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Processo n.º 675/12
3.ª Secção
Relator: Conselheira Catarina Sarmento e Castro
Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional
I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, A. veio interpor recurso, para o Tribunal Constitucional, do Acórdão de 11 de abril de 2011, proferido pelo referido Supremo Tribunal.
2. No requerimento de interposição de recurso, refere o recorrente que o mesmo se funda no disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, com as alterações posteriores (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante, LTC).
Delimita o respetivo objeto, nos seguintes termos:
“(…) deverá ser fixada jurisprudência que considere inconstitucional a al. f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal quando interpretada no sentido de não assegurar/impedir o recurso de um Acórdão da Relação que confirme decisão da 1ª instância e condene em pena de prisão superior a 8 anos de prisão;”
e
“(…) que considere bastar – para que o recurso tenha que ser aceite ao abrigo da al. f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal – que a pena final aplicada seja superior a esse limite, ou seja, independentemente de aquela pena final aplicada ser o resultado da soma de várias penas de prisão por cada um dos crimes praticados (ainda que inferiores a 8 anos de prisão);”
3. Por decisão de 27 de junho de 2012, tal recurso não foi admitido, por ser intempestivo.
Na fundamentação da mesma, pode ler-se o seguinte:
“(…) O acórdão ora objeto de impugnação para o Tribunal Constitucional foi notificado ao arguido e recorrente A. em 16 de abril do ano em curso, mediante via postal registada (…)
Na sequência da notificação daquela decisão entendeu o arguido e recorrente dela reclamar para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, invocando o artigo 405°, do Código de Processo Penal, reclamação que, obviamente, não foi sequer conhecida, com o fundamento de que: «… o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não pode conhecer da reclamação de um acórdão do S.T.J., dado que a sua competência para decidir reclamações prevista no artigo acima referido apenas se reporta aos despachos de retenção ou não admissão de recursos proferidos na instância inferior.
No seguimento desta decisão o arguido e recorrente A. interpôs o recurso para o Tribunal Constitucional ora em análise, recurso que deu entrada em juízo em 1 de junho do ano em curso (segundo afirma o arguido e recorrente em 28 de maio), e que de acordo com alegação pelo mesmo produzida no respetivo requerimento, está em tempo, visto que o prazo para a sua interposição se conta a partir da data em foi notificado da decisão que incidiu sobre a reclamação que apresentou ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ou seja, 11 de maio (…).
O n.º 1 do artigo 75º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, estabelece que o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias.
Evidentemente que o prazo de interposição de recurso conta-se a partir da data da prolação da decisão de que se recorre, mais precisamente da data em que o recorrente dela tem conhecimento ou é notificado, a menos que a decisão tenha sido objeto de arguição de nulidade ou de pedido de aclaração, caso em que o prazo do recurso conta-se a partir da data da notificação da decisão que julgar aqueles incidentes.
Assim sendo, tendo sido o arguido e recorrente notificado do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça em 16 de abril do ano corrente, mediante via postal registada, o prazo para dele recorrer terminou no dia 30 de abril.
Termos em que, por intempestivo, não se admite o recurso interposto pelo arguido e recorrente A. para o Tribunal Constitucional.”
É desta decisão, datada de 27 de junho de 2012, que o recorrente presentemente reclama.
4. Para fundamentar a reclamação apresentada, refere o recorrente que foi notificado do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça – que rejeitou o recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação - por ofício enviado pelo correio em 16 de abril de 2012, pelo que o prazo para reclamar, nos termos do artigo 405.º do Código de Processo Penal, se iniciou em 20 de abril, cessando em 30 de abril do mesmo ano. Nestes termos, foi apresentada tempestivamente reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, sendo que o reclamante se considera notificado da decisão da reclamação, que não conheceu do seu objeto, em 16 de maio de 2012, cessando o prazo para interpor recurso para o Tribunal Constitucional no dia 28 de maio do mesmo ano.
Conclui, desta forma, o reclamante que o recurso de constitucionalidade interposto é tempestivo, pelo que, julgando-se procedente a presente reclamação, deverá tal recurso ser admitido.
5. O Ministério Público, no Tribunal Constitucional, pugna pelo indeferimento da reclamação.
Para fundamentar tal posição, refere o Ministério Público que o reclamante, confrontado com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que rejeitou o recurso interposto, lançou mão de um meio impugnatório inexistente no ordenamento jurídico - a reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de um acórdão proferido pelo mesmo Tribunal – apenas curando de interpor recurso de constitucionalidade após ter sido notificado da rejeição de tal meio ostensivamente inidóneo.
Não tendo o reclamante interposto o recurso para o Tribunal Constitucional no prazo de dez dias contados da notificação da decisão recorrida, ou seja, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, tal aresto transitou em julgado, porquanto a utilização de um meio impugnatório inexistente não preclude a formação de caso julgado.
Pelo exposto, sendo intempestivo o requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, deve a reclamação ser indeferida.
Acresce que, em todo o caso, não se verificam os pressupostos de admissibilidade do recurso, já que, sendo este interposto ao abrigo da alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, não aplicou o Supremo Tribunal de Justiça qualquer norma ou interpretação normativa já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Pelo contrário, a decisão recorrida seguiu a jurisprudência deste Tribunal sobre a matéria.
Cumpre apreciar e decidir.
II - Fundamentos
6. Com relevância para a questão que cumpre apreciar, nos presentes autos, consideram-se demonstrados os seguintes factos e ocorrências processuais:
a) O acórdão recorrido – que rejeitou o recurso do acórdão do Tribunal da Relação, interposto pelo reclamante - foi notificado por via postal registada, mediante ofício dirigido ao Defensor do arguido, aqui reclamante, com data de envio de 16 de abril de 2012.
b) O reclamante reclamou de tal acórdão, invocando o disposto no artigo 405.º do Código de Processo Penal, através de peça processual enviada por fax a 26 de abril de 2012.
c) Por decisão de 8 de maio de 2012, o Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça decidiu não conhecer da reclamação, tendo tal decisão sido notificada ao reclamante, por via postal registada, mediante ofício dirigido ao Defensor do arguido, aqui reclamante, com data de envio de 11 de maio de 2012.
d) O requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional foi enviado, pelo reclamante, pelo correio com data de registo de 31 de maio de 2012.
7. Nos termos do n.º 1 do artigo 75.º da LTC, o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional é de dez dias.
Tal prazo inicia-se com a notificação da decisão recorrida, nos termos do n.º 1 do artigo 685.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 69.º da LTC.
Porém, o n.º 2 do artigo 75.º da LTC estabelece que, quando a parte interponha recurso ordinário, que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, a contagem do prazo inicia-se no momento em que se torna definitiva a decisão que não admite o recurso.
A prorrogação do prazo extraível do referido n.º 2 é ainda aplicável quando a parte utiliza um outro meio impugnatório legalmente previsto, inserível na normal tramitação pós-decisória, como arguição de nulidade da decisão, requerimento de retificação, aclaração ou reforma, devendo entender-se que o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade só se inicia com a notificação da decisão proferida sobre o requerimento respetivo.
Todavia, tal prorrogação não opera quando o recorrente utilize um meio impugnatório anómalo ou inexistente no ordenamento jurídico.
A propósito de situação semelhante à verificada nos presentes autos, pode ler-se no Acórdão n.º 1/2004 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt) o seguinte:
“ (…) deveriam ter interposto o recurso de constitucionalidade no prazo de 10 dias, contado a partir da notificação deste acórdão, não se podendo considerar que este prazo só terá começado a correr, nos termos do n.º 2 do artigo 75.º da LTC, a partir do momento em que se teria tornado definitiva a decisão do Vice-Presidente do STJ que não conheceu da anómala “reclamação” deduzida para o Presidente do STJ contra aquele acórdão.
Na verdade, como se salienta no parecer do Ministério Público, a “prorrogação” do prazo de interposição do recurso de constitucionalidade, prevista no artigo 75.º, n.º 2, da LTC só ocorre quando tenha sido interposto “recurso ordinário” (ou figuras equiparáveis, como a reclamação para o presidente do tribunal superior contra despachos do tribunal a quo de não admissão ou de retenção de recursos, ou como a reclamação para a conferência de despachos dos relatores) legalmente previsto, que venha a não ser admitido com o específico fundamento da irrecorribilidade da decisão, e já não quando o recorrente lança mão de um meio processual obviamente inexistente no ordenamento adjetivo, como seja a reclamação para o Presidente do STJ de um acórdão proferido por esse mesmo Supremo Tribunal.
Este Tribunal já decidiu, no Acórdão n.º 641/97, que “o prescrito no n.º 2 do artigo 75.º da Lei n.º 28/82 há-de ser entendido como reportado a recursos ordinários efetivamente previstos no ordenamento jurídico, e não a modos de impugnação de que as «partes» lancem mão mas que, ou são recursos não qualificáveis como recursos ordinários, ou são formas impugnativas não previstas nem admissíveis por aquele ordenamento, ou são recursos que, muito embora a lei os qualifique como ordinários, não podem, como tal, ser tidos em vista para efeitos daquele preceito (cf. sobre este último ponto, por entre muitos, o Acórdão deste Tribunal n.º 181/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º volume, 485 a 494)”, e, assim, decidiu que, no caso então em apreço, “os aludidos recurso para o plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça e a reclamação dirigida ao Presidente desse Supremo não tinham qualquer suporte legal e, consequentemente, não se pode dizer que aquelas formas de impugnação de que se serviram os ora reclamantes se integram na expressão «recurso ordinário» utilizada no mencionado n.º 2 do artigo 75.º”(…).
Pelas mesmas razões, a “reclamação” para o Presidente do STJ (…) não teve a virtualidade de interromper o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional contra o acórdão do STJ (…), sendo manifestamente extemporâneo tal recurso (…).”
Aplicando as considerações expendidas no caso concreto, teremos de concluir que o requerimento de interposição de recurso é manifestamente intempestivo.
Na verdade, tendo sido o reclamante notificado, por via postal registada, mediante ofício enviado a 16 de abril de 2012, considera-se a notificação efetuada a 19 de abril do mesmo ano, nos termos do artigo 113.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Pelo exposto, em 20 de abril, iniciou-se o prazo de interposição do recurso de constitucionalidade ordinário, que terminou no dia 30 de abril, atenta a circunstância de o último dia do prazo corresponder a um domingo, transferindo-se assim o terminus para o dia útil subsequente.
Tendo a reclamante interposto o recurso de constitucionalidade apenas no dia 31 de maio de 2012, após acionamento de meio processual anómalo e, por isso, insuscetível de interromper o prazo previsto no n.º 1 do artigo 75.º da LTC, considera-se tal recurso manifestamente extemporâneo, o que determina a improcedência da reclamação.
III – Decisão
8. Pelo exposto, decide-se julgar inadmissível o recurso de constitucionalidade interposto e, em consequência, julgar improcedente a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta, ponderados os critérios referidos no artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de outubro (artigo 7.º, do mesmo diploma).
Lisboa, 6 de dezembro de 2012.- Catarina Sarmento e Castro – Vítor Gomes – Maria Lúcia Amaral.
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