gravada, os arguidos, dentro do prazo fixado na segunda parte do douto despacho, apresentaram e motivaram os respectivos recursos, para a Relação de Coimbra;
- os recursos foram admitidos;
- na Relação, na sequência da reclamação para a conferência, foi proferido acórdão que entendendo que o prazo nunca poderia ser alargado para além dos trinta dias – como se tinha entendido no despacho proferido em 1ª instância - e como tinha sido ultrapassado, rejeitou-os por extemporaneidade;
- posteriormente, na sequência da tramitação de que demos conta anteriormente, na Relação, foi proferido novo acórdão – o acórdão recorrido no recurso para o Tribunal Constitucional – que “renovou o juízo firmado” no acórdão anterior.
3.2. Relembrando a tramitação do processo e o decidido pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 107/2012, diremos que o fundamento encontrado para a Relação rejeitar, por extemporaneidade, o recurso, quer no primeiro acórdão, quer no posterior que o confirmou, não constava da decisão sumária, objecto da reclamação para a conferência.
Foi precisamente porque sobre esse novo e imprevisto fundamento nunca aos arguidos havia sido dada oportunidade de se pronunciarem, que o Tribunal Constitucional entendeu (Acórdão n.º 107/2012) que era inconstitucional não haver recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, desse acórdão da Relação.
3.3. Quanto ao mérito do recurso parece-nos assistir razão aos recorrentes, já que efectivamente a interpretação normativa subjacente ao acórdão recorrido, ao admitir que o Tribunal superior, ao aferir oficiosamente da tempestividade da interposição do recurso, possa pôr em causa precedentes decisões das instâncias que – porque não impugnadas – constituem caso julgado formal, com directa incidência na questão da tempestividade, afronta os princípios do acesso ao direito e das garantias de defesa, no caso dos arguidos.
O princípio do acesso ao direito e a garantia do processo equitativo comportam uma dimensão de segurança e previsibilidade dos comportamentos processuais, tutelando adequadamente as legítimas expectativas em que a parte fez assentar a sua estratégia processual, face à “consolidação” de fases processuais precedentes ou à utilização de determinados meios impugnatórios (cfr., v.g., os acórdãos nºs 678/98, 485/00 e 260/02).
Como é evidente, tal tutela da confiança surge reforçada quando as “expectativas” da parte aparecem associadas à anterior prolação de uma decisão susceptível de constituir caso julgado formal, porque não oportunamente impugnada por nenhum sujeito do processo, delineando e construindo naturalmente a parte a sua estratégia processual ulterior à luz de uma decisão que – justificadamente - teve por imutável.
E tais expectativas colhem particular relevo no domínio dos prazos processuais, não parecendo compatível com as exigências do “processo equitativo” a permanente “revisibilidade”, ao longo do processo, da decisão que conferiu a algum sujeito processual a faculdade de praticar o acto em prazo alargado, ao deferir a prorrogação peticionada.
Quanto a este aspecto, poderá invocar-se o regime constante do artigo 486º, nºs 5 e 6, do Código de Processo Civil: apesar de, nesta sede, não serem obviamente convocáveis as “garantias de defesa”, o regime de prorrogação dos prazos peremptórios para apresentação dos articulados procurou acautelar as referidas exigências de certeza e segurança. Na verdade, ao impor ao juiz um prazo excepcionalmente curto para decidir acerca da prorrogação peticionada, com derrogação do contraditório e exclusão do direito ao recurso, impondo uma notificação célere ao requerente, procura naturalmente obviar-se a que – não suspendendo a apresentação do requerimento de prorrogação o curso do prazo peremptório a decorrer – a parte se possa ver confrontada com uma situação de dúvida prolongada acerca da concessão ou denegação da pretendida prorrogação.
Ora, como é evidente, tais exigências de certeza e segurança ganham particular reforço quando o recurso em causa é um recurso penal do arguido, não podendo efectivamente admitir-se que a “confiança” por ele depositada na precedente decisão que deferiu a prorrogação seja abalada com a reponderação oficiosa da sua justificabilidade material pelo tribunal “ad quem”.
3.4. Também o Tribunal Constitucional sempre que se pronunciou sobre questões de inconstitucionalidade idênticas à que agora constitui objecto do recurso, proferiu juízos de inconstitucionalidade.
Assim o Acórdão n.º 39/2004, julgou inconstitucional a norma do nº 1 do artigo 420º do CPP, na interpretação segundo a qual é extemporâneo o recurso interposto pelo novo defensor do arguido dentro do prazo reiniciado a partir da sua nomeação, depois de ter sido proferido em 1ª instância despacho, não impugnado, a interromper o anterior prazo de interposição de recurso, motivado por pedido de escusa do anterior patrono, deduzido na sua pendência.
O Acórdão n.º 159/2004 julgou inconstitucional a norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 66.º, n.º 4, e 411.º, n.º 1, do CPP, segundo a qual o prazo para interposição do recurso, de 15 dias, se conta ininterruptamente a partir da data do depósito da decisão na Secretaria, mesmo no caso de recusa de interposição do recurso por parte do defensor oficioso nomeado, cuja substituição foi requerida, o que foi deferido por o tribunal a quo considerar existir justa causa para essa substituição.
O Acórdão nº 722/2004, julgou inconstitucional a norma do artigo 414º, nº 3, do CPP, na interpretação segundo a qual é permitida a destruição, pelo tribunal superior, de efeitos anteriormente produzidos por uma decisão não impugnada da primeira instância que declarou “interrompido” o prazo em recurso para o arguido recorrer.
Por último, referiremos o acórdão 44/2004 que julgou inconstitucionais os artigos 411.º, n.º 1, e 420.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual tais normas permitiriam a destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada da primeira instância quanto à prorrogação do prazo de recurso.
No processo onde foi proferido este Acórdão, a situação era em tudo semelhante á dos presentes autos.
O tribunal de 1.ª instância, aplicando analogicamente o artigo 698.º, n.º 6, do Código de Processo Civil, a pedido do arguido havia prorrogado por dez dias o prazo para interposição do recurso em que se impugnava a matéria de facto.
A Relação entendendo que a concessão do requerido benefício de prazo para interposição do recurso e o seu deferimento não tinha o mínimo apoio na letra, ou no espírito da lei, sendo perfeitamente ilegal, rejeitou o recurso por extemporaneidade.
Diz-se no Acórdão:
“4. A questão de constitucionalidade suscitada nos presentes autos consubstancia-se na eventual violação de princípios constitucionais relacionados com as garantias de defesa, a segurança jurídica e a confiança pelo critério normativo segundo o qual um tribunal superior, aferindo oficiosamente da tempestividade da interposição de um recurso em processo penal, ponha em causa decisões precedentes das instâncias quanto à prorrogação de prazos processuais, que não tenham sido objecto de qualquer impugnação.
Com efeito, tendo sido prorrogado o prazo do arguido para recorrer da matéria de facto pela primeira instância, com base na aplicação subsidiária do artigo 698º, nº 6, do Código de Processo Civil, sem que tivesse havido qualquer impugnação, veio o Tribunal da Relação de Coimbra, oficiosamente, considerar intempestivo o recurso interposto pelo arguido dentro daquele prazo prorrogado.
Está, assim, em causa, como ratio decidendi, ainda que implicitamente, o critério normativo derivado dos artigos 411º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, nos termos do qual o prazo consagrado em tais normas poderia ser estritamente aplicado por um tribunal superior, revogando um despacho judicial não impugnado que tenha concedido a prorrogação de tal prazo.
Trata-se, pois, de um critério normativo relacionado com a força vinculativa emanada da regulamentação daqueles prazos processuais em circunstâncias concretas em que os mesmos prazos foram prorrogados pela primeira instância.
5. Não está em causa, no presente processo, nem a constitucionalidade dos concretos prazos processuais nem qualquer direito constitucionalmente tutelado à prorrogação dos mesmos. No recurso sub judicio, a única questão relevante é a da alteração de uma decisão de primeira instância quanto à prorrogação de prazos com fundamento no disposto em normas reguladoras de prazos, que não contemplam qualquer possibilidade de prorrogação.
Ora, a interpretação dos artigos 411º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal que faz decorrer dos mesmos uma força vinculativa que ultrapassa a situação jurídico-processual resultante da não impugnação de decisão anterior que concedera a prorrogação do prazo põe manifestamente em causa a confiança jurídica que a estabilidade de uma decisão judicial não impugnada gera no arguido enquanto sujeito processual.
Independentemente de se saber se a prorrogação dos prazos determinada pela decisão judicial de primeira instância corresponde a uma interpretação correcta do direito ordinário, ou mesmo se aquela decisão quanto a uma prorrogação de prazo deveria ter sido notificada a todos os sujeitos processuais, é claro que, uma vez produzidos os efeitos dessa decisão, eles não poderiam ser posteriormente destruídos, abalando as expectativas do arguido relativamente ao prazo de que disporia para recorrer alicerçadas numa decisão judicial não impugnada.
O princípio do Estado de direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas manifestações, e portanto também dos tribunais, ao Direito criado ou determinado anteriormente, de modo definitivo. Assim, não é legítimo que uma decisão ao abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos (o que, de resto, aqui não se poderá analisar nem está em causa como problema de constitucionalidade), venha a ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa-fé da actividade processual do arguido, nomeadamente o exercício normal do seu direito de defesa.
6. Em face das considerações anteriores, o Tribunal Constitucional entende que, no presente caso, a interpretação das normas em crise levada a cabo pelo Tribunal recorrido viola o artigo 2º em conjugação com o artigo 32º, nº 1, da Constituição”.
Podemos ainda acrescentar que nos processos em que foram proferidos os acórdãos citados, sempre o Ministério Público, nas contra-alegações que então apresentou, sustentou a inconstitucionalidade.
3.5. Naturalmente que a ser concedido provimento ao presente recurso, tal não significa ou conduz a que a Relação tenha de conhecer da matéria de facto.
Ao decidir não pode, contudo, a Relação ignorar ou considerar irrelevantes os efeitos produzidos pelo despacho que, na 1ª instância, prorrogou o prazo e posteriormente admitiu os recursos.
3. Conclusões:
1. Como o recorrente A. não suscitou adequadamente durante o processo a questão de inconstitucionalidade que, no requerimento de interposição do recurso, identifica como seu objecto, falta um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abriga da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
2. Quanto a este recorrente, não deverá, pois, tomar-se conhecimento do objecto do recurso.
3. Num processo qualificado de especial complexidade, a pedido dos arguidos, o prazo de interposição do recurso de decisão proferida em 1ª instância foi prorrogado por 10 dias para além dos 30, nos termos do artigo 107º, nº 6, do CPP, caso o recurso tivesse objecto a reapreciação da prova gravada.
4. Apresentado e motivado o recurso dentro do prazo estabelecido e tendo, segundo os recorrentes, o recurso por objecto a reapreciação da prova gravada, foi o mesmo admitido.
5. A Relação, entendendo que em nenhumas circunstâncias – ou seja, em processos qualificados como de excepcional complexidade e em que o recurso tivesse por objecto a prova gravada - o prazo de recurso podia ir além dos 30 dias, rejeitou o recurso por extemporaneidade.
6. Com esta decisão foram integralmente destruído os efeitos anteriormente produzidos pela decisão, não impugnada, que, na 1ª instância, havia prorrogado o prazo.
7. Assim, a norma que resulta da interpretação dos artigos 107.º, nº 6 e 411.º, n.ºs 1 3 e 4 do C.P.P. e 677.º do Código de Processo Civil, no sentido em que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos do prazo fixado pelo juiz de 1.ª instância, ao abrigo do art.º 107.º, n.º 6 do C.P.P., quando o tribunal de recurso entenda que a 1.ª instância aplicou erroneamente tal norma legal, é inconstitucional por violação do princípio da confiança (artigo 2º da Constituição) em conjugação com as garantias de defesa do arguido em processo penal (artigo 32º, nº 1, da Constituição).
8. Termos em que, nesta parte, deverá conceder-se provimento ao recurso. (…)».
A) Da admissibilidade do recurso interposto por A.
4. Nas suas contra-alegações, o Ministério Público pronunciou-se no sentido do não conhecimento do recurso interposto pelo primeiro recorrente, A., com fundamento na não observância do ónus de suscitação adequada, durante o processo, da questão de constitucionalidade que, no requerimento de interposição do recurso, identifica como seu objecto, pelo que faltaria um requisito de admissibilidade do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC.
4.1 A verificação do cumprimento do ónus de suscitação adequada durante o processo da questão de constitucionalidade – requisito, entre outros, de admissibilidade dos recursos interpostos, como é o caso, ao abrigo da alínea b) do artigo 70.º da LTC – implica, em primeiro lugar, a identificação do momento processual adequado para o efeito. No caso os recorrentes foram expressamente confrontados com a interpretação em causa no despacho do TRC de 9/5/2012 que os convida a pronunciarem-se sobre a mesma, pelo que o momento processual adequado para a suscitação processual da questão de constitucionalidade é o da resposta ao referido despacho de 9/5/2012.
4.2 Importa por isso, em segundo lugar, aferir se a questão de constitucionalidade, tal como o primeiro recorrente a configura no seu requerimento de interposição de recurso para este TC, foi, naquele momento, suscitada de modo adequado.
Segundo o representante do MP junto deste Tribunal, «não se define com clareza uma interpretação normativa e, sobretudo, aquela que agora coloca à apreciação deste Tribunal Constitucional», pelo que entende que naquela resposta não vem enunciada a questão que o recorrente ora pretende eleger como objecto do recurso.
4.3 No seu requerimento de interposição de recurso para este Tribunal o primeiro recorrente identificou o objecto do recurso e a questão de constitucionalidade nos seguintes termos (cfr. fls. 11672-11673):
«(…) 1 - A norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é a do artigo 107.° n.º 6 do Código de Processo Penal, conjugada com os arts. 103° nºs 1 e 2-a), 104°, e 411° n°s 1-b), 2, 3 e 4 do C.P.P.; 144° n°s 1 e 2, 145° n° 3, e 677° do C.P.C. e 12° e 122° n°s 1 e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), no entendimento do Tribunal da Relação de Coimbra que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de 1ª instância, ao abrigo do art. 107° no 6 do C.P.P., quando o Tribunal de recurso entenda que a 1ª instância aplicou erroneamente tal norma legal, e entenda que mesmo com a prorrogação, o prazo máximo do recurso seria 30 dias, tal entendimento é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo, bem como do direito ao recurso e das garantias de defesa consagradas nos art.°s 203.°, 20.° n.° 1 e 32.° n.º 1 da Constituição da República Portuguesa. (…)».
4.4 O objeto do recurso assim identificado no requerimento dirigido a este Tribunal não coincide integralmente com a questão de inconstitucionalidade alegadamente suscitada na resposta ao despacho do TRC de 9/05/2012.
Naquela resposta, a referência à questão de constitucionalidade e às normas e princípios constitucionais que se consideram violados, decorre, em especial, do disposto nos n.ºs 21, 22, último parágrafo, e 23, último parágrafo – tendo por referente a interpretação plasmada na decisão do TRC de 11/05/2011 segundo a qual em nenhum caso o prazo de interposição de recurso poderá exceder 30 dias e cuja alteração por decisão judicial é inconstitucional e juridicamente inexistente. Da conjugação do alegado naqueles números, decorre que as normas em causa são as normas dos artigos 107.º, n.º 6, e 411.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP – interpretadas com o sentido que lhe foi dado pela decisão do TRC de 11/05/2011 – e que as normas e princípios constitucionais alegadamente violados são o artigo 32.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, e 202.º/203.º da CRP, ainda que o recorrente desenvolva essencialmente a vertente do direito constitucional ao recurso em processo penal (cfr. n.ºs 24 e ss. da resposta).
Afigura-se – ainda que por referência à interpretação normativa dos artigos 107.º, n.º 6, e 411.º, n.ºs 1, 3 e 4 do CPP, plasmada no acórdão do TRC de 11/05/2011 – que a questão de inconstitucionalidade normativa se encontra enunciada com um mínimo de clareza e precisão – ainda que um âmbito menor quanto aos preceitos cuja interpretação normativa se pretende seja apreciada por este Tribunal e quanto às normas e princípios constitucionais invocados. E tal é confirmado pelo facto de a interpretação normativa contestada constituir o fundamento da decisão do TRC de 14/08/2012.
4.5 Pelo exposto, o recurso interposto pelo primeiro recorrente, A., apenas pode ser admitido e objeto de conhecimento por este Tribunal com o objeto decorrente do enunciado efectuado nos n.ºs 21, 22, último parágrafo, e 23, último parágrafo, da sua resposta ao despacho do TRC de 9/05/2012 – e assim, quanto à interpretação normativa dos artigos 107.º, n.º 6, e 411.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP, plasmada na decisão do TRC de 11/05/2011.
4.6 E, ainda que assim não se entendesse, no caso de o recurso apresentado junto deste Tribunal pelos demais recorrentes obter provimento, sempre poderia ser aplicável o disposto no n.º 3 do artigo 74.º da LTC, em matéria de extensão do recurso.
B) Do mérito dos recursos
5. Tendo em conta o supra exposto, a questão de constitucionalidade sobre a qual este Tribunal é chamado a pronunciar-se, no âmbito da fiscalização concreta, na sua versão formulação mais abrangente enunciada pelo segundo e demais recorrentes, é a de saber se «a interpretação normativa — expressa ou implícita dada aos arts. 103° nºs 1 e 2-a), 104°, 107° n° 6 e 411° nos 1-b), 2, 3 e 4 do C.P.P.; 144° n°s 1 e 2, 145° n° 3, e 677° do C.P.C., e 12° e 122° nos 1 e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), aprovada pela Lei n° 3/99, de 13/01, conjugadamente considerados (total ou parcialmente), no sentido em que deve ser julgada a extemporaneidade de recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho (não recorrido) do juiz de 1ª instância, ao abrigo do art. 107° n° 6 do C.P.P., quando o tribunal de recurso entenda que a 1ª instância aplicou erroneamente tal norma legal, é inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo, bem como do direito ao recurso e das garantias de defesa consagradas no art. 32° n° 1 da CRP».
Em suma, se interpretação normativa do n.º 6 do artigo 107.º do Código de Processo Penal, conjugado com os n.ºs 1, b) e c), 2, 3 e 4, do artigo 411.º do mesmo Código – e, ainda, porventura, quanto ao segundo e demais recorrentes, com os artigos arts. 103° nºs 1 e 2-a), 104° do CPP e os 144° n°s 1 e 2, 145° n° 3, e 677° do C.P.C., e 12° e 122° nos 1 e 3 da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – no sentido da extemporaneidade do recurso interposto de decisão condenatória proferida em 1.ª instância quando o mesmo tenha sido interposto no prazo [de 30 dias, sem prejuízo da sua extensão em mais 10 dias no caso de ser requerida a reapreciação de prova (num total de 20+10+10=40 dias)], fixado por decisão, não recorrida, do juiz de 1.ª instância, ao abrigo do n.º 6 do artigo 107.º do CPP [julgada errónea, inconstitucional e inexistente pelo tribunal de recurso], viola os artigos 32.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, e 203.º da CRP – e quanto ao segundo e demais recorrentes, os princípios constitucionais da proteção da confiança e do processo equitativo, bem como do direito ao recurso e das garantias de defesa também consagradas no art. 32° n° 1 da CRP.
6. Quanto à apreciação da questão de constitucionalidade, afigura-se pertinente equacionar os aspetos seguintes.
6.1 A questão de constitucionalidade ora colocada ao Tribunal Constitucional, em sede de fiscalização concreta, reporta-se a uma interpretação normativa de um conjunto de normas que tem por efeito pôr em causa decisão, não recorrida, em matéria de prazo de interposição de recurso de decisão penal condenatória proferida em primeira instância, prorrogado nos termos das normas processuais reguladoras de prazos.
A questão do prazo máximo de interposição de recurso de decisão penal condenatória proferida em 1.ª instância fixado pelo legislador de acordo com a sua margem de liberdade conferida pela Constituição – 30 dias ou superior, resultante da conjugação, em especial, dos artigos 107.º, n.º 6, e 411.º do CPP –, não pode constituir objeto dos presentes recursos. Não há, pois, que apreciar a correção da interpretação conjugada dos artigos 107.º, n.º 6, e 411.º, n.ºs 1, 3 e 4, do CPP aplicada pela decisão recorrida.
Constitui, sim, objeto dos presentes recursos de constitucionalidade a apreciação da conformidade com a Constituição da interpretação normativa, subjacente ao acórdão recorrido, das normas indicadas pelos recorrentes segundo a qual é considerado extemporâneo um recurso de decisão penal condenatória, interposto para além do prazo de 30 dias, não obstante a fixação de prazo diferente por decisão de primeira instância não recorrida.
6.2 Das normas infraconstitucionais cuja interpretação normativa conjugada, total ou parcialmente, alegadamente contrária às normas e princípios constitucionais invocados, os recorrentes pretendem ver apreciada por este Tribunal, apenas as normas conjugadas dos artigos 107.º, n.º 6, e 411.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 se afiguram relevantes por constituírem o fundamento da interpretação normativa questionada, sobre a qual os ora recorrentes foram chamados a pronunciar-se exercendo o contraditório, e plasmada na decisão recorrida (cfr. acórdão do TRC de 14/08/2012, n.ºs 2 e 3). Já a conjugação daquelas normas com as demais invocadas pelo segundo e demais recorrentes não se afigura essencial, na medida em que apenas constituem a ratio da decisão recorrida quanto ao cômputo, em concreto, do prazo de recurso decorrente daquela interpretação normativa e consequente trânsito em julgado da sentença condenatória (cfr. acórdão do TRC de 14/08/2012, n.º 4).
6.3 A questão que cumpre apreciar, com a delimitação supra enunciada, não foi, enquanto tal, até à data, objeto específico da atenção deste Tribunal.
Não obstante, são vários os acórdãos deste Tribunal relevantes para o presente caso que se pronunciaram sobre questões de constitucionalidade semelhantes e, assim, sobre interpretações normativas de tribunal superior que, indo no sentido da extemporaneidade do recurso, punham em causa, implicitamente, decisões de instância inferior, não recorridas, em matéria de prazos de interposição de recurso susceptíveis de modelar a conduta dos sujeitos processuais – vide os Acórdãos n.ºs 39/2004, 159/2004, 44/2004 e 722/2004 (todos disponíveis em http://tribunalconstitucional.pt).
6.3.1 Especial importância para o caso dos autos tem, pela sua similitude com o presente caso o acórdão n.º 44/2004, pois também aí a questão de constitucionalidade suscitada se prendia com a aferição, por tribunal superior, da tempestividade de recurso em matéria penal, pondo em crise decisão precedente proferida em primeira instância quanto à prorrogação de prazo processual para interposição de recurso (assim constituindo o direito de intervenção processual dos arguidos) que não tenha sido objecto de impugnação.
Nesse aresto, em tudo próximo do presente, “ a questão de constitucionalidade suscitada (…) consubstancia-se na eventual violação de princípios constitucionais relacionados com as garantias de defesa, a segurança jurídica e a confiança pelo critério normativo segundo o qual um tribunal superior, aferindo oficiosamente da tempestividade da interposição de um recurso em processo penal, ponha em causa decisões precedentes das instâncias quanto à prorrogação de prazos processuais, que não tenham sido objecto de qualquer impugnação.
Com efeito, tendo sido prorrogado o prazo do arguido para recorrer da matéria de facto pela primeira instância, com base na aplicação subsidiária do artigo 698º, nº 6, do Código de Processo Civil, sem que tivesse havido qualquer impugnação, veio o Tribunal da Relação de Coimbra, oficiosamente, considerar intempestivo o recurso interposto pelo arguido dentro daquele prazo prorrogado.
Está, assim, em causa, como ratio decidendi, ainda que implicitamente, o critério normativo derivado dos artigos 411º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, nos termos do qual o prazo consagrado em tais normas poderia ser estritamente aplicado por um tribunal superior, revogando um despacho judicial não impugnado que tenha concedido a prorrogação de tal prazo”.
Foram então julgados inconstitucionais os artigos 411º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual tais normas permitiriam a destruição dos efeitos anteriormente produzidos de uma decisão não impugnada da primeira instância quanto à prorrogação do prazo de recurso, por violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança e das garantias de defesa consagrados, respectivamente, nos artigos 2º e 32º, nº 1, da Constituição. Revendo a respectiva fundamentação:
“No recurso sub judicio, a única questão relevante é a da alteração de uma decisão de primeira instância quanto à prorrogação de prazos com fundamento no disposto em normas reguladoras de prazos, que não contemplam qualquer possibilidade de prorrogação.
Ora, a interpretação dos artigos 411º, nº 1, e 420º, nº 1, do Código de Processo Penal que faz decorrer dos mesmos uma força vinculativa que ultrapassa a situação jurídico processual resultante da não impugnação de decisão anterior que concedera a prorrogação do prazo põe manifestamente em causa a confiança jurídica que a estabilidade de uma decisão judicial não impugnada gera no arguido enquanto sujeito processual.
Independentemente de se saber se a prorrogação dos prazos determinada pela decisão judicial de primeira instância corresponde a uma interpretação correcta do direito ordinário, ou mesmo se aquela decisão quanto a uma prorrogação de prazo deveria ter sido notificada a todos os sujeitos processuais, é claro que, uma vez produzidos os efeitos dessa decisão, eles não poderiam ser posteriormente destruídos, abalando as expectativas do arguido relativamente ao prazo de que disporia para recorrer alicerçadas numa decisão judicial não impugnada.
O princípio do Estado de direito impõe uma vinculação do Estado em todas as suas manifestações, e portanto também dos tribunais, ao Direito criado ou determinado anteriormente, de modo definitivo. Assim, não é legítimo que uma decisão ao abrigo da qual se constitua um direito de intervenção processual, ainda que baseada numa eventual interpretação errónea do direito, mas não arbitrária ou ela mesma flagrantemente violadora de direitos (o que, de resto, aqui não se poderá analisar nem está em causa como problema de constitucionalidade), venha a ser destruída pondo em causa o prosseguimento com boa fé da actividade processual do arguido, nomeadamente o exercício normal do seu direito de defesa.”
6.3.2 Esta linha de entendimento encontra-se também presente no Acórdão nº 39/04, em que se analisa um “[...] processo em que a interrupção do prazo do recurso, declarada por decisão do tribunal a quo, seja considerada inválida pelo tribunal ad quem, mesmo quando os restantes intervenientes processuais se conformaram com tal interpretação, nenhum deles reagindo contra esse despacho, o direito de recurso antes reconhecido por decisão judicial em certos termos – num certo prazo que restava – vem a ser praticamente inutilizado pelo tribunal ad quem, sendo frustrada a confiança legítima depositada pelo recorrente na anterior decisão do tribunal a quo, contra a qual nenhum outro sujeito processual reagiu”.
Como se pode ler nesse aresto, “ o que se tem de concluir é que a interpretação do artigo 420º, n.º 1, do Código de Processo Penal em apreciação, ao levar a considerar como intempestivo o recurso interposto dentro do prazo fixado por despacho do tribunal a quo, apesar de este não ter sido impugnado, afronta directamente o n.º 1 do artigo 32º da Constituição da República, ofende os princípios da segurança e certeza jurídicas, e retira ao processo aqui em causa as características de um due process of law”.
6.3.3 No Acórdão n.º 159/04 entendeu-se ferida de inconstitucionalidade uma interpretação normativa de tribunal superior que reviu decisão do tribunal de primeira instância a qual assentava nos seguintes considerandos: “importa sublinhar que o arguido solicitou, no dia 28-03-2002 (ou seja, no decurso do referido prazo de interposição do recurso), a substituição do defensor que lhe havia sido oficiosamente nomeado, por forma a impugnar o acórdão que o condenou, afirmando que a então defensora oficiosa se recusava a satisfazer a sua pretensão (de recorrer).
Deferindo-se tal requerimento do arguido, veio a ser-lhe nomeada nova defensora oficiosa, por despacho de fls. 411, notificado a esta (incluindo o acórdão proferido) no dia 16-05-2002.
Ora, não obstante o teor do art. 66°, n.° 4, do C.P.P., afigura-se-nos que, in casu, e atentos os motivos invocados pelo arguido como fundamento do seu requerimento de substituição de defensor oficioso, se deverá contar o prazo de interposição do recurso a partir da notificação da defensora oficiosa operada no dia 16-05-2002. Só assim se salvaguardará, na nossa opinião, o direito de recorrer do arguido, o qual merece protecção constitucional (art. 32°, n.° 1, da C.R.P.).”
Concluiu o Tribunal Constitucional que “havendo recusa de um (concreto) defensor em interpor recurso de uma decisão – e não esquecendo que ‘o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido’ (artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não se vê por que deixar o arguido à mercê de tal posição – que, inclusivé, poderá configurar-se completamente infundamentada. Em tal circunstância e sindicada a existência de justa causa, a tutela constitucional das efectivas garantias de defesa dos arguidos não só deve abranger a possibilidade de o arguido ser assistido por um novo defensor, como também permitir que este possa, ainda em tempo, praticar, em concreto, o acto – interposição do recurso – que deu causa à justa substituição.
Pelo que, a norma resultante da interpretação conjugada dos artigos 66.º, n.º 4, e 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, segundo a qual o prazo para interposição do recurso, de 15 dias, se conta ininterruptamente a partir da data do depósito da decisão na Secretaria, mesmo no caso de recusa de interposição do recurso por parte do defensor oficioso nomeado, cuja substituição foi requerida, é inconstitucional por violação do disposto no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.”.
6.3.4 Também próximo do caso que nos ocupa, dirigiu-se o julgamento de inconstitucionalidade proferido no Acórdão nº 722/04 à norma do artigo 414º, n.º 3, do Código de Processo Penal, “na interpretação segundo a qual é permitida a destruição, pelo tribunal superior, de efeitos anteriormente produzidos por uma decisão não impugnada da primeira instância que declarou ‘interrompido’ o prazo em curso para o arguido recorrer”, por violação dos princípios da segurança jurídica, da confiança e das garantias de defesa consagrados nos artigos 2º e 32º, n.º 1, da Constituição.
Pois também ali se entendeu que não havia que “equacionar se a interpretação do n.º 3 do art.º 414º do Código de Processo Penal aplicada pela decisão recorrida é ou não a solução correcta do ponto de vista infraconstitucional. Tal interpretação impõe-se como um dado ou pressuposto (enquanto corporizando o objecto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade) ao Tribunal Constitucional, apenas lhe competindo confrontá-la com os parâmetros constitucionais.
O que está em causa não é, aliás, qualquer questão de disponibilidade dos prazos processuais mas antes a confiança legítima que o tribunal criou com a sua decisão transitada em julgado”.
7. A doutrina dos referidos Acórdãos mostra-se aplicável ao caso sub judicio, pois também neste a questão relevante é a da alteração de uma decisão de 1.ª instância quanto à prorrogação do prazo para interposição de recurso com fundamento em normas reguladoras de prazos, resultando de um critério normativo que habilitaria o tribunal superior, aquando da recusa de admissão de recurso por extemporaneidade, a desconsiderar os efeitos produzidos por decisão de instância inferior referente ao quadro temporal do exercício do direito de recurso dos arguidos de decisão condenatória em processo penal.
Ora essa interpretação normativa dos artigos 107.º, n.º 6, e 411.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Penal afigura-se contrária à CRP sob a ótica dos parâmetros relevantes analisados – artigos 2.º e 32.º, n.º 1 da CRP.
Não pode, pois, deixar de se concluir que os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança decorrentes do princípio do Estado de Direito plasmado no artigo 2.º da Constituição e, bem assim, as garantias de defesa em processo penal, em concreto, o direito de recurso de decisões judiciais condenatórias, consagradas no artigo 32.º, n.º 1, também da Constituição, são intoleravelmente afetados, daqui resultando um juízo de inconstitucionalidade da interpretação normativa em causa.
III – Decisão
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) julgar inconstitucional, por violação dos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança consagrados no artigo 2.º da Constituição e das garantias de defesa em processo penal consagradas no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 107.º, n.º 6, conjugada com as normas do artigo 411.º, n.ºs 1, 2, 3 e 4, todas do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que um tribunal superior pode julgar extemporâneo um recurso interposto nos termos de prazo fixado por despacho anterior não recorrido e, em consequência,
b) conceder provimento aos recursos, devendo o processo ser devolvido ao tribunal “a quo” para que seja reformada a decisão recorrida de acordo com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 9 de Janeiro de 2013. – Maria José Rangel de Mesquita – Vítor Gomes – Carlos Fernandes Cadilha – Catarina Sarmento e Castro (com declaração) – Maria Lúcia Amaral
DECLARAÇÃO DE VOTO
Fiquei vencida, quanto ao conhecimento, no que diz respeito ao recurso interposto por A.. A meu ver, o recorrente não cumpriu o ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade que erigiu como objecto do recurso.
Na verdade, o cumprimento do pressuposto de admissibilidade do recurso, agora em apreciação, pressupõe que a questão de constitucionalidade normativa definida no requerimento de interposição de recurso seja previamente levantada, junto do tribunal a quo, de uma forma expressa, directa e clara, exigindo-se, desde logo, que a mesma seja claramente enunciada, de modo a que, se o Tribunal Constitucional vier ulteriormente a formular um juízo de inconstitucionalidade, possa reproduzir tal enunciação – admitindo-se alguma fluidez no exacto arco normativo seleccionado - na decisão que proferir, “por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental” (cfr. Acórdão n.º 178/95, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, no caso concreto, analisada a peça processual em que o recorrente refere ter suscitado previamente a questão de constitucionalidade colocada, verifica-se que, em nenhum momento, o mesmo enuncia, de forma clara e precisa, o critério normativo que posteriormente vem a especificar, no requerimento de interposição de recurso, não cumprindo assim, de forma adequada, o ónus de suscitação prévia, perante o tribunal a quo, a que estava adstrito. Perante tal incumprimento, ficou definitivamente prejudicada a admissibilidade do presente recurso de constitucionalidade.
Nestes termos, concordando com a posição assumida pelo Ministério Público, não teria conhecido do objecto do recurso.
Lisboa, 9 de janeiro de 2013.
Catarina Sarmento e Castro
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